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À saída do Parlamento, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, seguia sorridente mesmo atrás do primeiro-ministro.
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À saída do Parlamento, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, seguia sorridente mesmo atrás do primeiro-ministro.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

À saída do Parlamento, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, seguia sorridente mesmo atrás do primeiro-ministro.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Crónica de uma demissão antecipada por Marcelo durante a moção de censura

PM deixou a AR seguido por uma ministra da Agricultura em passo apressado — Marcelo já tinha feito estragos. Às 20h, Carla Alves estava fora e Costa a caminho do teatro. O filme da tarde

António Costa chegou ao Parlamento no meio de um caso e saiu enredado em mais um, que acabou por resultar em demissão uma hora depois de o primeiro-ministro ter saído da Assembleia da República. Pelo meio, quando o Governo encerrava o debate da moção de censura, o Presidente da República deu um empurrão decisivo ao dizer que o novo caso era “um peso político negativo”. Uma hora depois a secretária de Estado da Agricultura acabada de assumir funções já não o era.

Depois do chumbo de mais uma moção de censura, o Governo descomprimiu, mas por pouco tempo. António Costa saiu sorridente do plenário e nos Passos Perdidos ainda esteve uns minutos à conversa, rodeado pelos seus ministros e inclusivamente pela ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, com quem ainda trocou umas palavras muito breves.

Nessa altura, já todos os olhos estavam postos nos telemóveis que mostravam as incontornáveis declarações de Marcelo Rebelo de Sousa e, à passagem pelos jornalistas, ainda se ouviu o início da pergunta atirada a António Costa: “O Presidente disse que a secretária de Estado é um peso político…”. Ficaria sem resposta. O primeiro-ministro saiu do Parlamento e, atrás dele, a ministra no centro de mais uma polémica que tinha estado todo o debate sentada na ponta esquerda da bancada do Governo, preocupada e muitas vezes a dedilhar no telemóvel.

Enquanto a agora ex-secretária de Estado formalizava o seu pedido de demissão, António Costa chegava ao CBB para assistir de camarote à peça “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas” na companhia da mulher, Fernanda Tadeu. Ao lado, noutro camarote, outra figura de peso do universo socialista: Augusto Santos Silva.

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Não era o único sinal de aparente descompressão do primeiro-ministro: na conta oficial do Twitter, já Carla Alves tinha caído, e António Costa escrevia que o Governo se mantinha “firme na execução das suas políticas, cumprindo e honrando os compromissos com os portugueses” e determinado “em assegurar o crescimento económico, a proteção no emprego, o aumento dos investimentos e das exportações, bem como as contas certas como garantia da estabilidade do futuro de Portugal”.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o caso Carla Alves.

Carla Alves, o novo caso que abala o Governo

A bomba de Marcelo

Pelas 19h, ao mesmo tempo que Mariana Vieira da Silva encerrava o debate pelo lado do Governo, tinha aparecido Marcelo nas televisões. O caso não era “inconstitucional”, começava por reconhecer, atirando logo de seguida: mesmo assim, a governante começava nestas funções logo com uma “limitação política”. E colocava também o ónus na ex-secretária de Estado, dizendo que seria responsável pelo seu “autoescrutínio”.

Um autoescrutínio que Carla Alves teria feito depois da notícia e a pedido de Costa, que durante o debate revelou que o Governo tinha questionado a então governante sobre o caso e que esta lhe tinha dado garantias suficientes para se manter na pasta.

De manhã, a ministra considerara o mesmo, lembrando, em respostas ao Correio da Manhã, que a secretária de Estado não estava envolvida no processo-crime e que a nomeação não estaria em causa. A ministra terá dado essas mesmas garantias ao Governo que integra, que tinha estado reunido em Conselho de Ministros antes do debate parlamentar.

Mas, ao final da tarde, essas garantias já não seriam suficientes para evitar mais uma saída “prontamente aceite” pela ministra, segundo o comunicado do ministério da Agricultura enviado pelas 20h — depois de Carla Alves ter considerado não ter “condições políticas e pessoais” para se manter no cargo que assumira 26 horas antes.

Em declarações à SIC, ao final da noite, a ministra evitou detalhar se a decisão foi tomada antes ou depois das declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo apenas que a demissão foi apresentada “ao final da tarde”. Considerou que está “tudo esclarecido” e que o fez em “sede própria”.

Antes disso, quando a demissão foi pública, os corredores parlamentares, que uma hora depois do debate já estavam vazios, voltou o corrupio, com jornalistas a receberam a nota que confirmava a demissão e a perguntarem aos partidos que passavam se ainda reagiriam à notícia.

Alguns voltaram para trás com essa intenção: Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, e João Dias, do PCP, ainda deram a volta e foram gravar declarações para as televisões. Ao mesmo tempo, uma ironia musical: nos corredores do Parlamento ouviam-se os acordes iniciais da clássica “Aleluia“, numa atuação musical no átrio principal da Assembleia, na receção aos chefes de Missão Diplomática Portuguesa, por ocasião do Seminário Diplomático 2023.

Enquanto a agora ex-secretária de Estado formalizava o seu pedido de demissão, António Costa chegava ao CBB para assistir de camarote à peça "Catarina e a Beleza de Matar Fascistas" na companhia da mulher, Fernanda Tadeu. Ao lado, noutro camarote, outra figura de peso do universo socialista: Augusto Santos Silva

A defesa de Carla Alves durante o debate e a linha vermelha de Costa

No debate, o caso foi levantado por Catarina Martins, mas sem sequer referir o nome ou o cargo da secretária de Estado da Agricultura. A líder do BE tocou no nervo de Costa ao referir-se ao respeito pela “ética republicana” mas, de resto, disse apenas que “a cada caso encerrado abre-se um novo caso. Não é imprudente a forma como o Governo tem lidado com as nomeações? Que depois de demissões, com base em percursos com tanto por explicar, o Governo faça mais uma nomeação com tanto para explicar?”

A resposta de Costa foi desproporcional, com o primeiro-ministro a disparar as armas todas que tinha em sua defesa em mais este caso, atirando a Catarina Martins a intenção de defender a demissão de uma “mulher” do Governo por causa de problemas judiciais do marido.

“Neste caso é claro: o MP já investigou tudo, e vou ser eu a substituir-me ao MP? A não ser que a senhora deputada saiba algo que não sei. Vou demitir uma mulher porque o marido foi acusado? Qual é o caso da ética? É ser casada com alguém que foi acusado?”.

Foi nessa resposta que disse que o Governo tinha “perguntado à senhora se constavam na conta conjunta os montantes referidos na notícia”. Acrescentando: “E ela disse que não, que na conta conjunta só constavam rendimentos do trabalho. Perguntámos se havia dúvidas sobre declarações fiscais que fez. Ela disse que não, que tinha declarado todos os rendimentos”.

Concluiu, em sua defesa: “Tenho por princípio confiar na palavra das pessoas e não tenho alternativa porque não sou o Ministério Público e não posso investigar as contas. Se MP investigou tudo e não a acusou a ele e não a ela não vejo porque nos devemos pôr em suspeições.”

Sobre este assunto, levantado numa manchete do Correio da Manhã esta quinta-feira, horas depois de Carla Alves ter tomado posse como secretária de Estado, Costa disse ainda que “se estiver ferida a ética republicana, a secretária de Estado seria demitida. Eu próprio me demitirei se a ferir”. Mas o Chega não deixou o assunto ficar por ali e André Ventura voltou à carga perguntando a Costa se ia manter “a novela“.

“Tudo o que ganhou declarou, é o que a senhora me diz”, respondeu Costa empurrando para lá a suspeita sobre mais um governante seu. Apenas deixou uma linha vermelha a Carla Alves, ao responder a Ventura: “A sua pergunta é se um membro do Governo tiver rendimentos não declarados deve ficar no Governo? Obviamente não”. E caso restassem dúvidas, ainda repetiu que “se em abstrato um membro do Governo tiver rendimentos não declarados, claro que não deve manter-se como membro do Governo”.

Nova secretária de Estado da Agricultura tem contas arrestadas

Medina “o náufrago” na mira da oposição

Com a demissão relâmpago da secretária de Estado, que foi a tempo de os partidos que ainda saíam do hemiciclo pararem para reagir à notícia, o debate que aconteceu dentro de portas pareceu ficar para trás. Mas, na verdade, a demissão só veio reforçar o que os partidos defendiam no hemiciclo: a instabilidade dentro do Governo parece maior a cada dia – e a cada demissão – que passa.

O outro grande caso que a oposição não larga, mesmo depois da saída de Pedro Nuno Santos, é o da também ex-governante Alexandra Reis – e a mira está agora apontada ao ministro que sobreviveu à polémica, Fernando Medina. No Parlamento, os partidos da esquerda à direita foram apontando a posição “fragilizada” do ministro e até comparando Medina a um “náufrago” agarrado à maioria para não se afogar.

No PSD, Joaquim Miranda Sarmento considerou que, nesta altura, a responsabilidade por manter Medina em funções já é apenas do próprio Costa. Paulo Rios carregou ainda mais nos ataques à “indemnização obscena” de Alexandra Reis e à ideia de que Medina não sabia – “tinha obrigação de saber” – acabando por concluir que o ex-autarca “já não é ministro, é apenas um náufrago agarrado à bóia da maioria absoluta”.

A Costa coube fazer a defesa cerrada do seu ministro, agarrando-se ao habitual argumento das contas certas. Quando foi questionado sobre se o ministro teria “condições” para continuar, atirou: “Evidente que sim, se não não estava aqui sentado”. E alongou-se num longo elogio a Medina e ao Governo como um todo, pelos resultados conseguidos durante tempos de grande incerteza, incluindo o défice interior ao que estava previsto e os apoios às famílias que o Governo concedeu: “Foram os resultados que este ministro e este Governo conseguiram”.

Depois, Costa teve de dar explicações pelo outro ministro envolvido no caso – o que se demitiu, Pedro Nuno Santos. A André Ventura, que acusava Pedro Nuno de ter “mentido” e de estar a par do caso, Costa recordou a nota de despedida do ex-ministro, em que dizia ter tido “agora” – isto é, na semana passada” – conhecimento do acordo entre Alexandra Reis e a TAP.

Isto é: “Disse que só teve conhecimento agora, pronto”, resumiu Costa. Na verdade, Pedro Nuno sabia, pelo menos, da existência do acordo, mas só terá sabido dos seus contornos depois, apesar de a informação ter estado na caixa de e-mail do seu secretário de Estado Hugo Mendes durante meses a fio.

No Parlamento, Costa admitiu: por uma questão de “responsabilidade política”, Pedro Nuno demitiu-se e essa decisão foi “devidamente aceite”. E é assim, recordando que Medina ainda não era ministro quando a indemnização de Alexandra Reis foi acordada, que o Governo quer fechar o caso – mas a oposição não concorda.

De resto, haverá um novo capítulo da mesma novela já esta sexta-feira, como o próprio Costa anunciou: Fernando Medina, que só irá dar explicações ao Parlamento porque o PSD forçou potestativamente uma audição – já que a maioria tinha chumbado essa mesma proposta –, irá falar aos deputados logo de manhã, sem esperar pela próxima semana, como se esperava. Resta saber se dirá algo que tranquilize a oposição.

Costa propõe um filtro para evitar novos casos

Entre a defesa de um caso e outro, durante o debate, António Costa esperou por uma pergunta do PAN sobre a necessidade de maior “diálogo” por parte da maioria, para anunciar, já tinham passado mais de duas horas de debate, que ia propor ao Presidente da República “que consigamos estabelecer um circuito entre a minha proposta e a nomeação de membros do Governo que permita evitar desconhecer factos que não estamos em condições de conhecer e garantir maior transparência e confiança de todos no momento da nomeação”.

Não disse mais e Marcelo já terá achado de mais o que ouviu, porque horas depois diria publicamente que essa é uma incumbência do Governo e do Parlamento. “O Presidente não se pode substituir ao primeiro-ministro” e se o Presidente passa a formar ele os governos o sistema passa a ser presidencialista“.

O Chefe de Estado chutou a responsabilidade para o primeiro-ministro, dizendo mesmo que qualquer mecanismo de filtragem, a existir “tem de ser antes de o Governo propor, não é depois de propor” o nome do governante ao Presidente.

Gustavo Santos e a guerra dos tronos

Os casos foram, de resto, o fio condutor que pautou todas as quatro horas de debate, com o Governo a ser constantemente acusado de provocar a sua própria “instabilidade” com a sucessão de casos e vaivém de governantes. Um frenesim que acabou por levar o candidato à liderança da Iniciativa Liberal Rui Rocha a comparar António Costa ao apresentador/expert em remodelações Gustavo Santos (do programa Querido, Mudei a Casa).

Ainda na onda das referências televisivas, o PSD agarrou-se aos paralelismos com a “Guerra dos Tronos” para falar na guerra pelo trono socialista – para os sociais democratas, parte da causa da instabilidade no PS e no Governo – e antecipar que vem aí o “inverno” (na série, as personagens esperam durante temporadas inteiras por essa época de guerra e miséria), enquanto a IL considerava que esse inverno já chegou.

A discordância não era sobre a trama da série; antes uma divergência de fundo entre os partidos da direita sobre o que fazer com um Governo que disseram repetidamente estar “em decomposição” e apresentar uma “miséria” de resultados. Com a IL a apresentar esta moção de censura, chumbada à partida em tempos de maioria absoluta, e a argumentar que é preciso um “novo Governo já” e que está preparada para ser alternativa, coube ao PSD ir frisando que é um partido “responsável” que não anda a pedir eleições “de ano a ano”.

Costa tentou, aliás, agarrar a narrativa da guerra à direita para dizer que os partidos só se entendem para desejar “crise” e “sonhar” com uma crise política. E os liberais recusaram cair na armadilha, mas a direita como um todo acabou por fazê-lo algumas vezes – com a IL a batizar quem não alinhou na moção de censura como “apêndices” do PS e o PS a aproveitar para retratar o PSD como o “tolo a meio da ponte”.

Mesmo assim, apesar da disputa à direita, os partidos não tiveram dúvidas em apontar baterias a Costa, à instabilidade do seu Governo e à “arrogância” da maioria absoluta. O Executivo bem tentou insistir que o que interessa são os resultados – dizia Costa que não há cidadão que lhe pergunte na rua se o secretário de Estado A ou B continua no Governo – e falar nos números do crescimento, no défice ou do desemprego.

Mariana Vieira da Silva acabaria mesmo a devolver as acusações e garantir que a oposição é que está cansada e esgotada. Mas enquanto falava no púlpito do hemiciclo já Marcelo Rebelo de Sousa puxava o tapete de baixo dos pés da secretária de Estado – e quando o Governo abriu as portas do hemiciclo para sair sem a censura, já tinha uma nova crise em mãos.

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