Quando se fala da Glovo, a empresa catalã de entrega de produtos ao domicílio, há um nome a conhecer: Sacha Michaud. Em 2015, juntamente com Oscar Pierre, que é o atual presidente executivo da tecnológica, lançou uma plataforma que, diz Michaud, mesmo estando em 25 países, 20 dos quais como “líder”, está numa constante batalha de “David contra Golias”, numa alusão a gigantes com quem concorre, como a Uber Eats. Recentemente, essa luta tornou-se menos difícil: no início do ano, a gigante alemã de entregas Delivery Hero passou a ser a principal detentora da Glovo. E o que é que isso muda? “Não muito”, assume o cofundador.
Alemã Delivery Hero notifica Concorrência da compra do serviço de entregas Glovo
Foi no bairro de El Poblenou, em Barcelona, onde a empresa ainda tem a sua principal sede (uma maior, a dois quarteirões de distância, está em construção avançada), que Sacha Michaud recebeu o Observador. No quarto andar de um open space que, com grandes áreas abertas com janelas fumadas para o exterior e até consolas de jogos à disposição dos funcionários, faz lembrar os escritórios de outras tecnológicas como o Facebook ou a Google, o cofundador da empresa que se tornou um “duplo unicórnio” [valorizada em mais de dois mil milhões de euros] falou sem rodeios. E de tudo: as dores de crescimento da Glovo, os desafios quanto às obrigações futuras que pode vir a ter por causa dos estafetas que trabalham para a plataforma, e as áreas de negócio em que tem de investir para sobreviver.
No final, Sacha, que até assumiu que já não tem de dedicar tempo do seu dia a convencer investidores a darem-lhe capital, diz que a “domínio global” não é o seu objetivo. E qualquer que seja o futuro da Glovo, Portugal, um dos cinco países onde “ainda” não é líder, será uma plataforma para os objetivos da empresa. É que a compra do Mercadão e do Lola Market, em 2021,vai servir como caixa de petri para chegar noutros países ao negócio de entrega de compras.
Uma das principais notícias deste ano para a Glovo é ter sido adquirida pela Delivery Hero. O que é que isso mudou para a Glovo e para si?
Para o dia a dia de gestão da empresa, muito pouco. A equipa de gestão, os fundadores, os empregados, nesta altura, não estamos a vender ações. Contudo, os funcionários podem fazê-lo. Mas, o que isto significa é que a maior parte do acionistas que entraram em diferentes momentos de investimento na empresa estava à procura de uma saída. Porém, nós acreditamos que ainda há muito espaço para crescer.
A Delivery Hero era o maior dos pequenos acionistas e fez uma oferta para comprar a posição dos outros grandes acionistas. É como se ficássemos apenas com um investidor com quem podemos trabalhar. Estamos muito alinhados na estratégia.
Quando diz muito alinhados é nos próximos quatro anos [período em que os gerentes da Glovo podem trocar as ações por títulos da Delivery Hero]. E depois disso?
Sim. Não temos nenhuma obrigação. Não é como se estivéssemos obrigados durante quatro anos ou algo assim. É algo muito aberto. Estamos a ser muito incentivados a fazer crescer o negócio. Como disse no passado, acreditamos mesmo que a Glovo acabou de começar. Temos ainda muito para fazer. Não estamos à procura de uma venda completa, um exit. Pelo menos os fundadores e a equipa de gestão. Estamos à procura de continuidade.
O Niklas [presidente executivo da Delivery Hero] construiu uma grande empresa e estamos muito alinhados com a sua visão e também completamo-nos geograficamente. Estamos em locais em que a Delivery Hero não opera. Acho que isso também os ajuda a expandirem-se geograficamente. Haverá outros locais nessas áreas onde continuaremos a expandir-nos.
Por isso, primeiro, não muda muito. O plano de negócios para este ano não mudou. Dois: continuamos a ser incentivados a liderar a empresa. Número três, tira-nos o foco de angariar financiamento, o que, para ser honesto, é algo que demora muito tempo, implica muito esforço. Não é algo que nos motiva e podemos focar-nos em gerir a empresa.
Retirou-vos os esforços da angariação de financiamento mas tornaram-se num unicórnio.
Tornámo-nos um unicórnio na última ronda [de angariação de capital]. Agora, [com a aquisição pela Delivery Hero] somos um duplo unicórnio.
2,3 mil milhões de euros, certo?
Sim, no preço das ações.
Isso mudou alguma coisa?
Não muda, porque, como se viu recentemente, o preço das ações da Delivery Hero desceu. Isto afeta o preço. Estive em duas empresas cotadas antes da Glovo e não se pode viver todos os dias a pensar no valor das ações. Isto é um projeto a longo prazo. Sei que vai gerar muito valor para o ecossistema.
Milhares de estafetas estão ativos na plataforma todos os meses a ganharem recursos. Os nossos parceiros dependem de receitas digitais todos os dias. 80% das nossas pequenas e médias empresas (PME) são pequenos negócios. Estamos a viver um crescimento tremendo, o que acho que não vai mudar nos próximos dois ou três anos e ainda temos um grande caminho para percorrer. Não estamos a tentar saber o preço a cada mês ou semana, temos um negócio para construir.
Como é o seu dia típico aqui?
O Oscar gere o negócio, ele é o presidente executivo. Senta-se muito perto de mim. Tudo depende se estou em viagem. Tenho-o feito mais agora. No primeiro ano da pandemia de Covid-19 era mais difícil. Na próxima semana, por exemplo, vou estar em três dos nossos países: Nigéria, Quénia e Uganda. Vou conhecer as equipas, os governos locais, os parceiros e também alguns media. Em Barcelona é tudo muito simples. Posso andar na minha bicicleta até ao trabalho, demoro 25 minutos. Depois há uns dias mais longos do que outros.
Alguma vez teve problemas com estafetas que o reconheceram no caminho para o trabalho?
Acontece. Temos um programa que é o Glovo Cares [de ação social em que os trabalhadores da Glovo fazem entregas solidárias] do qual faço parte. Já estive na fila, no restaurante, e fui reconhecido e disseram: “É o Sacha”. E falámos. Conheço alguns dos glovers [nome que a empresa chama aos estafetas].
E foram sempre conversas positivas?
Geralmente foram conversas positivas. Quero dizer, às vezes dizem que a aplicação podia funcionar melhor, que há mecanismos que não fazem sentido. Isso é bom, é uma das razões porque fazemos isso [o Glovo Cares]. Conhecer os estafetas, os parceiros, ver como é que a operação funciona. Também ouvimos algumas queixas. Mas, no geral, são conversas positivas.
Sei que não somos perfeitos e podíamos melhorar muitas coisas na app, mas acho que, basicamente, é uma forma de acesso fácil a rendimento flexível. Podemos ligar-nos apenas quando queremos. Há um rendimento decente por hora. A razão e o principal objetivo pelo qual os estafetas estão connosco não será por ser o emprego da vida deles. Provavelmente vão fazer alguma coisa a seguir, o que é bom. Até incentivamos isso, temos uma equipa que funciona como um trampolim. Está dedicada não para que os estafetas ganhem mais dinheiro mas para estarem numa posição em que consigam ter um emprego melhor no futuro. Em Espanha temos muitos imigrantes que são estafetas. Normalmente, começam por regularizar a sua situação no país, mas, passado seis meses, já estão a mudar de emprego. Aprenderam a língua, adaptaram-se e decidiram fazer outra coisa.
Houve um protesto em frente aos vossos escritórios. Esteve nas notícias. Cerca de 50 estafetas…
Na verdade, não.
Não?
Não foi aqui, foi no Glovo Center. E disseram-me, não vi as fotografias, que eram apenas dois estafetas.
Apenas dois? Lemos que foram cerca de 50.
Foi isso que foi escrito em Espanha, mas perguntei… Efetivamente, houve algum “barulho” no Twitter. Ouvi que houve dois, provavelmente não foram dois, mas não foram mais do que 10.
Então foi pequeno?
Acontece regularmente. Às vezes, é inevitável. Há muitas pessoas a instigá-los em Espanha, sabe? Os sindicatos querem fazer barulho.
Crê que estão a fazer um jogo justo?
Quem?
Os sindicatos, as pessoas que estão a instigá-los.
Acho que têm a sua posição, que é legítima. Não vou aqui dizer o contrário. Agora, fazemos um grande trabalho. Apenas relembrar que estamos em 26 países com culturas completamente diferentes, línguas diferentes, cenários diferentes. Em todos os questionários que fazemos aos estafetas vemos que o bem-estar geral é muito bom. Estamos a alcançar os principais objetivos, que é o rendimento que recebem e a flexibilidade. O rendimento é importante, não estou apenas a dizer que querem horários flexíveis. Não, querem um rendimento decente, mas conseguimos isso juntamente com a flexibilidade.
Há um debate, especialmente na Europa, sobre a possibilidade de, no futuro, terem de empregar os estafetas para lhes dar mais proteção. Continuariam a gerar lucro se o tivessem de fazer?
Se tivéssemos de fazer o quê?
Empregar diretamente os estafetas.
Sim, não é uma questão de economia. É uma questão de flexibilidade e crescimento. E utilizo muito este exemplo em Espanha. No passado, quando o Real Madrid estava a jogar a Champions League, por exemplo, estava a chover e queria encomendar-se comida para casa, não era possível. Isso acontecia porque havia saturação, era impossível. Os restaurantes tinham apenas duas pessoas de entregas e só conseguiam fazer até 20 entregas numa ronda. Agora, com as plataformas, temos a tal flexibilidade e, quando o Real Madrid joga, está a chover, está em casa e milhares e milhares de pessoas fazem pedidos, as plataformas permitem que isso funcione. É uma mudança grande.
Por isso, não é questão de economia, é uma questão de flexibilidade e acesso. E, sendo honesto, muitos dos que trabalham com plataformas provavelmente não são viáveis para um contrato padrão de trabalho porque estão a fazer outras coisas. Estão a combinar com outros trabalhos, precisam da temporalidade de se poderem conectar quando querem e na altura que querem, não querem horários fixos. Por isso, o que devemos fazer é reforçar os direitos sociais para que mantenham a flexibilidade. É isso que devemos fazer. Mas voltando à pergunta: não, absolutamente não. Se tivéssemos de empregá-los [os estafetas], fazíamo-lo.
Isso seria uma possibilidade e a Glovo continuaria a existir?
Claro. Adaptar-nos-íamos.
E o que podia mudar? Falou que os benefícios sociais podiam ser diferentes. O que pede aos governos em termos de legislação nos países em que a Glovo opera para poderem proteger mais os estafetas?
Não pedimos nada. Pedimos é diálogo. Os governos deviam dialogar com todas as partes, connosco. Obviamente, também com sindicatos, representantes sociais, estafetas. E acreditamos na regulação, mas acreditamos em regulação positiva. Não pedimos nada. O que podemos fazer é informar.
Acha que isso está a ser feito em Portugal?
Sim, espero que sim. Estamos a falar de uma fase inicial, acabou de haver uma eleição. Vamos ver o que acontece.
O que acha que pode acontecer? Isto porque sabemos que houve uma grande discussão sobre este assunto, e agora o cenário político…
Acho que quando o novo governo estiver formado vamo-nos sentar. Não é o momento para termos uma opinião, acho que podia não ser produtivo. O governo nem sequer está ainda formado. Se quiser saber a nossa posição, o nosso compromisso… Já ouviu falar do couriers pledge [compromisso com os estafetas, em português] que publicámos?
De outubro do ano passado?
Há um website. Essa é a nossa posição sobre como queremos gerir o caminho a nível europeu. E o nosso compromisso até ao ano 2025. Independentemente de como trabalharão connosco, quer seja freelancer, através de um subcontratante ou através de um estatuto de trabalhadores. Queremos garantir mínimas direitos sociais para todos os estafetas.
Mantém ainda tudo o que dizem nesse compromisso?
É um compromisso. Já temos três países onde lançámos essa promessa, creio.
Vender “tudo”, a aposta em Portugal, onde não são líderes, e como concorrer “contra Golias”
Estão a trabalhar com outras empresas para parcerias — por exemplo, o Facebook — para a Glovo estar mais integrada nos seus sistemas?
Em que sentido?
Por exemplo no WhatsApp, mas também no Telegram ou noutra plataforma, para a Glovo estar mais integrada, para chegar a uma audiência maior?
Trabalhamos com eles, com parceiros tecnológicos, em múltiplos ângulos. Segurança, pagamentos, plataformas. Não estamos integrados diretamente em nenhuma rede social. Fazemos publicidade nas redes sociais, como noutros media, mas não estamos integrados noutros — como o WhatsApp.
Referi essa mas podem ser outras, até apps de jogos.
Não, não.
Tecnologicamente falando, seria possível entrarem no negócio da mobilidade, como a Uber?
Fizemos um teste em Buenos Aires, há cerca de dois anos. Fizemos um teste de mobilidade integrado com a nossa app para ver como é que funcionaria a integração para os clientes. Por agora, a mobilidade não está na nossa agenda. Creio que temos coisas muito melhores para nos focarmos que são mais integradas com a nossa visão base, que é: dar a toda a gente acesso fácil a tudo na sua cidade. A tudo. E, nesta altura, não é transportar pessoas. Vamos focar-nos obviamente na entrega de comida, é a nossa maior categoria. Porém, o comércio rápido é uma oportunidade incrível. Estamos a fazê-lo desde o primeiro dia. Somos uma aplicação multicategoria desde o dia em que nascemos, no início de 2015. Vemos muito crescimento em ajudar o retalho, as lojas de retalho quick commerce [entrega na hora]. Penso que esse vai ser o maior crescimento.
Acredito em todo o contexto do ecommerce [comércio online]. O quick commerce é um segmento que pode ter grande crescimento e até ser o maior segmento de crescimento global do ecommerce na próxima década. Queremos as coisas mais rapidamente. Estávamos acostumados a [ter em] 48 horas. Ficámos acostumados a 24. Mas quando se pode ter as coisas em uma, duas horas, ou trinta minutos — muda a forma como se faz compras. Sei que há coisas que vamos ter de continuar habituados a esperar uma semana — uns sapatos específicos que estão numa loja nos EUA, por exemplo. Mas há outras que podemos ter mais rapidamente e, com o quick commerce, penso que temos uma oportunidade de liderar o caminho.
Vão liderar o caminho contra a Amazon, por exemplo?
A Amazon é uma empresa massiva e tem coisas ótimas, mas passaram anos a conseguir produtos de fornecedores e a movê-los para armazéns a milhares de quilómetros dos clientes. Depois, recebem esses produtos e têm de ser logo entregues. O que está a acontecer agora é que estão a mover-se para mais perto do consumidor final com os seus armazéns e a comprar empresas de retalho que estão em alta. Por isso, estão a voltar a estar mais próximos, pelo menos essa parte do negócio. Estão a chegar lá. O que acho é que os negócios de retalho — esqueça a Glovo, as lojas que vemos nas ruas…
Um El Corte Inglés ou pequenos negócios, por exemplo?
A loja que está lá há 100 anos ou pequenas e médias empresas. Todas têm uma oportunidade nos próximos dois anos porque estão perto dos consumidores mas as grandes empresas de ecommerce não estão. E não vão estar amanhã também. Porém, estão cada vez mais perto. Essas empresas devem usar isso como vantagem para criar uma grande experiência para o consumidor.
Normalmente, quando abrem lojas digitais para o consumidor são pequenas e, depois, usam plataformas como a Glovo ou outras para oferecer um grande serviço tanto para entregas, como para reservas, ou levantamento em loja. Acho que vamos fazer parte disso, vamos ganhar o nosso espaço nesse mercado, acreditamos nisso. É preciso aproveitar isso. Especialmente os retalhistas mais pequenos. Por mais que queiram, os grandes do ecommerce não conseguem competir com isso. Não estão perto do consumidor.
Falando nas entregas. Em dezembro, o Observador falou com o responsável da Uber Eats em Portugal e disse o mesmo que a Glovo diz sobre quererem “vender tudo”. E quando disse tudo, presumo que seja tudo o que é legal. O exemplo que demos foi se a cannabis fosse legal. Isso seria uma possibilidade para a Glovo? Ou há uma linha que nunca vão ultrapassar?
Acho que não é devemos entrar num debate do que é ético ou não. Há reguladores que decidem o que é legal ou não.
Mas se fosse legal, fariam entregas?
Posso responder com um exemplo. É legal vender tabaco, mas há muitos argumentos sobre se as lojas devem vender tabaco e é legal. Contudo, não julgo as pessoas que vendem tabaco da mesma maneira que não julgo quem vende álcool. Vamos sempre adaptar-nos à regulação do mercado.
Por isso, desde que seja legal, vendem tudo?
Provavelmente, desde que haja procura. Não estou a dizer que vamos. Se o mercado não existir, se ninguém comprar, não o fazemos. Não temos todas as lojas das cidades. Adaptamo-nos à legislação de onde estamos e temos legislação diferente. Temos legislação diferente sobre farmácias em sete países. O álcool e o tabaco têm também legislações diferentes. O que a Glovo não pode fazer é começar a entrar em debates éticos sobre o que é certo ou não. Devemos adaptar-nos ao que é certo a nível legal num país
Disse que estão em 25 países. Estão a pensar entrar noutros? Os EUA são uma possibilidade?
Quanto à primeira pergunta, temos uma lista de possíveis países. Normalmente, analisamos as oportunidades de mercado, a demografia. Com isso, temos alguns países já pré-aprovados. Não tenho data para nada do que vamos lançar brevemente. Mas, definitivamente, vamos focar-nos nas regiões em que já estamos.
Estamos a crescer muito rapidamente na Europa de Leste, na Europa Central e no Norte da Europa e no Leste, que é toda a área de países do eixo da União Europeia, da Ucrânia [a entrevista foi feita antes da invasão da Rússia], Geórgia, Arménia, Cazaquistão, Quirguistão. Estes são países em que estamos a registar um ótimo crescimento. Nos Balcãs também. E, claro, África. A expansão para mais países vai ser em áreas onde já estamos e focar onde já estamos — Europa do Sul, Europa Central e de Leste, Polónia e África.
O que dizia a Glovo sobre a Ucrânia antes do início da guerra
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Esta entrevista foi feita antes da invasão da Rússia à Ucrânia, mas Sacha Michaud abordou o tema já na iminência de um conflito.
Falando noutros países, e uso o exemplo da Ucrânia, têm contingências devido ao que está a acontecer?
Sim, temos um comité de crise. Estão a analisar a situação diariamente. Algumas vezes mais do que diariamente. E sim, temos um plano de contingência. Não posso entrar em detalhes e estamos muito em cima do assunto.
Se houver guerra, vão sair do país?
Absolutamente não. Temos 200 pessoas nos nossos escritórios na Ucrânia. Temos um diretor regional, um hub tecnológico. Estamos comprometidos com a Ucrânia. Temos uma empresa num país onde somos líderes de mercado. Isso é o mesmo que perguntar-me se Espanha fosse invadida amanhã se íamos embora. A resposta seria não.
Vão ter uma posição política quanto ao conflito?
Não, não temos posições políticas na Glovo. Temos 3.500 funcionários, cada um com opiniões políticas diferentes. Adaptamo-nos ao ordenamento jurídico, à regulação. A equipa na Ucrânia está a gerir a situação. Parecemos mais preocupados do que eles, para ser honesto. Mas, estamos comprometidos com a Ucrânia. Temos uma equipa grande e local que está a crescer e a liderar a região. O hub regional é no país. É um país fantástico, se me permite dizer.
A 9 de março, já com a guerra no terreno, a Glovo lançou este comunicado quanto à situação, no qual afirma que continua a operar na Ucrânia e a utilizar os seus serviços para ajudar a população.
Número dois, a expansão geral vai ser dentro destas zonas. Por exemplo, estamos a ter uma enorme expansão em Portugal, onde passámos de 10 a 15 cidades há dois anos para mais de 90 hoje em dia. Em Espanha estamos em mais de 315 cidades. Em alguns países, e nos países que referi, somos líderes de mercado, mas ainda nos falta chegar a algumas cidades.
Resumindo, a primeira parte da expansão vai sempre ser dentro das áreas geográficas em que já estamos — primeiro em cada região e, depois, para cidades mais pequenas. Segunda parte, os Estados Unidos. Decidimos há muito tempo que nos íamos focar em países ou regiões em que achamos que podemos ser líderes. Para se ser líder nos EUA, no Reino Unido, na Ásia é preciso, primeiro, fazer um investimento gigante. É muito competitivo. Não acho que seja um bom valor para algo em que devamos investir. Temos de escolher as nossas batalhas.
Já agora, é fácil dizer que somos uma empresa valorizada em dois mil milhões de euros, mas somos pequenos. Os nossos concorrentes valem, por norma, 60 a 70 milhares de milhões. Praticamente cada região em que concorremos ainda é uma batalha de David contra Golias. Temos esta mentalidade de que é preciso escolher as nossas batalhas. Executamos tudo muito localmente, adaptamos tudo ao mercado, damos muita autonomia às nossas equipas locais. Isso é muito importante juntamente com o foco apenas no que fazemos. Não é nada de “domínio global” ou coisas assim, é apenas fazer um bom trabalho onde estamos.
E é possível concorrer com empresas muito maiores e com mais recursos do que vocês? Dou o exemplo. Em Itália são líderes, em Espanha também. Porém, em Portugal é a Uber Eats.
Primeiro, não há uma lógica de o líder ficar com todo o mercado. Segundo, oferecemos serviços muito diferentes da Uber Eats, temos uma base de clientes muito diferentes. Como mencionei, somos multicategoria, e falo de multicategoria a sério.
Mas eles estão a começar a fazer o mesmo.
Estão a começar a fazer o mesmo mas há muitos anos de aprendizagem. Entregar mercearias não é o mesmo que entregar comida de restaurante. Entregar produtos farmacêuticos não é semelhante. Trabalhar com retalhistas para entregar produtos eletrónicos, ou roupa, não funciona da mesma forma. Por isso, têm muito a aprender.
Mas temo-nos focado menos no que os nossos concorrentes estão a fazer e mais no que fazemos, que é oferecer um serviço excelente, e oferecer o conteúdos que os nossos clientes querem em cada cidade. E o que é isso? As melhores lojas e restaurantes, os seus favoritos, e que esteja tão perto do consumidor quanto possível. Ao mesmo tempo, queremos oferecer a melhor experiência para o utilizador. Se fizermos isso bem, temos o nosso espaço no mercado, não tenho dúvida disso.
Por isso, temos tido o mesmo problema desde que a Glovo apareceu. A questão de como é que podemos competir já era feita em 2015. Em 2015, éramos mínimos. Em 2017, continuámos mínimos. Estamos sempre a competir contra concorrência que tem muito mais recursos, uma avaliação maior. E sim, há 25 mercados. Em perto de 20, creio, somos líderes.
E Portugal não é um deles, correto?
Portugal não é um deles, tanto quanto sei. Não temos dados oficiais.
Mas nos outros 20 são. Referi Espanha ou Itália. O que é que aconteceu em Portugal?
Não sei. Penso que foi por a Uber ter chegado um pouco mais cedo. Arrancaram mais cedo, com muito investimento. Mas não é nada que nos preocupe. Estamos a crescer, o negócio está a avançar muito bem. Estamos a crescer mais de 100% ao ano em Portugal. Temos ótimos produtos de mercearia, acabámos de comprar o Mercadão, que tem uma equipa incrível e tecnologia para os clientes. Portugal é um mercado fantástico para nós. Não nos preocupamos com o que os outros estão a fazer, redobramos é o esforço para oferecer um grande serviço. Acho que o negócio é muito bom no país e está a acontecer muita coisa. É um dos nossos três focos principais.
Pensam em adquirir mais empresas em Portugal?
Portugal tem uma grande energia tecnológica agora. Estamos a crescer e consegue-se senti-la até fora de Portugal. Muitos países europeus falam de Portugal e estão a fazer um trabalho ótimo para adquirir talento, incentivar o crescimento tecnológico. Penso que é uma referência para a Europa. Se houver empresas interessadas, claro. Mas acabámos de adquirir uma grande empresa.
Vamos usar a equipa e o conhecimento que têm. Isto porque as áreas em que atuam não nos correram como tínhamos planeado, especificamente quanto aos utilizadores fazerem compras maiores, com mais produtos. Vamos utilizar esse conhecimento a partir de Portugal para que, a partir daí, liderem essa unidade de negócio em todos os países em que lançarmos esse serviço. Por isso, vamos investir fortemente nessa vertente de negócio a partir de Portugal. É uma grande oportunidade e estamos muito contentes por fazer isso no país e levar para 25 países.
Em 2019, disse ao Observador que cometeu um erro ao não investir mais na sua equipa de engenharia. Ainda pensa o mesmo? Acha que continua a ser um problema?
Sim, mas há dois lados quanto a essa questão. Foi um erro, mas não tínhamos recursos financeiros para contratar muitos informáticos, sendo honesto. Não é como se caíssem das árvores e, também, não tínhamos um projeto grande para atrair os melhores engenheiros — com visibilidade, crescimento. Hoje em dia, os engenheiros podem escolher onde é que vão trabalhar. Literalmente, um grande engenheiro pode escolher a empresa para a qual quer trabalhar de um dia para o outro.
Os 300 milhões da Glovo, a aposta em Portugal e o crescimento de 500%: “Ainda agora começámos”
Estamos numa fase muito diferente agora. Temos mais engenheiros informáticos, mas continuamos a contratar sem parar porque somos uma empresa de tecnologia. Contudo, concordo, devíamos ter contratado mais cedo e construído a equipa de engenharia. Não tínhamos muitos recursos, mas podíamos ter acelerado mais rapidamente.
Estão a tentar vender a vossa plataforma para restaurantes? Por exemplo, o McDonald’s quer fazer a sua app com rastreio por GPS e usar a vossa tecnologia. Estão nesse negócio?
Sim. A nossa visão é tornarmo-nos um facilitador digital para empresas retalhistas — grandes cadeias, lojas locais, PME, 80% dos nossos parceiros. A nossa visão é também angariar muitos clientes através da nossa app, que tenham uma grande experiência ao utilizarem-na para, depois, usarmos esses recursos para que tenham mais incrementos nas lojas. Contudo, cada vez mais estamos a oferecer soluções às lojas para que possam vender os seus produtos online mas não pela nossa app. Recentemente, anunciámos a aquisição de uma empresa na Estremadura, em Cáceres, a três horas de Portugal, que tem tecnologia que permite aos restaurantes vender diretamente aos consumidores com a logística de entrega de fundo. Basicamente, podemos oferecer coisas como produtos white-label [que uma empresa terceira faz para outras venderem]. Depois, podem usar a nossa logística, ou talvez as duas.
Por isso, as pessoas poderão ser clientes da Glovo sem o saberem?
Sim, ou o contrário. Vão ser clientes da loja. Imagine, entra na sua loja em Lisboa e o dono diz: “pode encomendar agora pelo nosso website” — e dá-lhe um URL. Depois, faz a encomenda em 30 minutos e a Glovo leva-lhe o produto. Porém, o cliente saberá. Poderão também enviar-lhe promoções, por exemplo. A sua loja preferida, que está a três quarteirões de si, avisa-o que esta semana estão a fazer X de desconto.
E vão usar os dados que têm dos seus clientes?
Na verdade, não temos assim tantos dados. A maneira como definimos cada perfil é muito pequena. Nem sabemos se são homens ou mulheres e coisas assim. Os dados de demografia que temos dos nossos clientes são bastante reduzidos. O que temos é um histórico de tendências do que compram e coisas semelhantes.
Qual é a maior ameaça que a Glovo enfrenta atualmente?
É uma pergunta difícil. Todos os dias vemos muita concorrência, quão rapidamente está a indústria a evoluir. Não vejo uma ameaça única. Temos apenas de nos concentrar em construir a nossa plataforma, servir os nossos clientes, dar-lhes suporte e saberem o que querem, e garantir que os nossos estafetas estão a receber um rendimento razoável, que têm muitos pedidos por hora, que é o que querem, e manter os nossos parceiros felizes. Não é fácil fazer isto tudo, mas, se o fizermos, não acho que seja uma questão de ameaça. Não importa se os nossos concorrentes entram nos mercados com milhares de milhões para gastar, vamos continuar a crescer, vamos oferecer um ótimo serviço e vamos ter o nosso espaço.
Estão a construir novos escritórios, certo?
Sim, não muito longe daqui. A quatro quarteirões. Espero que, no final do ano, nos mudemos para lá. É um grande edifício que nos permitirá ter espaço maior porque estamos a ficar sem espaço. O objetivo é termos uma espécie de campus.