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De apartamentos a carros, até frigoríficos e cadeiras de jardim. Como funcionou o esquema de corrupção na Defesa

Dinheiro vivo, carros, frigoríficos e mobiliário de jardim são algumas das contrapartidas que permitiram o favorecimento em obras no valor de 4,2 milhões de euros, diz o Ministério Público.

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O esquema de corrupção sob suspeita na Defesa, que tem como principal personagem o ex-diretor-geral Alberto Coelho e os seus chefes de divisão Paulo Branco e Francisco Marques, envolve uma larga lista de contrapartidas identificadas pelo DIAP de Lisboa e pela Polícia Judiciária. Os principais suspeitos do caso “Tempestade Perfeita”, que já tem 19 arguidos, terão recebido contrapartidas de cerca de 546 mil euros para beneficiarem sociedades dos empresários Manuel António Sousa, André Barros e Paulo Machado.

Além da entrega de dinheiro vivo, que terá servido para financiar a compra de apartamentos e a realização de obras nas casas dos três responsáveis do ministério da Defesa, estarão em causa carros de marcas premium, mobiliário doméstico — de máquinas de ar condicionado, a frigoríficos, até arcas congeladoras, mesas e cadeiras de jardim —, e mesmo o conserto de um estore.

As empresas e os negócios da Defesa investigados, as escutas que destaparam as luvas e o homem no centro da Tempestade Perfeita

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Pelo meio, as mulheres de Paulo Branco e Francisco Marques criaram empresas que prestaram serviços a empresas próximas dos empreiteiros contratados pelo Ministério da Defesa.

Além dos quase 20 contratos que permitiram aos empresários Manuel António Sousa e Paulo Machado faturarem cerca de 4,2 milhões de euros só em 2020, os responsáveis do Ministério da Defesa Nacional terão ainda prometido a adjudicação de obras num edifício da NATO.

O Observador contactou as defesas de Paulo Branco e Francisco Marques mas os advogados (Tiago Geraldo e Ricardo Sá Fernandes) não quiseram prestar declarações. Não foi possível contactar as restantes defesas.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a alegada corrupção no Ministério da Defesa.

Cravinho não sabia da alegada corrupção na Defesa?

As empresas beneficiadas

Alberto Coelho, diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional, está no centro do caso “Tempestade Perfeita”. Sem as suas decisões, o alegado esquema de corrupção não teria sido possível. Mas uma boa parte das contrapartidas de 546 mil euros terão sido pagas aos seus subalternos, Paulo Branco e Francisco Marques.

Com uma imputação de quatro crimes de corrupção passiva e três crimes de branqueamento de capitais, Paulo Branco (ex-chefe de divisão de Ensino e Qualificação da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional) e Francisco Marques (ex-chefe de divisão de Recursos Humanos da mesma Direção-Geral) são encarados pela investigação como intermediários entre o ‘seu’ diretor-geral Alberto Coelho e os empresários Manuel António Sousa, André Barros e Paulo Machado — estes últimos três todos eles suspeitos do crime de corrupção ativa.

As empresas TRXMS Lda (Manuel Sousa), Weltbauen – Engenharia e Construção, Lda (André Barros) e Roma Premium Lda (Paulo Machado) terão recebido adjudicações de Alberto Coelho no valor total de cerca de 4,2 milhões de euros durante o ano 2020. A investigação entende que Sousa, Barros e Machado agiram em conluio e imputa-lhes o crime de corrupção ativa em regime de co-autoria.

Alberto Coelho com o ministro João Gomes Cravinho em fevereiro de 2019 numa cerimónia nos Açores

LUSA

Seja pela adjudicação de ajustes diretos (como no caso da obra mais polémica, a de reconversão do antigo Hospital de Belém) sem competência para tal, seja pelo fracionamento dos contratos (para contornar os limites dos ajustes diretos e das consultas prévias), aquelas três sociedades receberam cerca de 67% do total das adjudicações feitas pela Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) no ano de 2020.

Um ano marcado pela pandemia e — por causa dela — por regras de exceção que dispensou limites de valor para os ajustes diretos, dando margem de manobra à administração pública para dispensar os critérios de transparência em nome da “urgência imperiosa”.

O que fez com que a TRXMS, a Weltbauen, a Roma Premium e outras sociedades ligadas a Manuel Sousa, André Barros e Paulo Machado dessem um salto brutal nas adjudicações da DGRDN face a 2019. Se nesse ano, aqueles três empresários não tinham conseguido juntos mais de 400 mil euros em contratos, no ano seguinte as suas empresas ultrapassaram os 4,2 milhões de euros.

O esquema de corrupção e os carros de luxo

O DIAP de Lisboa e a PJ não têm dúvidas de que tais contratos só foram possíveis por via do alegado pagamento das contrapartidas de 546 mil euros, divididas em quatro grandes grupos.

O primeiro tem a ver com automóveis de gama alta. O ex-diretor-geral Alberto Coelho terá recebido um Audi modelo Q3 no valor de 39.500 euros. A investigação tem indícios documentais claros de que o carro foi pago pela sociedade Romagest — uma sociedade angolana do empresário Paulo Machado — no dia 30 de dezembro de 2020.

Um amigo próximo de Alberto Coelho, Orlando Oliveira Martins, terá recebido um Fiat 500 avaliado em 19 mil euros, sendo que 18 mil euros terão sido pagos a 3 de julho de 2021 pelo empresário Paulo Machado em nome de todos os alegados corruptores ativos.

O mesmo aconteceu com dois automóveis que terão sido entregues a Helena Marques, mulher de Francisco Marques: uma carrinha Audi A4 Avant e um Mercedes E300. Enquanto que a primeira terá custado 28.500 euros (integralmente pagos, segundo os indícios da investigação, com uma transferência da Romagest), o segundo foi adquirido a 20 de outubro de 2020 por 53.500 euros com recurso a crédito bancário — sendo que uma parte do mesmo, no valor de 27 mil euros, foi amortizado em março de 2021 com fundos provenientes de amigos de Paulo Machado. Helena Marques é arguida no caso.

Também o cunhado de Paulo Branco terá recebido a 1 de junho de 2020 um automóvel pago pela Romagest de Paulo Machado: trata-se de uma versão especial do SUV da BMW, o F1X, avaliado em 34.500 euros. Pormenor relevante: está em nome do cunhado de Paulo Branco, mas foi paga pela Romagest de Paulo Machado a 1 de junho de 2020.

A circulação em dinheiro vivo e a compra de apartamentos

A aquisição de apartamentos, parte financiada com dinheiro vivo que terá sido depositado nas contas bancárias dos arguidos, é outro dos grupos de alegadas contrapartidas.

Paulo Branco, que é o arguido com o maior valor de contrapartidas atribuídas pela investigação, terá adquirido a 5 de agosto de 2020 um apartamento na Comporta, em conjunto com a sua irmã e o cunhado (ambos igualmente arguidos no caso), pelo valor de 197.500 euros. Mas essa foi apenas uma parte dos valores recebidos na alegada corrupção.

O DIAP de Lisboa e a PJ recolheram indícios de que Paulo Branco terá depositado cerca de 86 mil euros em dinheiro vivo a que acresceram depois cerca de 25 mil euros igualmente em numerário depositado pela sua irmã. A estes valores somaram-se ainda cerca de 51,6 mil euros transferidos por sociedades e pessoas próximas dos empresários suspeitos de corrupção ativa. No total, os fundos suspeitos que terão financiado a compra do apartamento foi de 162,6 mil euros.

A investigação acredita que Paulo Branco recorreu ainda à sua irmã e cunhado para que estes disponibilizassem as suas contas bancárias e aceitassem ser testas-de-ferro na aquisição do apartamento da Comporta.

Também Francisco Marques comprou um apartamento em Quarteira, no Algarve, no valor de cerca de 240 mil euros, pago em parte com 41.500 euros depositados em numerário. A investigação atribui-lhe ainda transferências em numerário num total de 81,6 mil euros.

As empresas de consultoria das mulheres dos responsáveis da Defesa

Um terceiro grupo de contrapartidas passou pela criação de empresas que terão prestado serviços fictícios. As sociedades envolvidas eram as Wisepodium Unipessoal Lda e Precious Strategy – Unipessoal Lda.

A primeira sociedade pertence a Paula Branco (mulher de Paulo Branco e igualmente arguida no caso), enquanto que a segunda é de Helena Marques (mulher de Francisco Marques). Ambas tinham o mesmo objeto social (consultoria, fazendo questão de incluir o aconselhamento de organismos públicos na sua actividade), o mesmo técnico oficial de contas e terão servido apenas para receberem alegadas contrapartidas financeiras entregues pelos empresários alegadamente favorecidos pelos seus maridos. Para tal, emitiam faturas desses alegados serviços fictícios.

Por exemplo, a Precious Strategy de Helena Marques emitiu uma fatura à empresa Stone Gloss Lda no valor total de 17.600 euros, tendo recebido tal valor a 2 de setembro de 2020. O problema é que, além de alegadamente não ter sido prestado qualquer serviço, a Stone Glosse é uma sociedade angolana de Paulo Machado, o principal sócio da Roma Premium a quem a DGRDN adjudicou contratos no valor total de cerca de 377 mil euros em 2019 e 2020.

A Precious Strategy de Helena Marques recebeu 17.600 euros de uma empresa chamada Stone Gloss. O problema é que, além de alegadamente não ter sido prestado qualquer serviço, a Stone Gloss é uma sociedade angolana de Paulo Machado, o principal sócio da Roma Premium a quem a DGRDN adjudicou contratos no valor total de cerca de 377 mil euros em 2019 e 2020.

Outra forma da Precious Strategy receber fundos era através de amigos dos arguidos. Por exemplo, Manuel Abreu dos Santos (amigo de Paulo Branco) terá transferido 19.500 euros  em outubro de 2020 para a conta da empresa de Helena Marques, sendo que antes recebeu 19.800 euros da Romagest (a empresa angolana de Paulo Machado, o principal sócio da empresa Roma Premium, contratada pela Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional de Alberto Coelho).

Também a Wisepodium recebeu fundos através de esquemas semelhantes. Através da sociedade Supercontras, que Telmo Soares Pereira (técnico oficial de contas das sociedades de Paulo Machado), foram depositados 30.000 mil euros em três tranches entre outubro de 2020 e março de 2021.

Uma vez mais, foi emitida uma fatura pela empresa de Paula Branco à qual não corresponderá qualquer serviço efetivamente prestado.

Os eletrodomésticos, o ar condicionado, o mobiliário de jardim — e o estore

As contrapartidas não se cingem apenas a bens de grande valor. Ao que o Observador apurou, o DIAP de Lisboa e a PJ também imputam aos três empresários suspeitos de corrupção ativa a entrega de um conjunto alargado de eletrodomésticos, máquinas de ar condicionado, mobiliário de jardim e até o arranjo de um estore.

A investigação conseguiu reconstituir os circuitos financeiros que comprovam, por exemplo, que a Stone Gloss (a sociedade angolana de Paulo Machado) pagou a 25 de março de 2021 a fatura de todos os eletrodomésticos da casa de Paulo Branco na Comporta no valor total de 3.690 euros. Uma placa de fogão, um exaustor, máquina de lavar roupa e louça, forno, frigorífico e micro-ondas — tudo da marca Siemens.

Também o ex-diretor-geral Alberto Coelho recebeu na sua casa no centro de Lisboa, entre 13 e 23 de abril de 2021, um conjunto de mobiliário de jardim e um guarda sol no valor total de 1.177 euros. O MP e a PJ entendem que um arranjo de um estore na casa de Coelho, que terá acontecido a 25 de junho de 2021, também faz parte das alegadas contrapartidas promovidas pelos alegados corruptores ativos.

Há um dado relevante que a investigação valoriza em todos os grupos de contrapartidas que alegadamente foram pagos pelas sociedades de Paulo Machado — mas em nome de todos os alegados corruptores ativos. É que uma parte do valor total de cerca de 125 mil euros terá sido financiado pelo próprio Ministério da Defesa.

Há um dado relevante que a investigação valoriza em todos os grupos de contrapartidas que alegadamente foram pagos pelas sociedades de Paulo Machado — mas em nome de todos os alegados corruptores ativos. É que uma parte do valor total de cerca de 125 mil euros terá sido financiado pelo próprio Ministério da Defesa.

Explicando: a Roma Premium terá emitido faturas à DGRDN no valor total de 83.025 euros (com IVA) que não corresponderá a serviços efetivamente prestados.

Ou seja, a sociedade de Paulo Machado que deveria ter fiscalizado a obra da reconversão do antigo Hospital Militar de Belém não terá procedido a tal trabalho. A auditoria da Inspeção-Geral da Defesa terá mesmo detetado que a empresa apenas terá apresentado “uma vasta reportagem fotográfica e um texto geral pouco cuidado”.

Mais: foram pagos mais 30 mil euros do que era estava inicialmente orçamentado.

Logo, a investigação suspeita que o valor dos serviços indevidamente pagos pelo Ministério da Defesa terão servido para financiar uma parte das contrapartidas entregues a Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco Marques.

A polémica do Hospital Militar de Belém e a apropriação de competências de Alberto Coelho

A obra de reconversão do antigo Hospital Militar de Belém, que está no centro de uma polémica que tem desgastado politicamente o ministro João Cravinho, tem os contratos mais caros sob suspeita, com um custo total de cerca de 2,6 milhões de euros (valor sem IVA).

É que, inicialmente a obra, que converteu o antigo Hospital Militar em Centro de Apoio Militar no combate à Covid-19 (com 150 camas), tinha um orçamento original de apenas 750 mil euros (valor sem IVA)ou seja, veio a custar mais 350% do que se previa, tendo sido assinados três em vez de apenas um contrato.

Além do desvio financeiro de 350% no custo total das obras de reconversão do antigo Hospital Militar, o Ministério Público considera que Alberto Coelho, então diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional, ter-se-à apropriado de competências legais que pertenciam ao então ministro João Gomes Cravinho e ao secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez, os únicos que poderiam autorizar tais despesas.

Além da questão do valor, o Ministério Público considera que Alberto Coelho, então diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional, ter-se-á apropriado de competências legais para autorizar os procedimentos e os contratos para a obra — nas costas do então ministro João Gomes Cravinho e do secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez, os únicos que poderiam autorizar tais despesas.

E envolve Paulo Branco, então diretor de serviços de Gestão Financeira e Apoio, e Francisco Marques, ex-chefe de divisão de Recursos Humanos, ambos nomeados por Alberto Coelho.

O DIAP de Lisboa e a PJ ‘olham’ para Paulo Branco e Francisco Marques como alegados intermediários entre o seu diretor-geral Alberto Coelho e os diversos empreiteiros que foram contratados.

Cravinho sugeriu utilização da lei excecional. Coelho respondeu: “Estamos a todo o gás”

Tudo começou quando, a pedido do Governo, Alberto Coelho identificou a 17 de março de 2020 duas instalações do Ministério da Defesa Nacional que poderiam ser reconvertidas em centros de apoio ao Covid 19. Dois dias depois, o ministro João Gomes Cravinho concordou com a seleção das instalações do antigo Hospital Militar de Belém e a realização de “obras mínimas.”

E terminou o seu despacho com um comentário: “E.T. [Em Tempo]: O DL-10 deve ser utilizado se possível”. Está em causa o decreto-lei n.º 10-A/2020 de 13 de março.

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Essa norma, aprovada pelo Governo para facilitar os procedimentos de contratação pública em tempo de combate contra a Covid 19, previa duas exceções relevantes:

  • A adopção da regra do procedimento de contratação por ajuste direto sem limite de valor, desde que existissem motivos de “urgência imperiosa”
  • E o deferimento tácito em caso de não pronúncia pelo membro do Governo competente para a autorização da despesa em apenas 24 horas. Ou seja, se um dirigente da administração pública pedisse autorização para a realização de determinada despesa, a mesma considerava-se autorizada se não existisse uma resposta.

A investigação da PJ e o DIAP de Lisboa consideram que estas exceções só se aplicavam aos titulares da administração que tivessem competência própria ou delegada para autorizarem o início do procedimento e a realização da despesa — o que não era o caso de Alberto Coelho.

O então diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional apenas tinha competência própria para autorizar ajustes diretos até a um valor de 299.278, 74 euros. Mas Alberto Coelho, Paulo Branco e Francisco Marques terão criado uma interpretação jurídica no sentido de que aquele diploma permitia ao diretor-geral aprovar adjudicações por ajuste direto — mesmo as que suplantavam os limites acima referidos.

O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, durante a visita ao Centro de Apoio Militar – Covid19, instalado no antigo Hospital Militar de Belém, para se inteirar da situação e da atividade desta infraestrutura de apoio ao tratamento de doentes Covid-19, Lisboa, 21 de dezembro de 2020. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

O ministro João Gomes Cravinho a visitar em dezembro de 2020 o Centro de Apoio Militar – Covid 19, instalado no antigo Hospital Militar de Belém

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Daí que Alberto Coelho não tenha solicitado qualquer autorização para a realização da despesa, e o MP considere que se apropriou das competências do ministro João Cravinho e do secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez — que eram os únicos que teriam competência própria (que não tinha sido delegada) para autorizar a escolha de procedimento e contratação. A autorização para a realização da despesa continuaram a pertencer à entidade competente.

Precisamente por isso, e aproveitando o despacho de João Cravinho de 19 de março, Alberto Coelho informou o então ministro da Defesa Nacional a 20 de março que já estava a dar cumprimento às obras e a “avançar a todo o gás”, segundo comunicação escrita enviada para o Ministério a que o Observador teve acesso. Mais: os trabalhos de reconversão do antigo Hospital Militar de Belém já tinham começado.

De 750 mil euros para 2,6 milhões de euros

Paulo Branco, então diretor de serviços de Gestão Financeira e Apoio da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional, propôs a 18 de março a Alberto Coelho a adjudicação por ajuste direto por “urgência imperiosa” do primeiro contrato de obras no antigo Hospital Militar de Belém.

Em anexo à proposta, e sem que tivesse feito qualquer convite prévio formal, seguia a proposta da empresa TRXMS para essa obra no valor de 750 mil euros para uma área a reabilitar de 3.750 metros quadrados. Memorize este número da área porque será importante mais à frente.

Tal convite formal (assim como o caderno de encargos) só veio a ser feito a 24 de março. Ou seja, a proposta entregue pela empresa TRXMS serviu de base para a realização do referido caderno de encargos — invertendo-se os princípios basilares da contratação pública em termos de independência.

As obras de reconversão do antigo Hospital Militar disparam em menos de 15 dias de 750 mil euros para 1,8 milhões de euros. Outro pormenor relevante: de uma área a reabilitar de 3.750 metros quadrados, passou-se para uma área de 5.100 metros quadrados. E de um contrato com uma empresa, a direção-geral liderada por Alberto Coelho passou para três contratos com empresas diferentes.

E, 24 horas depois, uma segunda sociedade chamada Weltbauen apresentou uma proposta de cerca de 422 mil euros (sem IVA) para a mesma obra, sem que tal lhe tivesse sido solicitado. No dia seguinte, a Weltbauen e a TRXMS formalizam um contrato de parceria para as duas executarem as obras no antigo Hospital Militar.

Em menos de 15 dias, a obra disparou de 750 mil euros para 1.848.064, 46 euros.

E, em vez de um contrato, o então diretor-geral Alberto Coelho autorizou a assinatura de três contratos com as seguintes empresas para a mesma obra:

  • TRXMS – 819.007 euros
  • Weltbauen – 961.557, 46 euros
  • Roma Premium – 67.500 euros

O que mudou?

Desde logo, a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional alterou a área de intervenção de 3.750 m2 proposta pela TRXMS para 5.100 m2, segundo um documento que Alberto Coelho enviou para o gabinete do secretário de Estado da Defesa Nacional.

Por outro lado, Alberto Coelho invocou junto do Ministério, a 28 de março, que havia ainda “outras coisas a pôr a funcionar e que são de quem vai tomar e sugestões do Exército”, segundo uma informação escrita enviada para o Ministério da Defesa Nacional a que o Observador teve acesso.

A obra foi dada como terminada a 14 de abril de 2020, sendo que o MP e a PJ consideram que os pagamentos que feitos à TRMX, Weltbauen e Roma Premium foram autorizados por Alberto Coelho e certificados por Francisco Marques. Mas têm um grande problema: as respetivas faturas não se encontravam acompanhadas dos correspondentes autos de medição e de receção provisória.

Lembra-se da área de construção que passou de 3.750 m2 para 5.100 m2? Após muita insistência do secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez, o diretor-geral Alberto Coelho veio a informar a 1 de julho de 2020 que a obra, afinal, tinha custado cerca de 2,6 milhões de euros (cerca de 3,1 milhões de euros com IVA) para uma área de intervenção que tinha subido para 9.100 m2

Lembra-se da área de construção que passou de 3.750 m2 para 5.100 m2? Após muita insistência do secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez, o diretor-geral Alberto Coelho veio a informar a 1 de julho de 2020 que a obra, afinal, tinha custado cerca de 2,6 milhões de euros (cerca de 3,1 milhões de euros com IVA) para uma área de intervenção que tinha subido para 9.100 m2.

O então diretor-geral tentou imputar esse custo ao orçamento da Lei de Infraestruturas Militares. Contudo, a 3 de agosto de 2020, o secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez, emitiu um despacho em que põe em causa o então diretor-geral: “Não dei acordo nem despacho (nem tão pouco me foi proposto) qualquer integração dos projetos do ex-HM [Hospital Militar] e do CAM [Centro de Apoio Militar]. Os projetos devem ser corrigidos”.

O “visto com elevada preocupação” de Cravinho que não impediu a promoção de Alberto Coelho

Antes desse despacho, mais concretamente desde abril, o secretário de Estado Jorge Seguro Sanchez já andava ’em cima’ de Alberto Coelho. Logo em junho tinha pedido por duas vezes uma discriminação dos valores pagos na obra da reconversão do Hospital Militar — ofício esse que só teve resposta parcial do ex-diretor-geral a 1 de julho de 2020.

Foi nessa altura que Seguro Sanchez (que tinha a tutela do imobiliário por delegação de competências do ministro João Gomes Cravinho) percebeu que as obras tinham disparado para 2,6 milhões de euros (valor sem IVA). Solicitou então a Alberto Coelho, através do despacho 36/SEADN/2020 de 22 de julho, a que o Observador teve acesso, que o esclarecesse sobre “quem autorizou este acréscimo de custos mais de 3 vezes superior ao inicialmente estimado”.

Coelho respondeu a 10 de julho, enviando um ofício com mais de 220 folhas “desordenadas” — documentação essa que levou Seguro Sanchez a constatar a “evidência de que a DGRDN não submeteu à tutela qualquer pedido de abertura de procedimento ou de proposta de adjudicação ou a indicação de qualquer valor ou do conteúdo de qualquer adjudicação”.

Operação “Tempestade Perfeita”. Altos quadros da Defesa detidos por corrupção e buscas chegaram ao Ministério

Tudo (aberturas de procedimento de contratação, a escolha dos contratantes e as autorizações das despesas) foram “despachadas pelo sr. diretor geral [Alberto Coelho]”. E nem sequer havia “menção a comunicação dos referidos contratos, no prazo de 30 dias, ao Tribunal de Contas”.

Alberto Coelho alegava que tinha enviado a 20 de abril de 2020 o “ofício 2471” para o gabinete do ministro João Gomes Cravinho a informar o “investimento de 2,5 milhões de euros”, tendo remetido igualmente um relatório preliminar sobre a evolução da obra no antigo Hospital Militar que tinha sido terminada a 14 de abril.

Mas Seguro Sanchez contestou logo no seu despacho 36/SEADN/2020 de 22 de julho a alegação de Alberto Coelho de que tal ofício de 20 de abril configurasse uma autorização do ministro João Gomes Cravinho, porque a mesma foi “bastante posterior à adjudicação e à realização da despesa”, logo as regras excecionais do Decreto-Lei n.º 10-a/2020 de 13 de março não se encontravam cumpridas.

É através deste despacho que Seguro Sanchez propõe ao ministro da Defesa Nacional a realização de “uma auditoria à conformidade legal” dos procedimentos seguidos por Alberto Coelho. Ao que João Gomes Cravinho respondeu assim: “Visto com elevada preocupação”. Foi então determinada a abertura de uma auditoria por parte da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) — que veio a dar razão a Seguro Sanchez, tendo o relatório da referida auditoria sido enviado para o Ministério Público.

O Expresso revelou um ofício datado de 27 de março, uma semana após o início da obra, no qual Alberto Coelho informava o ministro João Gomes Cravinho de uma subida de 750 mil para 1,7 milhões de euros. Dias antes, a 21 de março, o então diretor-geral tinha informado Seguro Sanchez de que os trabalhos a mais deveriam oscilar entre 30% a 40%, informou o mesmo semanário na sua última edição.

O ministro João Gomes Cravinho viu "com elevada preocupação" todas as denúncias de irregularidades que lhe foram comunicadas pelo seu secretário de Estado Seguro Sanchez, determinou a abertura de uma auditoria e envio o relatório da auditoria para o Ministério Público. Mas mesmo assim promoveu e nomeou Alberto Coelho, o ex-diretor-geral sob suspeita de irregularidades graves, para presidente de uma empresa pública da área da Defesa.

Contudo, e apesar da “elevada preocupação” que o então ministro da Defesa fez questão de escrever no despacho de Seguro Sanchez datado de 22 de julho, e da decisão de enviar o relatório da auditoria da IGDN para o Ministério Público, Gomes Cravinho veio a promover Alberto Coelho, um ex-diretor-geral sob suspeitas graves, a presidente do Conselho de Administração da ETI – EMPORDEF Tecnologias de Informação, SA —, cargo público que Coelho desempenhou entre julho de 2021 e 31 de agosto de 2022.

Alberto Coelho, Paulo Branco, Francisco Marques e os empresários envolvidos no alegado esquema de corrupção (Manuel Sousa e Paulo Machado) foram detidos pela PJ a 6 de dezembro de 2022 e levados à presença de um juiz de instrução criminal. A partir do dia seguinte, João Gomes Cravinho ficou sob elevada pressão política.

Os arguidos detidos saíram em liberdade, mas os empresários Manuel Sousa e Paulo Machado foram obrigados a pagar uma caução de 200 mil euros. Já os ex-responsáveis do Ministério da Defesa Nacional ficaram proibidos de contactar entre si e com os restantes arguidos. O Tribunal Central de Instrução Criminal considerou comprovados os indícios de perigo de fuga, perigo de perturbação de inquérito e perigo de continuidade da atividade criminosa.

Alterada a citação original da informação divulgada pelo Expresso que consta do ponto 9. Acrescentadas as posições dos advogados de defesa de Paulo Branco e Francisco Marques às 23h10 do dia 29 de janeiro que, por lapso, não constavam do artigo original. 

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