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MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

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De uma rua pobre em Paris ao gozo, de indisciplinado a goleador portista, com direito a um "mental coach": assim se fez Marega o que é

Moussa cresceu na Rua 14, lugar pobre dos subúrbios de Paris. Hoje, quando marca, homenageia aquela morada da meninice. Pelo meio houve gozo, indisciplina e um "mental coach" que tem em França.

Marega é, hoje, aquele tipo de jogador que um treinador não renega. Quando outros não assumem e é preciso assumir, porque o resultado se complica, para que este se faça triunfo e não derrota, ele, Marega, por valentia ou só uma inconsciência, pura e bela, assume, corre, corre que cansa só de ver, dribla, erra o drible, acerta-o depois, erra, acerta, acerta, erra, remata, no alvo, ao lado, muitas vezes resolve e outras vezes não, mas tenta, ele tenta. Marega é, hoje, aquele tipo de jogador que um treinador até renega.

O treinador “certinho”, amarrado mais à tática do que à emoção, renega, porque Marega é anarquia no futebol — menos do que antes mas ainda assim anarquia –, porque mesmo quando o resultado não se complica, ele repete-se. Há nele uma força, bruta, tremenda, que precisa de expulsar e nada nem ninguém pára, treinador, adversário, ninguém: e corre, corre que cansa só de ver, dribla, erra o drible, acerta-o depois, erra, acerta, acerta, erra, remata, no alvo, ao lado, muitas vezes resolve e outras vezes não.

Moussa Marega cresceu numa tal de Rua 14, lugar pobre dos subúrbios de Paris, lugar de imigrantes e descendentes de imigrantes, de África, outros árabes, de todo o lado. E, hoje, quando agita as redes, ergue aos mãos até ao peito, cruza-as, estica o indicador à esquerda, estica todos menos o polegar à direita, e exibe a numeração que homenageia aquela morada da meninice e da vida toda.

A explicação é a rua. Podem tirá-lo de lá mas ela, a rua, está nele. Moussa Marega cresceu numa tal de Rua 14, lugar pobre dos subúrbios de Paris, lugar de imigrantes e descendentes de imigrantes, de África, outros árabes, de todo o lado. E quando agita as redes, ergue aos mãos até ao peito, cruza-as, estica o indicador à esquerda, estica todos menos o polegar à direita, e exibe a numeração que homenageia aquela morada da meninice e da vida toda.

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Era na Rua 14 que jogava. Só lá jogava. Até ser homem.

Não conheceu formação. Ninguém lhe ensinou nada. Aprendeu o que aprendeu por gastar as solas aos ténis no cimento de um ringue exíguo, no roda-bota-fora, aprendeu no empedrado de uma calçada parisiense, na poeira levantada num descampado da capital, com balizas que são balizas, com balizas que de pedras se fazem balizas, como fosse, onde fosse. Só tarde, já com 21 anos no B.I. — tem hoje 27 –, resolveu testar pítons em relva, relva a perder de vista, com limites traçados a cal quando o limite sempre foi o fim da rua ou a mãe a chamar da janela, assinou contrato e tornou-se avançado do Évry, equipa desconhecida dos campeonatos distritais parisienses. Isto em 2012.

MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

A ascensão foi meteórica. Três anos volvidos e o FC Porto recrutou Moussa Marega na Madeira, ao Marítimo. Antes, conheceu diversos clubes, até diversas geografias: o Le Poiré-sur-Vie e o Amiens, em França, e o Espérance de Tunis, na Tunísia. Mas a contratação de Marega faria correr tinta. O Sporting queria-o, a ele e a José Sá, que também era do Marítimo então. Mas seriam ambos “desviados” para norte e para o Porto.

Ainda recentemente, quando anteviu o clássico de março contra os portistas, Jorge Jesus, o treinador do Sporting, atirou de chofre: “Quando ele não estava no Porto e estava noutro clube, eu já o queria”.

“O negócio com o Sporting podia estar feito há algum tempo. Não foi feito pelo seu atraso. O futebol é o momento. E quando não se aproveita o momento perde-se a oportunidade. O tempo não pára. É como o comboio: ou o apanhamos ou ficamos na estação.”
Carlos Pereira, presidente do Marítimo, sobre a contratação falhada de Marega pelo Sporting

Carlos Pereira, o presidente do Marítimo, revelaria em 2016 a razão pela qual a saída para Alvalade nunca se consumou. “O negócio com o Sporting podia estar feito há algum tempo. Mas não foi feito pelo seu atraso. O mercado é constante e permanente e, como costumamos dizer, o futebol é o momento. E quando não se aproveita o momento perde-se a oportunidade. O tempo não pára. É como o comboio: ou o apanhamos ou ficamos na estação.” O Sporting ficaria na estação e Marega chegou à invicta no inverno.

Mas não entraria nunca nas contas de Lopetegui, o treinador portista. Pouco ou nada jogou. E quando enfim jogou, nada lhe saía bem. Um remate tanto podia acertar na baliza como na moleirinha de quem estivesse atrás desta. Uma receção de bola era coisa que para Marega mais parecia um desafio contra as leis da física. Golos? Só um, na Taça de Portugal, em Barcelos. Acabaria emprestado em Guimarães: Nuno Espírito Santo, o novo timoneiro pós-Lopetegui, não o queria também.

Marega era mal-amado, a chacota dos próprios adeptos.

Mas não apenas destes. Era-a também dos dos outros, dos sportinguistas, que não lhe perdoariam escolher equipar de azul-e-branco e não com riscas verdes. O maliano já estava no Vitória quando viu uma das claques do Sporting, a Juventude Leonina, relembrar-se do caso. “METE O MAREGA”, escreveram na tarja levantada durante o clássico com o FC Porto, que os leões venceriam 2-1.

A reabilitação. Ou quando a expressão met’o Marega era sinónimo de gozo

Marega responderia onde sabe, no relvado. Na deslocação a Guimarães, à sétima jornada, o conjunto de Jorge Jesus viu uma vantagem de 3-0 ser anulada com um bis do avançado. Um pouco mais tarde, na segunda volta, volta a ser preponderante ao fazer o empate dos vimaranenses em Alvalade: 1-1.

Se há responsável pela reabilitação futebolística (e não só) de Marega esse só pode ser Pedro Martins, que o treinou na Cidade Berço. Ao Observador, Martins explicou como reabilitou o avançado maliano, que a ele chegaria cabisbaixo com a experiência desoladora no Dragão. “Motivação? Motivação ele até tinha. O que ele precisava era de ter alguém que acreditasse no seu trabalho. Aquela auto-estima estava muito, muito em baixo. E isso é a pior coisa que pode acontecer a um jogador. Lembro-me de conversar com ele e nenhum de nós entendia muito bem a razão pela qual não se afirmou no Porto. O meu desafio com ele era aumentar os níveis de confiança”.

E como é que o fez? Foram dias longos. “Há jogadores com quem é preciso conversar mais, despender mais tempo do que com outros. Foi preciso trabalhar individualmente com o Moussa para que lhe subisse a confiança. Não é trabalho de um dia. É trabalho de dias e dias, a conversar com ele, a mostrar-lhe vídeos para que percebesse onde tinha que melhorar ainda mais. E ele sempre foi muito disponível para aprender”, explicou o antigo treinador do Vitória, agora na Grécia e no Olympiakos.

"Há jogadores com quem é preciso conversar mais, despender mais tempo do que com outros. Foi preciso trabalhar individualmente com o Moussa para que lhe subisse a confiança. Não é trabalho de um dia. É trabalho de dias e dias."
Pedro Martins, ex-treinador do Vitória de Guimarães

A época foi produtiva em Guimarães: 31 jogos, 14 golos. E Marega regressou aos portistas. No começo da época, porém, Conceição avisou-o: “Possivelmente o Marega não terá uns primeiros tempos muito fáceis. Mas penso que se integrará depois e fará parte do grupo”. Fez, sim. Mas os tempos não seriam fáceis, não. Era terceira escolha, suplente de Soares e Aboubakar. Com as lesões de ambos, chegou a sua vez. E não desperdiçaria a oportunidade.

Hoje, pedir para meter Marega não é sinónimo de chacota. É cântico repetido e repetido na bancada. Exigência. Simpatia. No começo do ano, em janeiro, o Porto já vencia o Moreirense, 2-1, quando os adeptos portistas, percebendo que Marega continuava sentado e não se adivinhando a entrada, entoaram: “Oh Conceição, met’o Marega!” Mas Conceição escolheria não o fazer. No banco, o maliano aplaudiu, grato. E o treinador explicou na sala de imprensa o porquê da recusa: “Percebo que haja simpatia por um ou outro jogador. Mas já viu se os adeptos começarem a pedir para o presidente entrar em campo? Sigo o meu caminho, tenho de seguir a minha ideia de jogo. Se fosse a seguir isso não fazia outra coisa a não ser ouvir a bancada”.

A indisciplina foi. E ele também poderá ir

Marega é hoje melhor. Talvez o melhor, quem sabe, do campeonato. Melhor finalizador é, goleador-mor que é dos portistas com 22 remates precisos. E assiste também Marega: quatro passes para golos dos outros. E Marega evoluiu tanto assim porquê? Talvez porque estabilizou a nível emocional. Não era estável o maliano. E somou ao longo do tempo casos de indisciplina atrás de casos de indisciplina.

JOSÉ COELHO/LUSA

O primeiro caso remonta a novembro de 2015. Taça de Portugal. O Marítimo perdia frente ao Amarante 1-0. Marega foi expulso ao minuto 79. Quando deixou o relvado e saiu para o balneário, voltou-se na direção da bancada adversária e provocou-a fazendo um manguito. O treinador dos insulares, Ivo Vieira, não perdoaria a expulsão. “Ele tem de explicar aos colegas de equipa a falta de respeito que teve por eles ao ser expulso com dois amarelos por culpa própria. Isto já vem da época passada e põe em causa a equipa”, disse, desolado.

A tomada de posição do presidente do Marítimo foi imediata. E o jogador foi mesmo suspenso enquanto decorreu o processo disciplinar. “Fiquei surpreendido com a atitude do Marega, embora quem o conhece saiba que é temperamental. Não é uma situação isolada mas o segundo comportamento menos próprio para com a equipa técnica, os colegas e o público”, acusou Carlos Pereira. O outro “comportamento” a que o presidente dos madeirenses se refere aconteceu naquela temporada também, em agosto. Então, Marega recusou-se a treinar.

O empresário do avançado, Mustapha Mnaouar, acusava o Marítimo de recusar negociá-lo, mesmo havendo em cima da mesa propostas tentadoras de emblemas franceses e da Alemanha. Pereira, o presidente, respondeu somente, lacónico: “Não é com esse comportamento que ele terá consideração por parte da administração”.

Avançando. Já em Guimarães, novo caso de indisciplina. Novembro de 2016. Décima jornada. Marega acabou expulso (cartão vermelho direto logo ao minuto 25) por ter agredido à estalada Sequeira, do Nacional, defesa com quem se envolveu num bate-boca. O castigo aplicado pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol revelou-se pesado: três encontros de suspensão e uma multa de 1.148 euros.

Mas a história não acabaria aqui. Marega foi expulso… e abandona o estádio com a partida ainda a decorrer.

O empresário do maliano, Mnaouar, explicaria então o sucedido. Ou tentou. “O Marega está muito arrependido por ter criado esta situação ao Vitória. No dia seguinte ao jogo, o Marega foi a Guimarães falar com o presidente e apresentou-lhe desculpas. O Marega teve um problema pessoal, uma situação familiar delicada, que fez com que não estivesse bem. Ele teve uma atitude negativa ao ser expulso e ao abandonar o estádio com a família. O Marega saiu muito nervoso do relvado e depois tentou acalmar-se na viatura, só com a família. Com aquela atitude penalizou a equipa e o treinador. Não foi uma decisão correta, foi algo que fez a quente, sem refletir”.

"Ele teve uma atitude negativa ao ser expulso [durante o Vitória-Nacional] e ao abandonar o estádio. O Marega saiu muito nervoso e depois tentou acalmar-se na viatura. Com aquela atitude penalizou a equipa e o treinador. Foi algo que fez a quente, sem refletir."
Mustapha Mnaouar, empresário do avançado (novembro de 2016)

Pedro Martins recorda-se da atitude. Perdoou-o. E explica: “Acho que ele cresceu muito. Houve um ou outro episódio não tão feliz no Vitória, é verdade. Mas eu sabia que tinha comigo um homem bom e também um grande profissional. E ele reconheceu sempre que errava, sempre. A qualidade do Moussa já estava lá, a qualidade era evidente. É claro que há aspectos importantes, sobretudo mentais, que trabalhei e que o Sérgio [Conceição] trabalhou. Mas a qualidade é a mesma do início. É verdade que ele chegou tarde ao futebol, e chegou a Portugal sem ter qualquer formação, mas se há um mérito que ele tem é que, independentemente de tudo isso, aprendeu depressa”.

Parte da força de Marega, uma força que era quase fúria, uma fúria interior e não músculo, Pedro e Sérgio souberam transformá-la, direccioná-la. Mas “culpe-se” igualmente um tal de Fabien Delporte, antigo colega de equipa no Évry e hoje seu mental coach — mental coach que procura sempre que retorna a Paris.

A viagem do Porto para a capital francesa, Marega fá-la amiúde. Mas poderá em breve, quiçá no final da época, fazê-la a partir de outro lugar. O Tottenham, o Chelsea e o Manchester United de Mourinho há muito que o observam. Mas quem está à frente na disputa até pode ser o Nápoles. O presidente dos napolitanos, Aurelio De Laurentiis, revelou nos últimos dias que já contratou um avançado que fez 20 golos nesta época. E o Corriere della Sera garante que o avançado é Moussa Marega.

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