Quando, em 1907, Leo Hendrik Baekeland inventou a baquelite, não antecipou como aquela invenção, batizada a partir do seu apelido, viria a mudar verdadeiramente o mundo: o inventor norte-americano de origem belga criou o primeiro plástico sintético da história. A partir dali, nada seria igual. Tudo, ou quase tudo, passaria a poder ser mais leve, mais barato, mais resistente, de qualquer cor, de qualquer forma. Mais que isso, tinha sido encontrada uma solução para proteger o planeta que, até ali, usava os seus próprios bens naturais para as mesmas funções.
Aquela foi, porém, uma maravilha que rapidamente perdeu o encanto. Hoje, os resíduos de plástico são uma das principais ameaças à sustentabilidade do planeta. Mas estamos longe de conseguir viver sem eles.
É certo que, décadas — séculos, mesmo — antes da invenção da baquelite, o ser humano já usava polímeros (o nome dado às longas moléculas que compõem os plásticos e outros materiais) em inúmeras aplicações, mas todos de origem natural, como a borracha ou a queratina. Mas o desenvolvimento de um polímero sintético, a partir do fenol, multiplicou infinitamente os potenciais usos dos diversos materiais que viriam a receber o nome comum de “plástico”.
O deslumbramento com aquela solução quase milagrosa, que permitiu a tantos objetos do dia a dia tornarem-se mais práticos, deixou de fora a questão que se viria a tornar central algumas décadas depois: com a produção de um produto tão facilmente descartável, o que fazer aos resíduos?
Hoje em dia, são produzidas mais de 400 milhões de toneladas de plástico por ano — das quais cerca de 40% são utilizadas em embalagens e sacos. Menos de um quinto de todo este plástico é reciclado (o que não quer dizer que o resto não seja reciclável). Todos os anos, cerca de 8 milhões de toneladas de resíduos de plástico entram nos oceanos — e acabam no organismo dos seres vivos, incluindo nos humanos.
8 milhões
Toneladas de plástico que entram nos oceanos todos os anos.
Leo Baekeland não terá previsto que a realidade atingisse esta dimensão: de facto, metade do plástico produzido na história da Humanidade foi feito depois do ano 2000. E a produção parece não abrandar, com Portugal a não ser exceção: os últimos números, do ano passado, mostravam que o país produziu em 2017 mais embalagens de plástico do que em 2016, com a indústria a crescer 5,6% e a atingir os 680 milhões de euros.
Não restam dúvidas de que há aqui um problema — mas não há solução consensual. Acabar com o plástico não só é impraticável como não resolveria o problema: o substituto teria um impacto semelhante ou maior no planeta. Mais que isso, ambientalistas, especialistas e produtores de plásticos não estão em campos tão opostos quanto se possa imaginar. Concordam, aliás, que algumas das soluções apresentadas atualmente são apenas modas. E sublinham que parte do problema está na falta de civismo: só temos imagens de baleias e golfinhos com plástico no estômago porque alguém fez com que aquela garrafa, palhinha ou cotonete chegasse ao mar.
E é preciso pensar também na forma como o plástico é produzido — em grande parte, a partir do petróleo, uma matéria em vias de extinção. A resposta pode estar no regresso às origens. E, para isso, é preciso conhecer toda a história.
A preocupação ambiental que levou à invenção do plástico
Os plásticos são polímeros (ou seja, moléculas longas que são formadas a partir de unidades menores, repetidas várias vezes). Mas nem todos os polímeros são plásticos. Com efeito, muitos séculos antes da invenção do primeiro plástico sintético, os humanos começaram a usar polímeros para as suas vidas — uma espécie de plásticos naturais.
Já em 1.500 a.C., os olmecas que habitavam a América Central usavam bolas de borracha — um polímero natural — para se divertirem. Mais tarde, na Idade Média, era comum recorrer aos cornos dos animais, cortados em fatias finas translúcidas, para construir as pequenas janelas para as lanternas. Os cornos dos animais são compostos por queratina — também um polímero, constituído por carbono e azoto.
A utilização industrial destes materiais viria a acontecer apenas depois de os europeus terem percebido as potenciais da árvore-da-borracha e de, em 1840, Charles Goodyear e Thomas Hancock terem registado patentes para a borracha vulcanizada (ou seja, tratada com enxofre para ganhar resistência).
40%
Do plástico produzido a nível mundial é para embalagens.
A Goodyear, uma das mais importantes fabricantes de pneus em todo o mundo, fundada 50 anos depois da descoberta, recebeu o nome daquele inventor americano — que, em vida, aplicou a borracha vulcanizada no fabrico de pneus para bicicletas. Já o britânico Hancock aplicou aquele material na produção de roupa impermeável.
Ainda assim, por mais paradoxal que possa parecer, os esforços que resultaram na produção do plástico sintético tiveram um motivo essencialmente ambiental. “No século XIX, houve tentativas para arranjar materiais sintéticos — isto é aquilo que nós conhecemos dos historiadores — quando nos Estados Unidos foi lançado um concurso para substituir as bolas de bilhar, que eram feitas de marfim, dos dentes dos elefantes, porque havia uma razia na caça ao elefante”, explica ao Observador Maria Elvira Callapez, investigadora do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, dedicada ao estudo da história dos plásticos.
“Já na altura as pessoas tinham essa preocupação, de salvaguardar esses materiais tradicionais”, continua a investigadora, sublinhando como esta é uma história que se repete, com a recente extinção do rinoceronte negro da África ocidental por causa do tráfico dos chifres.
Vários químicos começaram a trabalhar no sentido de produzir um material sintético. Alexander Parkes foi um dos mais bem sucedidos. Juntou o nitrato de celulose com aditivos e obteve “alguns materiais que podiam ser moldados” e que eram semi-sintéticos. Isto porque continuavam a ter origem em material natural, mas modificado. Mais tarde, os irmãos John Wesley e Isaiah Hyatt fizeram novas modificações àquele material e conseguiram criar um produto com melhores qualidades do que a Parkesine.
“Uns melhoraram os produtos dos outros, isto não foi uma coisa de um dia para o outro”, explica Maria Elvira Callapez. Além da bola de bilhar, aquele material começou a ter várias aplicações. “Em dentaduras, cortinas para carros… Era bastante apreciado pela novidade, porque se podia fazer objetos esteticamente bonitos. Na era vitoriana, eram muito usados para decoração, para botões de punho, para cabos de facas.”
Mas só em 1907 chegaria a revolução. Até então, todos os materiais produzidos eram, na melhor das hipóteses, semi-sintéticos. Foi o belga Leo Hendrik Baekeland que, “atento ao quadro científico-tecnológico da época, começou ele próprio a fazer investigação sistemática”. Depois de “abandonar a vida académica para se dedicar à indústria”, Baekeland conseguiu produzir um novo produto a partir de uma reação química do fenol e do formaldeído.
“Com esta resina nasce a grande indústria dos plásticos”, lembra a investigadora ao Observador, sublinhando que a baquelite, produto resultante daquela reação química, era uma “resina moldável e insolúvel, com muito boas propriedades elétricas e mecânicas”. Rapidamente, o material entrou em várias indústrias emergentes — nos carros, nos rádios e até no cabo transatlântico.
Mas aquele material tinha um problema: era um chamado termoendurecível. Ou seja, se fosse aquecido a uma temperatura superior àquela que suportava, já não podia ser novamente moldável — ou seja, não podia ser reciclado.
Foi o período entre a I e a II Guerra Mundial que promoveu o desenvolvimento da indústria do plástico — como, aliás, fez com muitas outras indústrias. E foi durante esse período que apareceram os termoplásticos, materiais que podem ser reutilizados várias vezes. Inicialmente projetados para servir os esforços de guerra — permitindo armas e veículos de combate mais leves e resistentes —, os plásticos rapidamente chegaram ao mercado comum, transformando os materiais tradicionais, como a madeira ou o aço, em produtos obsoletos, em alguns casos, e de luxo noutros.
Em pouco tempo, grande parte do dia-a-dia humano passaria a depender do plástico.
Golfinhos, tartarugas e o reverso da medalha
A partir dali, a história é conhecida: mais e mais produtos passaram a ser feitos de plástico, e mais recursos passaram a ser utilizados para produzir plástico. Hoje, 8% do petróleo mundial é utilizado na produção destes materiais. Em 2050, de acordo com previsões do Fórum Económico Mundial, esta percentagem deverá subir para 20%. Ao mesmo tempo, a utilização do plástico focou-se cada vez mais nos produtos descartáveis, o que fez crescer os resíduos plásticos — que, se não forem reutilizados ou reciclados, se mantêm milhares de anos no ecossistema sem se degradar.
Isto coloca os plásticos no centro de dois enormes problemas ambientais: por um lado, são fonte direta de grande parte dos resíduos que poluem o planeta; por outro, a sua produção é um dos principais consumidores do petróleo, um recurso finito que se esgotará mais tarde ou mais cedo.
Foi na década de 60 que os plásticos passaram a ser entendidos como uma potencial ameaça — primeiro à saúde. Começou com as “denúncias da Greenpeace sobre os brinquedos dos miúdos, as chupetas, que os bebés iam ficar intoxicados com as chupetas de plástico”, explica Maria Elvira Callapez. “Começaram a dizer isto porque começaram a morrer alguns trabalhadores da indústria do PVC com cancro no fígado e a Greenpeace veio com essa história. Mas o que aconteceu na realidade foi que eles não morreram por causa do plástico, mas sim porque estiveram anos a trabalhar dentro do reator químico onde se produzem as reações.”
Ora, como explica a investigadora, “o cloreto de vinila é que mata, não o policloreto de vinila (PVC)”. O cloreto de vinila é a pequena molécula (monómero) que é repetida várias vezes para produzir o policloreto de vinila (polímero), que é o famoso plástico. Quando os trabalhadores limpavam o interior dos reatores, eram expostos às partículas de cloreto de vinila que lá estavam. “Hoje em dia, já não se usa essa técnica de limpeza. O reator é fechado, já ninguém entra lá dentro para o limpar”, explica Maria Elvira Callapez, argumentando que este é um dos mitos que perduraram sobre os problemas dos plásticos para os humanos.
A investigadora está convencida, porém, de que “os plásticos nunca vão ser destronados” e que é impossível viver sem eles. Mais: “Isso das palhinhas é uma moda”, garante, referindo-se às campanhas atuais que pretendem a redução dos plásticos de utilização única, como as palhinhas, os cotonetes, os talheres descartáveis e os sacos de plástico. “Há quem goste de ouvir isto e quem não goste.”
Assegurando que vivemos na “Idade dos Plásticos”, a investigadora acusa as associações ambientalistas de fazerem uma “campanha agressiva contra os plásticos”, que classifica como “material da modernidade”, e garante que o problema não está no plástico em si, mas na falta de civismo de quem polui.
“Esta campanha que existe, das pessoas que falam contra o plástico, resulta das emoções. As que resultam daquilo que se vê na barriga das baleias, nas tartarugas… Isso sensibiliza qualquer pessoa, não apenas os ambientalistas e os fundamentalistas. Mas quem pôs os plásticos nas barrigas das baleias foram as pessoas. Isso trata-se de uma questão de civismo”, assevera.
Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, recusa que exista uma campanha contra o plástico — e reconhece até as “várias vantagens” que o material trouxe. “É um material versátil, leve, tem benefícios ambientais em termos de transporte, não o negamos. Quando começou a ser usado, não começou desta forma desenfreada”, diz a ambientalista ao Observador, assegurando: “Não olhamos para o plástico como ameaça em si”.
Ainda assim, Susana Fonseca reconhece que houve, nos últimos anos, uma mudança na forma como os plásticos são vistos — e concorda com Maria Elvira Callapez sobre o papel das imagens de animais a sofrer com os resíduos de plástico nessa inversão. “As imagens dos animais com plásticos no seu interior, enrolados em plásticos, animais pelos quais as pessoas têm algum carinho… Como veem as tartarugas, os golfinhos, as baleias, isso sensibiliza as pessoas. Aqueles rios na Ásia cheios de plástico… Toda esta mediatização e mobilização social é muito importante.”
Isto não significa, porém, que o futuro passe pelo abandono dos plásticos. Para a responsável da Zero, “é importante alterar a forma como usamos muitos dos nossos bens”. E isso significa abandonar o paradigma atual, em que os produtos são produzidos “para terem vidas muito curtas”. Daí, defende, que seja importante começar pelos plásticos de utilização única — precisamente as palhinhas e os talheres descartáveis. “Como nós gostaríamos de ver o futuro era com muito mais reutilização de produtos duráveis”, sustenta.
Os números não enganam e o problema é evidente, mas não há consenso sobre a melhor forma de o resolver. Do lado dos ambientalistas, há uma ideia clara: é preciso voltar atrás na evolução do uso dos plásticos e deixar de lado a utilização de produtos descartáveis à primeira utilização. Sobretudo nas embalagens, que são, atualmente, quase metade de todo o plástico produzido e as principais responsáveis pela poluição.
O caminho, defende Susana Fonseca, deve passar pela produção de plásticos mais resistentes e recicláveis, que possam ser utilizados repetidas vezes antes de serem reciclados. Mas, para isso, é preciso a colaboração da indústria e das marcas.
Ideias não faltam ao setor ambientalista: introduzir um sistema de depósito de embalagens de plástico que premeie quem devolve garrafas de plástico é um exemplo que, assegura Susana Fonseca, reduziria significativamente o lixo plástico produzido atualmente.
Conscientes de que a preocupação com o ambiente é já uma prioridade para as novas gerações, as marcas têm-se preocupado cada vez mais com a imagem ecológica que passam. Mas, alerta a ambientalista, há uma grande diferença entre o que é dito e o que é feito.
“Da parte das marcas tem havido sempre a postura de empurrar para o consumidor, ou porque abandona, ou porque não põe no sítio certo. Mas o facto é que há toda uma indústria de produção. No caso de Portugal, aplicamos o princípio da responsabilidade alargada do produtor — quem coloca as embalagens no mercado é responsável por garantir que elas são encaminhadas e tratadas. Têm de pagar os custos do processo”, explica a ambientalista, acrescentando que “há muitas marcas destas que vão para países onde este sistema ainda não existe e fazem lóbi para que não tenham de assumir as responsabilidades, passando-as para o lado do consumidor”.
Apesar de uma das soluções — a reutilização — ser aparentemente fácil de implementar, “se eu quiser utilizar embalagens reutilizáveis nas medidas em que eu consumo, e se eu gostar de consumir cerveja, ou sumos, ou água engarrafada, tenho muita dificuldade em encontrar embalagens reutilizáveis” no mercado português, explica Susana Fonseca, insistindo que “passar do modelo do descartável para um modelo em que os produtos são de vida mais longa” seria um contributo inestimável para a resolução do problema de excesso de resíduos.
Mas porquê?
Amaro Reis, presidente da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP), responde que “a indústria tem todo o interesse em que o seu produto, quando se torna resíduo, seja bem tratado e não chegue onde não deve”.
“Todos somos ambientalistas”, diz ao Observador, quando questionado sobre se o diálogo entre os ambientalistas e a indústria do plástico é possível nos dias de hoje. “A APIP vai iniciar uma série de encontros com ONGs de modo a este assunto ser tratado com base em dados científicos e não em dados do foro populista”, diz, sublinhando que a indústria defende o plástico porque defende o ambiente.
“Reutilizar e reciclar nunca fez tanto sentido”
Ambientalistas, indústria e academia parecem estar de acordo em alguns pontos: os resíduos de plástico são um problema grave, mas não é possível viver sem plásticos hoje em dia. Mas em muitos outros o entendimento é difícil. Se para a ambientalista da Zero a solução deve ser abandonar os produtos descartáveis e focar a indústria na produção de plástico duradouro e reutilizável, Amaro Reis não hesita em defender o plástico como “material maravilhoso” e alerta para os benefícios dos produtos descartáveis.
O plástico, assegura, “é fundamental no combate ao desperdício alimentar, higiene, segurança alimentar e proliferação de bactérias e contaminações”. “Este é um ponto fundamental, porque estamos a entrar numa espiral de reutilização que poderá afetar a saúde pública num curto espaço de tempo. O sucesso dos descartáveis nos últimos 20 anos esteve ligado também ao combate e erradicação de algumas doenças”, afirma.
Salientando que o estilo de vida ocidental “está assente no plástico”, um “material versátil e multifacetado” que “pode ser reciclado centenas de vezes com baixo custo energético”, Amaro Reis destaca que o entendimento do material enquanto ameaça “resulta da perceção errada do consumidor, quando o produto se torna em resíduo”.
“O plástico é o principal aliado na era da economia circular, feito para ser reutilizado e reciclado no fim de vida. Devemos penalizar sobretudo comportamentos e não os materiais. De acordo com as análises de ciclo de vida completo dos materiais, o plástico, na maioria das vezes, é o que tem melhor desempenho ambiental, com menor pegada ecológica”, destaca.
Por isso, a prioridade deve estar mais na reciclagem do plástico do que na produção de materiais mais duradouros, defende. “Hoje em dia, faz sentido apelar ao uso responsável do plástico e fazer tudo para evitar que ele chegue aos rios e oceanos. Apelamos ao uso responsável do plástico, queremos mostrar que reutilizar e reciclar nunca fez tanto sentido”, acrescenta, referindo-se também à necessidade de a indústria trabalhar no “ecodesign” dos produtos, tendo em vista a reciclabilidade.
Susana Fonseca tem dúvidas sobre este caminho, alertando até para os perigos do discurso focado excessivamente na reciclagem dos descartáveis. A ambientalista sublinha que, embora o plástico seja “potencialmente reciclável”, na maioria dos casos isto não acontece na prática porque a indústria não está interessada em produzir produtos de menor qualidade. “Se misturar no mesmo polímero um aditivo, se quiser outra cor ou textura, o material já não tem a mesma pureza e já não se consegue reciclar para um produto de alta qualidade”, explica.
“Há uma diferença muito interessante entre o reciclável e o reciclado”, alerta.
Para isto, destaca, é preciso que as marcas ponham de lado o orgulho. O exemplo mais recente são os copos reutilizáveis dos arraiais e dos festivais de música. Aquilo que começou como uma boa ideia está hoje transformado numa campanha de marketing que acaba por ter pouco de ecológico. Isto porque cada festival quer ter o seu próprio copo, cada marca de cerveja produz o seu copo — fabricando-os, inclusivamente, com medidas diferentes.
Nos famosos arraiais dos Santos Populares, em Lisboa, por exemplo, é difícil encontrar um arraial que não tenha o seu próprio copo reutilizável, com a data e o nome da festa. E, não raras vezes, se for a outro arraial com aquele copo, não lho vão encher: terá de adquirir outro. No final, pode guardá-lo como recordação ou pô-lo no lixo, já que no próximo ano há copo novo.
“O ideal seria que houvesse empresas que disponibilizassem estes copos aos festivais”, recomenda Susana Fonseca. No final, os copos eram recolhidos, desinfetados e usados no festival seguinte.
Isto levaria a outro problema, sublinha a investigadora Maria Elvira Callapez: o setor da reciclagem iria ressentir-se. Para a investigadora, que há vários anos estuda a história dos plásticos, o caminho deve ser a educação. As pessoas, defende Maria Elvira Callapez, devem aprender “utilizar, separar, recolher e reciclar” o plástico. “Pode dizer-me que isso nunca vai acontecer. Mas é como as beatas”, compara, para repetir: “É um problema de civismo”.
“Substituição não é solução”, diz ambientalista
Uma coisa é certa e já aqui foi dita: dificilmente o plástico deixará de fazer parte das nossas vidas. Neste ponto, ambientalistas e indústria concordam, salientando que é preciso encontrar soluções que se enquadrem na chamada economia circular.
Por isso, Susana Fonseca, da Zero, diz ver com preocupação as medidas tomadas por muitas marcas que passam pela eliminação do plástico e pela substituição por produtos de papel. “Para nós, essa é uma preocupação. É sempre mais fácil substituir por outros materiais descartáveis. Substituir tudo aquilo que estamos a fazer como descartável de plástico fóssil por outro qualquer material, à partida, implicará outro impacto semelhante ou superior, porque a indústria do plástico está otimizada em termos de produção.”
“A substituição não é solução”, assegura. “Vemos com muita preocupação esta medida de proibir a utilização de sacos de origens fósseis para frutas, legumes e pão”, sublinha ambientalista, propondo uma alternativa que diz ser mais amiga do planeta: “Todos os sacos, sejam para o que for, devem passar a ter um custo. E temos de habituar as pessoas a pagar esse custo, para estimular que passem a trazer mais os sacos de casa.”
Teria, ainda assim, de ser um custo suficientemente alto, para não continuar a acontecer o que tem acontecido com os sacos comprados na caixa do supermercado. “Comprar sacos no final de cada compra é uma vergonha”, diz Susana Fonseca, lembrando que a imposição de preços, “de início, foi um grande travão, mas agora já não é”. Atualmente, muitos clientes habituaram-se a pagar os 10 cêntimos com as compras e o consumo de sacos tem registado um “aumento significativo”.
Outra opção, propõe Susana Fonseca, é a implementação de um sistema de tara nos sacos semelhante àquele que deve ser aplicado às embalagens (nomeadamente às garrafas). “A pessoa paga a tara, depois devolve o saco e recebe o valor. Não é pagar por um saco. As taras têm essa vantagem: eu pago, mas é temporário. É desses sinais que as pessoas precisam. Se dissermos que agora já não pode haver sacos fósseis, eles são substituídos por outros. Temos de dar vantagens às pessoas que fazem um esforço e penalizar os que não fazem o esforço.” Numa frase: “Temos de tentar que a sustentabilidade seja mais fácil do que a insustentabilidade.”
Para Amaro Reis, a prioridade é a evolução “na recolha seletiva, para podermos ter melhor plástico reciclado”. Neste campo, o responsável pela indústria dos plásticos em Portugal vai ao encontro da ambientalista: “Certas alternativas derivadas do populismo, de que qualquer coisa é melhor que o plástico, têm uma pegada ecológica superior e decerto que todos nós, como ambientalistas, temos de escolher as opções mais sustentáveis e recicláveis”.
A longo prazo, porém, a estratégia terá de ser outra. É difícil dizer, hoje, quando é que o petróleo vai acabar — embora haja previsões que não dão mais de 50 anos aos combustíveis fósseis. Certo é que garantir que esse dia não chega (ou, pelo menos, demora a chegar) depende exclusivamente do ritmo de exploração atual.
No caso de a matéria-prima para a produção do plástico um dia esgotar, a resposta poderá estar na história, como apontam vários especialistas. Nessa altura, será preciso recuperar o trabalho dos químicos que, antes de Leo Baekeland, encontraram soluções nos polímeros naturais. Aliás, o mercado já se tem empenhado na busca dessas alternativas, com a produção de plásticos bio-derivados — que, atualmente, ainda não dão a resposta necessária.
Como alerta Susana Fonseca, atualmente os sacos biodegradáveis não estão a ser devidamente aproveitados porque este material necessita de mais tempo de compostagem do que aquele de que as instalações dispõem hoje. “Se nós tivéssemos sacos feitos de matéria natural que se conseguisse biodegradar no mesmo período que a matéria orgânica a degradar, era uma boa solução. É melhor isso do que ter plásticos fósseis.”