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Ainda o Dia Mundial Quântico, que se assinala a 14 de abril, está longe de ser comemorado e já a Google deu um passo em frente para que os computadores quânticos, que ainda estão numa “fase embrionária”, possam avançar. Para cumprir a promessa de que são capazes de resolver problemas que estão além da capacidade dos computadores clássicos, há um grande desafio: a correção de erros.
E, pela primeira vez, a tecnológica liderada por Sundar Pichai conseguiu aumentar o tamanho do computador quântico sem que a quantidade de erros subisse. Na realidade, a taxa de erro até diminuiu. Numa publicação no blog da Google, foi o próprio CEO a anunciar a novidade. Os investigadores do Quantum AI (o laboratório da empresa especializado em computação quântica) “demonstraram experimentalmente que é possível reduzir os erros aumentando o número de qubits [bits quânticos]”.
A Google acredita que, um dia, os computadores quânticos vão permitir “identificar moléculas para novos medicamentes, criar fertilizantes utilizando menos energia, projetar tecnologias sustentáveis mais eficientes, de baterias a reatores de fusão nuclear, e fazer investigações físicas que vão levar a avanços que ainda não podemos imaginar”. Para aí chegarmos ainda há um longo caminho a percorrer. Três anos depois de atingir a supremacia quântica, a empresa atinge um segundo marco histórico.
A descoberta da Google e a sensibilidade dos computadores quânticos
Os computadores convencionais, denominados pelos especialistas da área como “clássicos”, têm um sistema binário: funcionam com 0 e 1; só pode existir um de cada vez. A Física Quântica, porém, permite a existência de uma sobreposição dos dois algoritmos. Desta forma, segundo a revista Science, os computadores quânticos utilizam bits quânticos (qubits) que podem ser definidos como 0 e 1 ao mesmo tempo. Esses qubits são “tão sensíveis” que até a luz difusa origina erros de cálculo. É um problema que se agrava à medida que o tamanho dos computadores quânticos aumenta.
Yasser Omar, professor do Instituto Superior Técnico, explica que existem dois tipos de qubits: o bit quântico lógico, que “codifica a informação que o computador processa para fazer contas ou simulações”, e o bit quântico físico, que é uma “peça de hardware que pode estar numa sobreposição do estado 0 e do estado 1”. São precisos “muitos bits quânticos físicos para proteger um bit quântico lógico dos erros”. Ao Observador, o também presidente do Instituto Português de Quântica explica que “quanto mais bits quânticos tivermos — que é o objetivo — mais hipóteses de erro existem porque há sempre imperfeições no hardware”: “Quanto mais hardware tiver, mais imperfeições podem existir e mais erros pode haver”.
A investigação da Google conseguiu mostrar experimentalmente que utilizando um código com 49 qubits e com capacidade de correção de dois qubits consegue-se obter uma menor probabilidade de erro do que um código de 17 qubits e a capacidade de correção de um qubit. Confuso? Na prática, o que isto significa é que a tecnológica conseguiu aumentar os bits quânticos físicos, o hardware que protege os bits quânticos lógicos, “sem comprometer a performance, antes pelo contrário, conseguindo manter a taxa de erros tão boa ou melhor do que no caso anterior”.
A evolução do sistema foi, no entender do investigador Julian Kelly, citado pelo Financial Times, o resultado de desenvolvimentos feitos pela Google em todos os componentes do seu computador quântico, desde a qualidade dos qubits até ao software de controlo ou ao equipamento criogénico utilizado para arrefecer o computador quase até ao 0. Foi o que permitiu reduzir o número de erros a um ponto suficientemente baixo para que fosse possível aumentar o tamanho do sistema sem que os erros se agravassem.
A taxa de erro, que ainda tem muito para diminuir, desceu de 3% para 2,9% apesar do aumento do computador quântico. “Esta experiência mostra que a correção de erros quânticos funciona e a taxa de erro desceu um pouco. Mas não é o suficiente. No futuro, vamos precisar de uma taxa de erro extremamente baixa”, afirma Hartmut Neven, que supervisiona o departamento de computação quântica na sede da Google na Califórnia, durante uma conferência de imprensa. “Não podemos parar por aqui”, acrescenta, considerando que é preciso “continuar a crescer”.
Os computadores quânticos são muito mais sensíveis aos erros do que os clássicos. De acordo com Yasser Omar, enquanto os computadores convencionais conseguem trabalhar com “taxas de erros à volta, por vezes, de 30%, um computador quântico com uma taxa de erro de 0,01% já pode ser o suficiente para perturbar a performance”.
Os próximos desafios e a importância da computação quântica
A ideia da construção de computador quântico surge na década de 1980. A revista Popular Science recorda que o conceito era, à época, simples: uma máquina milagrosa que conseguia superar os computadores clássicos em determinadas tarefas. Muitos anos depois, o conceito continua a ser o mesmo e várias são as empresas que trabalham para tornar o sonho realidade.
Em 2019, a Google anunciou que tinha atingido a supremacia quântica: conseguiu que um computador quântico resolvesse um problema muito mais rápido do que um supercomputador (algo como 100 mil computadores convencionais). Ao protótipo da tecnológica bastaram três minutos e 20 segundos para resolver o que a um supercomputador demoraria 10 mil anos. A IBM, concorrente da tecnológica que tinha um protótipo semelhante, defendeu que uma “simulação ideal da mesma tarefa” podia “ser feita por um sistema clássico em 2,5 dias e com maior fiabilidade”.
Desta vez, ao anunciar o que os especialistas consideram ser um segundo marco histórico, os investigadores da Google adotaram uma posição “cautelosa”, advertindo para a existência de uma pequena possibilidade de o método utilizado poder não funcionar no futuro quando aplicado a sistemas quânticos muito maiores. A Google conseguiu aumentar a correção de erros com um processador Sycamore de 72 qubits. Paulo Almeida, professor da Universidade de Aveiro, diz que o “objetivo final” da tecnológica é conseguir um “computador quântico com mil qubits lógicos (utilizando um milhão de qubits físicos)” para conseguir ter aplicações de cálculo. Para isso terá de continuar a aumentar o hardware sem aumentar a probabilidade de erro.
Os desafios que se seguem para a computação quântica são, segundo os especialistas ouvidos pelo Observador, os de passar “de uma centena de bits quânticos para muitos mais”. Paulo Almeida afirma que é necessário “conseguir ter um número suficientemente grande de qubits lógicos para conseguir programar de forma eficiente (e muito mais rápida que num computador clássico)”. Para sustentar a sua opinião, dá um exemplo: “fatorizar um número com 300 algarismos demora atualmente 4000 anos digitais (vários computadores, cada um a analisar parte do algoritmo), enquanto num computador com cerca de 1000 qubits lógicos poder-se-ia efetuar essa fatorização em horas ou dias”.
Por sua vez, Yasser Omar destaca a importância da computação quântica já que, “teoricamente, permite resolver problemas numéricos, problemas computacionais de forma muito mais rápida”. “Neste momento, só temos ainda protótipos de processadores quânticos e o grande desafio é passar destes equipamentos, que têm cerca de uma centena de bits quânticos, para máquinas futuras que precisarão de ter milhões de bits quânticos ou mais para poderem resolver problemas úteis”, acrescenta.
O professor do Instituto Superior Técnico realça ainda que é preciso ter em mente que os “computadores quânticos não vêm competir, nem substituir os nossos computadores portáteis ou os nossos computadores de secretária”: “Os computadores quânticos são máquinas de calcular muito, muito avançadas que vêm competir ou complementar os supercomputadores”.
Quando é que os computadores quânticos vão chegar ao mercado?
O caminho para chegar a um computador quântico útil ainda é longo. Julian Kelly, um dos investigadores do Google Quantum AI, considera que o último chip quântico produzido pela empresa é o “mais poderoso” de sempre. Ainda assim, num vídeo partilhado no YouTube, alerta que ainda precisa de “ser milhares de vezes maior para conseguir resolver” todas as questões pelas quais “as pessoas estão entusiasmadas”.
A Google e a IBM são as empresas que os especialistas consideram que estão a “avançar mais rapidamente” para a comercialização de computadores quânticos. Existem previsões que apontam para que ainda durante esta década possa ser possível construir um computador quântico suficientemente potente. As estimativas da consultora McKinsey & Company apontam para que existam entre 2.000 e 5.000 desses computadores em todo o mundo até 2030. Há dois anos, a Google disse que ambicionava comercializar os seus computadores quânticos até ao final da década (em 2029). A IBM, por sua vez, prevê ter um computador para uso comercial até 2025.
Neste momento, os protótipos de computadores quânticos já estão, de certa forma, disponíveis a nível comercial. Yasser Omar, presidente do Instituto Português de Quântica, explica ao Observador que o “modelo de negócio é vender o tempo de acesso ao hardware”, uma vez que são “máquinas que precisam de condições relativamente especiais [nomeadamente isoladas em locais com temperaturas muito baixas] e normalmente são acedidas remotamente”, por exemplo, via cloud.
Estas máquinas são ainda protótipos”, são “embriões do que poderá ser um computador quântico daqui a uns anos ou umas décadas”, declara, considerando que faz sentido que as empresas paguem para ter acesso a estes equipamentos, nomeadamente, se quiserem explorar esta nova tecnologia.
Para que os computadores quânticos tenham um futuro comercial o grande desafio é fazer “o scaling“, ou seja, escalare. E por isso é que o trabalho da Google é “tão importante”, porque dá “uma esperança” de que é possível aumentar o hardware, que tem que ter mais componentes para processar mais informação, sem introduzir mais erros. Por isso, Paulo Almeida acredita que quando o “problema dos erros” for totalmente resolvido, “grandes empresas e governos vão beneficiar imensamente se adquirirem um destes computadores”.
Yasser Omar reconhece que “estas coisas demoram tempo” e, embora a Google e outras empresas ainda tenham um longo caminho a percorrer, o presidente do Instituto Português de Quântica nunca pensou ver o “estado tão desenvolvido” em que se encontra a tecnologia na qual trabalha há quase 25 anos. “Pensemos no que era um computador nos anos 1940 e nos anos 1950, que ocupava o rés-do-chão de um edifício e tinha um poder computacional extremamente limitado, muito inferior ao poder computacional de um smartwatch”. Imagine-se agora o poder computacional que os computadores quânticos poderão vir a ter.