Índice
Índice
[Esta é a quarta de cinco partes numa série sobre a origem dos nomes das frutas. Pode ler a primeira, a segunda, a terceira e a quarta]
Amora
A designação genérica “amora” aplica-se a vários frutos – na verdade, um agregado de dezenas de pequenos frutos – de aspecto similar mas de origens diversas, quer em termos geográficos quer de família botânica.
Comecemos pelo fruto da Morus alba (amoreira branca), uma árvore originária da China, que se disseminou até ao Próximo Oriente e, a partir do século VIII, à bacia mediterrânica, e que desempenha papel essencial na produção de seda, já que os bichos-da-seda (Bombyx mori) se alimentam das suas folhas – aliás, o propósito do seu cultivo na China era mais a sericicultura do que a produção de frutos.
O género Morus tem outro representante, a Morus nigra (amoreira-negra), árvore originária da região do Cáucaso e que foi introduzida na bacia mediterrânica na Antiguidade Clássica, expandindo-se também para Oriente, pelo Irão, Paquistão e Afeganistão.
Há quem julgue saber distingui-las através da cor do fruto, crendo que será branco na Morus alba e negro na Morus nigra, mas a verdade é que enquanto a segunda produz frutos violeta-escuros ou negros, a primeira produz frutos brancos, rosa, vermelhos, violeta ou negros. Para adensar a confusão, existe ainda a Morus rubra, originária da Costa Leste dos EUA, que produz frutos vermelhos (por vezes muito escuros). E há também que considerar que os frutos podem exibir diferentes cores consoante o estado de maturação.
A todos estes frutos dão os portugueses o nome de “amora”, que provém do latim “morum”, vindo por sua vez do nome dado pelos gregos ao fruto: “móron”. Esta origem é partilhada com o francês “mûre”, o espanhol “mora”, o italiano “moro” e, por caminho mais sinuoso, o inglês “mulberry”, o holandês “moerbei” e o alemão “maulbeere”.
De família bem diversa são as amoras produzidas pelos arbustos do género Rubus (sendo o mais comum o R. fruticosus), nativos da Europa e Ásia – e que são, na verdade, os primeiros frutos nesta lista com origem europeia.
A estas amoras arbustivas os portugueses chamam “amora-silvestre”, os espanhóis “zarza” ou “zarzamora” (com possível origem em “sars”, palavra árabe para arbusto espinhoso), os franceses “mûre sauvage”, os ingleses “blackberry” e os alemães “brombeere”. “Blackberry” alude à cor negra (“black”) da baga (“berry”), enquanto “brombeere” provirá do alto-alemão antigo “bramberi”, de “bram” (arbusto espinhoso) + “beri” (baga).
Em francês, o arbusto que produz a amora-silvestre (a nossa silva, do latim “silva” = bosque, mato, floresta) é conhecido como “ronce”, do latim “rumex”, que significa “dardo”, uma alusão aos espinhos – que já foram, entretanto, suprimidos nalgumas cultivares, de forma a facilitar a colheita.
Framboesa
É o fruto do arbusto Rubus idaeus, que, tal como os restantes Rubus, é nativo da Europa e que, de acordo com Plínio o Velho, era cultivado pelos gregos nas encostas do Monte Ida, na costa noroeste da Anatólia, não muito longe das ruínas de Tróia (hoje na Turquia) – o que inspirou a designação científica da espécie como idaeus. A framboesa é também mencionada como espécie cultivada no século IV, no Opus agriculturae, um tratado de agricultura em 14 volumes da autoria de Rutilis Palladius.
A designação genérica de “framboesa” inclui muitas outras espécies do género Rubus, espalhadas pela América, Ásia e Austrália, mas a que tem maior significado comercial é a R. idaeus.
“Framboesa”, tal como espanhol “frambuesa”, vem do francês “framboise”, que, por sua vez, tem origem no frâncico (a língua germânica falada pelos Francos) “brambasi”, com o significado de “baga das silvas” (que é afim do “brombeere” com que os alemães designam a amora-silvestre), e cujo “b” inicial se converteu em “f” por analogia com “fraise” (morango).
Os holandeses alinham com os franceses – chamam-lhe “framboos” – mas não os ingleses, que usam “raspberry”, nem os alemães, que usam “himbeere”. “Himbeere” provém do alto-alemão antigo “hinteberi”, de “hint” (corça, veado) + “beri” (baga); “raspberry” vem de “raspis berry”, talvez num alusão a “raspise”, um vinho de cor rosada, do anglo-latino “vinum raspeys”, de etimologia obscura. Também os italianos ficam sós com a designação “lampone”, de origem desconhecida.
Os principais produtores de framboesa são a Rússia, o México, a Sérvia, os EUA e a Polónia.
Mirtilo
As pequenas bagas produzidas pelos arbustos do género Vaccinium têm uma nomenclatura tão confusa quanto as bagas do género Rubus. O nome “mirtilo” é usado em Portugal para designar o Vaccinium myrtillus (mirtilo europeu ou mirtilo comum), a que os franceses chamam “myrtille”, os espanhóis “arándano” e os anglófonos “European blueberry”, “bilberry” ou “blue whortleberry”. Nos EUA e Canadá há várias espécies de Vaccinium, sendo as mais frequentes o V. corymbosum (a mais cultivada), o V. cyanococcus e o V. angustifolium, que são designadas genericamente por “blueberry” – os franceses designam as bagas dos mirtilos americanos por “bluet”.
“Mirtilo” e “myrtille” vem de “myrtillus”, o nome que os romanos davam à planta e que é um diminutivo de “myrtus”, ou seja, a murta-comum (Myrtus communis), cujas semelhanças com o mirtilo são meramente superficiais. O “blueberry” resulta, claro, da intensa cor azul da baga, e é afim do norueguês e dinamarquês “blåbær” e do sueco “blåbär”; já o alemão “heidelbeere” vem do alto-alemão antigo “heitberi”, ou seja “baga da charneca”. O nome da cidade alemã de Heidelberg provém de “heidelbeere” + “berg”, ou seja “montanha dos mirtilos”.
Entre as muitas e imprecisas designações que as bagas dos arbustos do género Vaccinium recebem nos EUA está “huckleberry”, que abrange também bagas do género Gaylussacia e serviria para baptizar uma personagem de dois romances de Mark Twain: Huckleberry Finn. O género Gaylussacia não foi assim baptizado em homenagem à comunidade LGBT+, mas ao químico e físico francês Joseph Gay-Lussac (1778-1850).
Os maiores produtores de mirtilo são os EUA e o Canadá, que representam, em conjunto, 80% da produção mundial. Portugal, onde, até há pouco, o mirtilo quase não tinha expressão, subiu, num ápice, ao 8.º lugar do ranking.
Medronho
É o fruto do Arbutus unedo, arbusto ou pequena árvore originária da bacia mediterrânica e com alguns povoamentos isolados na Irlanda. Como seria de esperar de uma espécie com tão larga difusão desde tempos remotos, os seus nomes variam muito de região para região.
Possivelmente, “medronho” provém, como o espanhol “madroño”, do moçárabe “matrunyu”, que poderá derivar do latim “maturus” (maduro). O “arbouse” francês virá do latim “arbutus” (um diminutivo de “arbor” = “árvore”). O “arbutus” acabou por ser recuperado por Lineu quando atribuiu o nome científico à espécie, acrescentando-lhe um “unedo”, que seria o nome que lhe era dado pelos romanos e que provém, como explicou Plínio o Velho, de “unum edo”, ou seja, “comer só um”. Esta enigmática expressão tem sido interpretada com o sentido de que quem come um medronho não quererá provar outro – uma reacção que só será plausível se se comer o fruto antes de estar maduro, quando o seu gosto é desagradável. Por outro lado, a expressão pode também ser interpretada como advertência para não comer muitos medronhos de seguida, uma vez que fermentam facilmente no tracto intestinal e podem causar embriaguez.
A fácil fermentação do medronho leva a que seja usado no fabrico de aguardente em Portugal e na Grécia. Esta última é conhecida como “koumaro”, que é também o nome do fruto em grego. Em italiano o nome do fruto é “corbezzola” (“corbezzolo” para o arbusto), em corso “àlbitru”, em sardo “olidone”, em catalão “arboç”, “cirerer de llop” (cereja dos lobos) ou “cirerer de pastor” (cereja dos pastores).
Se na sua área de ocorrência natural, o medronheiro recebe nomes muito diversos, à medida que se avança para norte, as designações tornam-se algo descabeladas: em inglês, é conhecido como “strawberry tree”, embora não tenha a mais remota relação com o morangueiro – o equívoco está também presente no norueguês “jordbærtre” (árvore dos morangos), no francês “arbre à fraises” (árvore dos morangos) e no alemão “westlische erdbeerbaum” (árvore dos morangos ocidental), língua em que também recebe os nomes, ainda mais bizarros, de “meerkirsch” (cereja do mar) e “hagapfel” (maçã das bruxas). Em inglês é também conhecido por “apple of Cain” ou seja, “maçã de Caim”, uma referência bíblica inadvertida, que resultou da corrupção de “apple of caithne”, sendo “caithne” o nome dado ao Arbutus unedo pelos irlandeses.
Dióspiro
O nome é aplicado aos frutos de várias espécies do género Diospyros, originárias de diferentes regiões do mundo, mas a mais comum e com maior relevância comercial, por larga margem, é o Diospyros kaki, o diospireiro asiático ou japonês, que é praticamente o único que se encontra em Portugal, pelo que será o único aqui abordado.
O diospireiro terá sido “domesticado” há 2500 anos na China (onde é conhecido como “shizi”), a partir de uma espécie selvagem que terá existido espalhada pelo Sudeste Asiático, do Nordeste da Índia à Indochina. Foi introduzido no século VIII no Japão, que se tornou no outro grande polo de cultivo – foi lá que, por volta de 1775, Carl Peter Thunberg, discípulo de Lineu, fez a sua primeira descrição botânica (publicada em 1780). O apreço pelo fruto no Japão levou a um forte investimento no apuramento de variedades, existindo hoje no país mais de 1000, 560 das quais estão depositadas no Banco Nacional de Germoplasma do Diospiro.
O primeiros europeus a deparar-se com o dióspiro, na China, foram os portugueses que, segundo o padre jesuíta italiano Matteo Ricci, lhe chamavam “figo chinês”. A designação científica atribuída por Thunberg combina o nome grego do fruto, “diospyros”, que significará “fruto dos deuses” (com imaginações mais inflamadas a propor, em alternativa, “fogo de Zeus”), com o nome japonês do fruto, “kaki”. “Diospyros” era o nome que os gregos antigos davam ao Diospyros lotus, o diospireiro do Cáucaso, também conhecido como diospireiro do Levante ou cerejeira-tamareira (ainda que não tenha relação nem com a cerejeira nem com a tamareira), que era conhecido na Europa mediterrânica e cujos frutos são de dimensões bem mais modestas do que o do diospireiro asiático. O nome acabou por ser usado para designar todo o género Diospyros, que inclui mais de 700 espécies.
Enquanto o português de Portugal adoptou a raiz grega, o português do Brasil optou pela nomenclatura japonesa e chama-lhe “cáqui”, coincidindo com a designação em espanhol (“caqui”), que nada tem a ver com a cor “cáqui”, que vem do persa “khaki” (pardacento, poeirento, cor de terra). Por “kaki”, com ajustamentos ortográficos às respectivas fonéticas, optaram a maior parte das línguas da Europa Ocidental: italiano, alemão, holandês, dinamarquês, norueguês, sueco e finlandês.
Já o inglês foi buscar o nome “persimmon” ao outro lado do Atlântico: surge pela primeira vez em A map of Virginia (1612), do capitão John Smith (o mesmo da história de Pocahontas), que nas suas explorações se deparou com o Diospyros virginiana (o diospireiro americano), que produz frutos alaranjados de pequena dimensão. Os índios da região costumavam comê-lo seco e é esse o significado da sua designação em powhatan (uma língua algonquina): “pessamin” ou “pasimenan” = “fruto seco”. Análoga importação transatlântica fez a língua francesa, que designa o dióspiro por “plaquemine”, proveniente doa designação do dióspiro americano em miami (outra língua dos índios algonquinos): “piakimin”. Os turcos chamam-lhe “Trabzon hurması”, algo como “tâmara de Trabzon”, numa referência à cidade na costa do Mar Negro conhecida historicamente como Trebizonda, por esta ter sido a região da Turquia onde o cultivo do fruto ganhou maior expressão. Em sérvio é denominado de “japanska jabuka” (maçã japonesa) e em siciliano é “fruttu magnu”, ou seja “fruto grande” ou “rei dos frutos”.A China é o maior produtor de dióspiros (43% do total mundial), seguida pela Coreia do Sul, Japão e Brasil.
Papaia
É o fruto da Carica papaya, árvore originária do Sul do México ao Panamá, onde foi “domesticada” a partir de uma versão selvagem, espinhosa e com frutos pouco apetecíveis. Pouco depois de terem chegado ao Novo Mundo, os espanhóis levaram-na para as ilhas das Caraíbas e para as Filipinas e hoje a planta está difundida pelas regiões tropicais e sub-tropicais da América do Sul, África, Ásia e Oceânia,
“Papaia” provém do nome que os índios do Caribe davam ao fruto, e, através da língua espanhola, disseminou-se pela maior parte das línguas da Europa Ocidental: italiano, francês, inglês, holandês, alemão, norueguês, sueco, finlandês. A papaia foi, equivocadamente, associada ao melão, dando origem a designações como “melontræ” (árvore dos melões), em dinamarquês, “melonowiec”, em polaco, “melón de árbol”, em algumas regiões da América Latina, e “melon des tropiques”, em francês.
Em português usa-se por vezes o termo “mamão” para distinguir as variedades de papaia de forma mais arredondada, reservando-se “papaia” para as de forma ovalada. Na África do Sul e Austrália é por vezes designada por “pawpaw”, o que leva a que se gere confusão com o fruto da Asimina triloba, que também é conhecido por esse nome, embora não tenha qualquer relação com a papaia.
O maior produtor de papaia é a Índia (43% do total mundial), seguida por Brasil, México, Indonésia e Nigéria.
Goiaba
É o fruto da Psidium guava, originária da América Central, Caraíbas e norte da América do Sul – na verdade, existem outras espécies de Psidium que produzem frutos semelhantes, mas a P. guava é, de longe, a espécie com maior relevância comercial. O maior produtor de goiaba é a Índia (43% do total mundial), seguida por China, Tailândia e México.
A etimologia da goiaba seguiu um processo similar ao da papaia: tem origem no arawak “guayabo” e entrou nas línguas da Europa Ocidental através do espanhol “guayaba”, dando origem a “goyave” (francês), “guaiava” (italiano), “guava” (inglês), “guave” (alemão), etc.
A origem do coqueiro (Cocos nucifera) é nebulosa, em parte porque a planta cresce junto ao mar e o seu fruto flutua e pode ser transportado pelas correntes marítimas e germina facilmente nas praias, apesar da pobreza e salinidade do substrato, o que faz com que seja difícil determinar que parte da sua distribuição resultou de factores naturais ou da intervenção humana.
Porém, estudos de correntes marítimas e da resistência do coco à imersão em água salgada levam a supor que a sua dispersão natural é incapaz de transpor grandes distâncias. Por outro lado, dadas as dimensões e peso do fruto, é óbvio que a sua presença em terrenos afastados do mar pressupõe intervenção humana – dadas as suas dimensões, não é o tipo de semente que possa ser disseminada no intestino de animais ou aves.
Pensa-se que a área de origem do coqueiro sejam as regiões costeiras do Sudeste Asiático e que a sua difusão pelas margens do Índico e Pacífico terá sido promovida sobretudo pelos navegadores austronésios. Há registo do seu cultivo na Índia (século VI), China (século IX) e África Oriental (século X) e, com a ajuda de portugueses e espanhóis, a partir do século XVI tornou-se omnipresente nas regiões tropicais do planeta.
A sua nomenclatura é uniforme entre as línguas europeias e parece provir do português, já que os primeiros europeus a deparar-se com cocos foram os navegadores portugueses, e, em particular, Vasco da Gama. O nome poderá provir da figura imaginária da coca, por os seus três orifícios de germinação dispostos em triângulo sugerirem o rosto de uma criatura monstruosa.
Na verdade, já antes viajantes europeus ocasionais tinham visto (e, quiçá, provado) o coco – um deles foi Marco Polo, quando da viagem a Samatra, em 1280, que o designou por “nux indica”, possivelmente por influência do nome que lhe era dado pelos árabes, “jawz hindi” (noz indiana). Na Índia, ou, pelo menos, na Costa do Malabar, era conhecido como “temga”.
Os três maiores produtores – Indonésia, Filipinas e Índia – representam 75% do total mundial e o Sri Lanka, Brasil, Vietnam e Papua-Nova Guiné ocupam os lugares seguintes do ranking. Nem toda a produção se destina directamente à alimentação: é também usada para extracção de óleo, conhecido como óleo de copra. “Copra” é, com pequenas variações – “kopra”, “coprah” –, a designação universal da polpa seca do coco e provém, com intermediação portuguesa, da palavra que na língua malayalam, da Índia, designava o coco: “koppara”.