789kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Um eleitor com luvas protetoras coloca o seu voto na urna na escola básica do Parque das Nações, 24 janeiro 2021,  em Lisboa. Mais de 10 milhões de eleitores são hoje chamados a escolher entre os sete candidatos a Presidente da República, numas eleições em que a abstenção é o principal adversário devido à pandemia de covid-19. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
i

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Da participação massiva à abstenção eleitoral: como chegámos até aqui?

Quem se abstém? Porquê? Por que temos números tão altos? Três politólogos e seis pessoas que não votam dão-nos pistas sobre este fenómeno e apontam algumas ideias para uma maior mobilização eleitoral.

No dia 25 de abril de 1975, Maria Irene Guimaraez Pinheiro saiu de casa, em Lisboa, orgulhosa para votar nas primeiras eleições livres em Portugal. Ao lado dela, nesse dia, estava uma professora amiga, vizinha no Bairro da Ajuda, na zona ocidental da capital, onde vive até hoje. “Estava uma fila enorme, era muita gente”, recorda por telefone, numa voz pausada e cerimoniosa. “Aquelas pessoas todas que viveram em ditadura e que tinham sido impedidas de escolher finalmente podiam votar. As pessoas sentiam-se livres.”

Se consultarmos online os arquivos da RTP sobre este acontecimento – ou as fotografias da imprensa na época – testemunhamos as ruas inundadas de pessoas e uma afluência massiva às urnas. Há até uma curiosidade: “a Força Aérea chegou a ir às ilhas Berlengas buscar o voto dos faroleiros”.

Em 47 anos de exercício democrático em Portugal, Irene Pinheiro votou “em todas as eleições até hoje”: para a Assembleia Constituinte, 16 legislativas, 8 parlamentares europeias, 13 autárquicas, 11 presidenciais e 3 referendos.

O voto antecipado (e o alargamento do período em se pode ser exercido) pode ser uma alternativa para reduzir a abstenção. Mas a informação sobre as condições não é totalmente clara

Octavio Passos/Observador

Nestas legislativas, porém, a ex-funcionária administrativa da companhia aérea Panair (que chegou a conhecer o famoso geógrafo cartógrafo Gago Coutinho), hoje com 85 anos, vai ter de se abster, de forma involuntária. “Estive internada até há uns dias, já estou em casa. Sabia que as eleições eram a 30 de janeiro, mas não houve outra possibilidade. Agora não consigo sair da cama e não vou conseguir votar”, explica. “Estou muito aborrecida, muito triste”, diz num discurso acelerado de quem não se resigna. “É a primeira vez que não vou votar.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nestas eleições, segundo confirma ao Observador, por e-mail, a Comissão Nacional de Eleições (CNE), a recolha de voto ao domicílio apenas “está expressamente prevista na lei para o ‘confinamento obrigatório’, em voto antecipado. A outra hipótese teria sido o pedido de voto antecipado e votar no hospital. Mesmo assim, “não seria possível”, garante, pois teve alta antes do dia da votação para esta modalidade e ainda estava frágil para se lembrar dessa questão administrativa. As outras condições garantidas para este cenário de recolha de voto antecipado, confirma a CNE, também não se verificam: internamento “em estruturas residenciais e instituições similares”.

Abstenção: o contexto e as razões

Nas primeiras eleições livres, em 1975, a taxa de abstenção foi de 8,5%. Nas últimas eleições para a Assembleia da República, em 2019, segundo dados do Pordata, foi de 51,4%, considerando residentes em Portugal e no estrangeiro. O aumento é visível em todas as eleições, com exceção, em parte, das autárquicas.

O caso de Irene Pinheiro é uma das facetas da heterogeneidade de perfis daqueles que não votam e que, involuntária e diretamente, contribuem para a percentagem da abstenção eleitoral no país.

O fenómeno é complexo, reconhecem os especialistas, há ainda muito poucos dados e as razões são diversas, conforme se evidencia no estudo Abstenção e Participação Eleitoral em Portugal: Diagnóstico e Hipóteses de Reforma, da autoria de João Cancela e Marta Vicente e publicado em 2019 no âmbito do Portugal Talks. Até ao momento, é a investigação mais detalhada sobre o fenómeno.

As várias facetas da abstenção em Portugal

Mostrar Esconder

No estudo Abstenção e Participação Eleitoral em Portugal: Diagnóstico e Hipóteses de Reforma  (2019), os autores João Cancela e Marta Vicente identificam cinco dimensões que permitem compreender as facetas do fenómeno da abstenção (além da idade e das desigualdades socioeconómicas):

  • Os valores da abstenção estão desajustados e a metodologia deve ser revista;
  • Progressiva expansão de uma maior tendência para a abstenção, não apenas entre os mais jovens, mas também entre o segmento da população com idades entre os 30 e os 44 anos;
  • Aumento progressivo da proporção de portugueses que afirmam não se identificar com qualquer partido político (este grupo é menos propenso a participar em eleições legislativas);
  • Os esforços institucionais para enfrentar a abstenção têm sido relativamente modestos;
  • Necessidade de uma reforma política para combater a abstenção.

Para João Cancela, politólogo, investigador na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, a primeira preocupação quando se fala de participação eleitoral, abstenção e formas de lidar com ela, tem a ver com “a própria fidedignidade dos dados que usamos” que origina a “abstenção técnica”.

Isso porque, garante o também investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), “a abstenção real constituiu uma percentagem menor em relação à que é oficialmente reportada”. Os cadernos eleitorais, “apesar de todas as reformas administrativas e de todas as tentativas de limpeza, têm um desacerto grande em relação às estimativas de população e aos próprios censos do INE”.

João Cancela, fotografado na NOVA FCSH. JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

“Em democracia, o voto é uma forma de nivelar os cidadãos por igual”, diz o cientista político João Cancela. “Mas quem parte numa posição inferior na pirâmide social está a participar menos."

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

“Há um número bastante elevado de pessoas que estão recenseadas no estrangeiro. Por isso, quando fazemos uma taxa de participação baseada nos eleitores recenseados como um todo, temos que fazer esse desconto”, porque têm uma ligação “menos aprofundada ou menos intensa, com os nossos destinos políticos, e é compreensível que votem menos.”

Outra questão é a dos recenseados em território nacional, onde se evidencia cerca de um milhão de eleitores-fantasma. “Temos um número de inscrições de recenseados que é bastante superior àquilo que é a estimativa de cidadãos portugueses com presumivelmente direito a voto com 18 anos, ou mais, que residam no nosso território.”

3

No livro Quem se Abstém? Segmentação e Tipologia dos Abstencionistas Portugueses, 1998 – 2008 (ed. Campo da Comunicação, 2009), o investigador Jorge de Sá reflete sobre três perfis: “abstencionistas crónicos”, onde se inclui os contestatários, indiferentes e céticos; “abstencionistas ocasionais”, que incluem as causas pessoais, o comodismo, e as causas técnico administrativas; e “abstencionistas seletivos”, que  incluem as causas relacionadas com fraca identificação e falta de esclarecimento.

Na prática, isso faz com que, “por exemplo, quando vemos uma estimativa de participação eleitoral que anda à roda dos 55%, provavelmente o número que corresponde será algo mais perto dos 65%.” Este “preciosismo”, aponta Cancela, “ajuda a acicatar uma espécie de crença instalada de que os portugueses estão desligados da política”. “E perturba o debate.”

Desigualdades socioeconómicas na representatividade?

A outra preocupação de João Cancela é que “está a aumentar a repercussão eleitoral – e na participação, em específico –, daquilo que são as desigualdades de base socioeconómica”. O politólogo fala em “fosso de participação entre as pessoas que têm mais recursos financeiros e as pessoas que têm menos recursos”, baseando-se nos “salários” como indicador. Há “uma replicação das desigualdades na hora de votar”.

Se nos anos 80 do século XX, quando a participação eleitoral era mais expressiva, isso não se colocava, desde a viragem do século essa diferença acentuou-se. “Percebemos que se tem vindo a estabelecer aqui uma diferença significativa entre a proporção de pessoas entre os 20% mais pobres – para simplificar –, que recebem salários mais baixos, e a propensão dos 20% mais ricos a votar.” Isto significa que “as pessoas que poderíamos pensar que teriam mais a ganhar em dar voz às suas preocupações”, reflete João Cancela, “são pessoas que estão mais arredadas do voto”. É nesse sentido que o cientista político nota que, “se pensarmos que, em democracia, o voto é uma forma de nivelar os cidadãos por igual, em que a vontade de cada um tem exatamente o mesmo peso, na prática as pessoas que partem numa posição inferior na pirâmide social estão a participar menos”.

“Nos círculos eleitorais com menos deputados, votar num partido menos forte pode ser visto como jogar o voto para o lixo”, diz o investigador José Santana Pereira. E isso contribui para a abstenção

Logo, “a opinião e as preferências das pessoas que auferem salários mais elevados – que são as que votam mais – é mais tomada em consideração do que as preferências e as opiniões das pessoas que auferem salários mais baixos.” E alerta para uma elitização da representação política, com base nos recursos financeiros.

Para Pedro Magalhães, politólogo do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, esse fenómeno demonstra que, apesar de haver “igualdade política, no plano legal, temos desigualdade política no plano substantivo”. O perigo e a gravidade deste cenário toma proporções de um círculo vicioso, atenta o cientista político.

“Por um lado, dá a ideia que os temas que estão na agenda política podem estar a passar ao lado das prioridades, dos interesses e das preocupações de quem tem menos.” Por outro, as consequências são: “se aqueles que têm menos não participam ou participam menos, quem toma decisões, quem decide as políticas e decide em grande medida com vista à sua reeleição, pode não estar sintonizado com, ou não tem incentivos para estar sintonizado com essas preocupações e responder às preferências dessas pessoas”.

Desigualdades: idade e sub-representação

O mesmo se aplica à diferença de participação eleitoral entre os jovens e os mais velhos. O facto de as pessoas mais jovens tenderem a abster-se mais do que as mais velhas, ressalva João Cancela, “não é uma singularidade portuguesa, é frequente nas democracias, mas Portugal está a ficar um caso proeminente de abstenção entre os mais jovens e adultos em idade ativa mais novos”.

“A outra faceta é que a própria expressão deste problema extravasa aquilo que são os mais jovens tipicamente considerados” e “a ausência do hábito de votar é algo que permanece com as pessoas”. O politólogo salvaguarda que há fortes indícios desta problemática, mas que seriam precisos mais estudos, ao longo do tempo, para acompanhar o fenómeno. “Continua a haver um escalão de posição intermédia, entre os 30 e os 45 anos, que também votam, apesar de menos do que os mais velhos.” Ou seja, as pessoas que mais votam são as que têm 45 ou mais anos.

“Os temas na agenda política podem estar a passar ao lado das preocupações de quem tem menos”, diz Pedro Magalhães, politólogo do ICS. "Se aqueles que têm menos não participam ou participam menos, quem toma decisões pode não estar sintonizado com essas preocupações e responder às preferências dessas pessoas”.

Para o investigador, este cenário é preocupante, na medida em que tal como “há reprodução de desigualdades económicas” com um efeito de ciclo de replicação dessas desigualdades e que se retroalimenta, o mesmo sucede no caso das desigualdades de participação pela idade. Há, por isso, uma dupla sobre-representação das pessoas mais velhas.

Cancela fala de um fosso geracional de representatividade. “As pessoas mais velhas poderiam votar mais porque, de facto, são mais (são mais numerosas), mas votam em maior proporção dentro daquilo que é o seu grupo, do que as pessoas mais jovens.” Quais são as implicações? “Se pensarmos na representação política como o produto de um conjunto de preferências da população, aquilo que estamos a alimentar é, de uma forma assimétrica, as preferências, as opiniões, aquilo que são as próprias visões de mundo das pessoas mais velhas.”

Quem se abstém: algumas pistas

Mostrar Esconder

João Cancela e o também cientista político José Santana Pereira, investigador integrado no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, estão a trabalhar na investigação “mecanismos, impactos da abstenção em Portugal”, que incide, precisamente, numa sistematização maior do que poderão ser esses perfis, contextualizado a participação eleitoral. Ainda não há resultados desta nova investigação, apenas dados prévios, e hipóteses, salvaguarda o investigador. Mas há “algumas pistas”.

  • Falta de identificação com os partidos políticos: “nos mais jovens, parece dar-se o caso de haver uma menor propensão de se identificarem, ou se manifestarem próximos de um determinado partido político.” Por isso, votam menos.
  • “Nos últimos anos, não tem havido um fosso grande entre a participação de homens e mulheres, mas há alguns indícios de que ele possa estar a reemergir. Os dados indiciam que entre as mulheres e homens com formação superior há uma probabilidade igual de votar e não se abster”, mas “quando olhamos para a população com níveis de ensino mais baixo, nomeadamente pessoas mais velhas que apenas frequentaram a educação primária, há, de facto, uma desigualdade: homens menos instruídos tendem a votar mais do que mulheres menos instruídas.”
  • Pessoas sem estruturas de socialização são mais desligadas. “A ideia de que não se faz parte de um grupo e que estamos isolados contribui para um maior esvaziamento do voto e da função que este tem. É uma forma de não estarmos enquadrados socialmente.”

Esta grande diferença, analisa Pedro Magalhães, pode significar, também, que “os temas que interessam aos mais jovens estão fora da agenda”. O que, na prática, pode indicar que “quem toma decisões, tem mais incentivos para responder àqueles que mais influenciam o seu destino, no poder, e por isso leva-os a responder aos interesses dos mais velhos”. Ora, “quando esta franja da população se abstém, agudiza-se a sub-representação das suas preferências no sistema político”.

“Não me sentia bem informada para votar aos 18 anos”

Para Francisca Melo, trabalhadora-estudante, residente em Guifões, no município de Matosinhos, estas eleições têm um simbolismo. Aos 21 anos, é a primeira vez que vai votar, depois de lhe terem escapado duas idas às urnas. “Quando fiz 18 anos, ainda não estava muito dentro do assunto sobre o que os partidos tinham idealizado. Então acabei por não ir. E da segunda vez não fui porque, quando saí do trabalho, as mesas de voto já tinham fechado. Eu não tive propriamente a oportunidade de poder votar.”

Se fosse agora, reflete, não se teria abstido. “Não concordo com a minha atitude porque devia ter votado em branco.” Só mais tarde, através do namorado, soube que o poderia fazer. “Ele é muito presente nessas coisas e gosta e acha que devemos todos lutar. E tem razão e fez com que eu ganhasse esse pensamento de ‘sim, toda a gente deve votar’.”

Francisca Melo, ex-abstencionista. Vila do Conde, 24 de Janeiro de 2022 IGOR MARTINS / OBSERVADOR

“O voto é um dever. Se temos esse direito e a oportunidade de escolher o que achamos que é melhor para nós, é importante fazermos a nossa parte”, diz Francisca Melo, que vai votar pela primeira vez

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Francisca vive com os pais. Habitualmente “não se discutem muito assuntos de política em casa”, mas em altura de eleições “fala-se um pouco mais, por causa dos debates na televisão”. Apesar de só agora votar pela primeira vez, acredita que “é preciso começar por algum lado” e que a participação eleitoral pode ser esse caminho. “O voto é um dever nosso, porque se temos esse direito e se temos a oportunidade de escolher aquilo que achamos que é melhor para nós, então é importante fazermos a nossa parte.”

Os temas que mais preocupam a estudante de Gestão e Administração Hoteleira, em Vila do Conde, e que gostaria de ver discutidos pelos partidos são “acesso à saúde”, “salários” e “rendas”. “Com 21 anos, penso muito em ter a minha casa e ter o meu sustento, o meu trabalho fixo. Em termos de habitação estamos com preços absurdos. Fica muito difícil para um jovem conseguir fazer vida atualmente, aqui em Portugal.”

“Cresci a não perceber nada de política”

Hugo Lemos também é trabalhador-estudante e só votou uma vez, nas penúltimas eleições presidenciais. Tem 25 anos, mora com o pai, no Porto, o qual assiste aos debates eleitorais, mas admite que “não se discute muito política em casa”. O jovem frequenta a licenciatura em Gestão do Desporto, no ISMAI, no Porto, e garante que não tem intenções de participar eleitoralmente, pois não vê “nenhumas melhorias políticas, independentemente de o governo ser de esquerda ou de direita”. Diz que não se sente representado.

É durante a pausa de trabalho de estafeta que Hugo fala com o Observador, indicando que os temas que mais o preocupam são, igualmente, as questões de oportunidades laborais. “Formamo-nos para emigrar”, ironiza. “Acho que devia haver mais oportunidades para os jovens, principalmente aqueles que procuram o primeiro emprego depois de se licenciarem, ou até mesmo durante a licenciatura.”

Em 47 anos de democracia, Irene Pinheiro votou em todas as eleições até hoje. “Estive internada até há uns dias, já estou em casa. Mas não consigo sair da cama e não vou conseguir votar. Estou muito aborrecida, muito triste. É a primeira vez que não vou votar.” 

Hugo dá o exemplo de um familiar que se formou em Medicina e emigrou para o Reino Unido à procura de um salário melhor. Depois, sublinha a importância de se “subir o salário mínimo nacional” e critica o facto de sermos “um país que forma muito, que trabalha muito, que produz muito, mas onde se ganha pouco”. E acaba por partilhar o caso pessoal, desmotivado: “Eu trabalhava em regime de part time e fazia uma média de 600 euros. Agora tenho feito full time, 40 horas semanais, e com a dedução depois da segurança social e IRS acabo por receber, às vezes, até um bocado menos do que recebia quando estava em part time.”

Outro motivo pelo qual não vota é porque, diz, não percebe nada de política. Considera que essa educação deveria fazer parte dos conteúdos programáticos da escola. “Como eu cresci a não perceber nada de política, a maior parte dos jovens da minha idade também. Eles sabem por aquilo que veem, ouvem ou leem. Mas não têm uma ideia concreta do que realmente são as coisas e eu acho que a política devia ser incutida um bocadinho na educação dos jovens.”

“Não vejo nenhum partido com ideias claras, diferentes”

Hugo Lemos não tem intenção de participar eleitoralmente, mas quando se fala de intervenção cívica faz questão de frisar que, “apesar de ter pouco tempo”, pertence a “um grupo do Facebook que doa dinheiro para pessoas desfavorecidas”.

Já Edmar Pereira, costuma participar em ações cívicas como voluntariado alimentar e petições online, sobretudo relacionadas com o meio ambiente, “contra a poluição, a favor da preservação das florestas e pelos direitos dos animais”. Mas eleitoralmente não participa.

Aso 25 anos, é consultor de energia e estuda Gestão do Desporto na Universidade Autónoma de Lisboa. Tem dupla cidadania,  angolana e portuguesa, e também se sente um pouco perdido em relação às questões de política em Portugal. Por isso prefere não votar. Ainda assim, segue os debates eleitorais e os assuntos políticos nacionais.

Edmar Pereira, abstencionista, fotografado em Benfica. 25 de janeiro de 2022. JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

"O que me levaria a votar? Alguém com uma ideia concreta para apostar na juventude, criando mais oportunidades de trabalho, lutasse contra a corrupção, baixando os impostos”, diz Edmar Pereira

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR

Circula entre o Porto e o Cacém e garante que não vê “nenhum partido com ideias claras, diferentes”, pelo menos que tenham impacto na vida dele e da sua geração. E que assuntos gostaria de ver abordados, ao certo? “A questão do trabalho, do acesso ao trabalho, e a progressão na carreira”, afirma convicto. Depois, recorda-se de outro tema que garante não ter escutado ser debatido com profundidade. “As questões de apoio à natalidade. Temos uma população envelhecida e uma das mais velhas da Europa e era preciso começar a pensar em incentivos para quem quer ter filhos.” Para ele, o facto de o mercado de trabalho ser tão difícil e de os salários serem tão baixos, desincentiva os mais jovens a ter filhos e “isso é um problema que define a sociedade portuguesa”.

O que o levaria a votar? “Se houvesse alguém que tivesse uma ideia concreta para apostar na juventude, criando mais oportunidades de trabalho, lutasse contra a corrupção, baixando os impostos.” Atualmente, Edmar está “firme em Portugal”, mas não descarta a hipótese de – havendo uma oportunidade de trabalho onde paguem mais – emigrar, embora com apreensão. “Aqui tenho uma ligação, tenho amizades, por isso preferia seguir a minha vida em Portugal”.

“O meu voto não vai mudar nada em milhões de votos”

Carlos Braz é natural da aldeia de Cabanelas, no concelho de Mirandela. Atualmente mora em Santo Tirso, onde é agricultor e empresário do ramo imobiliário. Tem 38 anos, cultiva azeitonas, produz azeite e vinho. Depois de há dez anos ter iniciado o curso de Direito, em Lisboa, está agora a cumprir o sonho de terminar essa licenciatura no Porto.

Em vinte anos anos, desde que atingiu a idade de voto, foi às urnas apenas uma vez e por razões familiares. “O meu pai estava ligado à política lá na aldeia e os resultados estavam um bocadinho renhidos, por isso votei [nas autárquicas]. Não por querer participar ativamente na política, mas por questões familiares. Porque a política, sinceramente – se calhar o problema é meu – foi algo que nunca me seduziu.”

Opinião de Carlos Brás sobre a abstenção de voto para as eleições legislativas de 2022. Porto, 24 de Janeiro de 2022 IGOR MARTINS / OBSERVADOR

“Não seria muito fácil levarem-me a votar”, diz Carlos Braz. “Teria que ser alguém, ou algum partido, que eu sentisse que poderia ser uma mudança, que me levasse a acreditar de novo na política”

IGOR MARTINS / OBSERVADOR

Afirma não perceber muito do assunto e, apesar de o pai ter tido essa ligação à política local, não era tema abordado em casa. “Na aldeia acaba por não haver ideias políticas, de esquerda ou de direita. Basicamente são pessoas que se organizam. Possivelmente algumas estão a representar partidos cuja ideologia nem sequer conhecem. Pelo menos é essa a ideia com que eu sempre fiquei.”

No atual panorama político português, Carlos reconhece que há ideologias que lhe fazem “alguma confusão” e que o distanciam da participação. Não reconhece legitimidade a alguns partidos para falarem sobre o mundo rural e animal, por exemplo, cujos posicionamentos lhe parecem “extremados”. E, afinal, o que o levaria a votar?

“Não sei se será uma ideia geral nos abstencionistas, mas falando do meu caso em particular, não seria muito fácil levarem-me a votar. Teria que ser alguém, ou algum partido, que eu sentisse que poderia ser uma mudança, que me levasse a acreditar de novo na política.”

Carlos não se revê nos programas dos partidos , não se identifica com a discussão pública e sente um vazio, uma vã sensação da importância real da sua participação no atual sistema político e na orgânica partidária. “Confesso que também é um pouco o facto de pensar que o meu voto não vai mudar nada em milhões de votos.”

“Tal como eu cresci a não perceber nada de política, a maior parte dos jovens da minha idade também.” Por isso Hugo Lemos considera que essa educação deveria fazer parte dos conteúdos programáticos da escola. 

Ainda assim, segue os debates eleitorais porque gosta de “perceber o que está a ser discutido”. Mas não são as medidas em si que o fariam participar, sublinha, embora reconheça que “há assuntos que estão fora da agenda pública” e que gostaria de ver aprofundados. “O mundo rural, por exemplo. Se os agricultores pararem, ninguém come no país, e isso é uma das questões que nunca vi praticamente em cima da mesa na política. Eu não vejo políticas agrícolas.” Ou ainda: “as questões da economia e empresariais”, que defende que deveriam ser discutidas com maior profundidade, tendo em conta as dificuldades do país.

O desencanto de Carlos na política nacional pede mudança, defende. Uma espécie de renovação do discurso e do voto dos cidadãos mais direcionado para o mérito. Talvez isso, reconhece, o pudesse mobilizar. Se, por exemplo, na lista de um partido para eleições autárquicas “se pudesse votar diretamente em elementos que não são os profissionais partidários e que aparecem em primeiro, mas em pessoas que têm outros méritos”: profissional, pessoal, competência. “Quem escolhe esses cargos é o partido, quem vai para esses cargos é quem se iniciou nas juventudes partidárias, nas faculdades, quem anda ligado à política e na vida toda não fez mais nada. Isso é uma ideia que eu gostava de ver posta em prática.”

“As pessoas que querem votar são obrigadas a não o fazer”

Fábio Sernadas tem 25 anos e vive atualmente em Bilbau, Espanha, onde é subgerente numa loja de roupa. Confidencia que não tem acompanhado muito a política em Portugal, mas sempre votou. “Sempre participei nas eleições e este ano vejo-me obrigado a não poder votar.”

Quando soube que haveria novas legislativas, pesquisou na internet para saber como poderia votar estando em Bilbau. “Toda a informação partilhada pelo governo dizia que poderíamos ir ao Consulado, entre 18 e 20 de janeiro, para exercer o nosso voto de cidadãos a viver no estrangeiro.” Assim fez.

“Quando lá cheguei disseram-me: ‘aqui não pode votar porque somos um consulado honorário, só o pode fazer nos principais’. Ou seja, só em Barcelona, Madrid ou Sevilha um emigrante poderia exercer o direito de voto.”

Fábio considera “lamentável” ter de ir a outra cidade para poder votar, porque ninguém lhe paga a viagem de quatrocentos quilómetros para ir a Madrid exercer o direito de voto. É contra a abstenção e defende que “quem não vota, deveria ter uma multa qualquer”. Por isso ainda mais revoltado ficou com a falta de informação inequívoca para emigrantes sobre as possibilidades de participação. Há uns dias recebeu a informação através de “um amigo português que também ficou chocado por não poder votar”, de como poderia ter pedido o voto antecipado, para receber o boletim por correio. Só que, garante, “a informação que está disponível na internet é que deveria dirigir-me ao consulado para poder votar”.

O português sublinha que houve falta de informação de proximidade a quem está emigrado e sente-se “frustrado” com isso. “Políticos e comentadores e gente que adora opinar a dizer que Portugal tem uma grande taxa de abstenção e, depois… está aqui um dos motivos. As pessoas que realmente querem votar são obrigadas a não o fazer, porque não lhes são dadas essas condições. Este ano eu serei parte desse grupo.”

O que poderá levar um abstencionista a deixar de o ser?

Mostrar Esconder

Perguntámos a José Santana Pereira, cientista político do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.

“É uma pergunta simples de resposta extremamente arriscada. Diria que depende do contexto, e dos fatores que foram identificados nesse contexto – e para esse tipo de eleição – como explicando uma maior ou menor propensão para participar ou votar. Alguns contextos têm identificado a idade como factor relevante: os mais jovens votam menos. Isto leva-nos a suspeitar que quaisquer iniciativas destinadas a aproximar os jovens da política tradicional poderiam dar algum resultado. Tudo isto é muito vago, claro, mas há mil ideias e projetos possíveis de implementar. Outros estudos destacam a importância de atitudes como a confiança nos partidos ou ter-se simpatia ou sentir-se proximidade em relação a um determinado partido político. Aqui a coisa complica-se. Passa por, por um lado, promover a lavagem da imagem dos partidos políticos (em geral e caso a caso), e, por outro, garantir que o sistema partidário oferece alternativas com que grupos distintos da população se possam identificar e que possam sentir que os representam.
Por fim, se pensarmos em fatores institucionais, há duas questões. Em primeiro lugar, no contexto das eleições legislativas em Portugal, o fenómeno descrito como “desperdício de votos”: o facto de que, nos círculos eleitorais com menor número de deputados em jogo, votar num partido que não os dois ou três mais fortes pode ser visto como jogar o voto para o lixo, dado que esse voto não resulta em representação. Assim, aos cidadãos que desejariam votar numa força política com probabilidades baixas ou nulas de eleger no seu círculo eleitoral resta votar estrategicamente (na opção menos má e eleitoralmente mais forte naquele contexto) ou abster-se. Uma reforma do sistema eleitoral que passe ou pela agregação de círculos eleitorais que elegem apenas dois ou três deputados ou a criação de um segundo nível do sistema eleitoral, nacional, que aproveite os “restos” (votos não convertidos em eleição de deputados ao nível local) poderia em teoria fomentar a participação, ainda que em Portugal não existam fortes indícios deste tipo de abstenção motivada pelo risco de “desperdício do voto”. A outra questão tem a ver com o processo de votar, que pode ser de alguma maneira simplificado, flexibilizando o recurso ao voto antecipado, aumentando o número de dias para a eleição, entre outros.”

Tal como Fábio, Irene Pinheiro, 85 anos, está dececionada por estar de mãos atadas e não ter a “oportunidade para ir à mesa de voto”. Fala numa espécie de paradoxo: querer exercer a sua liberdade de voto e estar privada por falta de opções, por estar acamada.

Ela representa uma faixa etária onde começa a existir baixos índices de participação por dificuldades de deslocação. Quantas pessoas mais velhas, em Portugal, farão parte desta abstenção?

Conhecida na vizinhança por ser cortês e adorar música clássica, Irene está inconsolável. “Realmente fala-se tanto em abstenção. Mas não se pensa que as pessoas são obrigadas a ter de se abster. Eu não tenho alternativa. Podiam vir buscar os votos a casa de quem não pode. Se calhar é utópico, é um sonho, mas é possível dar condições às pessoas para poderem votar nesta situação”, desabafa como quem tenta, no último instante, escapar à estatística da abstenção.

Este artigo faz parte de uma série sobre eleições, cultura democrática e participação dos jovens na política. A iniciativa é uma parceria entre o Observador e Ben & Jerry’s.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora