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Marielle Franco foi assassinada com quatro tiros na cabeça na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Anderson Gomes, o motorista do carro em que seguia, também foi morto
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Marielle Franco foi assassinada com quatro tiros na cabeça na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Anderson Gomes, o motorista do carro em que seguia, também foi morto

Facebook Marielle Franco

Marielle Franco foi assassinada com quatro tiros na cabeça na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Anderson Gomes, o motorista do carro em que seguia, também foi morto

Facebook Marielle Franco

Confissão e detenção no caso Marielle: "Estava com o vidro aberto e só escutei a rajada. Quem pensa que é silencioso, faz um barulho danado"

Acusado no caso Marielle Franco confessa crime após acordo de delação premiada e leva a nova detenção. Falta saber quem mandou matar a vereadora, diz ministra da Igualdade Racial do Brasil, sua irmã.

Em fevereiro de 2023, praticamente cinco anos depois de Marielle Franco ter sido brutalmente assassinada enquanto seguia de carro, pelas ruas do Rio de Janeiro, o governo de Lula da Silva, que já durante a campanha eleitoral tinha regressado recorrentemente ao caso, ordenou a abertura de nova investigação à morte da socióloga, ativista e vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Agora, cinco meses depois, a Polícia Federal anunciou o primeiro grande avanço da “Operação Élpis” e deixou antever novas diligências, que deverão também sair das denúncias feitas por Élcio de Queiroz, o ex-sargento da Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro que, quatro anos depois de ter sido detido, acusado de estar ao volante do carro a partir do qual foram feitos os disparos que vitimaram não apenas Marielle mas também o seu motorista, Anderson Gomes, confessou pela primeira vez o crime.

Depois de fechado o acordo de delação premiada que o isenta de um julgamento com júri popular mas lhe garante mais oito anos de prisão efetiva, no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, Élcio de Queiroz admitiu ter conduzido o Chevrolet Cobalt que perseguiu o carro em que naquela noite fatídica seguia a vereadora do PSOL, depois de uma reunião com jovens mulheres, na “Casa das Pretas”, no bairro carioca da Lapa. Na companhia de Marielle, para além do motorista, que também perdeu a vida, seguia ainda Fernanda Chaves, sua assessora, que acabou por escapar, com ferimentos provocados por estilhaços.

"Na virada do ano de 2017 para 2018, passei o ano novo na casa do Ronnie na Barra da Tijuca. Ronnie bebeu bastante e começou a desabafar comigo, revoltado, contando que semanas antes ele foi com o Edimilson e o Maxwell para pegar a mulher que estavam monitorando há alguns meses. Entretanto, na hora, Maxwell falou que o carro deu problema e que falhou. O Ronnie desabafou comigo, dizendo que não acreditava que teve problema, que foi medo, refugou"
Élcio de Queiroz, ex-sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro

Queiroz confirmou também que quem planeou e levou a cabo o ataque foi Ronnie Lessa, o ex-agente da PM do Rio de Janeiro preso igualmente desde 2019, sob essa mesma acusação, que só em fevereiro de 2023 foi expulso da corporação, sob acusações de “conduta execrável”. E revelou ainda que a execução de Marielle não só estava a ser organizada há muito tempo como devia ter até acontecido meses antes — e com outro homem ao volante, nada menos que Maxwell Simões Corrêa, um ex-bombeiro, amigo de Lessa, que já não era alheio ao caso.

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“Na virada do ano de 2017 para 2018, passei o ano novo na casa do Ronnie na Barra da Tijuca. Ronnie bebeu bastante e começou a desabafar comigo, revoltado, contando que semanas antes ele foi com o Edimilson e o Maxwell para pegar a mulher que estavam monitorando há alguns meses. Entretanto, na hora, Maxwell falou que o carro deu problema e que falhou. O Ronnie desabafou comigo, dizendo que não acreditava que teve problema, que foi medo, refugou. O Maxwell refugou no momento que queria, e a função dele era dirigir”, contou Élcio de Queiroz às autoridades, num depoimento captado em vídeo e agora divulgado pelo “Jornal Nacional”, da Globo.

Esta segunda-feira, dia 24 de julho, Maxwell Simões Corrêa, “Suel”, como é conhecido, foi detido na casa com piscina, no seleto bairro do Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde desde 2021 já estava a cumprir uma pena de quatro anos de prisão em “regime aberto”, por ter ajudado a esconder as armas do crime e por ter tentado comprometer as investigações em curso. Agora, o antigo bombeiro, expulso em 2022 da corporação que integrava, está também acusado de fazer parte ativa do plano e de “ter atuado na vigilância e “acompanhamento” da vereadora.

Polícia detém outro suspeito de participar na morte de Marielle Franco

“Ainda precisamos descobrir quem mandou matar Marielle e por quê”, lembra irmã ministra

A ordem para matar Marielle Franco, garante Élcio de Queiroz, terá sido transmitida a Ronnie Lessa por Edimilson Oliveira da Silva, mais conhecido como “Macalé”. Também ele um antigo sargento da PM da segunda maior cidade do Brasil, na reforma, “Macalé” viria a ser assassinado em plena via pública em 2021, no bairro de Bangu, também na zona oeste do Rio de Janeiro, justamente na altura em que começaram a ser feitas mais detenções relativas ao caso. “Edimilson Macalé esteve presente em todas. Inclusive foi através do Edimilson que trouxe… vamos dizer, esse trabalho para eles. Essa missão para eles foi através do Macalé, que chegou até o Ronnie”, contou o agora denunciante.

Nas redes sociais, no mesmo dia em que foram conhecidos estes novos desenvolvimentos, Anielle Franco recordou que continuam por apurar os mandantes do crime e as motivações que levaram ao homicídio da política e ativista. “O assassinato de Marielle e Anderson foi um ataque à democracia brasileira. Hoje temos um avanço na investigação, com um presidente e um ministro da Justiça comprometidos com a resolução. Mas ainda precisamos avançar e descobrir quem mandou matar Marielle e por quê”, escreveu no Twitter a atual ministra da Igualdade Racial do Brasil, irmã mais nova da ex-vereadora municipal do PSOL.

De acordo com a imprensa brasileira, para além da detenção de “Suel”, esta segunda-feira, no âmbito da “Élpis”, foram ainda cumpridos seis mandados de busca e apreensão na área metropolitana do Rio de Janeiro. Os alvos foram Denis Lessa, irmão de Ronnie; Edilson Barbosa dos Santos, também conhecido como “Orelha”; João Paulo dos Santos Soares, o “Gato do Mato”; Alessandra da Silva Farizote; Maurício dos Santos Júnior, o “Mauricinho”; e Jomar Duarte Bittencourt Junior, o “Jomarzinho”.

Flávio Dino, ministro da Justiça, avançou também esta segunda-feira que a confissão de Élcio de Queiroz apontará efetivamente para o envolvimento de milícias no homicídio de Marielle, suspeitas a que Lula da Silva tem dado gás ao longo dos últimos anos, fazendo a ligação entre a morte da ativista e o governo de Jair Bolsonaro (recorde-se que em 2019 também foi notícia o facto de Ronnie Lessa ter morada no mesmo condomínio da Barra da Tijuca onde o ex-presidente brasileiro é proprietário de uma casa e onde, à data do crime, vivia também um dos seus filhos).

"Tivemos uma colaboração premiada do senhor Élcio de Queiroz. A delação resultou na operação de hoje no Rio de Janeiro. E revelou a participação de um terceiro indivíduo, o sr. Maxwell. Também confirmou a participação dele próprio e do Ronnie Lessa. Foi a conclusão de uma fase da investigação com a conclusão de tudo que aconteceu na execução do crime. Há um avanço, uma espécie de mudança de patamar"
Flávio Dino, ministro da Justiça do Brasil

“Sem dúvida, há a participação de outras pessoas. Isso é indiscutível. Os factos até agora revelados e provas colhidas indicam isto. Indicam uma forte vinculação desses homicídios com a atuação das milícias e do crime organizado do Rio de Janeiro. Até onde vai isso, as novas etapas vão revelar”, disse Flávio Dino aos jornalistas, prometendo justiça e recordando que “não existe crime perfeito”.

“Tivemos uma colaboração premiada do senhor Élcio de Queiroz. A delação resultou na operação de hoje no Rio de Janeiro. E revelou a participação de um terceiro indivíduo, o sr. Maxwell. Também confirmou a participação dele próprio e do Ronnie Lessa. Foi a conclusão de uma fase da investigação com a conclusão de tudo que aconteceu na execução do crime. Há um avanço, uma espécie de mudança de patamar. Há elementos para um novo patamar, qual seja a identificação dos mandantes do crime. Há aspetos em segredo de Justiça. Nas próximas semanas haverá novas operações derivadas desse conjunto de provas colhido no dia de hoje”, resumiu o ministro.

A descrição do homicídio, minuto a minuto

Se sobre o “quem” e o “porquê” Élcio de Queiroz não se terá manifestado ao longo da sua delação, às restantes perguntas o ex-polícia não deixou de responder. De acordo com a Polícia Federal, se o acusado acedeu finalmente em confessar a sua participação no homicídio que continua a chocar o Brasil e em revelar tudo o que sabe, foi porque percebeu que Ronnie Lessa talvez não merecesse a confiança que lhe votava. “O convencimento do Élcio foi porque o Ronnie garantiu que não tinha feito pesquisa em Marielle e isso gerou uma desconfiança por parte de Élcio”, explicou em conferência de imprensa esta segunda-feira o delegado Jaime Cândido.

Mas a verdade é que, em causa terá estado, para além das buscas na internet que Lessa lhe garantiu nunca ter feito sobre a ativista e que afinal as autoridades terão comprovado, a quebra de pagamentos por parte do ex-PM. No depoimento que agora prestou, Élcio de Queiroz revelou que, depois do crime, Ronnie Lessa passou a ajudá-lo com uma prestação mensal de 5 mil reais (cerca de 955 euros), que ao fim de algum tempo foi diminuindo e há cerca de um ano cessou totalmente.

"Botou o casaco, daqui a pouco tira a metralhadora — no caso, a arma do crime —, coloca o silenciador e, nesse momento, até uma coisa assim que eu não esperava, ele pegou um binóculo, e ficou com o binóculo. Dali, na hora que ela saiu, ele falou: ‘É ela’”
Élcio de Queiroz, ex-sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro

“Veio caindo, caindo, chegou a 2 mil reais, 1.500 reais… E, depois, acabou. Tem quase um ano que não paga nem advogado”, queixou-se o motorista do Chevrolet Cobalt, que garantiu ainda às autoridades que só terá descoberto que Marielle Franco era a “mulher” que o grupo vigiava há meses no dia do crime.

Marielle Franco, a vereadora brasileira que “falava daqueles de que ninguém fala”

De acordo com o seu depoimento, parcialmente tornado público, terá sido apenas por volta do meio-dia de 14 de março de 2018, uma quarta-feira, que Élcio de Queiroz foi avisado de que o plano estava em curso. Terá sido o próprio Ronnie Lessa a telefonar-lhe: “Aí ele falou: ‘Vai para casa e eu vou te chamar no momento que for’”, detalhou.

Avisado pelo ex-sargento de que teriam de estar no centro da cidade por volta das 19h, Élcio de Queiroz diz que estava pronto quando o cúmplice lhe bateu à porta. Terão ido no carro de Lessa até uma rua próxima, nas traseiras, onde já estava estacionado o Chevrolet Cobalt em que seria cometido o crime, com chapas de matrícula previamente falsificadas. Antes de trocarem de veículo e de lugar, agora com Queiroz ao volante, deixaram os telemóveis em modo de voo no carro de Lessa.

"Aí quando eu ia parar no sinal, o carro já tinha passado, e ele viu que era sinal de pedestre e disse para avançar. E, nesse momento, ele falou: ‘É agora’ e ‘Emparelha’. Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada. Começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço. Quem pensa que é silencioso, mas faz um barulho danado”
Élcio de Queiroz, ex-sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro

Terá sido no caminho para o Instituto “Casa das Pretas”, na Rua dos Inválidos, na Lapa, que ficou a saber que o alvo da execução sumária era Marielle Franco, então com 38 anos. “Nós estacionamos. Nesse instante, ele para ali e fala o seguinte: ‘Agora você vai precisar me ajudar’. Aí eu não entendi muito bem. Ele começou a arriar o banco, deixou totalmente na horizontal para passar para trás, na parte do banco de trás. Eu olho para o retrovisor, ele já estava colocando o casaco, tipo que se equipando, se preparando”, contou Élcio de Queiroz. “Botou o casaco, daqui a pouco tira a metralhadora — no caso, a arma do crime —, coloca o silenciador e, nesse momento, até uma coisa assim que eu não esperava, ele pegou um binóculo, e ficou com o binóculo. Dali, na hora que ela saiu, ele falou: ‘É ela’.”

Seriam 21h quando Marielle Franco deu por terminado o debate no instituto e entrou no carro, para aquela que viria a ser a sua última viagem. Quinze minutos depois, estaria morta, com três tiros na cabeça e um no pescoço, disparados a partir de um carro que a vinha seguindo, a escassos quilómetros dali, na Rua Joaquim Paralhes, no bairro do Estácio.

Élcio de Queiroz não deixou de fora o momento, na sua delação premiada: “Aí quando eu ia parar no sinal, o carro já tinha passado, e ele viu que era sinal de pedestre e disse para avançar. E, nesse momento, ele falou: ‘É agora’ e ‘Emparelha’. Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada. Começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço. Quem pensa que é silencioso, mas faz um barulho danado”.

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