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Entrevista para o programa "sob-escuta" da rádio observador ao presidente da Edia, José Pedro Salema, a propósito dos 20 anos do enchimento do Alqueva. 2 de Fevereiro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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José Pedro Salema, presidente da EDIA, já terminou o mandato no final de 2020

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

José Pedro Salema, presidente da EDIA, já terminou o mandato no final de 2020

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Presidente da EDIA: "É inevitável refletir a subida da eletricidade no preço da água"

Preço da água do Alqueva para regadio deve subir. José Pedro Salema, presidente da EDIA, já fez saber ao Governo de necessidade para compensar a subida da eletricidade cujo custo duplicou em um ano.

Com as barragens muito abaixo do nível médio, o Alqueva é uma das exceções. Está a 80% da capacidade, um nível que dá o conforto de poder responder às necessidades dos próximos dois anos e meio. O maior lago artificial da Europa não chega para resolver o problema do país, mas está a ajudar a mitigar a falta de água no  Alentejo e é provável que tenha de fornecer água a mais barragens, para rega e consumo humano, diz o presidente da EDIA (Empresa de Desenvolvimento de Infraestruturas do Alqueva).

Em entrevista ao Observador, José Pedro Salema revela que a subida do preço da eletricidade é um problema por resolver para empresa que é o maior consumidor público de energia. A EDIA já avisou o Governo que é preciso refletir a subida no preço da água que vende para rega, para não ficar “com um buraco nas contas”, mas a decisão é política e, admite, difícil de tomar no contexto de seca. Presidente da EDIA desde 2013, José Pedro Salema contesta algumas das críticas ao impacto do Alqueva, apesar de reconhecer que a “alguns saiu o totoloto” e que quem ficou de fora “fica revoltado”. Sobre a expansão das amendoeiras, porque precisam de mais água, pode ser necessário mais prudência. Mas quem escolhe as culturas são os produtores e há cada vez mais estrangeiros a investir no Alqueva.

Ouça aqui a entrevista.

Alqueva tem água suficiente para mais de 2 anos

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Voltou-se a falar muito do Alqueva nestes dias por causa da seca. O Alqueva como reserva de água pode ter um papel nacional nas soluções para este problema ou a sua influência é mais regional? Até onde é que vai o raio de ação do Alqueva?
O Alqueva é um reservatório fantástico, o maior lago artificial da Europa, a maior reserva estratégica de água, mas não podemos pensar que é a solução para a seca à escala nacional. Primeiro porque o sistema de distribuição está limitado ao Alentejo central e ao baixo Alentejo e mesmo dentro destas duas regiões não chega a todo o lado. O sistema não chega e a água também não chegaria para servir outras regiões. Portanto está dimensionado para servir aquelas áreas que estão infraestruturadas e algumas mais que estão planeadas, mas não muito mais do que isso.

Mas nessa área qual é o papel do Alqueva em situação de seca?
Hoje é inquestionável o valor que Alqueva tem na garantia do abastecimento, portanto aquelas situações que nós tínhamos de carência extrema seja para as populações em primeiro lugar, com o abastecimento de autotanques a vilas e localidades, seja para o gado. Todas aquelas situações dramáticas que vivíamos há uns anos desapareceram por causa da garantia que Alqueva dá. Mas não chega a todo o lado. Não consegue regar o Alentejo todo. A maior parte da área do Alentejo, cerca de 90%, vai continuar a ser sequeiro. Também temos de trabalhar para melhorar os rendimentos e as oportunidades no sequeiro. Mas o Alqueva rega uma parte significativa do regadio público nacional. E esta área tem um impacto muito significativo na geração de riqueza, na criação de emprego, de riqueza, no PIB. O regadio consegue produzir, por unidade de área, 10-15 vezes mais valor do que o sequeiro.

Entrevista para o programa "sob-escuta" da rádio observador ao presidente da Edia, José Pedro Salema, a propósito dos 20 anos do enchimento do Alqueva. 2 de Fevereiro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

José Pedro Salema diz que o Alqueva pode ser usado para abastecer até 250 mil pessoas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Estamos com um problema de falta de água desde o início do ano, o que significa, provavelmente, que os produtores já estão a pedir mais água ao Alqueva. Quantas barragens é que o Alqueva está já a abastecer para garantir que essa água chega onde é necessária?
O sistema serve diretamente 120 mil hectares de áreas regadas e está ligado a um conjunto de perímetros que nós chamamos confinantes, portanto são os vizinhos que já funcionavam antes de Alqueva, mas que tinham problemas crónicos de fornecimento. Estou a pensar no Roxo, em Odivelas, na Vigia, que tinham as suas áreas de regadio, mas, porque as albufeiras não tinham muita capacidade de regularização, tinham problemas de abastecimento. Desde há duas semanas que já começámos a fornecer água ao sistema do Roxo. Se tudo continuar como até agora [sem precipitações significativas], o Roxo vai depender a 100% do fornecimento de Alqueva, mas em 2022 vai conseguir fazer uma campanha normal, porque está ligado ao Alqueva, porque se não estivesse pura e simplesmente não existia.

Isso pode acontecer com outras barragens secundárias?
Claramente. Uma que está muitas vezes nas notícias é a do Monte da Rocha, porque é um ponto importante para o abastecimento público no baixo Alentejo, ao concelho de Ourique, nomeadamente. Não está ligada, está muito mal e vai continuar nesta situação difícil. A ligação está prevista e estamos neste momento a preparar a candidatura para encontrar o financiamento.

Ainda não tem o financiamento garantido?
Está previsto no programa nacional de regadios, mas isto funciona por candidatura e, portanto, tem que haver um aviso, que neste momento está aberto. Estamos a preparar a candidatura, que tem de ser aprovada e depois teremos o contrato de financiamento. Há ainda o Enxoé que é um sistema de abastecimento público que também tem dependido muito do Alqueva.

Estamos a falar de sistemas que não são apenas usados para a rega, são também usados para abastecimento humano. O Alqueva já está a ajudar outras barragens para o abastecimento de água para uso humano, para além de agrícola?
As duas, sem dúvida. E no abastecimento público temos também o Alvito, uma das outras barragens importantes onde há regadio, mas onde há também abastecimento público. O reforço ao abastecimento público serve de garantia, num ano de seca, de que os sistemas de abastecimento às populações não entram em colapso. O Alqueva pode assegurar o abastecimento a 250 mil pessoas.

Mas tem ideia deste ano de quanto é que mais de água está a ser pedida face ao ano anterior, que não foi de seca?
O pedido é fundamentalmente concentrado no semestre seco. Se tivermos uma primavera ou um inverno chuvoso, o segundo trimestre não vai gastar praticamente água porque as reservas no solo são suficientes. No terceiro trimestre, o consumo é mais ou menos igual, porque não há chuva e as reservas do solo já não existem. O que muda o consumo global? Os sistemas confinantes. Se estes precisam de 100% do nosso abastecimento, claro que o consumo global vai aumentar muito. O ano passado precisaram pouco, entregámos 40 milhões de metros cúbicos aos sistemas confinantes. Há três anos tínhamos entregado 100 milhões,.

Nesta altura é difícil prever se vai haver um maior consumo nesse trimestre, não é?
Não há muitas culturas que precisam de água em fevereiro. As pastagens permanentes nomeadamente é que podem precisar de estar a ser regadas agora.

Barragem do Alqueva está com 80% da capacidade com água

Pode vir a ser solicitado ao Alqueva medidas de contenção de utilização da água?
Pode e estão previstas. Temos um plano de contingência onde definimos quais são as medidas que devemos implementar em função do armazenamento e da precipitação de cada ano. E hoje não estamos numa situação crítica, muito longe disso, estamos numa situação de grande conforto, porque a barragem está perto dos 80% de capacidade. E portanto com 80% mesmo que se não houvesse uma gota no resto do ano e todas as linhas de águas secassem, o que não é possível acontecer, teríamos a água para dois anos e meio, mesmo com regadio público pleno.

"Nós hoje estamos confortáveis e a viver com a água que caiu em fevereiro de 2021. Se não tivesses uma grande barragem, uma grande capacidade de regularização para encaixar essas cheias que, numa barragem mais pequena, teriam ido para o mar. Nós encaixamos essa água e agora podemos confortavelmente viver por dois anos".
José Pedro Salema, presidente da EDIA

Referiu que o Alqueva está em 80%. Como é que se explica que o Alqueva e o Guadiana estejam a resistir melhor do que bacias mais a norte?
É por causa da grande capacidade de regularização. A força de Alqueva vê-se nestes momentos. E se calhar é bom relembrar uma polémica que tínhamos há décadas, antes da construção da barragem, em que houve muita discussão se o Alqueva devia ser tão grande…

Que devia haver muitas barragens pequenas…
E até houve um movimento que contestava o nível da grande barragem, que não devia chegar à cota 152, como é hoje. Era o movimento cota 139 que defendia que o Alqueva devia ser mais pequeno para que os impactos fossem menores. Mas se tivesse acontecido, não conseguimos estar na situação a que estamos. Hoje estamos bem porque em fevereiro de 2021 choveu duas vezes o que era normal. E tinha chovido mais ou menos bem no final de 2020. Os solos estavam húmidos e depois veio fevereiro em que choveu o dobro. E nesse mês a barragem de Alqueva encaixou mil milhões de metros cúbicos. É o volume inteiro de Castelo de Bode, a grande barragem que abastece Lisboa. E é água suficiente para dois anos. Nós hoje estamos confortáveis e a viver com a água que caiu em fevereiro de 2021. Se não tivéssemos uma grande barragem, uma grande capacidade de regularização para encaixar, essas cheias teriam ido para o mar. Nós encaixamos essa água e agora podemos confortavelmente viver por dois anos.

Quantas vezes é que o Alqueva atingiu a cota máxima?
Quatro vezes em 20 anos. Em 2010, 2013, 2014 e 2018 esteve muito perto.

Mas com as alterações climáticas dificilmente voltará a encher….
Não acredito muito nisso. Não podemos pensar que o ciclo da água parou. O ciclo da água continua a funcionar. Há precipitação no planeta, muita, mas há desequilíbrios regionais. Estamos a falar em secas, mas há notícias de cheias em outras partes do planeta. Elas vão chegar. Ainda há poucos meses em setembro de 2021 tivemos um mês excecionalmente cheio. A barragem de Pedrógão descarregou há quatro meses. A chuva vai chegar, e quando chegar vai ser de forma mais intempestiva e concentrada. E para isso as barragens funcionam perfeitamente. É muito mau para o armazenamento no solo, mas é muito bom para as barragens porque vai gerar mais vazamento e a barragem vai reter essa água.

Plano de expansão tem de ser estudado

A perspetiva das alterações climáticas e de menos chuva não pode então comprometer o plano de expansão do regadio? Qual é o ponto de situação da execução desse plano?
Temos algum grau de confiança no planeamento que temos. Observamos com muita atenção os registos, tentamos atualizar as previsões. Há um estudo da APA (Agência Portuguesa do Ambiente) sobre disponibilidades hídricas e que mostra que há uma redução em torno dos 20% nas disponibilidades hídricas nacionais. Mas com essa redução, Alqueva vive bem, tem folga para aguentar. Não é uma redução para zero ou 10%. Uma redução de 20%-25% nas afluências médias consegue ainda manter o pleno abastecimento.

E cumprir o plano de expansão aprovado em 2018 que prevê mais 50 mil hectares…
Sim. Avançamos com quatro empreitadas que estão prontas e entrarão em operação na campanha de 2022. Estamos a falar dos blocos de Évora, Cuba/Odivelas, Viana do Alentejo e a ligação ao sistema de abastecimento a Sines. Com estas quatro novas obras entram 10 mil hectares. Estamos a preparar as candidaturas para outras quatro empreitadas. Estou a falar da Póvoa/Amareleja, Reguengos de Monsaraz, Vidigueira e Messejana com ligação ao Monte da Rocha. E nestas quatro ficarão mais 20 mil hectares. Se faremos a restante expansão, a que foi aprovada há uns anos, vai depender….

Depende do quê?
Vai depender da decisão política. De alocar recursos a estes investimentos e da análise da adesão e ocupação real que temos em Alqueva. O cenário que idealizamos há cinco anos tem vindo a alterar-se no sentido da instalação de culturas mais consumidoras (de água). Se calhar a prudência recomenda a que não se faça tanta expansão, nomeadamente por causa da amêndoa.

"O cenário que idealizamos há cinco anos tem vindo a alterar-se no sentido da instalação de culturas mais consumidoras (de água). Se calhar a prudência recomenda a que não se faça tanta expansão, nomeadamente por causa da amêndoa".
José Pedro Salema, presidente da EDIA

Quanto será tomada a decisão?
Pode ser decidido eventualmente no âmbito do Programa Nacional de Regadios. Mas o Governo tem latitude para encontrar outros instrumentos de financiamento para além do PDR que sabemos está a ser preparado com o plano estratégico da PAC. Há verbas alocadas ao regadio no PRR, nomeadamente no Pisão/Crato e no programa de eficiência hídrica no Algarve. E podemos encontrar financiamento bancário em entidades multilaterais para fazer estas obras.

Olival e amendoal dominam área de influência do Alqueva. Amendoal consome mais água

Referiu que estão a crescer as culturas com maior consumo de água. O olival e o amendoal. Acha que é viável apostar em produções que precisam de tanta água? Ou isso deve ser repensado em função das alterações climáticas?
Temos um sistema em Portugal em que o Estado não determina as culturas que os privados fazem. Um privado pode instalar um pessegueiro, uma oliveira ou uma couve ou alface sem pedir autorização ao Estado.

Mas estamos a falar de um sistema de regadio público.
As regras dizem que dentro de um perímetro o regadio é obrigatório. O proprietário tem de pagar uma taxa de conservação, quer use a água ou não. Só temos duas culturas limitadas em Portugal, a vinha para vinho e as culturas de produção de droga, substâncias ativas medicinais. Essas precisam de licença. As outras podem ser instaladas sem qualquer restrição. Há o somatório de um conjunto de decisões de agricultores e produtores que tomaram as melhores decisões em função da análise do risco, da produção e da rentabilidade que a cultura é capaz de gerar. O olival tem sucesso porque apresenta uma relação risco/rendimento muito interessante. A amêndoa tem um pouco mais de risco, mas um pouco mais de rendimento. Esta geração de empresários mais ousados ambiciona ter rendimentos superiores e aposta nas culturas com maiores rendimentos. Desejavelmente deveríamos só ter culturas com baixo consumo de água para chegar a mais beneficiários, mas é complicado chegar a um equilíbrio nessa distribuição.

Entrevista para o programa "sob-escuta" da rádio observador ao presidente da Edia, José Pedro Salema, a propósito dos 20 anos do enchimento do Alqueva. 2 de Fevereiro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O presidente da EDIA defende que o preço da água deve reflectir a evolução da eletricidade, um grande custo para a empresa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Outra forma de controlar o uso da água é através do preço. Quando foi a última vez que o preço foi aumentado?
O preço foi alterado em 2017 e foi para baixo e não para cima.

Mas deveria agora ser aumentado?
Acho que ele tem de sofrer uma alteração fruto dos preços que estamos a verificar na eletricidade. Hoje a EDIA começa a suportar a partir do início de 2022 um preço muito muito mais elevado do que tínhamos no ano passado e este é um encargo determinante na nossa estrutura de custos. E portanto é inevitável refletir isto no preço, sob pena de ter um buraco nas contas.

Já avançou com essa proposta de aumento de preço para este ano?
Está em estudo.

Depende da aprovação do Governo?
Certo. De acordo com a Lei, o tarifário do EFMA (Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva) é definido por despacho do ministro das Finanças, do Ambiente e Agricultura.

E propôs quanto de aumento?
O que nós idealizamos é uma fórmula que seja dependente do preço verificado na eletricidade, de modo a poder ajustar dinamicamente os preços em função do que verificamos no mercado da eletricidade e mostrar que o preço da água é de facto uma função direta do preço da eletricidade.

Se fosse aplicada essa fórmula neste momento qual seria o aumento de preço?
Seria muito significativo, porque o preço da eletricidade também foi muito significativo.

Pode dar uma ordem de grandeza?
Posso dizer que a eletricidade dobrou de preço. E portanto não é dobrar o preço da água, mas é quase.

É uma decisão difícil de tomar neste contexto em que os produtores estão a precisar de mais água?
Sem dúvida. Sem dúvida. É sempre uma decisão difícil, sempre que temos de aumentar custos é sempre decisão difícil, e então uma decisão que é definida politicamente.

Portanto, não havia condições de aumentar o preço antes das eleições?
Terá de perguntar ao Governo.

Mas a proposta foi feita ainda no ano passado?
A EDIA alertou para esta situação e tem vindo a passar essa informação para a tutela.

(Aumentar o preço da água) "É sempre uma decisão difícil, sempre que temos de aumentar custos é sempre decisão difícil, e então uma decisão que é definida politicamente".
José Pedro Salema, presidente da EDIA

Quando se fala de regadio e do uso da água a dimensão das perdas é significativa. Isso acontece no Alqueva?
Alqueva é uma exceção no panorama nacional porque tem uma rede muito moderna com aquilo que melhor existe na distribuição de água. Toda a água que chega aos nossos clientes é entregue num tubo fechado com contador, à semelhança do que temos em nossas casas. E isto contrasta com sistemas projetados no século XX, em que a adução era feita em canal e que precisávamos de abrir umas portinholas para escorrer a água para os campos. Esses sistemas têm eficiências muito baixas e precisam que o canal esteja cheio para funcionar. No fim do canal, a água perde-se. O Alqueva não tem isso e o nível de perdas global é muito baixo e depende apenas dos reservatórios abertos.

Portanto, na verdade, não há perda porque o Alqueva é mais recente?
Exatamente. Agora, não estou a contabilizar nessa eficiência a grande perda que é a evaporação do lago de Alqueva. Essa não é possível reduzir. Podemos imaginar estruturas de cobertura, mas estamos a falar de 25 mil hectares, é uma área gigante. Não há viabilidade económica.

Há fundos de investimento a chegarem ao Alqueva

Há um estudo de 2016 de Augusto Mateus & Associados, feito para a EDIA, que aponta impactos muitos positivos do Alqueva a nível económico. Mas uma avaliação recente promovida pela assembleia municipal de Beja considera que a dinâmica de crescimento não chegou a todos. Onde ficaram os milhões gerados?
O estudo analisou a fase de construção onde os impactos são mais positivos, porque faz mexer a economia com muitos trabalhadores, com muitos fornecimentos de materiais, etc, mas aquilo que me importa mais é o impacto da fase de operação. Os números globais para a fase de operação em cruzeiro apontam para qualquer coisa como 250 milhões na agricultura direta, uns 80 milhões na agroindústria, uns 40 ou 50 milhões no turismo e uns 40 ou 50 milhões na energia. Estamos a falar de perto de 500 milhões por ano. É óbvio que não chegaram a todos os alentejanos. Houve alguns a quem saiu um totoloto que foi os que foram beneficiados. O sistema não chega a todos. E não poderá chegar a todos. E quem fica do lado de fora, quem fica fora da área beneficiada fica sempre revoltado, é normal. Eu acho que a crítica é por essa assimetria.

O benefício foi para grandes agricultores e grandes empresários?
Não é verdade. Houve uma decisão de há quase 20 anos de beneficiar também a pequena propriedade. E Alqueva tem 25 mil hectares de áreas de pequena propriedade. O que acontece é que nessa pequena propriedade, a dinâmica não é tão grande, não é tão fácil que cheguem os investidores externos que queiram comprar parcelas de quatro ou cinco hectares e temos uma taxa de adesão menor. Acontece que chegaram, de facto, grandes grupos e nos últimos anos… investidores estrangeiros associados a fundos de investimento. Isso é uma novidade.

"Estamos a falar de perto de 500 milhões por ano (impacto económco). É óbvio que não chega a todos os alentejanos. Houve alguns a quem saiu um totoloto que foi os que foram beneficiados. O sistema não chega a todos. E não poderá chegar a todos. E quem fica do lado de fora da área beneficiada fica sempre revoltado, é normal. Eu acho que a crítica é por essa assimetria".
José Pedro Salema, presidente da EDIA

Não estamos apenas a falar dos espanhóis do outro lado da fronteira?
Não é só um agricultor que vem do outro lado e que vem continuar a ser agricultor deste lado. É, por exemplo, fundo de pensões norte-americanos.

Esses fundos investem em que tipo de culturas? Compram empresas que já existem? Investem diretamente?
Houve aquilo a que se chama agricultura do zero e também transações de empresas já em operação. Há de tudo. Ainda há pouco houve uma grande transação de um grupo estrangeiro que comprou outra estrutura de um grupo português. Não há propriamente muitas áreas para reconversão, para a instalação do zero, mas há  ainda negócios que vão continuar a acontecer.

Não sabemos o que é que teria acontecido se Alqueva não tivesse existido, mas parece que ao nível do emprego as expectativas ficaram abaixo daquilo que inicialmente se previa… Concorda com esta conclusão do estudo pedido pela assembleia municipal de Beja?
Não concordo. Sou muito mais otimista. Basta visitar as aldeias, as cidades que estão fora da mancha de regadio, ver o movimento e comparar com as aldeias dentro da mancha de regadio. É o dia da noite. Nós temos tráfego de carros, camiões nas áreas de regadio e esses camiões representam economia, representam emprego. E os agricultores que procuram mão de obra têm imensa dificuldade em encontrá-la. Hoje encontrar um bom tratorista no Alentejo é dificílimo e tem de se pagar muito bem. Não há desemprego, é o contrário. Há falta de mão de obra para satisfazer as necessidades. Se calhar algumas pessoas que não estão adaptadas não conseguiram encontrar ainda colocação. Os jovens que saem das escolas agrícolas, têm emprego antes de acabar o curso.

EDIA monitoriza uso da água e denuncia alguns casos

O que está a descrever também representa impactos negativos na paisagem e na biodiversidade e há denúncias de práticas agrícolas abusivas. Há falha na fiscalização e no controlo dessas práticas?
É uma crítica não informada que está agarrada a uma situação de referência de que era beneficiário gratuito de uma paisagem que foi alterada. E que vê a transformação como algo de mau. Todos temos aquela imagem…. hoje andamos e é tudo verde.

Mas isso não é só um problema visual e de paisagem, há impactos negativos na biodiversidade.
Pode haver impactos negativos e pode haver impactos positivos.

Não sei se conhece outros estudos, mas há dados que apontam para impactos negativos do ponto de vista ambiental e da biodiversidade.
Os dados que conheço que são feitos por nós — a EDIA gasta quase um milhão de euros em monitorização todos os anos — não mostram isso. Mostram que há alteração da paisagem. Há alteração nas aves, mas há um indicador interessante da biodiversidade de que não tem havido redução de aves. E chegaram até à região espécies que não eram conhecidas. Vieram atrás da água. Há com certeza maus casos.

Mas há fiscalização? A quem é que compete?
Há. A EDIA tem o papel de observar a utilização da água e não tanto as boas práticas. Se um agricultor põe um produto proibido essa não é a responsabilidade da EDIA.

Se ocupam os charcos ou se deitam abaixo uma fileira de árvores que seria importante como corredor.  É à EDIA que compete vigiar?
Intervenções em linha de água, ocupações de charcos mediterrânicos temporários são coisas que estão na DIA (Declaração de Impacte Ambiental) e sempre que detetamos uma situação dessas denunciamos e é criado um processo de contraordenação para reposição da situação. Acho que vão continuar a existir sempre condutores que andam a 200 na autoestrada, mas nós temos é de garantir que há menos. E que quando são apanhados, são punidos exemplarmente.

O olival representa 60% da área de regadio. É excessivo? O Governo fez bem em suspender os apoios para novos investimentos em olival, na sua opinião?
Não há boas culturas ou más culturas. Não há problema nenhum em haver 70 mil hectares de olival no Alentejo ou mais. Podia haver 100 mil. Idealmente queríamos ter um mosaico mais diversificado, não ter grandes manchas da mesma cultura, ter as culturas mais intermediadas umas com as outras. Se o Governo fez bem ou não, não sei. Há reconversões que, se calhar, eram interessantes de serem feitas, e que com o apoio público podiam avançar mais rapidamente. Mas ao mesmo tempo percebo que se se quer controlar o investimento numa cultura, essa é uma forma de o fazer. O setor obviamente não está satisfeito com essa quebra, mas acho que há um concurso agora que já está a apoiar investimentos no olival.

Se calhar por não haver apoios ao investimento no olival e há para o amendoal isso está a atrair produtores. O amendoal vai substituir uma parte do olival ou é uma nova cultura que vai crescer na área de regadio do Alqueva?
Já é a segunda cultura com 19 mil hectares. É a maior mancha de amendoal de Portugal e vamos ser responsáveis por muitos recordes. Eu gostava que não houvesse essa mudança, porque as necessidades em água na amêndoa são muito mais altas do que no olival. Vem baralhar as contas se houver essa mudança. Mas o Alqueva é capaz de aguentar perfeitamente 25 a 30 mil hectares de amendoal sem problema.

O amendoal "é a maior mancha de amendoal de Portugal e vamos ser responsáveis por muitos recordes. Eu gostava que não houvesse essa mudança, porque as necessidades em água da amêndoa são muito mais altas do que o do olival. Vem baralhar as contas se houver essa mudança. Mas o Alqueva é capaz de aguentar perfeitamente 25 a 30 mil hectares de amendoal sem problema".
José Pedro Salema, presidente da EDIA

Mas tem de haver algum tipo de limite que não pode ser só o mercado a definir?
Ou criamos um mecanismo para limitar a instalação de culturas ou então isso vai ser determinado apenas pelo mercado.

EDIA quer cortar custos com eletricidade através do solar

A produção de energia é uma das principais receitas da EDIA. Há uns dois anos previa-se que a EDIA avançasse sozinha com um concurso para o solar flutuante, mas não avançou. E agora surge um concurso nacional para instalar painéis solares na bacia do Alqueva. Porque é que isso aconteceu?
O Alqueva tem a produção hidroelétrica na grande barragem de Alqueva e Pedrógão que está concessionada à EDP e que representa cerca de metade da nossa receita anual. Mas não é aquilo que nos preocupa hoje. Aquilo que nos preocupa é o fotovoltaico porque é aquilo que nós podemos mudar. As estações elevatórias, não estão na barragem, mas sim distribuídas pelo território e lá estão as máquinas que bombam e distribuem a água até aos nossos clientes. E essas máquinas usam muita eletricidade. A EDIA é o consumidor do setor público que gasta mais eletricidade em Portugal.

Pode dar-nos uma ideia da grandeza?
Pode chegar a 300 GWh. Em custo depende muito se estamos a falar dos preços do ano passado ou deste ano. Este ano podemos ter um custo de 40 a 45 milhões. E para garantir que não estamos tão dependentes das flutuações do mercado elétrico, gostávamos de ser independentes.

Gostavam de fazer produção para autoconsumo?
Exatamente. Hoje esse modelo está perfeitamente previsto na lei. E não temos os problemas que habitualmente são apontados aos grandes projetos fotovoltaicos, como a ocupação de grandes áreas, porque o flutuante não ocupa área, só ocupa planos de água. E também não temos o problema da ligação à rede. Todos os nossos pontos já estão ligados com a potência que precisamos. Não há qualquer limitação. Não avançámos sozinhos porque não tivemos autorização para contrair o empréstimo. Conseguimos negociar um empréstimo, mas fruto da política de controlo da dívida entendeu-se que não era o momento para fazer mais este empréstimo.

Quanto é que iria custar?
45 milhões de euros era o empréstimo que estava aprovado, mas eu acredito que ainda está em cima da mesa.

Mas este concurso foi lançado a nível nacional..
… não é promovido pela EDIA e não tem nada a ver com os nossos pontos. Mas não é incompatível de todo, é perfeitamente compatível.

A central solar flutuante que vai ser instalado no Alqueva não vai ser para abastecimento da EDIA?
Exatamente. Vai ser um privado, quem ganhar o leilão, vai ter licença de instalação de painéis nas barragens que estão a leilão e produz para o mercado. Mas há perfeitamente pernas para andar com o nosso projeto financiado pelo empréstimo que está aprovado. Só precisamos de luz verde para que esse empréstimo fique inscrito no Orçamento do Estado.

Entrevista para o programa "sob-escuta" da rádio observador ao presidente da Edia, José Pedro Salema, a propósito dos 20 anos do enchimento do Alqueva. 2 de Fevereiro de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Gestor diz que subida da eletricidade torna ainda mais viável projeto do Alqueva para produzir a sua energia verde

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A questão da dívida não se alterou. porque é que acha que agora há condições de se avançar quando não houve até agora?
Porque a subida do preço da eletricidade torna o projeto muito mais interessante. Já era muito interessante mas com a subida dos preços, o projeto fica quase obrigatório. E é por isso que acho que teremos mesmo de avançar e o Governo vai com certeza autorizar.

Relação com Espanha em torno do Rio Guadiana tem temas para resolver

O Alqueva mudou o ecossistema do rio Guadiana?
Quando construímos um muro de 96 metros é óbvio que alterámos o rio. As barragens interrompem o fluxo, o transporte de sedimentos. Há uma série de malefícios que advêm das barragens, mas também há uma série de benefícios. Eu entendo que os benefícios superam claramente os malefícios. Até porque houve um estudo muito aprofundado, do ponto de vista ambiental, para minorar os impactos dessa interrupção. Em Pedrógão, temos um elevador de peixes, não há muitos no mundo, que consegue elevar 45 metros os peixes que querem subir o rio para cumprir o seu ciclo biológico. Sobe uma vez por hora durante a época de migração. E verificamos que aquilo funciona. Há também a monitorização da qualidade da água. Houve uma série de esforços feitos para minorar o estrago, mas ele está lá com certeza.

Tem havido problemas na gestão bilateral do Guadiana com Espanha?
A relação com Espanha é sempre algo tensa, porque os rios correm de lá para cá e portanto há uma convenção de albufeira em que essas regras foram definidas. Há temas por limar, nomeadamente a questão dos caudais no troço a jusante do Pomarão. Há algumas captações no troço ali perto de Badajoz e que Espanha já reconheceu que devem pagar a tarifa que o lado português paga. Mas não sabemos se paga ou não, pelos menos a nós não pagam e deviam pagar. Há temas sensíveis porque é uma relação entre dois estados, tem de ser conduzida com pinças e demora muito tempo porque estes fóruns depois só reúnem uma vez por ano. E as coisas que podiam demorar semanas demoram anos a ser resolvidas.

Mandato chegou ao fim. Presidente mostra disponibilidade para ficar

Em 2015 chegou a admitir que a EDIA ou uma parte da EDIA podia ser privatizada. Essa ideia ainda faz sentido?
O mais importante é que haja uma entidade que é responsável pelo sistema todo e que garanta que todas as valências estão a ser acauteladas, que a monitorização ambiental é feita, que os valores são cobrados efetivamente a quem usa a água e que os interesses dos confinantes são tidos em conta. Se é pública ou privada, na minha perspetiva, é completamente irrelevante.

Sobre a hipótese de privatização: "O mais importante é que haja uma entidade responsável pelo sistema todo e que garanta que todas as valências estão a ser acauteladas, que a monitorização ambiental é feita, que os valores são cobrados efetivamente a quem usa a água e que os interesses dos confinantes são tidos em conta. Se é pública ou privada, na minha perspetiva, é completamente irrelevante".

Um privado tem condições para cumprir essas missões que referiu?
Sim se a situação financeira não fosse esta.

Teriam de reverter prejuízos crónicos? Há um plano para reverter esses prejuízos a prazo?
A operação da EDIA é perfeitamente sustentável. Se a tarifa estiver equilibrada como tem estado com os custos, a operação é perfeitamente sustentável, agora não é capaz de pagar o investimento que somou já 2,430 mil milhões. Se retirarmos esse ativo das contas e pusermos só a operação, é perfeitamente passível de ser feito por um terceiro. Mas eu acho que não ganharíamos muito, não é um negócio muito interessante.

Está à frente da EDIA desde 2013. Qual foi a situação mais complexa que teve de gerir ao longo destes quase 10 anos?
Talvez a conclusão das obras, em 2015, foi muito absorvente, porque estávamos a correr em contra relógio com financiamentos que acabavam porque o quadro comunitário acabava também. Mas há desafios todos os dias. O que é interessante na EDIA é ter uma diversidade de temas que vão desde o museu da Aldeia da Luz ao parque de natureza de Noudar, em Barrancos, passando pela operação e pela manutenção do dia a dia e pelos custos de eletricidade. É um projeto muito estruturante e absorvente que dá imenso gozo liderar.

Foi nomeado em 2013, no governo de Passos Coelho e manteve-se nos governos de PS. Como explica a sua sobrevivência a mudanças políticas, que não é muito normal nos gestores públicos?
Acho que não é preciso ter nenhuma ideologia para gerir a EDIA. Se atendermos apenas aos interesses da região todos estão de acordo. Quando recebemos os partidos de uma ponta a outra do espectro todos veem o Alqueva com bons olhos. E se calhar temos feito, acho eu, um bom trabalho. Os indicadores da operação são muito positivos, as contas têm melhorado. Penso que o desempenho tem sido interessante e é por isso que consigo justificar a permanência deste conselho de administração.

Está disponível, então, para fazer mais um mandato porque o seu terminou no final de 2020?
Estou disponível, mas será sempre uma decisão da tutela que respeitarei como é evidente com esta ministra ou com outro que lhe vier a suceder.

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