Índice
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[Esta é a primeira de cinco partes numa série sobre a história dos legumes e dos seus nomes, que complementa a série sobre a história dos frutos e seus nomes, que pode ser lida aqui:
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 1: Dos limões-pomposos às pêras-jacaré
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 2: Melões valencianos e pepinos-serpente
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 3: Maçãs de algodão e sicofantas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 4: Ratos vegetais e bagas peludas
De onde vêm os nomes do que comemos? Parte 5: Cerejas-dos-lobos e maçãs-das-bruxas]
Pepino
A família das cucurbitáceas engloba quase um milhar de espécies, de climas tropicais e subtropicais, repartidas por quase uma centena de géneros, de que os mais relevantes, em termos agrícolas e alimentares, são Cucurbita (abóboras), Lagenaria (cabaças), Citrullus (melancia) e Cucumis (pepinos e melões). Enquanto as espécies do género Cucurbita só chegaram à Europa após a descoberta do Novo Mundo, os pepinos, melancias, melões e cabaças eram aí conhecidos desde a Antiguidade Clássica.
O pepino (Cucumis sativus) será originário da Índia e difundiu-se para Ocidente, até à Mesopotâmia e Egipto, e para Oriente, até à China. Gregos e romanos também o incluíram nas suas dietas – o imperador Tibério comia-os diariamente ao longo de todo o ano, pois os romanos tinham desenvolvido engenhosas técnicas de cultivo em estufa, que permitiam ter pepinos maduros em qualquer estação.
Esta sofisticação perdeu-se com o colapso do Império Romano e o pepino passou por alguns séculos de relativo olvido na Europa; acabou por retomar a sua difusão, chegando às Ilhas Britânicas no século XIV, para ser novamente esquecido e reintroduzido 250 anos depois. Nem assim ganhou grande voga, pois no século XVII ganhou força na Europa um preconceito contra o consumo de frutos e vegetais não cozinhados, sendo o pepino cultivado apenas como alimento para gado – uma etimologia popular advoga que o seu nome inglês, “cucumber”, provirá de “cowcumber”, sugerindo um alimento apenas próprio para vacas. A hipótese etimológica mais consensual remete para o francês “concombre”, que, por sua vez, teve origem na designação que os romanos davam ao legume, “cucumis”, que foi resgatada para o seu nome científico. Desta raiz latina derivam também o gaélico “cúcamar” e o catalão “cogombre”.
A designação portuguesa, como a espanhola (“pepino”) provém de um diminutivo de “pepon”, nome dado pelos romanos ao melão de grandes dimensões. Os alemães chamam-lhe “gurke”, os dinamarqueses e os noruegueses “agurk”, os suecos “gurka”, os islandeses “gúrka” e os polacos “ogórek” (pronuncia-se “ogurek”), que provêm todas do nome do pepino em grego bizantino: “angoúrin”.
Os holandeses jogam em simultâneo com as etimologias latina e grega: designam o Cucumis sativus por “konkomer” e a sua conserva fermentada (pickle) por “augurk”, palavra que, na forma diminutiva, “augurkje”, seria importada para o inglês como “gherkin”. Os franceses chamam aos pickles de pepino “cornichon”, ou seja “pequenos cornos”, por a variedade de pepino usada para conserva tender a ser mais pequena e de forma curva.
O italiano afasta-se das restantes línguas europeias: chama ao pepino “cetriolo”, do latim “citriolum” (que acabou por ser usado no nome científico atribuído no século XVIII ao género de que fazem parte as melancias: Citrullus), que tem, por sua vez, origem em “citrus”, que era o nome dado a um citrino afim do limão, que terá sido o primeiro membro do género Citrus a chegar à Europa. O que é mais desconcertante é que o italiano até tem uma palavra derivada do latim “cucumis”, que é “cocomero” – mas esta é usada para designar a melancia.
O maior produtor de pepinos é a China, que representa 77% do total mundial, seguida pela Rússia, Turquia e Irão.
Abóbora
A designação genérica “abóbora” engloba o fruto – do ponto de vista botânico é um fruto, ainda que, para efeitos práticos, seja arrolada nos legumes – de várias espécies do género Cucurbita
A partir do seu “berço”, no sul do México, o género Cucurbita difundiu-se por uma vasta área entre o sul do Canadá e a Argentina e Chile, tendo sofrido vários processos de “domesticação” independentes entre si. Foi uma das primeiras plantas “domesticadas” nas Américas, supondo-se que tal tenha ocorrido ainda antes da “domesticação” do milho e do feijão – a “trilogia” que constituía a base da alimentação dos índios pré-colombianos. Um dos vestígios mais antigos de cultivo data de 6000 a.C. em Oaxaca, no México; no Peru, a Cucurbita moschata terá sido cultivada desde 4000-3000 a.C.; no Missouri há vestígios de cultivo desde 3000 a.C. A partir do início do século XVI, os europeus difundiram velozmente as abóboras por todo o mundo.
“Squash”, a designação genérica das abóboras em inglês vem do narragansett (língua algonquina) falado pelos índios do Massachusetts, “askutasquash”, que designa “coisas verdes que podem ser comidas cruas”. A par de “squash”, a língua inglesa também designa as abóboras por “pumpkin”, palavra que terá evoluído de “pumpion”, vinda do francês antigo “pompon” (entretanto caído em desuso), por sua vez com origem no latim “pepon” e no grego “pepon”, termo que designava melões de grandes dimensões (Lineu recorreria a esta palavra para baptizar a Cucurbita pepo).
A palavra francesa genérica para abóbora, “courge”, precede a descoberta do Novo Mundo – a primeira ocorrência data de 1256 – e vem do latim “cucurbita”, que designava as cabaças do género Lagenaria (que integra, com o género Cucurbita, a família das cucurbitáceas), que foram domesticadas, independentemente, na África e na Ásia e que eram há muito conhecidas na Europa. A palavra latina “cucurbita” deu também origem, por estranho que possa parecer, a “gourde”, a palavra francesa que designa genericamente as cabaças e que deu, em inglês, “gourd” (cabaça).
Em espanhol, o termo “calabazas” abrange todas as cucurbitáceas, cujas múltiplas espécies e variedades são designadas por uma confusa nebulosa de nomes que varia consoante a região da América Latina ou Espanha em questão. A palavra portuguesa “abóbora” não tem parentes nas restantes línguas europeias e provém, possivelmente, do latim medieval hispânico “apopore”, de origem desconhecida; coexiste, no português do Brasil, com “jerimu”, que provém do tupi “yuru’mu”.
As abóboras oferecem hoje uma espantosa diversidade de formas, dimensões, cores, texturas e sabores, em resultado dos processos de “domesticação” a que foram sujeitas. Consoante os critérios taxonómicos, o género Cucurbita comporta 13 a 30 espécies, das quais as mais relevantes em termos agrícolas são a C. maxima, a C. moschata, a C. pepo e a C. argyrosperma, tendo cada uma delas dezenas ou centenas de cultivares.
A maior parte das variedades de abóbora é capaz completar o seu amadurecimento após terem sido colhidas, num processo que, por vezes, pode prolongar-se durante dois ou três meses – esta particularidade, que era muito útil numa época anterior ao aparecimento da refrigeração, está por trás do verbo português “aboborar”, que significa colocar de lado algo (uma ideia ou um projecto) para amadurecer.
[Uma trip cucurbitácea: uma visita à National Heirloom Exposition, em Santa Rosa, Califórnia, em 2014, dá a ver 300 variedades de abóbora]
Entre as variedades mais comuns em Portugal estão a abóbora-menina, a abóbora-carneira, a abóbora-porqueira e a chila (ou gila), tudo nomes de origem obscura. No caso da abóbora-porqueira é possível que o nome resulte do facto de, nos primeiros tempos da difusão das abóboras americanas na Europa, elas terem sido julgadas pouco adequadas ao consumo humano e terem sido cultivadas sobretudo para alimentar porcos. Quanto à abóbora-menina (Cucurbita maxima), deveria antes chamar-se abóbora-matrona, pois algumas variedades atingem facilmente os 100 Kg de peso.
Uma dessas variedades, a abóbora-gigante, tem fomentado uma cerrada competição entre horticultores, que eliminam os restantes frutos da aboboreira e prodigalizam mil cuidados para fomentar o crescimento do remanescente até proporções ciclópicas. O recorde mundial desta modalidade – ainda sem reconhecimento pelo Comité Olímpico Internacional – está na posse do belga Mathias Willeminjs, que, em 2016, produziu uma abóbora de 1190 Kg, destronando o suíço Beni Meier e a sua abóbora de 1054 Kg surgida em 2014.
Embora os portugueses estejam arredados da luta pelos lugares cimeiros – o recorde nacional, registado na Lourinhã, que produz mais de metade das abóboras nacionais, fica-se por uns modestos 806 Kg –, deram um contributo linguístico não negligenciável ao universo cucurbitáceo. Foram eles a introduzir no Japão, no século XVI, o legume, que, por razões obscuras, foi designado como “kanboja abobora” (“abóbora do Cambodja”), termo que acabaria por cindir-se em dois vocábulos distintos no japonês de hoje: “kabocha”, que designa quer a variedade japonesa de abóbora que é conhecida no resto do mundo como “kabocha” ou “abóbora japonesa”, quer as abóboras em geral; e “bobora”, designação genérica das abóboras nalgumas regiões do Japão.
Os maiores produtores de abóboras são a China, a Índia, a Rússia, a Ucrânia e os EUA, que, em conjunto, representam 60% do total mundial.
Courgette
A courgette é uma variedade de Cucurbita pepo conhecida em Portugal pelo nome francês (ou pelo aportuguesamento “curgete”) e no Brasil por “abobrinha”. A palavra francesa é um diminutivo de “courge”, designação genérica das abóboras em francês.
Apesar da aura francesa de que goza por cá, a courgette surgiu em Itália no século XIX e foi aí baptizada como “zucchina” ou “zucchino”, diminutivos de “zucca”, designação genérica das abóboras em italiano. Na língua inglesa ocorreu uma divergência entre os dois lados do Atlântico: as Ilhas Britânicas seguiram a designação francesa “courgette” e os EUA adoptaram a italiana, chamando-lhe “zucchini” – na maioria das línguas da Europa Ocidental coexistem ambas as designações, “zucchini” e “courgette”.
Chuchu
Designa o fruto da Sechium edule, planta trepadeira da família das cucurbitáceas originária da Mesoamérica e que terá primeiro sido “domesticada” no sul do México e Guatemala. Em nahuatl, planta e fruto eram designados por “chayotli” (cabaça espinhosa), ainda que hoje coexistam variedades espinhosas e não-espinhosas. Ao contrário das outras cucurbitáceas, que tendem a possuir muitas sementes de pequena dimensão, possui uma única semente grande.
O termo nahuatl deu origem, em espanhol, a “chayote”, empregando-se “chinchayote” para designar a raiz comestível da mesma planta. Do espanhol, a designação migrou para o francês “chayote”, que, embora sendo hoje a mais frequente, conhece, nas regiões ultramarinas francesas, várias alternativas: “chouchotte”, “chouchou” e “sousou”. O “chouchou” do francês das Antilhas deu origem à designação portuguesa – e também ao “chow chow” da Índia. O “chayote” espanhol deu também origem ao “chayote” do italiano, inglês, holandês, alemão e norueguês, ao “xaiote” do catalão, ao “čajot” do checo e ao “kajottikurpitsa” do finlandês.
Alcachofra
Poucas plantas são tão pouco convidativas à sua ingestão quanto os cardos, mas um dos membros da sua família tornou-se num manjar apreciado: o Cynara cardunculus, comum na região mediterrânica. A parte comestível é a sua inflorescência, a alcachofra, desde que colhida antes de desabrochar. As primeiras menções escritas ao seu consumo remontam a Homero, e, embora tenha sido popular entre gregos e romanos, é difícil avaliar se o seu cultivo seria comum ou se apenas se colheriam as alcachofras que cresciam espontaneamente.
A designação dada à planta no árabe hispânico medieval “harshuf” serviu de raiz a quase todas as línguas europeias, por vezes com a adição do artigo definido árabe “al”: “alcachofa” (ou “alcaucil”) em espanhol, “carxofer” em catalão, “carciofo” em italiano (“articiocco” nalguns dialectos do Norte do país), “artichaut” em francês, “artichoke” em inglês, “artisjoke” em holandês, “artischocke” em alemão, “artiskok” em dinamarquês, “artisjokk” em norueguês, “krönartskocka” em sueco, “artishok” em russo, “karczoch” em polaco, “artyčok” em checo.
Até línguas não indo-europeias, como o húngaro (“articsóka”), o finlandês (“latva-artisokka”), o estónio (“artišokk”) ou o hebraico (“khursháf”) vão buscar o nome ao árabe hispânico, mas, por um capricho do destino, a designação da planta no árabe moderno, “ardi sawki”, provém, não do árabe hispânico medieval, mas de uma adaptação fonética a partir das línguas europeias.
Se a alcachofra era bem conhecida de gregos e romanos, porque razão não remonta a sua etimologia a uma palavra grega ou latina? Porque foi no Norte de África que os árabes apuraram a variedade comestível (Cynara cardunculus var. scolymus), que foi introduzida na Europa no final da Idade Média e se tornou dominante. Só o sudeste da Europa escapou a desta unanimidade: em grego, romeno, albanês e turco, alcachofra é (respectivamente) “ankinára”, “anghinare”, “angjinarja” e “enginar”, a partir do grego clássico “agkinára”.
Os maiores produtores são a Itália, Egipto e Espanha, que, em conjunto, representam 60% do total mundial.
Alface
Na sua forma silvestre, a alface (Lactuca sativa) estende-se pelas áreas temperadas da Eurásia, do Mediterrâneo ao interior da Ásia. Os primeiros a cultivá-la terão sido os egípcios ou os sumérios, por volta de 4000 a.C., ainda que o uso primordial não pareça ter sido aquele que hoje lhe damos: os egípcios usavam as folhas para confeccionar um afrodisíaco e as sementes para extrair um óleo usado em culinária. A alface foi adoptada pelos gregos – Hipócrates menciona o seu efeito narcótico – e estes transmitiram o seu uso aos romanos, que a baptizaram como “lactuca”, palavra afim de “lactis” (leite), aludindo à seiva branca (látex) que surge quando se corta o caule da planta. Foi o nome latino que Lineu escolheu para nome científico, acrescentando “sativa” para indicar que se trata de uma espécie cultivada.
Assim surgiram, nas línguas latinas, “lattuga” (italiano), “lechuga” (espanhol), “laitue” (francês) e “laptuca” (romeno) – e ainda o inglês “lettuce”, importado do francês. Já as línguas germânicas deram realce ao facto de a alface ser usada em saladas: “sla” (holandês), “sallat” (sueco), “salat” (islandês). O alemão “gartensalat”, o norueguês “hagesalat”, o húngaro “kerti saláta” e o francês “salade des jardins” seguem a mesma via, especificando que se trata de uma “salada” cultivada “no jardim ou horta – o mesmo sentido está patente na “sałata siewna” do polaco. Quem ocupa posição solitária é o português, cuja “alface” provém do árabe “khass”, com adição do artigo definido “al”.
Existem mais de 2000 variedades de alface, que recebem diferentes nomes em diferentes países. O campeão da produção é a China, com 56% da produção mundial, seguida pelos EUA, Índia, Espanha e Itália.
Alho francês
O alho-francês ou alho-porro é a variedade “domesticada” do Allium ampeloprasum: o Allium ampeloprasum var. porrum. Há vestígios do seu cultivo no Egipto e Mesopotâmia em 2000 a.C. e o imperador Nero recebeu a alcunha de “porrófago” por ser dele um consumidor entusiástico, quer sob a forma de sopa, quer sob a forma de um óleo dele extraído, pois estava convencido de que tinha efeito benéficos na sua voz. Nero alimentava pretensões em vários domínios artísticos e tinha o hábito de declamar enquanto se acompanhava na cítara (ainda que o famoso episódio de ter cantado enquanto Roma era consumida pelo grande incêndio de 64 d.C. seja provavelmente apócrifo); teve aulas de canto e adoptou uma dieta rigorosa concebida para favorecer os seus (limitados) dotes vocais.
O nome que os franceses lhe dão não assume a paternidade do legume: “poireau” vem do nome que os romanos davam ao legume, “porrum”. É este étimo latino que também está na origem do nome português, do “porro” italiano e catalão, do “puerro” (ou “ajopuerro”) espanhol, do “prei” holandês, do “porre” dinamarquês, do “por” polaco, do “puravi” letão. Já o “leek” inglês vem do alto-alemão antigo “louh”, que deu também origem a “lauch” em alemão e à designação genérica das plantas do género Allium em dinamarquês (“løg”), norueguês (“løk”) e sueco (“lök”). As duas etimologias confluem no “purreløk” norueguês e no “purjolök” sueco. Bem vistas as coisas, só os portugueses acham que este alho tem algo a ver com França.
O maior produtor é a Indonésia, seguida pela Turquia e Bélgica.