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[Esta é a segunda de cinco partes numa série sobre a origem do nomes das frutas. Pode ler a primeira parte aqui:]
Nêspera
A designação do fruto da nespereira (Eriobotrya japonica) está longe de ser claro e unânime e até o seu nome científico é gerador de confusão: a planta é originária da China e só depois foi introduzida no Japão.
Os nomes português e espanhol (“níspero”) provêm do grego “mespilon”, através do latim “mespilum”, mas acontece que o nome grego não designava a nêspera que hoje conhecemos mas o fruto da Mespilus germanica ou nespereira-europeia – cuja origem não é europeia nem germânica, mas persa. A nespereira-europeia (persa!) difundiu-se pela costa do Mar Negro, chegando à Grécia c.700 a.C. e a Roma c.200 a.C., sendo relativamente popular por ser, naqueles tempos, uma das poucas árvores cujos frutos amadureciam no Inverno. A contrapartida é que o fruto só se torna comestível quando já começou a entrar em putrefacção, pelo que é compreensível que, a partir do século XVI, quando a variedade de frutas disponíveis na Europa aumentou, graças aos Descobrimentos, o cultivo da nêspera-europeia tenha sido abandonado, o que poupou futuras dores de cabeça à ASAE e às suas congéneres europeias, que se veriam hoje aflitas para regulamentar e fiscalizar a comercialização de um fruto podre.
É português e do século XVI o primeiro registo da nêspera oriental na Europa – o que é natural, dado que foram os portugueses os primeiros europeus a comerciar com a China e Japão. Os franceses chamam-lhe “néfle”, que também provém do equivocado mespillum, ou “biba”, que vai à origem chinesa do fruto: provém de “pipa guo”, que significa “fruto [em forma de] pipa”, sendo a pipa um instrumento tradicional chinês.
Em inglês a nêspera chama-se “lomquat”, o que também resulta de um equívoco: a palavra provém de “lou gwat”, a pronúncia cantonesa do chinês clássico “luju”, que significa “laranja negra” e era a designação dada ao fruto kumquat antes de estar maduro. O kumquat tem, com efeito, forma e cor similares à nêspera, mas não tem com ela qualquer relação, pois é um citrino.
A nêspera é por vezes designada em inglês como “Japanese plum” (ameixa japonesa), embora não tenha qualquer relação com a ameixa. O Japão importou da China não só a árvore como a pipa (instrumento), dando a ambos o mesmo nome – “biwa” –, e é hoje o maior produtor mundial do fruto
Marmelo
O marmeleiro – Cydonia oblonga – será provavelmente originário do Cáucaso (Arménia, Geórgia) e Médio Oriente (Irão), mas a palavra que designa o seu fruto em português veio de mais perto, do grego “melímelon” (maçã de mel), através do latim “melimelum”. O nome espanhol, “membrillo”, tem a mesma raiz, mas em francês a origem é outra: “coing” evoluiu de “cooin” e de “codoin”, que provém do latim “cotoneum”, que por sua vez vem do grego “kydonion”, relativo a Kydonia, o antigo nome da cidade cretense de Chania. Estando Creta numa encruzilhada de civilizações é natural que o marmeleiro – a “maçã de Kydonia” – tenha ali tido uma das suas primeiras ocorrências em território europeu, associação que acabou por ser reforçada pelo naturalista escocês Philip Miller, que em 1768, atribuiu ao marmeleiro o nome científico de Cydonia.
Em inglês, marmelo é “quince”, que, embora não pareça, provém do francês “cooin”. Em inglês existe a palavra “marmalade”, que, ainda que tenha origem no português “marmelada”, há muito tempo que deixou de ter a ver com marmelos (ver Como o português anda (ou não) nas bocas do mundo), pois a história das línguas é caprichosa. Basta ver que, em francês, o fruto se chama “coing” e a árvore que o produz “cognassier”.
A palavra “marmelo” surge também no nome científico do Aegle marmelos, um arbusto sem qualquer relação com o Cydonia oblonga, que ocorre na Índia. O seu fruto, o “bael”, tem semelhança externa com o marmelo e é conhecido em inglês como “Bengal quince” (marmelo de Bengala).
O “bael” tem escassa difusão no Ocidente, mas acabou por tornar-se conhecido devido a um incidente que tem a particularidade de servir para alertar para os perigos de assumir que o que é “natural” é bom (por contraposição à maldade inata dos “químicos”): em 2013, registaram-se no Hawaii 97 casos de hepatite causada pelo uso de um produto dietético contendo aegelina, uma substância natural extraída das folhas do Aegle marmelos.
Os maiores produtores mundiais de marmelos são a Turquia, a China, o Uzbequistão, Marrocos e o Irão.
Melancia
A Citrullus lanatus é uma trepadeira rastejante originária do noroeste de África. Já era cultivada no vale do Nilo há 4000 anos, chegou à Índia no século VII e à China no século X e, pela mesma altura, foi introduzida pelos árabes na Península Ibérica, espalhando-se depois por todo o sul da Europa.
O nome português vem do árabe “batikha balanci”, ou seja, “melão valenciano”, possivelmente por Valência ter sido, uma das regiões do al-Andaluz onde o cultivo do fruto conheceu maior expressão. Como tantas vezes acontece na evolução etimológica, descartou-se o elemento mais substancial – “batikha” – e reteve-se o qualificativo – “balancia” – que, por “simpatia” com o melão, se converteu em melancia.
Os espanhóis também foram buscar inspiração no árabe, mas, desbaratando de forma clamorosa uma oportunidade para insuflar o orgulho nacional e promover a região de Valência, chamam-lhe “sandía”, do árabe “sinddyya”, referente à região de Sind, no Paquistão!
Ainda maior distância andou a designação francesa da melancia: “pastèque”. Esta só surgiu no século XVI, proveniente do português “pateca”, a partir do hindi “battiha”, por sua vez com origem no árabe “batikha” – a parte de “batikha balanci” que o português tinha atirado para o lixo. Por aqui se vê que nos percursos etimológicos não é consensual entre as várias línguas qual é a parte comestível das palavras – embora quando chega a altura de comer melancia todos os povos estejam de acordo em rejeitar a casca verde e rija e comer a polpa vermelha e suculenta.
O inglês foi mais expedito: fez uma analogia com o melão e chamou-lhe “watermelon” e o mesmo aconteceu no alemão (“wassermelone”), no holandês (“watermeloen”), no sueco (“vattenmelon”) e no gaélico (“mealbhacán uisce”).
O maior produtor, por larguíssima margem, é a China, que representa 72% do total mundial. Se lideram em quantidade, os chineses não são capazes de competir em bizarria com os japoneses que, em Zentsūji, produzem melancias cúbicas, não por exposição a radiação ou outro processo frankensteiniano, mas forçando-as a crescer dentro de contentores de metal e vidro. O formato maximiza o aproveitamento do espaço no frigorífico, é certo, mas o preço a pagar por contrariar a natureza é alto: a melancia cúbica não se desenvolve completamente e não é comestível, sendo vendida apenas para fins ornamentais – a cerca de 80 euros a unidade…
Melão
A origem do melão (Cucumis melo) é situada no Médio Oriente (Anatólia, Cáucaso, Irão), embora também haja quem lhe atribua raízes norte-africanas. O que é certo é que os egípcios já o cultivavam por volta de 2500 a.C. e que os gregos e romanos também o adoptaram; em tempos medievais, já se tinham difundido por paragens tão distantes quanto o Sul da Europa, a Índia e a China. Os maiores produtores mundiais são hoje a China, a Turquia e os EUA.
Embora na sua longa história de cultivo em diferentes geografias o melão tenha ganho numerosas variedades, diversas na cor, padrão e textura da casca, na cor da polpa, no sabor, no aroma, na forma, no tamanho e na época de maturação, as línguas europeias ocidentais mais comuns designam-no por palavras semelhantes: “melón” (espanhol), “melone” (italiano), “melon” (francês), “melon” (inglês), “melone” ou “zuckermelone” (alemão), “suikermeloen” (holandês), “melon” (sueco), “meloni” (finlandês).
Todas estas denominações acabam por provir da mesma fonte: “melopepo”, forma latina do grego “melopepon”, de “melon” (maçã, pomo) + “pepon” (cabaça: designação genérica dos frutos das cucurbitáceas, em que o melão se inclui).
Alficoz
O melão é uma espécie extraordinariamente moldável e algumas variedades assumem aspectos bizarros – é o caso do alficoz, conhecido em inglês por “Armenian cucumber” (pepino arménio), em holandês por “armeense komkommer” e em espanhol por “alficoz” ou “pepino serpiente”. Tem a forma de um pepino muito alongado (até 90 cm de comprimento) e um sabor semelhante ao do pepino, mas não é um pepino (Cucumis sativus), é a variedade flexuosus do Cucumis melo. O nome português (e espanhol) provém do árabe hispânico “al-fiqqús”, com origem no aramaico “pikkūsā” (pepino), com a usual conversão do som “p”, inexistente no árabe, num “f”.
Meloa
Uma das variedades mais populares de Cucumis melo é a meloa. A designação portuguesa diverge da tendência dominante: “cantaloupe” (inglês), “cantaloup” (francês), “cantalupo” (espanhol, italiano e português do Brasil), que provém de Cantalupo in Sabina, uma minúscula cidade italiana que em tempos fez parte dos Estados Papais – terá sido num dos jardins que o papa possuía em Cantalupo que esta variedade, possivelmente originária da Arménia, foi cultivada na Europa pela primeira vez. Os povos europeus devem, pois, ficar grata à Santa Sé, que, embora tenda a limitar o número de opções admissíveis na cama, dilatou as escolhas na mesa.
No México, a meloa é conhecido como “melón chino”, apesar de nada nela remeter para a China. Em africânder, chama-se “spanspek”, nome que se diz provir de “spaans spek”, que significa “bacon espanhol” e resultará de o general Sir Harry Smith (1787-1860), quando assumiu o cargo de governador da Colónia do Cabo, na África do Sul (entre 1847 e 1852), ter o hábito de comer bacon com ovos ao pequeno-almoço, enquanto a sua esposa, Lady Juana Smith, de origem espanhola, optava por meloa. Como a maior parte das explicações etimológicas que assentam apenas em semelhanças fonéticas e envolvem histórias pitorescas, é provável que seja apócrifa, até porque, antes de Lady Juana Smith ter nascido já se cultivava na Guiana Holandesa uma variedade de meloa que era designada por “spaansch-spek”.
Maçã
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É improvável que algum português (ou algum europeu) encare a maçã – o fruto da Malus pumila – como “exótica”, mas a verdade é que é originária da Ásia Central, mais precisamente do sopé da cordilheira de Tian Shan (na zona de fronteira entre o Cazaquistão, o Quirguistão e a China), onde ainda pode encontrar-se o seu antepassado “selvagem”, a Malus sieversii. Disseminou-se para Oriente e Ocidente e, na Roma do século I, o historiador Plínio o Velho já dava conta da existência de uma centena de variedades. A maçã espalhou-se pelo Império Romano, mas o colapso deste causou a perda das técnicas de enxertia da macieira, que só foram redescobertas no final da Idade Média. A sua expansão prosseguiu a partir daí em ritmo imparável e hoje estima-se que existam 20.000 variedades de maçã, das quais são cultivadas 7000.
A designação italiana, “mela”, e a romena, “mar”, vêm do latim “malum”, mas a portuguesa e a espanhola, “manzana”, provêm de “malla mattiana” (“maçã de Mattius”), o nome de uma variedade de maçã baptizada em honra de Gaius Matius, um nobre romano, amigo de Júlio César e Cícero, que se distinguiu como agrónomo e botânico e que poderá, ou não, ser o mesmo Gaius Matius que foi assessor de César Augusto.
A palavra francesa para maçã, “pomme”, que também designa um fruto em geral, tem origem latina, mas provém de “pomum”, também ela com o sentido genérico de fruto. A palavra portuguesa “pomada” vem da francesa “pommade”, que designava um unguento à base de maçã. A maçã tem sido frequentemente associada à saúde e à longevidade e servido de base à preparação de máscaras de beleza e a lendas em que desempenha o papel de fruto da eterna juventude (nomeadamente no Edda da mitologia nórdica).
O inglês “apple” vem do proto-germânico “aplu”, com o sentido genérico de fruto, que é também a origem do alemão “apfel”, do holandês “appel”, do dinamarquês “aeble”, do sueco “äpple”, do galês “afal”, e até do russo “jabloko” (que deu nome e logotipo a um partido político russo que faz oposição – débil – a Vladimir Putin).
O computador Macintosh, da Apple, foi buscar o seu nome a uma variedade de maçã, a McIntosh, desenvolvida no Canadá a partir de 1811, por John McIntosh; a maçã McIntosh começou a ser comercializada em 1835 e foi ganhando popularidade no Canadá, a ponto de se tornar na “maçã nacional” e atingir uma quota de mercado de 40% na década de 1960 – desde então foi destronada pela Gala e a sua quota caiu para 12%.
Os nomes das variedades hoje mais populares – Fuji, Gala, Golden Delicious, Granny Smith, Idared, Jonagold, Pink Lady, Red Delicious, Starking – são nomes comerciais registados no final do século XIX e no século XX, mas algumas variedades têm origem mais antiga, como é o caso da reineta, que vem do francês “reinette”, a partir de “rainette”, termo surgido no século XVI, por analogia entre o padrão da casca da maçã e as manchas na pelagem de algumas rãs (“rainette”); depois, por influência de “reine” (rainha) a maçã converteu-se em “reinette”, sugerindo tratar-se da “rainha das maçãs”, pelo menos em dimensão (entretanto surgiu uma variedade chamada “reine des reinettes”).
Embora a maioria das variedades tenham sido desenvolvidas nos EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, o maior produtor mundial de maçãs é a China, responsável por 50% do total mundial, seguida pelos EUA e Turquia.
Pêra
A pêra é o fruto da Pyrus sp., uma parente da macieira, com a qual partilha a região de origem: a cordilheira de Tian Shan, na Ásia Central. A Rota da Seda difundiu a pêra para Oriente e Ocidente e, no século I d.C., Plínio o Velho já mencionava, na sua História Natural, 41 variedades do fruto. A pêra implantou-se um pouco por toda a Europa e foi depois levada para o Novo Mundo e existem dela hoje cerca de 7000 variedades, com as mais variadas formas, cores, texturas e paladares, o que não impede os gastro-chauvinistas portugueses de proclamar que a pêra-rocha da região Oeste é “a melhor pêra do mundo”.
As pêras cultivadas no mundo ocidental são sobretudo da espécie Pyrus communis (pêra europeia), mas na Ásia Oriental dominam a Pyrus pyrifolia (pêra nashi) e a híbrida Pyrus x bretschneideri (pêra ya ou pêra branca chinesa). Para além destas espécies “domesticadas”, existem dezenas de espécies de pereiras bravas
A pêra exibe ainda maior variação do que a sua prima maçã, de maneira que algumas pêras nem sequer são piriformes, como é o caso da nashi (também conhecida como pêra asiática, pêra chinesa, pêra coreana ou pêra japonesa), que tem forma esférica, não muito diferente de algumas maçãs.
O nome da pêra é similar na maioria das línguas da Europa Ocidental e deriva do latim “pira” (plural de “pirum” = pêra), que por sua vez vem da palavra semítica genérica para “fruto”: “pirâ”. Assim, temos “pera” (espanhol e italiano), “poire” (francês), “pear” (inglês), “peer” (holandês), “birne” (alemão), “päron” (sueco).
A variedade de pêra mais cultivada no Ocidente é a Williams, conhecida na América do Norte como Bartlett e em França como Bon-Chrétien, nome que tem origem obscura. Há quem sugira que evoluiu do latim medieval “poma panchresta” (“fruto para todas as finalidades”) e há quem dê crédito a uma piedosa mas inverosímil história que remonta a 1483, quando Luís XI de França, no leito de morte, chamou à sua cabeceira São Francisco de Paola, que lhe terá oferecido sementes de pêra da sua Calábria natal – não se percebe que conforto terão as sementes trazido ao rei agonizante, mas tal terá valido à pêra a designação de “bom-cristão”. Atendendo ao clima de hiper-sensibilidade que hoje se vive no Ocidente, é provável que esta designação seja considerada atentatória dos direitos das outras religiões face ao cristianismo e que se imponha por lei o uso da designação Williams, que provirá do nome de um trabalhador dos viveiros de um certo John Stair, em Aldermaston, Inglaterra, onde esta variedade foi cultivada em 1760-65.
Apesar da existência de milhares de cultivares, o leque das que são produzidos em massa é bem mais restrito, dado que, por comparação com a maçã, a pêra é menos resistente ao transporte e manipulação e tem um intervalo de maturação mais breve. Os maiores produtores mundiais são a China, a Argentina e os EUA.