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Nos primeiros dias da pandemia, o João pegava na mochila e ia para a porta de casa. Não percebia o que estava a acontecer e, com o pouco que consegue verbalizar, perguntava se estava de castigo. A Matilde batia violentamente nas janelas como forma de pedir para sair. “Acalma-se batendo nela própria”, conta a mãe. A Concha, à medida que o mundo entrava porta adentro, criava novas casas dentro de casa, confinando-se em espaços cada vez mais pequenos.
Trancados dentro de casa, sem ensino presencial nem terapias, os passos andados para trás são o que mais preocupa os pais destes jovens com necessidades educativas especiais. Para o ano, quando for preciso regressar para uma escola cheia de novas regras, temem que o uso de máscara seja uma nova barreira à inclusão dos filhos.
“Ninguém faz aprendizagens quando está num mundo perturbado”, diz a presidente da Pais em Rede, associação que junta famílias de alunos com deficiência. A eficácia da escola à distância é o menor problema dos pais, conta Júlia Serpa Pimentel, já que sabem, à partida, que os filhos não vão conseguir ter aulas em casa.
Mas há falhas no sistema de apoio? O problema não está na resposta dos professores, argumenta o presidente da Pró-Inclusão, a associação nacional de docentes de educação especial. “A falha é o coronavírus, a falha é uma escola poder fazer e não estar a fazer. Se houver um tsunami na Indonésia, não dizemos que a água ter subido é uma falha”, defende David Rodrigues. “Estou muito satisfeito com o que estamos a fazer — e que é o possível numa situação destas.”
Dos pais, Júlia Serpa Pimentel diz que o que mais ouve “são as dificuldades enormes com as novas regras, com o desconfinamento e o uso da máscara”. As crianças não conseguem perceber porque é que a sua rotina mudou e por que motivo estavam trancados em casa nos primeiros dias da pandemia. Agora que já podem sair, mas com a cara protegida, o problema tornou-se outro.
“Nas situações mais complicadas, o comportamento pode alterar-se completamente: a ausência de rotina pode fazer isso no autismo e ouvimos queixas de se ficar arrepiada”, conta a presidente da Pais em Rede. E lembra a história de uma mãe, cujo depoimento foi partilhado na página de Facebook da associação. “Foi a 20 de março, ou seja, passados apenas 8 dias de confinamento. Esta mãe tem dois filhos no espectro do autismo, que estavam descompensados, que gritavam dia e noite, e ela punha em perspetiva as queixas de quem não pode ir ao cabeleireiro, por exemplo”, conta.
Máscaras, a nova barreira para a inclusão
“A questão não é sequer ela não querer usar. A Matilde não tem capacidade para usar uma máscara”, conta Cláudia Mendes, mãe da jovem não verbal, dizendo que até a sua, quando está posta, faz impressão à filha.
A jovem de 13 anos tem síndrome de Pitt Hopkins, uma doença genética tão rara que se estima que afete apenas cerca de 500 pessoas no mundo inteiro. A alteração genética causa-lhe um grave desfasamento psico-motor e no seu atestado multiuso — documento oficial que atesta o grau de incapacidade de uma pessoa — tem escrito 96% de incapacidade. “A Matilde não fala, usa fralda e precisa de ajuda para comer. Começou a andar, mas não aguenta passear sem cadeira de rodas… Num supermercado, vai contra as prateleiras porque não tem noção do que é um comportamento socialmente aceite. É um bebé grande”, conta a mãe, acrescentando que a filha também tem graves perturbações de sono, o que a deixa a ela, Cláudia, exausta e com privação de sono.
Voltando à máscara, lembra que só para a Matilde usar óculos demorou um ano e meio até conseguir habituá-la. “Não podemos desistir”, diz Cláudia Mendes, sabendo de antemão que usar aquela proteção para regressar à escola será uma batalha.
“O regresso à escola vai ser complicado. Vamos ter de ir com calma para ela fazer a adaptação à nova rotina. Quando a escola mudou a porta de entrada, depois de ter feito obras, demorei muito tempo até conseguir que ela voltasse a entrar. Tudo se faz, com muita calma”, sublinha.
A máscara é um problema também para o João, também ele não verbal e com os mesmos 13 anos. No espetro do autismo — não é uma deficiência, mas um transtorno global do desenvolvimento — não conseguiu aprender a ler nem a escrever. “No autismo, há muitas questões sensoriais. Claro que trabalho esta questão com ele, mas sente-se sufocado e tira a máscara. Acabei por adaptar uma viseira, com um chapéu tipo panamá”, conta Helena Sabino que diz ouvir várias histórias de pais impedidos de entrar em locais de comércio por não conseguirem que os seus filhos tapem a cara.
“Um desses casos foi um barbeiro que não deixou o miúdo entrar para cortar o cabelo. Levam a lei à letra e as exceções só existem para crianças mais pequenas.” No seu caso, família monoparental, quando vai às compras tem de levar o João. “Cheguei a ter de chamar o responsável por um hipermercado, apresentei o atestado multiuso e conseguimos entrar”, relembra Helena Sabino.
Quando for para regressar à escola, no seu caso a EB 2,3 dos Olivais, sabe que a máscara vai ser um desafio. “A professora já me tem estado a dizer que ele tem de treinar, que se não conseguir usar se calhar não vai poder ir à escola”, conta Helena, uma hipótese que não lhe parece sequer viável.
Próximo ano letivo: menos alunos nas escolas e menos matéria
Para a mãe de Matilde, que vive na Portela, o regresso à escola é também sinónimo de receio de que a filha fique doente. “Quando há surtos na escola, eu tiro-a das aulas porque se ela adoece é muito difícil descobrir o que é. Normalmente tem febres, mas do quê? Será que lhe dói a garganta? Não sei.”
Para já, tem dúvidas sequer que seja possível regressar se as salas de aulas não voltarem a ser o que eram antes da pandemia. “Duvido que em setembro a Matilde vá para a escola, é preciso que a situação regresse minimamente ao normal. A Matilde não é capaz de não tocar. Os miúdos Pitt acalmam com um abraço, com uma música, temos de os conter contra o nosso corpo”, conta a mãe.
Casas dentro de casa. No autismo, a linha que separa mãe e professora é muito forte
O Nicolau é a exceção à regra. Para a mãe, desde que a pandemia obrigou a família a ficar em casa, houve um filme de terror que terminou. No colégio onde o seu filho anda, o 1.º período foi muito complicado e, apesar de estar no espectro do autismo, o aluno só tinha medidas universais.
Tal como as deficiências, também os atrasos de desenvolvimento tornavam um aluno elegível para o conceito de Necessidades Educativas Especiais, alterado pelo Decreto Lei 54, de 2018. Agora, todos os alunos têm direito à educação inclusiva, através de medidas universais — as que o Nicolau têm —, que podem ser reforçadas pelas “selectivas” e “adicionais”, estas últimas destinadas a alunos com dificuldades profundas e persistentes, como o João ou a Matilde.
“Foi um tormento o que passámos na escola no 1.º período. O meu filho é Asperger, hiperativo com défice de atenção, tem deficiências cognitivas e a escola não estava a saber lidar com ele. Com o ensino à distância, tudo mudou. Agora, está a ser o céu”, confessa a mãe, que prefere falar sob anonimato.
O Nicolau consegue acompanhar as aulas online, faz todos os trabalhos que os colegas fazem, mesmo que a outra velocidade. Tem problemas de motricidade fina e cansa-se mais facilmente. “Desde que veio para casa, nunca mais teve crises e tem estado impecável nas aulas.” Durante esse tempo, a mãe está sempre ao seu lado e conta que, apesar de nunca ter precisado de desligar a câmara, tem de baixar o som durante o trabalho autónomo para que o Nicolau se consiga concentrar.
“Isto na sala de aula é impossível, não podemos desligar o som dos colegas, e ele distrai-se mais”, conta, dizendo que ficou surpreendida por tudo estar a correr tão bem. “Pensei que o estar comigo poderia dar azo a fazer mais braço de ferro. Mas tem tudo a ver como a forma como lidamos com ele, não entro em guerras que não valem a pena”, confessa a mãe de Nicolau.
A mãe de Concha também fala sob anonimato. Tem duas filhas, a mais velha, com dislexia e perturbação de atenção, está no 2.º ano. “Odeia o ensino à distância. Vai às aulas todos os dias, menos às de música. Prefere fazer trabalhos em casa connosco”, conta Maria.
A turma foi dividida em grupos mais pequenos, mas isso não foi suficiente para travar a ansiedade da criança. “Vejo que fica mais ansiosa e começa logo a dar erros atrás de erros. A carga de autonomia que pomos nos miúdos é um peso enorme”, diz a mãe.
A filha mais nova de Maria, a Concha, tem 5 anos e frequenta o pré-escolar. Tal como o Nicolau, tem síndrome de Asperger que afeta a forma como percebe o mundo e interage com outras pessoas. “Para ela, qualquer videochamada é uma invasão de privacidade”, mesmo sem som ou imagem do seu lado.
“No início achou muita graça a estar em casa, que é o seu espaço mais confortável. Mas, à medida que vai trazendo o mundo para dentro de casa, vai fazendo casas dentro de casa. Começámos a ter tendas por todo o lado, porque ela vai reduzindo o espaço de confinamento. Com a passagem do tempo, a reação foi piorando”, conta a mãe.
Essa divisão entre casa e escola está muito presente e Concha recusa-se a fazer os trabalhos que a professora manda. Para ela, aquele não é o espaço certo para essas rotinas.
Helena Sabino, mãe de João, passou pelo mesmo. Seguir as aulas na televisão também não é solução. “O João não se foca, não consegue ver telescola. Fica dois minutos e aquilo não lhe diz nada. A intervenção com ele tem de ser de um para um”, conta a mãe.
Zita, professora do ensino especial em Palmela, acredita que durante a pandemia será mais fácil lidar com crianças que têm deficiências intelectuais do que alunos que estão no espectro do autismo. “Não fazem tantas perguntas e mais facilmente os pais encontram com o que entretê-las.”
No autismo, tudo é diferente. Há fronteiras claras entre o que se passa em casa e o que se passa na escola. Tentar fugir dessa sistematização pode ser problemático. “A rotina de casa não é a da escola. Se uma mãe tentar pôr a criança a fazer trabalhos de casa, ela pode não aceitar. Tudo é muito sistematizado”, diz a professora.
Quando em causa está uma deficiência intelectual, a fronteira entre o papel da mãe e da professora não está tão definido. “Nestes casos, conseguimos dar algumas indicações às mães e elas conseguem trabalhar algumas coisas com as crianças”, sublinha Zita.
Helena Sabino não tem razões de queixa das professoras do ensino especial ou dos técnicos do CRI, o Centro de Recursos para a Inclusão — serviços especializados, acreditados pelo Ministério da Educação, que apoiam a escola na resposta a estes alunos.
Apesar disso, rapidamente percebeu que não valia a pena perder tempo com aulas síncronas. As sessões no Zoom são consigo e não com o filho. “Os professores mostraram-se muito disponíveis e, em conjunto, procurámos a solução mais adequada para ele.”
Essa solução passa pelo envio de plano semanal com atividades que têm a ver com a vida diária. “A comunicação funcional, ajudar a pôr a mesa, fazer a cama. Dar-lhe instruções, vestir-se sozinho. São coisas que podemos fazer. Ele tem muito presente o que é da escola e da casa, estar a tentar fazer grafismos com ele só provoca frustração”, conta Helena Sabino.
A situação em casa de Cláudia Mendes é muito semelhante. “A escola da Matilde são atividades da vida diária: lavar os dentes, entrar e sair da banheira. Adorava que ela largasse a fralda. O que ambiciono são pequenas coisas da vida diária, como ela comer sozinha”, diz Cláudia.
Durante o confinamento, computador e televisão não foram uma opção. “A primeira vez que viu a professora no Whatspp, queria entrar no telemóvel. Como não conseguiu, entrou em estado de irritabilidade e surge logo a agressividade.”
Os meus filhos vão ter de usar máscara? Precisam de tamanhos específicos? Não há risco de sufocarem?
Nos primeiros dias de confinamento, a mãe punha a Matilde no carro e dava voltas para a jovem poder estar mais calma. “Se a tirar da rotina, é catastrófico porque a Matilde não percebe o porquê. Em casa, rejeita as atividades que faço com ela. Mas a aprendizagem é o menor dos problemas. Tomara eu que ela esteja estável e que não se agrida”, confessa Cláudia Mendes. Uma das formas que a filha encontra para se acalmar é agredindo-se a si própria.
“Começou a arrancar o cabelo, também morde num pulso e agravou-se a ferida. Aumentei-lhe a medicação, mas não a posso ter tipo zombie”, conta Cláudia. Como não quer estar em casa, Matilde bate com violência nas janelas e chora constantemente. “A ansiedade e a irritabilidade são próprias da patologia, mas agora houve um agravamento.”
O apoio que chega dos professores é dirigido à mãe. A Matilde, conta, consegue estar concentrada durante muito pouco tempo. Meia hora? Cláudia ri-se. “Era bom. Às vezes consegue dois ou três minutos de atenção seguidos. Não consegue sequer ouvir uma história no telemóvel por isso nem valia a pena as professoras enviarem vídeos.”
Entre os alunos de ensino especial da professora Zita, os exemplos são semelhantes: “Tenho um menino de 16 anos com deficiências motoras e intelectuais, com muitas dificuldades na leitura e na escrita, a quem passo à mãe tarefas simples que ele pode fazer com ela.” Noutro caso, um aluno de 19 anos com deficiência intelectual, conversa com ele e com a mãe, ao mesmo tempo, através de videochamada. “Peço, por exemplo, para ele escolher panfletos de supermercado, para fazer a lista do que vai comprar, para trabalhar os euros e ter noção de quanto custam as coisas. São competências para a vida diária.”
As regressões vão acontecer e ninguém têm culpa
Apesar de não ter queixas em relação ao comportamento de João, já que Helena Sabino diz que não há, por exemplo, agressividade, sente que o filho fica mais centrado nele e que as estereotipias aumentam — ações repetitivas do movimento, da postura ou da fala, comportamento que faz parte da vida no espectro autista.
Mas as regressões são praticamente impossíveis de evitar. “São inevitáveis. Entre crianças no espectro do autismo podem regressar aquilo a que chamamos tiques, como o baloiçar, o rodar, o brincar sempre com o mesmo objeto, ou seja, estar o dia todo em roda do seu foco de interesse”, refere a professora Zita. Para além disso, as regressões podem sentir-se em comportamentos desajustados, ficando as crianças muito prostradas, hiperativas, ou agressivas. Tudo porque não conseguem controlar a emoção.
“Vai haver muitas regressões nas aprendizagens. Estas crianças são trabalhadas diariamente e tiveram de reestruturar todas as rotinas”, diz a professora, lembrando que é habitual em setembro, no arranque de cada ano letivo, ter de se começar o trabalho de novo, pois são sempre dados passos atrás, mesmo que os alunos tenham uma boa base familiar.
“Quem percebe as características do autismo sabe que é como se tivessem viseiras: olham numa direção e veem uma coisa. De repente, o mundo que conhecem desapareceu e é inquietante”, diz, por seu turno, Júlia Serpa Pimentel. “São incapazes de fazer aprendizagens porque estão perturbados e há pais que sentem que vão ser culpabilizados se o filho fizer regressões.”
A professora do ensino especial rejeita esta culpabilização. “Os pais não têm de se culpar, as regressões são normais, mesmo nas outras crianças.”
Na família de Concha, os pais, transformados em professores, fizeram um investimento grande num site de aprendizagem e em materiais didáticos, exatamente para minimizar as regressões. Para além das atividades pedagógicas, mantém a terapia da fala e vídeo consultas de pediatria de desenvolvimento. O regresso ao pré-escolar, possível desde 1 de junho, está por enquanto adiado.
“Não tem a ver com receio. Para ela, tudo tem de ter uma narrativa e não consigo encontrar nenhuma em que faça sentido ela voltar para a escola e a irmã não”, diz a mãe de Concha. Por agora, a família optou manter as duas filhas em casa, mas as diferenças no comportamento já são evidentes. Há rotinas que estavam muito bem definidas e que se perderam. “Vestir-se estava completamente estabilizado, tal como a rotina de ir para a cama. Deixaram de estar”, revela..
Embora se sinta apoiada pela equipa terapêutica que segue a filha, mantém a ideia que já tinha antes da pandemia. “As escolas não estão preparadas para lidar com a diferença e neste cenário menos ainda. A resposta foi massificante.”
Portaria de rácios vai mudar. Escolas com alunos com deficiência vão ter direito a mais auxiliares
Os pais não são terapeutas
Num inquérito da Fenprof, feito a cerca de 4.000 professores sobre as aulas à distância, 60% dos docentes consideraram que o ensino das crianças com necessidades educativas especiais está aquém do desejado. E isso decorre da impossibilidade de trabalhar diretamente com os alunos.
“Este modelo não serve estes alunos com problemas mais complexos. O apoio presencial é fundamental, os pais não são terapeutas nem professores”, diz a coordenadora do departamento de educação especial no Secretariado Nacional da Fenprof.
“Para além de ser um modelo muito complicado para todos, para alunos com baixo nível de funcionamento autónomo é ainda mais complicado. Precisam de apoio direto constante e há sempre o receio do retrocesso nas aprendizagens — que pode acontecer com qualquer criança”, acrescenta Ana Simões.
Logo em março, quando as escolas suspenderam o ensino presencial, a Pró-Inclusão elaborou um documento sobre o que deve ser a intervenção dos professores de ensino especial no contexto da pandemia.
“Sabemos que o que se está a passar não é imediatamente compensável, perdemos muitos dos apoios das crianças que eram feitos nas escolas, pelos CRI, e que eram presenciais. Quando as escolas fecharam, começámos a pensar o que são as estratégias que podem minorar o impacto”, diz David Rodrigues.
Em primeiro lugar, conta, nas turmas que têm alunos com deficiência os trabalhos são sempre seguido pelos professores de ensino especial, para tentar que as propostas sejam calibradas para os alunos em causa. O contacto entre professores e famílias também se intensificou. Ainda assim, reconhece que não são as condições ideais. “Alguma coisa se perderá. É importante que consigamos que no ensino à distância se perca o menos possível do ensino presencial.”
Júlia Serpa Pimentel diz nada ter a apontar a professores e técnicos, mas a resposta do Ministério da Educação foi curta. “Houve um esforço enorme dos CRI, e das equipas de intervenção precoce de pôr cá fora, o mais possível, dicas para os pais viverem melhor esta situação. Foi um esforço que me agradou, tendo sido suficiente ou não. Por parte do ministério houve pouco apoio e as orientações gerais foram gerais de mais.”
Fala, por exemplo, das orientações para as Equipas Multidisciplinares de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI). “É vago e a noção que tenho é que muito do que está ali escrito já não era feito antes quando os miúdos estão na escola.”
Sobre a relação entre pais e professores, Zita, professora de ensino especial em Palmela, sabe que os primeiros têm um papel duro, mas fundamental. “Os pais são a via de transmissão do professor para o aluno. São a ponte. Se a ponte não funciona, o aluno sente que há abandono, enquanto o professor não sabe se o aluno faz o que é pedido. Se não recebermos nada, não temos como avaliar.”
A única forma de se conseguir trabalhar com estas crianças é haver uma colaboração muito grande entre professores do ensino especial, técnicos das terapias e pais, defende também a coordenadora do departamento de educação especial no Secretariado Nacional da Fenprof. “Esse esforço está a ser feito. A maioria dos pais está em teletrabalho e tem feito um grande esforço para dar feedback de como os filhos estão a desenvolver as atividades que lhes são pedidas”, acrescenta Ana Simões.
No entanto, a dirigente da Fenprof lembra que, embora alguns terapeutas estejam também a trabalhar com os alunos, há casos como as fisioterapias, por exemplo, que, por serem muito específicas, simplesmente não podem ser feitas à distância.
“Estes pais têm um peso acrescido em cima de si. Fazem o que podem, o que sabem, sem grandes complicações”, diz. Acima de tudo, a prioridade é tentar manter as competências já adquiridas, privilegiando atividades funcionais para que possam ir usando o que aprenderam nas suas rotinas diárias.
“Os pais são fundamentais. Mas uma das grandes fontes de desigualdades nesta altura é que os alunos ficam confinadas à sua família, ficam muito mais dependentes das culturas familiares, mesmo que sejam fortalecidas. Ficam só fechadas na cultura da sua família e nas crianças com deficiências isso ainda se sente mais”, conclui David Rodrigues.
E depois da Covid? O regresso às aulas com muita calma
Antes do Covid, o mundo era perfeito? “Claro que não. No pré-Covid já precisávamos de mais recursos nas escolas, e havia crianças que precisavam de mais apoios do que estavam a ter”, remata David Rodrigues, e algo que o próprio ministro da Educação assumiu em entrevista ao Observador.
“Sabemos que a resposta nunca é cabal. Mais: a resposta nunca será cabal, será sempre de aproximação, mesmo presencialmente. Por muito que tenhamos todos os meios e tenhamos, financeiramente, todos os recursos, todos os terapeutas, é sempre por aproximação”, disse, a 18 de maio, Tiago Brandão Rodrigues.
No entanto, David Rodrigues assume que se faltam recursos é também porque em Portugal se apostou na escola inclusiva. “A inclusão é ela própria um recurso. Se tivéssemos 60 escolas de ensino especial no país a situação era outra. A nossa escola é de inclusão e é nos 812 agrupamentos, o que leva à dispersão de recursos.”
Já para a Fenprof, no próximo ano letivo será fundamental aumentar o apoio de todos os alunos, em especial de quem tem necessidades específicas. “Na verdade vão precisar de três apoios extra: o que todos os alunos vão precisar, um acrescido a esse, e ainda um apoio mais individualizado”, defende Ana Simões. “Ainda estamos longe de lhes dar o que eles precisam. O apoio direto é fundamental, e são necessárias mais horas e mais recursos humanos para dar a cada aluno o que ele precisa”, argumenta a sindicalista.
Quanto a horas extras para os CRI, a Fenprof tem uma posição de base contra estas estruturas. “O que dizemos é que se há um aluno da escola que precisa de uma terapia, a terapeuta não deve ser do CRI, deve ser da própria escola e deve poder ser usada por todos os alunos que precisam.”
Sobre o futuro da escola, também a professora Zita tem muitas dúvidas — “Se tivermos estas regras, como vão ser os afetos? Temos a boca tapada, como é que nos vão ver sorrir? Uma criança vem-nos dar um abraço e nós dizemos não?” — e que em tudo são semelhantes à da presidente da Pais em Rede.
“O meu medo é que não sei se a escola vai reabrir como existia. Ninguém sabe. Uma criança com deficiência intelectual a primeira coisa que faz, quando nos vê, é querer dar um beijinho. O distanciamento social é muito complicado”, diz Júlia Serpa Pimentel, defendendo que teria de haver uma reformulação total dos apoios.
“Os técnicos do CRI poderiam ir a casa. Se as crianças ficarem em casa, alguém terá de ir a casa ajudar os pais a estabelecer rotinas. Dizer que tem de se deitar a criança a uma hora, sem saber o complicado que isso é, tem muita piada”, diz.
E lembra o caso de uma mãe que recusava estratégias em papel. “Ela dizia que o que queria era que fossem a sua casa, dizer-lhe o que fazer em situações reais. A continuarmos em casa, tinha de se mudar tudo, tinha de haver uma mudança radical e ajudar os pais a lidar com situações concretas. Que me interessa que a criança se porte bem quando está com o terapeuta? Em casa é que é a situação da vida delas.”
Para os pais, deixa um conselho: é crucial, para manter a saúde mental durante a pandemia, escolher as guerras. As que travam com a escola, as que travam com os filhos e até consigo próprios.