Ursula von der Leyen vinha com o tempo contado e teve de dividir-se em quatro slots de entrevista. A presidente da Comissão Europeia deu uma mini-entrevista ao Observador, de cinco minutos, na representação da Comissão Europeia em Lisboa. Menos de meia hora antes de apresentar o plano ao lado de António Costa. O tempo era curto e as respostas foram de visitante, com rasgados elogios ao anfitrião: o Governo. Von der Leyen mostrou-se confiante que Portugal não vai ter nenhuma crise política decorrente da aprovação do Orçamento: “Estou confiante que os políticos portugueses vão ser muito responsáveis“.
Sobre o regresso das regras do défice, Von der Leyen diz que não é tempo de falar de ajustamentos e recusa-se a discutir “datas” (não diz se Portugal será forçado a cumprir um défice abaixo de 3% em 2021, 2022 ou depois diss), já que prefere ter como referência as “condições” em que os países vão estar.
Já teve a oportunidade de ler o esboço do plano de Recuperação e Resiliência elaborado pelo governo português. Quais são as principais fragilidades do programa?
O que eu vejo é vários pontos fortes. O plano é muito bom. E vejo que o plano português foi construído tendo em conta as prioridades comuns da União Europeia: investimento forte no Green Deal e na digitalização. E em ambos os campos Portugal é um exemplo. Portugal fará, durante a fase de recuperação, investimentos fortes que o farão estar numa posição vantajosa quando a pandemia acabar e a economia voltar a crescer outra vez.
Uma das recomendações do semestre europeu é que Portugal tem de reduzir a segmentação do mercado de trabalho. Esta é uma contrapartida para Portugal obter dinheiro da SURE?
Portugal vai ter acesso ao programa SURE e eu acredito que este será um instrumento muito útil para combater a crise, porque, por exemplo, para as empresas financeiramente saudáveis, mesmo que não tenham encomendas agora, durante a pandemia, vão poder manter os seus trabalhadores. Isto é possível porque nós pagamos parte dos salários. O objetivo é que essas empresas consigam manter as competências técnicas e o conhecimento nos seus quadros e, dessa forma, quando a economia voltar a crescer vão ter capacidade para responder a encomendas e isso vai dar-lhes uma vantagem relativamente às outras empresas [que despediram trabalhadores ou tiveram de fechar].
Estamos a duas semanas da entrega do Orçamento do Estado em Portugal e ainda não há acordo na Assembleia da República. Uma crise política em Portugal criaria dificuldades à presidência portuguesa da União Europeia ou ao acesso do país aos fundos europeus
Estou confiante que os políticos portugueses vão ser muito responsáveis. Estou com grandes expectativas relativamente à presidência portuguesa da União Europeia porque as nossas prioridades, o Green Deal e a digitalização, são importantes contributos para um pilar importante da União Europeia, que é o pilar social. E Portugal é famoso por colocar um ênfase muito forte nesta área e nós precisamos da presidência portuguesa para avançarmos no pilar social. Aliás, a comissão apresentará um plano de ação e teremos, certamente, uma excelente cooperação.
O primeiro-ministro português garantiu-lhe que Portugal terá a estabilidade política necessária para aplicar os fundos do Plano de Recuperação?
A minha experiência com Portugal é que podemos confiar muito na capacidade de investir nas prioridades certas. Temos uma cooperação muito forte. O que é importante é a comissão, como já está a fazer, vir ao país e explicar como investir o dinheiro de forma mais rápida. Porque a pressão de tempo é elevada e porque é uma grande quantidade de dinheiro. Temos de garantir que o dinheiro é investido no futuro de Portugal por isso é preciso muita cooperação e trabalho em conjunto. E temos uma muito boa comunicação com o governo português. E eu gosto muito disso.
O défice de Portugal aumentou com a pandemia. Quando voltam as regras do Tratado Orçamental? Em que ano Portugal será obrigado a ter, por exemplo, um défice inferior a 3%? Já está em dois mil e vinte e um? Em dois mil e vinte e dois?
Neste momento acionámos a cláusula de salvaguarda [que suspende as obrigações dos Estados-membros no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento]. Temos de ser flexíveis acima de tudo porque este é o momento de apoiarmos as pessoas e as empresas. Isto é muito importante. E este não é o momento para mudar nada. Essa é a razão pela qual eu não vou falar em cronogramas ou datas, mas em condições. O objetivo agora é investir na economia para a economia poder sobreviver à pandemia, voltar forte e depois disso, quando passar a pandemia, obviamente que teremos de falar de estabilidade fiscal.
O líder da oposição defendeu que Portugal não deve aumentar o salário mínimo nacional porque as empresas podem não aguentar o esforço e ter de despedir pessoas. No estado da União, defendeu que o salário mínimo deveria ser valorizado na Europa. Concorda que o salário mínimo deve ser aumentado este ano em Portugal?
Sou uma grande defensora que um salário mínimo, negociado em concertação social, é bom e necessário. Mas também sou uma grande defensora de que os Estados-membros devem determinar que tipo de valor o salário mínimo deve ter no respetivo país. E há uma boa razão para isto: porque tem de ser feito à medida da respetiva economia e dos seus setores da sua economia.. E acho que, em todos os Estados-membros, devemos proteger os trabalhadores com um salário mínimo, mas também devemos confiar que os Estados-membros vão encontrar o nível certo de salário mínimo em negociações cuidadosas.