886kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Danny Rubin, o homem que prendeu Bill Murray no Dia da Marmota

Dia 1 de fevereiro há "O Feitiço do Tempo" em dose dupla no Nimas; e dia 2 celebra-se o Groundhog Day. Falámos com o argumentista que criou a história adaptada ao cinema por Harold Ramis.

É esta a frase chave do filme “O Feitiço de Tempo” (“Groundhog Day”, no original): “Phil Connors está a viver a vida como se não houvesse amanhã, porque não há”. Em 1993, o tal Phil Connors era interpretado por Bill Murray, num filme que acompanhava um jornalista meteorológico que acorda sempre no mesmo dia e vive as mesmas situações, outra vez e outra e outra vez. Realizado por Harold Ramis (“Caddyshack”, “Caça-Fantasmas” ou “Uma Questão de Nervos”), “O Feitiço do Tempo” transformou-se num clássico da comédia e num dos momentos maiores da carreira de Bill Murray — ele que passa os dias em repetição a tentar conquistar o coração de Rita, interpretada por Andie MacDowell.

[O trailer de “O Feitiço do Tempo”:]

Esta quarta-feira, dia 1, o filme pode ser visto no cinema Nimas, em Lisboa, numa sessão dupla, às 21h30 e às 23h30 — é mais uma data das Sessões de Culto, com seleção de Filipe Melo. E quinta, dia 2, celebra-se — de facto — o Dia da Marmota nos EUA. A data é especial porque é neste dia que, em muitas localidades americanas, uma marmota escolhida de acordo com critérios muito especiais sai da da sua toca para apreciar o tempo. Se estiver nublado, o animal deixa-se ficar e ficamos certos de que a primavera vai chegar mais cedo. Se estiver sol, a marmota foge e volta rapidamente para casa (supostamente porque assusta-se com a própria sombra). Isso significa que teremos mais seis semanas de inverno à séria.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Danny Rubin pegou nesta tradição para contar uma história que há muito queria ver no cinema: a de um dia que não acaba e de alguém que de repente é imortal. Tão existencial como humorístico, o filme fez escola e Rubin (que adapatou o argumento ao cinema em conjunto com Ramis, para depois ganharem um BAFTA pelo Melhor Argumento Original) chegou mesmo a escrever um livro sobre o seu trabalho em “O Feitiço do Tempo”.

Falámos com ele ao telefone. Disse-nos que está sempre disponível para regressar ao filme de 1993 e perguntou também se ainda há bilhetes para as sessões do Nimas. Dissemos-lhe que aparecesse. “Achas, Diego?”. Não é Diego, é Tiago. Mas tudo bem, é um engano que se repete.

7 fotos

Como surgiu a história do “Feitiço do Tempo”?
De um processo normal, durante uma altura em que estava à procura de histórias que pudessem ser transformadas em filmes e que pudessem ser divertidas de escrever. Esta era uma das ideias que tinha, nem sequer era a primeira em que estava a trabalhar, nessa altura tinha umas outras duas, talvez, que para mim eram prioritárias. Mas parei quando me lembrei que seria realmente interessante contar a história de alguém que vivesse para sempre. Que tipo de vida seria a de alguém imortal, como é que mudariam, como seria crescer assim? E pareceu-me de imediato uma ideia difícil de concretizar.

Como é que resolveu esse dilema?
Cruzar a história com outra ideia mais antiga: a de alguém que vivia sempre o mesmo dia, uma e outra vez. Ambas falavam da mesma questão: uma vida infinita, em que o tempo deixa de ser uma linha reta mas passa a ser um círculo. O que não é assim tão disparatado porque todos nós, apesar de não vivermos sempre o mesmo dia como acontece com o protagonista do filme, sentimos muitas vezes que estamos presos no tempo, que vivemos numa espécie de repetição. Além disso, pareceu-me muito divertido tentar perceber o que pode uma pessoa fazer quando já tem informação sobre o futuro.

Onde é que o Dia da Marmota se cruza com tudo isto?
Bom, isso aconteceu quando já estava a escrever a história. Uma das coisas que tive de decidir foi o dia em que aquilo ia acontecer, qual a data que seria repetida vezes sem conta. Pensei que podia ser o aniversário de alguém, ou então o dia 29 de fevereiro, que é meio mágico. Abri o calendário e o primeiro feriado que vi surgia dois dias depois, a 2 de fevereiro: o Dia da Marmota. Perfeito, ótima ideia. Sabia que havia uma cerimónia numa terra pequena e que alguém que apareça de fora pode aborrecer-se com muita facilidade. Tudo isso era ideal. Mas quem poderia ser essa pessoa? Um jornalista, a fazer uma reportagem sobre as festividades.

"Quando comecei a trocar ideias com o Harold Ramis sobre uma adaptação ao cinema, uma das questões que ele me colocou foi 'quem é que poderia interpretar o papel de Phil Connors?'. Disse que imaginava uma espécie de Jimmy Stewart mais novo. Mas o Harold já tinha trabalhado com o Bill e sabia que ele era ideal para o papel."

Quando é que Harold Ramis decide realizar o filme?
Escrevi o argumento sozinho e depois tentei vendê-lo. As pessoas gostaram muito do que escrevi e consegui vários trabalhos por causa desse argumento. Mas não havia gente interessada em transformar aquela história em filme. Fui trabalhando no que conseguia arranjar até que a dada altura o Harold leu o argumento e decidiu que queria fazer um filme. E quis fazer um filme de acordo com o estilo dele, mantendo a imagem que ele já tinha usado em filmes anteriores. Depois ajudou-me a adaptar o argumento para que pudesse ser filmado.

Punxsutawney, na Pensilvânia, acolhe uma das mais populares celebrações do Dia da Marmota e é lá que tudo acontece. Foram a Punxsutawney?
Para escrever a história devo confessar que não fiz muita pesquisa, limitei-me a fazer alguns telefonemas, fiz perguntas. Pouco antes de começarmos a rodar o filme, o Bill Murray ligou-me e diz-me “Danny, acho que devíamos ir a Punxsatawney”. Fomos os dois, vimos a cerimónia e a partir daí acabei por mudar muitas coisas no filme, tive novas ideias para algumas cenas, por exemplo a cena do leilão de solteiros, a das esculturas de gelo… percebi a cidade, como funcionava, como as pessoas da própria cidade entendiam aquela tradição da marmota como algo meio tolo mas, ainda assim, mantinham-na, com toda a seriedade possível. Um dos meus grandes cuidados foi mesmo o de não gozar com as pessoas daquela terra. Pelo contrário, procurei celebrar a sabedoria delas e a forma como viviam a terra que construíram.

Ainda não sabia que Bill Murray seria o protagonista quando escreveu a história…
Quando comecei a trocar ideias com o Harold Ramis sobre uma adaptação ao cinema, uma das questões que ele me colocou foi “quem é que poderia interpretar o papel de Phil Connors?”. Disse que imaginava uma espécie de Jimmy Stewart mais novo. Mas o Harold já tinha trabalhado com o Bill e sabia que ele era ideal para o papel.

[quantos dias passa Phil Connors preso no mesmo dia?]

https://www.youtube.com/watch?v=HYAx9RX1OmY

Quando o filme saiu, foi um sucesso?
Foi um sucesso financeiro, pelo menos isso, fez muito dinheiro para o estúdio nesse ano [a Columbia Pictures]. Mas as críticas não foram unânimes. A maioria dizia que era uma comédia boa de sábado à tarde com o Bill Murray. Na altura o Roger Ebert deu-lhe duas estrelas e meia, com um texto pouco simpático, ao jeito dele. Dez anos mais tarde escreveu uma nova versão da crítica, dizendo que era um filme muito bom. Enfim, eu e o Harold tínhamos a certeza de que era um filme muito bom. Não sabíamos que tipo de relação ia estabelecer com as pessoas, muito menos esta que acabou por estabelecer.

E porque é que isso aconteceu?
Porque é um filme que de alguma maneira deixa um sentimento de força, esperança e olhar positivo sobre a vida. É um filme que vai contra o cinismo com que muitas vezes encaramos os dias. Porque consegue de facto reflectir algo que todos sentimos. E depois, aquele simples mas importantíssimo aspecto: Phil consegue sair daquela prisão do tempo e dar seguimento à vida e todo o poder que é preciso para o conseguir depende só dele. Quem vê o filme percebe que não vale a pena estar à espera que as coisas mudem, temos nós que mudar as coisas, temos que nos mudar a nós próprios para conseguirmos mudar o nosso mundo. Ver isso numa história divertida é uma conjugação difícil de superar.

"Se existisse uma máquina do tempo, um buraco negro ou uma maldição, o filme teria sido sobre isso, sobre como se meteu nisso e como vai sair. Seria sobre o processo e não sobre ele. Foi uma batalha difícil mas conseguimos ganhar. Mas é normal: Hollywood gosta de trabalhar ideias que as pessoas já conhecem."

Tem uma cena favorita?
É difícil… mas talvez a ideia do Phil em seduzir a Rita, toda a sequência em que ele vai reunindo informação sobre ela de cada vez que o mesmo dia se repete. Foi uma das primeiras coisas em que pensei quando tive esta ideia e sabia que podia resultar muito bem. E resultou. Nunca tinha visto nada assim e quando vi o resultado final… ainda hoje fico espantado.

Porque é que a preocupação de Phil foi conquistar a Rita e não outra? Por exemplo, enriquecer estupidamente?
Bom, ele fica rico, mas só nesse dia. Mas o romance surge como um sinal para quem está a ver o filme, um sinal da transformação de Phil. Ele tornou-se amável. E era essa a melhor maneira de mostrar a mudança dele, de transformar o protagonista. Como é que chegamos à conclusão que ele deixou de ser um tipo insuportável, como é que sabemos que ele mudou o suficiente para que a vida possa avançar? Com romance. Optei pela pessoa que não o conhecia e que se apaixona por ele num só dia. Porque o coração consegue ver o que realmente interessa.

Quando o Phil acorda, todas as manhãs no mesmo dia, à mesma hora, acorda ao som de “I Got You Babe”, de Sonny & Cher. Foi ideia sua?
Sim. Queria que ele acordasse sempre ao som de uma canção alegre, feita de amor e esperança, uma coisa pop que toda a gente gostasse. Ao mesmo tempo, queria que fosse uma canção que, depois de ouvida muitas vezes, nos possa enervar. E essa pode.

[todas as vezes que Phil Connors acorda ao som de “I Got You Babe”:]

Não é a história mais tradicional para um filme produzido por um grande estúdio. Tiveram dificuldades em manter o argumento?
O estúdio queria uma forma concreta para Phil entrar naquele loop temporal, queriam uma espécie de mecanismo. E eu lutei muito contra isso, para que não fosse assim. Isso seria fazer um filme muito mais trivial. O filme e a situação. Quando não sabemos como ele ficou preso, isso fica mais próximo daquilo que nos pode acontecer. É mais fácil relacionar-mo-nos com essa ideia e para mim, como argumentista, é muito mais interessante. Se existisse uma máquina do tempo, um buraco negro ou uma maldição, o filme teria sido sobre isso, sobre como se meteu nisso e como vai sair. Seria sobre o processo e não sobre ele. Foi uma batalha difícil mas conseguimos ganhar. Mas é normal: Hollywood gosta de trabalhar ideias que as pessoas já conhecem.

Essa relação é complicada, entre quem faz o filme e quem o paga?
Será sempre. Escrever argumentos para Hollywood é uma arte comercial. Não me importo de viver essa relação, mas haverá sempre tensão entre quem cede e quem exige, haverá sempre limites para ambos os lados, entre o artista e quem paga. Quando esta diplomacia não resulta é quando acontecem as más decisões que geram maus filmes. Nesta situação, os representantes do estúdio estavam a trabalhar de boa fé, por isso foi um processo criativo.

Escreveu um livro sobre “O Feitiço do Tempo”. Porquê?
Por um lado porque muita gente me pergunta coisas sobre o filme. Não me importo, de todo. E também foi uma forma de fazer uma viragem no meu percurso, como se fosse um balanço de tudo aquilo. Nem sequer fiz muito para o promover, só queria que existisse.

groundhog day book

“How to Write Groundhog Day”, de Danny Rubin. O livro está à venda na Amazon em formato ebook

Sente-se prisioneiro do filme?
Já houve dias assim, confesso. Mas é algo muito mais positivo do que negativo, não há comparação possível entre as duas realidades. Neste momento estou em Nova Iorque a trabalhar no musical da Broadway [onde se estreia a 17 de abril]. Estou aqui por causa da marmota, por isso só tenho de agradecer.

O que aconteceu a Punxsutawney depois do filme?
Turistas e mais turistas… diria que estão em dívida para connosco. A cerimónia que vi com o Bill Murray, naquela altura, tinha alguma centenas de pessoas, muitos estudantes universitários bem bebidos. Depois disso cresceu. E assim continua.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.