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O ator e DJ português Nuno Lopes foi acusado de ter “drogado e violado” Anna Martemucci, com carreira como argumentista e na área da realização nos EUA. Tudo terá acontecido, diz A. M. Lukas, o nome artístico de Martemucci, em 2006, há 17 anos, após um evento no âmbito do Festival de Cinema de Tribeca, em Nova Iorque. O processo judicial deu entrada esta segunda-feira, 20 de novembro, num tribunal nova-iorquino, três dias antes do prazo de prescrição. o ator nega todas as acusações: “Sou moralmente e eticamente incapaz de cometer os atos de que me acusam” e recusa as exigências para um acordo confidencial. Ao Observador, os advogados negam qualquer “acordo confidencial em troca de dinheiro”.
O que está na queixa
A.M. Lukas, cujo nome verdadeiro é Anna Martemucci, tinha acabado de sair da faculdade de cinema e decidira ir à festa de estreia do filme Journey to the End of the Night, de Eric Eason, no Festival de Cinema de Tribeca. O ano era 2006 e na 5.ª edição do festival competia também o filme Alice (2005), de Marco Martins, do qual Nuno Lopes é protagonista. “Para Lukas, o evento era uma oportunidade de conhecer outros na indústria”, lê-se na queixa instaurada contra o ator português, disponibilizada no site do Wigdor LLP, escritório de advogados contratado por A.M. Lukas — e que representou várias vítimas de assédio e abuso sexual no caso que envolveu o produtor Harvey Weinstein.
Foi nessa festa, na noite de 28 de abril de 2006, em Nova Iorque, que A.M. Lukas conheceu o ator português, que na época estudava representação na cidade. Lukas tinha 24 anos, Nuno Lopes 27. No texto da queixa relata-se como, ao longo dessa noite, o seu corpo “começou a ficar estranhamente pesado, tendo bebido apenas alguns copos de vinho”, culminando no que terão sido relações sexuais não consentidas no apartamento do ator.
Referindo-se a “poucas e horríveis recordações fragmentadas dessa noite”, A.M. Lukas admite que oscilou entre um estado de consciência e “semi-consciência”, descrevendo atos de “penetração” e “masturbação”, em que diz que estava com o “corpo nu e imóvel”. “Lukas não consentiu e não poderia ter consentido fazer sexo com o sr. Lopes”, consta na queixa, que tem uma descrição gráfica dos supostos acontecimentos.
Segundo o mesmo relato, na manhã seguinte, 29 de abril, o ator português ter-lhe-á chamado um táxi e dado 30 dólares para pagar a viagem de volta a casa. Deu-lhe, também, o seu número de telefone. Lukas diz que foi para casa e dormiu algumas horas antes de ir trabalhar: primeiro numa loja de roupa, e, mais tarde, num “bar local”, onde fazia um turno. Durante todo esse tempo, segundo descreve a queixa, sentia-se incapaz “de se lembrar da noite anterior”.
“Nessa noite, depois do choque e a confusão terem passado, Lukas pesquisou no Google ‘o que fazer se achar que foi drogada’, o que deu como resultado uma pesquisa sobre a Safe Horizon, uma linha de apoio a vítimas de crime que serve sobreviventes de agressões sexuais na cidade de Nova Iorque.” De acordo com a queixa, ter-lhe-á sido indicado que se dirigisse a um hospital e assim fez.
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Foi ao hospital mais próximo, o Long Island College, relatou o sucedido e ter-lhe-á sido aplicado um kit de violação — kits que servem para recolher os vestígios de prova em casos de agressão sexual. “Um médico das urgências apresentou a Lukas uma de duas opções: ou tomava um cocktail de medicamentos recentemente aprovado que pode evitar a transmissão do VIH, ou não, e esperar que o contacto sexual que o sr. Lopes tinha tido com Lukas fosse protegido”, lê-se na queixa. A.M. Lukas diz que ligou para Nuno Lopes quando ainda estava no hospital e que o ator terá confirmado que tinham tido relações sexuais sem preservativo, pelo que optou por tomar a medicação para prevenir uma eventual gravidez, assim como doenças sexuais. Segundo o documento, Anna Martemucci terá reportado depois a alegada violação à polícia.
Dois dias depois, a 1 de maio de 2006, Anna Martemucci terá telefonado novamente ao ator português. “Estava em desespero por saber o que se tinha passado”, “não se conseguia lembrar da maior parte do que tinha acontecido, nem mesmo quando ou como é que o sexo tinha começado”, poder ler-se na queixa, cheia de detalhes. A.M. Lukas refere que os dois se encontraram pessoalmente para um café, a seu pedido, e que o ator voltou a confirmar que tinham tido sexo, mas negou que tivesse havido uma violação. Nuno Lopes terá confirmado que viu A. M. Lukas inconsciente no chão da casa, mas que na manhã seguinte ao incidente Lukas quis ter relações sexuais. Nesse encontro, Lukas terá mostrado preocupação em relação a terem-lhe dado drogas. “Ele [Nuno Lopes] respondeu, incrédulo: ‘As pessoas fazem isso aqui na América? Nunca ouvi falar disso’”, lê-se na queixa.
“Anos mais tarde, Lukas compreendeu que o encontro com o sr. Lopes era a tentativa de Lukas normalizar e neutralizar um acontecimento traumático”, continua a descrição. “A vida de Lukas mudou para sempre”. “Foi-lhe diagnosticada uma Perturbação de Stress Pós-Traumático (“PTSD”), sofreu um episódio maníaco-depressivo e teve intenção suicida, tudo relacionado com a violação do sr. Lopes”. “A certa altura, Lukas sofreu sintomas tão graves que teve de ser assistida pelos pais. Por fim, foi-lhe diagnosticado transtorno bipolar, que os médicos concordam ter sido precipitado por um confronto com o trauma não processado da violação”, menciona o documento. A alegada violação, dizem os advogados na queixa, teve impacto “nas relações, tanto platónicas quanto sexuais” de A. M. Lukas. “Além disso, o impacto da violação de Lukas pelo sr. Lopes custou-lhe a representação por uma agência e uma empresa de gestão de topo de Hollywood, projetos cinematográficos que estavam a desenvolver e uma bolsa de 75.000 dólares para a realização de filmes.”
Porquê agora?
A ação judicial foi interposta esta segunda-feira no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o distrito Leste de Nova Iorque, apenas três dias antes do fim do prazo para a apresentação de queixas ao abrigo do Adult Survivors Act, ou Lei dos Sobreviventes Adultos (em tradução livre). Esta lei permite que as pessoas que dizem ter sido vítimas de abuso sexual apresentem processos civis depois de o prazo de prescrição do processo crime ter expirado. É a mesma lei que permitiu a denúncia da estrela norte-americana do hip-hop Sean Combs, na semana passada. Até à data, foram intentadas mais de 2.500 ações judiciais ao abrigo da lei, que criou uma suspensão de um ano do prazo habitual. O prazo para dar entrada com uma ação na justiça desta forma termina na quinta-feira, 23 de novembro.
“Lukas não esperou 17 anos para dar a cara. Lukas foi imediatamente ao hospital e à polícia”, esclarece ao Observador Michael J. Willemin, da firma de advogados Wigdor LLP, que representa A. M. Lukas, lembrando que “há muitas razões para as vítimas de agressão sexual e violação permanecerem em silêncio, como está bem documentado no caso de Harvey Weinstein e outros”.
O advogado não esclarece contudo as questões do Observador sobre qual o desfecho da queixa na polícia em 2006 ou o resultado do teste de violação (rape kit, em inglês). Confirma apenas o timing: “Nova Iorque aprovou recentemente uma lei que dá aos sobreviventes de agressões sexuais uma nova oportunidade para apresentarem queixas antigas. O prazo para o fazer termina esta semana”.
Willemin diz que o passo seguinte é a 19 de dezembro, data em que será necessário “comparecer no tribunal para uma conferência inicial com o juiz”, em que “é provável que seja indicado um calendário para o processo”.
Ator rejeita acusações e diz: “Nunca terei medo de agir judicialmente contra quem tente difamar o meu bom nome”
Perante a notícia, inicialmente avançada pela edição online do jornal britânico Daily Mail, o Observador contactou a assessoria do ator, a Artist Global Management, que remeteu todas as declarações para um comunicado, divulgado ao final da manhã desta terça-feira. Nele, o ator nega veemente todas as acusações.
Apesar de prezar desde sempre a minha vida pessoal e ter optado por proteger a minha privacidade ao máximo, neste caso tenho a maior vontade de vir a público esclarecer e contar a verdade sobre esta história. No entanto, e contra os meus instintos, fui veementemente instruído pelos meus advogados americanos a abster-me de revelar todos e quaisquer detalhes sobre o processo movido ontem em Nova Iorque, que contém alegações com 17 anos, do tempo em que eu era estudante de representação em N.Y. em 2006.”
No texto enviado às redações, Nuno Lopes diz que recebeu “com surpresa e choque uma carta vinda dos Estado Unidos por parte dos advogados de A. M. Lukas”, na qual era acusado “de ter drogado e violado A. M. Lukas há 17 anos”. Diz que lhe foi pedido “que propusesse uma quantia monetária para este caso acabar, e um pedido de desculpas”. “Rejeitei ambos”, afirma. Horas depois, o ator publicou o mesmo comunicado nas suas redes sociais, desativando os comentários de todas as publicações.
“Sou moralmente e eticamente incapaz de cometer os atos de que me acusam. Jamais drogaria alguém e jamais me aproveitaria de uma pessoa incapacitada, quer por excesso de álcool ou por influência de quaisquer outras substâncias. Nem hoje nem há 17 anos”, continua. Nuno Lopes frisa que tem “o maior respeito e solidariedade por todas as vítimas de qualquer tipo de violência”.
“A minha decisão de recusar um acordo confidencial e avançar publicamente para tribunal aporta consequências para a minha reputação quer pessoal quer profissional”, diz ainda o ator, que se mostra “de consciência absolutamente tranquila”, mas “ciente das consequências gravíssimas que este caso representa”. “Quero deixar bem claro que refuto todas as acusações que me são feitas, que espero que este caso seja prontamente esclarecido e julgado justamente pelas autoridades competentes”, conclui, frisando: “Nunca terei medo de agir judicialmente contra qualquer pessoa que tente difamar o meu bom nome”.
Advogados de A. M. Lukas negam tentativa de “acordo confidencial”
Os advogados do ator português e da alegada vítima têm versões contraditórias sobre a tentativa de acordo prévio. Ao Observador, a equipa de advogados de A. M. Lukas refuta a informação de qualquer tentativa de “acordo confidencial”. “Lukas nunca propôs qualquer quantia monetária para resolver este assunto e também nunca propôs manter nada confidencial em troca de dinheiro. Lukas pediu a Lopes que assumisse publicamente a responsabilidade pelo seu comportamento e ele recusou-se a fazê-lo”, garantem, por e-mail.
No site da firma de advogados Wigdor LLP consta contudo uma declaração de A.M. Lukas onde se lê: “Foi dada ao sr. Lopes a oportunidade de assumir a responsabilidade pelos seus atos: de reconhecer o que fez, de responder por isso e de pedir desculpa”. Questionada pelo Observador sobre essa oportunidade prévia ao processo judicial, a equipa de advogados contesta: “A resolução de qualquer processo civil envolve normalmente um pagamento monetário, mas nunca propusemos um número específico porque não chegámos a esse ponto. Lukas queria, acima de tudo, garantir que Lopes assumisse a responsabilidade pelos seus atos. Como ele se recusou a fazê-lo, intentou a ação.”
Rute Oliveira Serôdio, advogada de Nuno Lopes, garante que lhe foi enviado um e-mail a 6 de novembro a informar que “após ter dito que durante o fim de semana revelaria a quantia que a cliente [A. M. Lukas] pretendia receber, que a Sra. Lukas pretendia que fosse o Nuno Lopes a avançar com uma proposta de quantia monetária”. A advogada garante que a defesa de Lukas tinha em vista “uma quantia monetária”. “Confirmo que foi apresentada como uma condição para evitar que a ação fosse interposta”, lê-se nas declarações enviadas por Serôdio na manhã desta quarta-feira ao Observador. “Ficou muito claro para todos, que a ação seria tornada pública se o Nuno Lopes não indemnizasse a Sra. Lukas, e que publicidade seria dada à mesma, como foi”, continua o mesmo texto. O ator reafirma que “recusou negociar”.
Na queixa, pede-se que o tribunal decida a favor da vítima pelo pagamento de uma indemnização compensatória e/ou monetária por “todos os danos, incluindo, mas não só limitados, à compensação por sofrimento mental e ferimentos físicos”, além de “danos punitivos” e pagamento de despesas legais”.
“Não podemos aceitar um mundo em que os autores de comportamentos hediondos e desumanos sejam capazes de viver as suas vidas livremente, com impunidade e sem consequências sociais, enquanto as suas vítimas sofrem em silêncio. Não estou com ansiedade pelas formas como tenho a certeza de que os advogados do sr. Lopes tentarão humilhar-me e invalidar-me. Mas não me dissuadirão de obter justiça”, afirma A. M. Lukas num comunicado divulgado esta terça-feira, depois de conhecida a queixa.
Michael Willemin, um dos advogados da sociedade que representa Lukas (Wigdor LLP), também emitiu uma declaração em que se mostra “inspirado pela coragem” de A.M. Lukas em responsabilizar Nuno Lopes, destacando que “a indústria cinematográfica tem repetidamente dado licença a homens como o sr. Lopes para se envolverem em agressões sexuais sem consequências”.
Nuno Lopes é um dos mais reconhecidos atores portugueses, e presença assídua no teatro, cinema e televisão. É conhecido, entre outras, pelas suas interpretações nos filmes de Marco Martins, Alice e São Jorge (pelo qual recebeu o prémio de melhor ator no festival de Veneza, em 2016), e também, mais recentemente, pela participação nos filmes de João Canijo, Mal Viver e Viver Mal. Entrou também em séries como Sara e Sul, da RTP, ou White Lines, do serviço de streaming Netflix. Paralelamente, tem uma carreira como DJ, sendo nome habitual em festivais como o Vodafone Paredes de Coura.
A.M. Lukas é natural dos Estados Unidos da América e tem carreira como argumentista, sobretudo na área da curta-metragem. Estreou-se na realização com o filme Hollidaysburg (2014) e, mais recentemente, realizou a curta-metragem One Cambodian Family Please for My Pleasure (2018), nomeada no festival de cinema de Sundance. Identifica-se como pessoa não-binária e usa os pronomes “them/they”.
Notícia atualizada às 15h30 do dia 22 de novembro de 2023, para incluir as declarações da advogada do ator que desmentem a acusão sobre o acordo prévio, bem como a do encontro preparatório com o juiz.