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A entrada principal está fechada, a maioria das luzes permanecem apagadas e nos corredores ouvem-se apenas os acordes de mais um ensaio da Orquestra Sinfónica, que esta segunda-feira, pelas 21h, sobe ao palco para um concerto. Na plateia da sala Suggia, os lugares proibidos ainda não estão devidamente identificados, o palco cresceu dois metros de comprimento para garantir mais distanciamento entre todos e há músicos a tocar instrumentos com a máscara no rosto.
Três meses depois de ser obrigada a fechar as portas devido a um novo confinamento, a Casa da Música prepara-se para reabrir com novas regras. Músicos da orquestra, elementos de segurança, funcionários do café, colaboradores da bilheteira e assistentes de sala explicam ao Observador o que a pandemia alterou nas suas funções e não escondem o desejo de voltar a receber o público.
“A Casa da Música sem música não é nada, é apenas mais uma casa”
Carlos Monteiro, chefe do grupo de seguranças
Trabalha na Casa da Música há 15 anos e já conhece os cantos e os recantos do edifício, coordena uma equipa de 16 pessoas, que durante a pandemia foi reduzida a 14. Durante os meses que o edifício esteve fechado, Carlos Monteiro nunca deixou de vestir a farda e ocupar o seu lugar na sala de comando de operações, onde saltam à vista vários ecrãs de televisão e computadores com câmaras em todas as salas e corredores, listas de contactos e quadros magnéticos repletos de informações práticas.
“Nós, os seguranças, fomos os guardiões do templo, mesmo com a Casa fechada. Nestes últimos meses a nossa base de trabalho foi receber o correio e fazer rondas permanentes no edifício, que é muito grande, pois a qualquer momento poderia haver uma fuga de água ou outro estrago semelhante.”
O plano de contingência já está traçado desde o ano passado, os percurso foram alterados e agora é necessário dar indicações ao staff, aos artistas e, a partir de segunda-feira, ao público. “Esta reabertura será mais fácil, pois as regras mantém-se relativamente ao primeiro desconfinamento, em junho.” No entanto, a principal preocupação do chefe de seguranças é que não exista cruzamos de pessoas. “A Casa da Música é muito mais do que aquilo que acontece em cima do palco. Temos de controlar a entrada e a saída do público, há zonas limpas e sujas e é mesmo necessário as pessoas não se cruzarem, para evitarmos contactos desnecessários.”
Carlos Monteiro admite que, apesar do seu serviço nunca ter estado parado, este segundo encerramento pode deixar marcas. “É natural que a equipa perca o ritmo quando as coisas voltam ao normal podem existir falhas, mas vamos trabalhar para que elas não aconteçam.” O responsável confessa sentir saudades do burburinho dos corredores e das noites movimentadas. “Sinto falta das pessoas, é isso que nos dá animo para trabalhar. A Casa da Música sem música não é nada, é apenas mais uma casa.”
“Tivemos de eliminar o buffet, que era uma das nossas maiores características”
Tânia Machado, responsável pelo restaurante e café
Desde 2013 que Tânia Machado é responsável pelo café, restaurante e esplanada da Casa da Música, espaços abertos ao público geral e aos artistas. A pandemia obrigou-a a alterar quase tudo, do número de lugares disponíveis aos métodos de trabalho.
“Mais de 50% da lotação foi reduzida nos três espaços, tivemos de eliminar o buffet, que era uma das nossas maiores características, e permitia uma dinâmica diferente. Agora servimos todos os produtos embalados individualmente e o atendimento é todo feito ao balcão.” A responsável conta que o apoio alimentar nos camarins também sofreu modificações. “Antes servíamos tudo em tabuleiros, agora da sopa à sobremesa tudo é embalado e o camarim tem de ter no máximo quatro pessoas.”
Dos 16 funcionários, apenas 10 estão a trabalhar e toda a oferta gastronómica da Casa manteve-se, apenas alguns ingredientes foram substituídos de forma a terem uma maior capacidade de serem embalados. “Há sempre alguma resistência à mudança, mas penso que agora os clientes já perceberam as nossas condições e demonstram ter confiança, isso é o mais importante para nós.” O restaurante ainda não tem uma data prevista para abrir, mas a partir de segunda-feira o café e esplanada vão estar a funcionar, das 9h às 19h30, de segunda a sexta-feira, e aos fins de semana até às 13h.
“Nos adiamentos dos espetáculos, muitos preferiram não reaver o dinheiro e optaram por fazer donativos à Casa da Música”
José Ribeiro, responsável pela bilheteira
Já conhece os clientes assíduos da Casa e está habituado a lidar com o público de forma próxima, mas a pandemia fez com que José Ribeiro tivesse um vidro à frente do balcão na bilheteira. “Foi o primeiro impacto que senti, o contacto com as pessoas deixou de ser tão próximo.” Os bilhetes eletrónicos passaram a ser obrigatórios, mas o responsável garante que há exceções. “Alguns clientes ainda preferem o bilhete físico, em papel, são poucos os casos, mas ainda existem. Ou porque o compram à ultima da hora ou querem guardá-lo para recordação.”
Neste segundo confinamento, foram muitos os adiamentos e cancelamentos de espetáculos que já estavam programados, por isso a necessidade da equipa de bilheteira informar e esclarecer o público foi mais do que muita. “Era tudo uma incógnita, mas penso que a maioria das pessoas foi compreensiva. Começámos por fazer essa comunicação por e-mail ou mensagem escrita, mas rapidamente percebemos que as pessoas ligavam para falar diretamente connosco e expor melhor a sua situação.”
Mesmo com o equipamento fechado, a equipa de bilheteira, composta por sete pessoas, manteve-se em teletrabalho e atendia todos os pedidos. “Muitos preferiram não reaver o dinheiro e escolheram receber vales para poder comprar bilhetes para outros espetáculos ou optaram por fazer donativos à Casa da Música.”
Se na reabertura em junho a redução de lugares “foi drástica”, havendo dois lugares vazios entre as pessoas e uma fila de intervalo, desta vez o cenário será um pouco mais ligeiro. “As pessoas vão pode sentar-se em todas as filas com um lugar vazio de distância. Para já ainda não estamos a abrir os camarotes.”
No seu computador, José Ribeiro consegue ver de forma atualizada o número de bilhetes vendidos. “para segunda-feira o concerto já está praticamente esgotado, tivemos de abrir os lugares de coro, situados atrás do palco. Dos 484 lugares disponíveis, 326 já foram vendidos. A sala 2, mais pequena, terá 136 lugares livres, em vez dos 280 pré pandemia.”
“Há menos pessoas sentadas, mas não é por isso que o nosso trabalho é menor”
Álvaro Campo, frente de sala
É uma das primeiras caras com quem o público da Casa da Música se cruza, coordena a equipa de assistentes de sala e garante que a diminuição de espetadores não é sinónimo de menos trabalho. “Tivemos de expandir o nosso leque de observação, dar mais acompanhamento e informação, pois as regras têm mesmo que ser cumpridas. Há menos pessoas sentadas, é certo, mas não é por isso que nosso trabalho é menor.”
Álvaro Campo é frente de sala desde 2009 e a pandemia fez com que a sua atenção aos detalhes fosse redobrada. “Tentámos que as pessoas cumpram o nosso plano de contingência, respeitem os percursos delineados e a sinalética do pavimento. Geralmente temos um público recetivo e bastante ordeiro, ainda que exista sempre alguém que tente fugir a essas regras, como puxarem a máscara para baixo, mas quando são chamados a atenção por nós apercebem-se do erro e acredito que o façam distraidamente.”
Outra das dificuldades da equipa é contornar a insatisfação dos espectadores relativamente à atribuição dos lugares na sala, uma vez que agora os bilhetes indicam apenas a letra correspondente a cada fila. “Há pessoas que não gostam de ficar na ponta da fila e preferem os lugares mais centrais e depois há casais que não querem ficar separados. São as situações mais difíceis de gerir nesta fase.”
“Estou feliz por poder voltar ao palco, o feedback do público faz-me muita falta”
Ruomiana Badeva, violinista
Há mais de 20 anos que integra a Orquestra Sinfónica da Casa da Música, antiga Orquestra Sinfónica do Porto fundada em 1997, e não esconde a alegria de voltar a subir ao palco da sala Suggia. “Tenho imensas saudades do palco, estou feliz por poder voltar a pisá-lo e a sentir a adrenalina que só um concerto nos pode dar. O feedback do público é muito importante e faz-me muita falta.”
Na pausa de mais um ensaio com o maestro alemão Michael Sanderling, a violinista romena partilha que durante o confinamento não deixou de praticar em casa, mas o cenário de uma sala cheia é insubstituível. “Em parte, sentimo-nos como os desportistas que precisam de treinar antes de um jogo, também precisamos dessa preparação diária. Sentimos que fazemos as pessoas felizes, esse retorno no fim de um concerto é essencial para a nossa saúde.”
Tocar violino de máscara no rosto não é propriamente uma novidade para Ruomiana, que garante já estar habituada, mas a distância dos colegas em palco é algo mais difícil de ultrapassar. “A distância atrapalha, não é a situação ideal, mas somos todos profissionais e conseguimos adaptarmo-nos. A qualidade da performance não está posta em causa, aliás, já provamos que conseguimos fazê-lo.”
Gergley Suto é húngaro e clarinetista da Orquestra Sinfónica há mais de duas décadas. Não atua na Casa da Música desde o dia 12 de janeiro e não tem dúvidas de que o palco, a par da sala de ensaios, é mesmo o seu habitat natural. Está entusiasmado por voltar a ver “uma cidade cheia de gente” e afirma que “tal como nos combates de boxe”, também os músicos precisam de “estar em forma”.
Por tocar um instrumento de sopro, Gergley é um dos músicos que vão estar em palco sem máscara e, por isso mesmo, foram testados à Covid-19. Mas se a máscara não se revela um problema, já a distância entre os colegas no concerto parece ser uma barreira. “Torna-se mais difícil ouvirmo-nos uns aos ouros, mas acaba por soar surpreendentemente bem na sala. Espero que as pessoas sintam isso.”
O concerto especial de abertura, com a Orquestra Sinfónica, conta com o maestro Michael Sanderling e o violoncelista Pavel Gomziakov, como solista convidado. O preços dos bilhetes é de 14 euros. Consulte aqui toda a agenda e programação.