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Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR
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Um mar de olival. Esta cultura ocupa 60% da área de regadio do Alqueva

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Um mar de olival. Esta cultura ocupa 60% da área de regadio do Alqueva

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

De elefante branco a maior reserva de água do país. Como o Alqueva mudou a paisagem e a agricultura

O Alqueva trouxe um mar verde de olival ao Alentejo e mais milhões à agricultura. Nem todos ganharam e há ataques à cultura intensiva. Mas também há produtores que valorizam o ambiente e ganham.

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Atualizado às 22h00 de segunda-feira com intervenção do Governo de Cavaco Silva na aprovação do projeto do Alqueva.

Chamaram-lhe um elefante branco que iria regar campos de golfe, foi visto com desconfiança por grandes proprietários e por algumas forças políticas, esteve décadas em discussão. Mas para os alentejanos era a tábua de salvação de uma região mais vulnerável à desertificação, de natureza e de gente. Passaram 20 anos desde que o grito escrito no paredão “construam-me porra” desapareceu quando a água do rio Guadiana começou a entrar para encher o maior lago artificial da Europa.

As imagens aéreas da zona da albufeira contrastam com o cenário a norte (e também a sul) de albufeiras esvaziadas e agricultores desesperados. O Alqueva estava no final de janeiro a 80% da sua capacidade, mas apesar de ser água suficiente para abastecer a agricultura por mais de dois anos, como tem afirmado o presidente da EDIA (Empresa de Desenvolvimento das Infraestruturas do Alqueva), não chega para todos.

“É um reservatório fantástico, o maior lago artificial da Europa, a maior reserva estratégica de água, mas não podemos pensar que é a solução para a seca à escala nacional. Primeiro porque o sistema de distribuição está limitado ali ao Alentejo central e ao baixo Alentejo e mesmo dentro destas duas regiões não chega a todo o lado. O sistema não chega e a água também não chegaria para servir outras regiões”, afirmou José Pedro Salema ao Observador, numa entrevista publicada a 2 de fevereiro.

Se a albufeira se estende por cinco concelhos — Portel, Moura, Mourão, Reguengos de Monsaraz e Alandroal –, os tubos subterrâneos levam a preciosa água a 20 concelhos. Está a ser executado um plano para expandir, mas a maior frequência de secas e a introdução de culturas mais consumidoras de água, como a amêndoa, podem interferir com esses planos.

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Em 20 anos o Alqueva mudou muita coisa. Sobretudo na agricultura e no rendimento dos que mais beneficiam diretamente dele, mas também o turismo e até o clima. O que mais se nota é a paisagem. Da planície das cearas amarelas com um sobreiro a marcar o contraste, passamos para a verdura ambivalente das culturas ditas intensivas. As árvores em fila (em sebe ou copa), de crescimento rápido e produção intensa, não agradam à vista, nem aos ambientalistas, que apontam o dedo à perda de biodiversidade, das aves aos peixes, passando até pelos mosquitos. Os agricultores que vivem da água do Alqueva contrariam. Há maus exemplos e excessos em todas as profissões e há um esforço cada vez maior para ser sustentável, até porque isso é bom para quem retira da terra.

A família Freire de Andrade é proprietária de várias herdades no concelho de Beja. “Esta terra está na nossa família [há quase 300 anos]. Não queremos destruir nada, queremos estar daqui a 20 anos a produzir”, afirma Joaquim Freire de Andrade quando confrontado com as práticas agrícolas agressivas. “Estamos a utilizar a natureza a nosso favor”, sublinha Madalena Freire de Andrade.

Os irmãos têm dez anos de diferença (ele 48 anos, ela 38) e interrompem-se nas respostas, mas a mensagem é, no essencial, a mesma. “Somos agricultores”, tal como os pais foram no passado, e “queremos valorizar a terra”. Uma terra que dava cereais no tempo dos pais, e que agora, pela aposta dos dois irmãos, ambos formados em gestão, centra-se no olival e, mais recentemente, no amendoal. As duas culturas de regadio cresceram com a água do Alqueva e convivem nos mais de 2.000 hectares de terra agrícola (alguma já comprada pela geração mais nova) com o montado tradicional (mais de 200 hectares) — e um sobreiro gigante de 400 anos — com o trigo, a vinha, associados a pastagens.

Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Madalena e Joaquim Freire de Andrade, os irmãos que exploram olival (e não só) no Monte da Faleira em Beja

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A conversa com o Observador aconteceu no Monte da Faleira, propriedade em Santa Clara de Louredo (concelho de Beja), um dia depois de assinalados os 20 anos do enchimento do Alqueva, a 8 de fevereiro. Joaquim traz a lição bem estudada, conhece os ataques ao olival intensivo e está preparado para os refutar. Pelo menos na sua propriedade que já abriu a visitas de várias pessoas, até ecologistas.

É uma cultura intensiva? Não, corrige, é “uma cultura moderna”. E porquê? “Tentamos juntar a agricultura com a ecologia e a sustentabilidade”, acrescenta Madalena, “contratámos consultores de biologia e ecologia”. Nem sempre foi assim, mas agora é cada vez mais até porque não é apenas sustentável. “É bom para a produção”.

Como juntar a ecologia e a produção intensiva (ou moderna)

Uma das medidas mais emblemáticas é a plantação de uma faixa de verdura rasteira, mas diversificada (com várias espécies e até algumas exóticas como a planta da mostarda) que separa as fileiras das oliveiras em forma de sebe. Chamam-lhe enrelvamento e o seu papel é ajudar a travar a erosão do solo — retendo humidade e nutrientes — e a controlar pragas. As plantas rasteiras também ajudam na polinização — por insetos (sobretudo abelhas) — que é um processo fundamental para a floração, que, por sua vez, é vital para as amendoeiras. É uma intervenção que se faz uma vez por ano, mas que compensa porque permite reduzir os custos com os herbicidas que, no ano passado, subiram mais de 70%.

O mais difícil de mudar na cultura do olival às vezes é mesmo, admite Joaquim Freire de Andrade, a cultura dos que lá trabalham há muito tempo, e que estavam habituados, por exemplo, a aproveitar a pulverização do herbicida usado nas árvores para acabar com as “plantas daninhas” que agora contam como biodiversidade.

Na propriedade, garante, também são mantidos os charcos mediterrânicos (bolsas temporárias de água que atraem grande biodiversidade). E há uma caixa para albergar morcegos (bem vindos porque comem insetos nocivos), uma colmeia de madeira improvisada e um alimentador de perdizes de onde caem alguns grãos de cereais: são chamados os hotspots de biodiversidade.

Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Exemplo do arrelvamento promovido no Monte das Faleiras

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Muitas vezes são pequenas alterações, aparentemente pouco visíveis. Mas o contraste para as propriedades que não as têm é evidente quando nos cruzamos com um amendoal intensivo de um outro proprietário no qual o terreno onde estão instaladas as árvores está nu, sem ervas em redor. É, mesmo assim, uma técnica agrícola que permite apanhar o fruto seco do chão e que não pode ter nada que sirva de obstáculo.

O olival representa 60% da área de regadio do Alqueva com quase 70 mil hectares. Foi um crescimento explosivo que aconteceu sobretudo nos últimos dez anos, diz ao Observador o diretor-geral da Olivum, Gonçalo Almeida Simões. Lançada em 2014, a associação conta com 115 associados entre produtores e proprietários de lagares e tem procurado limpar a imagem negativa que se colou ao setor, muito por causa de alguns (poucos diz) maus exemplos.

A generalidade dos produtores já percebeu que a biodiversidade é uma mais-valia para o olival, mas reconhece que foram cometidos erros como a apanha mecanizada noturna, suspensa devido ao efeito mortífero que tinha nas aves. Foram destruídos achados arqueológicos durante a reconversão para o olival, mas também foram descobertos 10 mil sites que passaram a ser protegidos, sublinha.

“Demagogia”: porque se chama intensivo ao olival e não à vinha

Capoulas Santos também alinha na crítica ao discurso demagógico contra o olival que representa uma pequena percentagem da área cultivada. “Porque se chama intensivo ao olival e não à vinha (que tem 200 mil hectares) ou à maçã de Alcobaça?”. A área do Alqueva é uma “área pequeníssima no contexto do Alentejo. É 5%”, desvaloriza o ex-ministro da Agricultura.

Inicialmente à boleia do modelo espanhol, testado com sucesso na zona de Badajoz, o crescimento do olival envolveu a mudança do padrão de uma agricultura familiar e tradicional para uma exploração de tipo empresarial. É isso que explica um sucesso que respondeu à procura do mercado internacional. O diretor-geral da Olivum refere que, ao combinar o regadio com as grandes propriedades que trazem escala, o Alqueva potenciou a rentabilidade.

Um estudo de 2020 desenvolvido pela EDIA aponta um saldo positivo na balança de transações do olival de 250 milhões de euros (ano de 2017). Indica a mesma fonte que o rendimento bruto da atividade mais do que triplicou no prazo de oito anos. O impacto no emprego foi estimado em 9.600 empregos brutos associados aos 60 mil hectares desta cultura do Alqueva, o equivalente a 16 pessoas por 100 hectares, números que incluem o setor dos lagares. Já um estudo realizado em 2016 pela Augusto Mateus e Associados para a EDIA estimou impactos da ordem dos 500 milhões de euros por ano, dividido pela agricultura (cerca de metade), agroindústria, turismo e energia.

Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Vista aérea da central de bombagem dos Álamos que transporta da água da albufeira para o sistema de regadio

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Outra fonte, um relatório promovido pela assembleia municipal de Beja sobre a intensificação da agricultura provocada pelo Alqueva, pinta de outra forma o impacto desta cultura. Não obstante as dinâmicas de crescimento que se verificam no concelho, o desenvolvimento não chega a todos, ou seja, não é equitativo.

O presidente da EDIA, José Pedro Salema, reconheceu em entrevista ao Observador que os ganhos do Alqueva “não chegaram a todos os alentejanos. Houve alguns a quem saiu um totoloto que foi os que foram beneficiados. O sistema não chega a todos. E não poderá chegar a todos. E quem fica do lado de fora da área beneficiada fica sempre revoltado. É normal”. José Pedro Salema salientou que, desde o arranque do Alqueva, procurou-se incluir a pequena propriedade, existindo atualmente 25 mil hectares deste tipo. Mas também admite que, nestas, a dinâmica não é tão grande, tornando mais difícil a compra pelos investidores internacionais de parcelas com apenas quatro ou cinco hectares.

Tudo aconteceu muito depressa

Críticos e defensores do olival intensivo concordam numa coisa. Tudo aconteceu muito depressa, sobretudo a partir de 2014 e 2015 após a crise financeira, quando os fundos de investimento começaram a procurar alternativas aos mercados financeiros e descobriram o Alqueva. Gonçalo Almeida Simões indica que nos últimos anos “chegaram grandes grupos e nos últimos anos investidores estrangeiros associados a fundos de investimento. Isso é uma novidade”. Os portugueses ainda são os principais proprietários (e investidores), os espanhóis têm quase 40% e depois surgem outras nacionalidades.

Portugal é atualmente o sexto maior produtor de azeite mundial e o quarto principal exportador e o ano de 2021 foi de produção recorde no setor, muito à boleia da maior produtividade trazida pelo regadio (um cenário que não se vai repetir este ano, provavelmente). A mesma dinâmica está a acontecer no amendoal que é a cultura com maior taxa de crescimento no Alqueva.

Os frutos secos ocupam já quase 20 mil hectares e, em alguns casos, há produtores de oliveira que estão a converter partes da sua produção em amendoal para o qual continuam a existir apoios públicos. A moda da amêndoa responde à procura do mercado internacional alimentada pela travagem do maior produtor, os Estados Unidos da América. “Demonstra que hoje o setor agroalimentar reage mais depressa aos estímulos do que há uns anos”, sublinha o diretor-geral da Olivum.

Os frutos secos são um mercado mais atrativo porque têm mais utilizações do que a azeitona, desde o chocolate e cereais ao leite a à cosmética. Mas também é uma cultura que consome mais água que o olival, uma vez e meia.

A viragem de alguns produtores para a amêndoa também é uma reação à decisão de 2019 do então ministro da Agricultura de colocar um travão ao olival, suspendendo apoios públicos a novas plantações. Capoulas Santos justifica ao Observador a decisão que tomou. Não podia proibir culturas, porque estamos numa economia de mercado, mas, tendo em conta a dimensão do olival, “entendi que não fazia sentido o Estado apoiar os investidores nessa área”, e que fazia sentido, pelo contrário, direcioná-los para outras culturas.

 

Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Gonçalo Almeida Simões, diretor-geral da associação Olivum, acredita que o Alqueva potenciou a rentabilidade agrícola

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Segundo Gonçalo Almeida Simões, o travão ao olival seria temporário até à conclusão de uma avaliação que demorou mais tempo do que o previsto e que, apesar de já concluída há um ano, ainda não reverteu a decisão. O estudo coordenado pela EDIA sobre a sustentabilidade da expansão do olival e os seus efeitos no ambiente conclui que o impacto do olival não é diferente do de outras culturas intensivas do ponto de vista dos solos e da diversidade. No entanto, admite que há uma perceção pública negativa das grandes manchas contíguas desta cultura que atribui sobretudo “à grande pressão paisagística que origina e à mudança face à tradicional paisagem alentejana”. Essa perceção resulta mais da transformação da cultura de sequeiro em regadio do que propriamente de aspetos específicos do olival.

O estudo reconhece ainda que o conhecimento de casos pontuais de olivais que não seguiram as melhores práticas ou até onde o cumprimento total da legislação não foi acautelado são situações “que estão referenciadas e que têm sido muitas vezes utilizadas como representativas da situação geral do olival na área do Alqueva”.

O documento concluído em novembro de 2020 aponta ainda para a existência de lacunas na identificação e quantificação dos impactos da instalação do olival ao nível da fauna, flora, solo e águas subterrâneas, mas defende que pode ser desenvolvido de forma sustentável e ecologicamente positiva e “é, a par de “outros sistemas culturais de sequeiro e regadio, fulcral no combate à desertificação, criando uma barreira verde permanente e interanual a sul do Tejo e cobrindo uma vasta área”, para além de captar grandes quantidades de CO2.

O “agro-negócio” e a rapidez que dificultou a fiscalização dos excessos

À frente de um conjunto de propriedades com mais de 2.000 hectares na região de Beja, a família Freire de Andrade vende o azeite processado em lagares a vários grupos industriais. Portugueses e internacionais. E insistem que são agricultores.

Não é essa a visão do lado dos ambientalistas. José Paulo Martins, da associação ambientalista Zero, considera que o espaço rural passou a ser visto como “uma fábrica de azeitona”. Basta olhar para as imagens aéreas. “Não é o agricultor. É o agronegócio, são os bancos, é a financeirização”. E o custo dos terrenos disparou para 20 mil euros por hectare. É um modelo de negócio que precisa de água (muita) e que não está ao alcance dos pequenos produtores. É preciso capacidade financeira, investimento e terra.

Reportagem sobre a influência da Barragem do Alqueva na agricultura do Alentejo. Reportagem sobre um olival de produção intensiva perto da Beja. Alqueva, Beja, 10 de fevereiro de 2022. JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Extensão do olival regado pelo Alqueva

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Residente em Beja, acompanha o Alqueva desde 1992, quando ainda não se sabia onde ia ser erguido o paredão. E defende que os impactos terão sido mal avaliados logo desde o início. Quando foi feito o estudo de impacte ambiental em 1995, ainda havia pouca experiência em Portugal destes procedimentos. Não foram estudados impactos cumulativos na zona estuarina que incorporassem o que se estava a passar com as barragens já instaladas em Espanha. Só depois é que foram estudados os sedimentos que passaram a chegar à costa.

O responsável da Zero refere ainda que “foi tudo muito rápido, os autarcas não estavam preparados”. E as autoridades locais e nacionais, como o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas nem sempre atuou, dando como exemplo a plantação de olival intensivo mesmo na zona de proteção especial do Guadiana, sem respeito pelos limites. E quando houve o alerta, , diz José Paulo Martins, a solução foi alterar esses limites para passarem a estar do lado de fora. “Onze hectares não não são um quintal e estiveram lá vários anos. Toda a gente via, mas há muito fechar de olhos.”

A rapidez terá contribuído para os excessos de alguns produtores e para os problemas denunciados pelas organizações ambientais. A lista vai desde a substituição do olival tradicional pelo intensivo (com impactos negativos na biodiversidade) até à destruição de charcos temporários e linhas de água, passando pela “industrialização” de terreno de cultivo, eliminando barreiras à progressão das máquinas e o uso mais intenso de herbicidas e o erguer dos camalhões (elevações de terra onde ficam plantadas as árvores e que facilitam a irrigação) que, segundo os ambientalistas, contribuem para aumentar a erosão dos solos.

O relatório elaborado para a assembleia municipal de Beja indica igualmente “insuficiências de atuação” e limitações na aplicação de enquadramentos que “se refletem na ausência de acompanhamento e fiscalização de operações com impactes no ordenamento de todo o território”.

Desenvolvimento económico não trouxe mais população

O referido relatório destaca por outro lado, uma perceção: “Os paradigmas de crescimento económico seguidos não refletem, de modo expressivo, sinais evidentes que contribuam para contrariar a tendência de decréscimo demográfico e, deste modo, o território, enquanto sujeito de desenvolvimento, acaba por ainda não dispor de condições para atrair novos residentes”. Mesmo nos territórios que beneficiaram da discriminação positiva do empreendimento do Alqueva “não se registam dinâmicas para reduzir as disparidades geográficas. Esta realidade vem, provavelmente, demonstrar que os mecanismos de política adotados não se têm revelado adequados para inverter tendências estruturantes”.

Estas visões parecem ser confirmadas pela evolução demográfica registada nos últimos anos nos concelhos mais diretamente beneficiados pelo Alqueva. De acordo com os dados provisórios do Censos de 2021, em dez anos (desde 2011) todos concelhos com impacto direto do empreendimento sofreram perdas de população que variam entre os 4% de Aljustrel e os 21,5% de Barrancos, com os do interior a serem mais penalizados do que os do litoral ou nos casos de Beja e Évora em que a perda de população foi menor.

A agricultura moderna tem permitido que alguns quadros qualificados da região fiquem a residir nela depois de concluírem a formação, mas a criação de emprego acabou por não ser significativa também por causa do tipo de culturas com elevado recurso à mecanização, o que aliás é uma tendência que acompanha a modernização da agricultura.

Apesar de nenhuma força política ser assumidamente contra o Alqueva, Capoulas Santos nota nos últimos dez anos uma evolução “curiosa” na posição dos comunistas. Passaram de grande entusiastas do projeto quando se imaginava que o regadio de cereais e hortícolas traria “exércitos de proletários” para críticos das explorações intensiva (moderna) em que numa hora e com máquinas se faz aquilo que um rancho de 100 mulheres demoram um dia a fazer.

Para o ex-ministro da Agricultura, há um combate político no Alentejo que também contaminou o discurso de grupos ambientalistas e que parte muito do PCP. “Quando viram que as explorações enveredaram pelo caminho empresarial e de agricultura competitiva perceberam que fugiu ao seu domínio, em vez de promoverem um campesinato mexicano. Passaram a usar o argumento político para combater o modelo de sociedade.”

Luis Capoulas Santos, ex-ministro da Agricultura, lembra o ceticismo que havia antes da construção avançar e que agora, diz, está ultrapassado

João Pedro Morais/Observador

Capoulas Santos, alentejano e ministro da Agricultura por duas vezes (entre 1998 e 2002 e entre 2015 e 2019), fez parte do Governo que deu, diz, o passo decisivo para construir o Alqueva, no tempo de António Guterres. Em declarações ao Observador, Capoulas Santos elogia o colega João Cravinho que, à frente da pasta do Planeamento, chegou a defender que o país estava pronto para avançar com o Alqueva mesmo sem fundos comunitários. A posição oficial é que sem um cheque de Bruxelas não haveria dinheiro para o investimento e o Alqueva era um animal estranho para os tecnocratas europeus que foi preciso convencer numa “negociação dificílima”. Para o comentador e jornalista Miguel Sousa Tavares, o projeto era “um elefante branco” que ia servir para “regar campos de golfe”, lembra o antigo ministro. “Não conheço nenhum campo de golfe regado pelo Alqueva”.

Intervenção do Governo de Cavaco Silva na aprovação do Alqueva

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No livro “Uma experiência de social-democracia moderna”, o ex-Presidente e antigo primeiro-ministro Cavaco Silva, conta como o seu Governo aprovou a criação da EDIA com o objetivo de promover a construção e exploração do Alqueva. Indica também que o seu último Governo aprovou uma dotação de 94 milhões de contos para desenvolver o projeto, tendo promovido em 1995 o estudo de impacte ambiental sobre o empreendimento. “Ao completar o meu mandato como primeiro-ministro em 1995, estava certo de que o futuro Governo não podia deixar de dar seguimento  à concretização do empreendimento de fins múltiplos do Alqueva. Foi o que aconteceu”.

"Uma experiência de social-democracia moderna" de Aníbal Cavaco Silva

Também havia o ceticismo das consultoras que não acreditavam que iria haver culturas lucrativas e de alguma direita — Capoulas Santos lembra uma visita do então primeiro-ministro Cavaco Silva a Reguengos. Quando lhe pediram para construir o Alqueva, lembrou que o dinheiro que custaria dava para construir escolas e hospitais. Os grandes produtores de cereais também desconfiavam do regadio, uma cultura que exige mais mão de obra ou mais tecnologia e know-how, mas também mais risco, o rendimento não está garantido pelos subsídios, depende do mercado. E até vozes respeitadas como a de Gonçalo Ribeiro Teles, pioneiro da defesa do ambiente em Portugal, que defendia a construção de pequenas barragens em vez de uma grande com o argumento de que nunca encheria.

Encheu três vezes e hoje provou que é melhor solução para o aprovisionamento num clima em mudança em que chove cada vez menos, mas de forma mais concentrada e intensa que só uma grande capacidade de retenção pode impedir a água de se perder escorrer para o mar.

Mas é claro que “não há atividade agrícola sem impacto ambiental negativo”, reconhece o antigo ministro da Agricultura. É preciso compatibilizar a necessidade de produzir com a de defender o ambiente e a sustentabilidade. É  um desafio difícil, mas hoje temos instrumentos mais sofisticados para lidar com ele. Capoulas Santos dá um exemplo: antes a chuva arrastava os produtos químicos utilizados nas cearas. A rega gota a gota usada no olival não faz isso.

Quando olhamos para o gasto de água, o olival, sublinha, é muito mais eficiente do que o milho e outras culturas tradicionais que gastam mais água. E tem sido por isso que a água do Alqueva está a esticar face às previsões originais de área de regadio e que permitiu avançar com uma nova fase de expansão para mais 50 mil hectares a juntar aos 120 mil.

Apesar de a EDIA não estar para já a impor restrições ao uso da água (nem as previa segundo entrevista dada pelo presidente ao Observador no início de fevereiro), mesmo as culturas regadas estão a sofrer os efeitos da seca.

O produtor Joaquim Freire de Andrade explica que já está a usar a água da rega, quando normalmente neste período do ano a chuva seria suficiente. Os charcos e albufeiras na propriedade revelam aliás a ausência de chuva que também penaliza o crescimento das plantas. A humidade só chega à raiz e não à copa, nem à folha, isso não é bom para a produção, diz.

Em 2017 Capoulas Santos foi o responsável por uma revisão do tarifário que permitiu baixar a fatura para quem entrava no regadio, acelerando o crescimento do olival. Agora o presidente da EDIA pede um aumento dos preços que acomode a subida do custo da eletricidade que a empresa compra para alimentar as bombas que elevam a água para o regadio. O ex-ministro da Agricultura admite agora que “provavelmente” o preço da água terá de subir, mas cabe aos decisores políticos (e ao próximo Governo) tomar essa decisão muito difícil numa altura em que todos os custos de produção estão a subir e os agricultores estão desesperados com a falta de chuva (que por sua vez traz a necessidade de mais água).

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