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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Delegado do governo da Catalunha: "Estamos num impasse porque não há diálogo com Madrid"

Numa conversa na Rádio Observador, o representante do governo catalão em Lisboa admite que "não é adequado" falar de datas para um referendo, como fez Quim Torra. E culpa Madrid por não haver diálogo.

O mandato do governo regional da Catalunha é fazer um referendo à independência da região, mas Rui Reis admite que não é este o momento para definir quando ou como. O delegado do Governo catalão em Lisboa sublinha a importância do momento, depois de milhares terem enchido as ruas de Barcelona, de forma pacífica, na sequência da sentença que condenou os políticos independentistas. Mas Rui Reis separa-se dos que o fizeram de forma violenta e sublinha que, ao contrário do que dizem os críticos, o presidente Quim Torra também os condenou. Em conversa com João de Almeida Dias, Carla Jorge de Carvalho, Judite França e Paulo Ferreira, na rubrica Direto ao Assunto das Manhãs 360º, na Rádio Observador, o representante da Catalunha em Portugal atira a culpa do impasse no conflito para Pedro Sánchez: “Quim Torra tem ligado muitas vezes a Madrid e não tem possibilidade de combinar nada”.

Na prática, em Lisboa, Rui Reis é uma espécie de diplomata — embora recuse o título de embaixador. A verdade é que a estratégia de manter uma presença em vários países, com delegações do governo da Catalunha, não tem feito com que o independentismo ganhe aliados entre os países da Europa. É um falhanço da estratégia de ação exterior? Os catalães nas ruas voltam a ser a resposta: “A comunidade internacional não pode ficar alheia àquilo que são as preocupações de cerca de 2 milhões e meio de habitantes. Algum problema existe”.

Em Portugal, a diplomacia da Catalunha faz-se num escritório de co-working — sob o olhar atento de Espanha

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Rui Reis, é uma espécie de embaixador da Catalunha no nosso país?
Não, eu sou o delegado do governo da Catalunha em Portugal. A figura de embaixador não existe, como sabe.

O que é que isso quer dizer?
Quer dizer que represento os interesses do governo da Catalunha em Portugal no âmbito  das competências das delegações e da ação exterior do governo da Catalunha em Portugal.

Interesses esses que podem não ser coincidentes com os interesses do Governo de Espanha.
Quando se trata de representar a Generalitat da Catalunha, que são as nossas competências, isto está previsto num quadro de lei do Estatuto de Autonomia da Catalunha. De forma alguma vamos contra aquilo que são os interesses de Espanha. O que estamos aqui a fazer é a representar o governo da Catalunha.

Se um catalão tiver um problema, dirige-se à Embaixada de Espanha ou à delegação da Catalunha?
Obviamente que, se tiver um problema, dirige-se à Embaixada de Espanha, mas, se tiver um problema em que não consegue contactar com a Embaixada de Espanha, nós somos facilitadores. De forma alguma é o nosso âmbito esse tipo de apoio que refere.

São facilitadores que também conseguem aceder com mais facilidade ao governo de Madrid do que um cidadão.
Por exemplo, por exemplo. Recordo-me de que em 2017, quando eu trabalhava na delegação do governo [regional da Catalunha] aqui, que depois foi cessada com o Artigo 155, houve uma situação de uma pessoa de Barcelona que infelizmente faleceu no Alentejo e em relação à qual facilitámos toda a tramitação junto da embaixada e junto das autoridades portugueses.

"Eu não consigo imaginar uma mudança mais leve que não seja aquela que o governo da Catalunha há imenso tempo colocou em andamento, que é a solicitação e o pedido ao diálogo político. Não consigo imaginar outro tipo de mudança mais leve para subirmos até onde queremos subir."

Mas, neste momento, há relações ou contactos entre a delegação da Catalunha em Portugal e a Embaixada de Espanha em Portugal?
Sim, existem esses contactos. Já tivemos encontros com a embaixadora de Espanha. Um encontro.

Mas como diria que as relações estão nesta altura? Estamos a falar, obviamente, depois da sentença que determinou a prisão de alguns independentistas catalães. As relações estão semelhantes ou mudaram?
Bom, nós não tivemos encontros nem temos encontros regulares com a Embaixada de Espanha…

… só quando precisam.
… só quando é necessário. As relações estão tal como estavam há uma semanas.

Na verdade, não o pode dizer. Se ainda não houve contactos entre as duas entidades desde a decisão da justiça, ainda não sabe como estão as relações.
Imagino que estejam como vocês podem imaginar. Normais, dentro da relação entre duas instituições. Aqui há um respeito mútuo e institucional. Nesse âmbito, nós estamos tranquilos.

Fora do âmbito diplomático, convém falarmos da questão política que diz muito respeito à atualidade da Catalunha. Vou fazer um paralelismo. Eu venho todos os dias de bicicleta para a redação do Observador e, ainda há pouco, estava numa subida em que estava imenso vento e eu não estava a conseguir subir aquela rua. O que é que eu fiz? Pus uma mudança mais baixa, mais leve. Não está na altura de o governo regional da Catalunha pôr uma mudança mais leve, também, neste debate?
Uma mudança mais leve… Eu não consigo imaginar uma mudança mais leve que não seja aquela que o governo da Catalunha há imenso tempo colocou em andamento, que é a solicitação e o pedido ao diálogo político. Não consigo imaginar outro tipo de mudança mais leve para subirmos até onde queremos subir.

Ainda na semana passada, na quinta-feira, no único plenário que houve desde a leitura da sentença no parlamento regional da Catalunha, o seu presidente, Quim Torra, fez uma declaração em que dizia querer um referendo já em 2020, até ao final da sua legislatura. Acha que isto é uma postura de moderação? É que nem no governo regional da Catalunha toda a gente está de acordo com isto, como sabemos.
A verdade é que estamos num momento muito complexo, em que a sentença que saiu na semana passada tornou o quadro bastante mais complexo e bastante mais difícil de entendermos os posicionamentos de todos os lados. O parlamento da Catalunha e o governo da Generalitat têm o mandato de 2,5 milhões de catalães. Têm maioria absoluta no parlamento da Catalunha e, dentro do seu mandato, no que diz respeito ao programa eleitoral, estava previsto o referendo. É esse o mandato. O que se pede, de facto, é um diálogo permanente. Se reparou, tem sido notícia, nas últimas 24, 48 horas, que o Presidente do Governo espanhol esteve em Barcelona e não falou com qualquer autoridade do governo da Catalunha. Portanto, o que se pede é diálogo, diálogo e diálogo. O referendo, de facto, é o mandato do governo. Mas pede-se um diálogo. Ninguém quer, neste momento, um referendo não pactado, um referendo não dialogado.

"O governo da Generalitat, na pessoa do presidente Quim Torra, logo nos dias a seguir, logo na terça ou na quarta-feira, veio publicamente, numa declaração às 11 horas da noite de Portugal, condenar a violência. Ainda ontem, no acordo de governo, foi feita uma declaração de condenação da violência. Portanto, não é de todo verdade [que Quim Torra não tenha condenado a violência de forma clara]."

Mas não era bem por essa via que ia Quim Torra. Como é que podemos falar de um referendo pactado se ele próprio já lhe pôs a data? Ao menos podia ligar a Madrid e, se o atendessem, combinar uma data.
Pelo que eu sei, ele tem ligado muitas vezes a Madrid e não tem possibilidade de combinar nada.

Uma das questões que impedia esse diálogo, pelo menos dentro da lógica de Pedro Sánchez, era a não-condenação de Quim Torra à violência nas manifestações. É verdade que houve declarações de Quim Torra, mas não houve durante bastante tempo uma condenação liminar. Pelos vistos, isso pode ter acontecido anteontem numa entrevista de Quim Torra à CNN. Acha que a postura de Quim Torra foi correta ao longo deste período? Ele não podia ter dito logo algo como “eu não estou ao lado da violência, eu condeno a violência”, tal como tinha pedido Pedro Sánchez?
Esta ideia de que o presidente da Generalitat da Catalunha não condenou a violência não corresponde à verdade. Já na semana passada, 48 horas ou 24 horas depois de terem começado os incidentes nas manifestações, e os infiltrados começaram a exercer atos de violência… Porque você viu que, na sexta-feira, culminou com uma greve geral e uma manifestação onde vieram 500 e tal mil pessoas que desceram até Barcelona. E meia centena de infiltrados começou a exercer atos de violência. O governo da Generalitat, na pessoa do presidente Quim Torra, logo nos dias a seguir, logo na terça ou na quarta-feira, veio publicamente, numa declaração às 11 horas da noite de Portugal, condenar a violência. Ainda ontem, no acordo de governo, foi feita uma declaração de condenação da violência. Portanto, não é de todo verdade. Todos os membros com responsabilidades dentro da Generalitat da Catalunha — seja o conselheiro de Assuntos Exterior, o senhor Alfredo Bosch; seja a conselheira da Presidência, Meritxell Budó; seja o presidente da Generalitat — têm condenado a violência.

Olhando agora um pouco mais para a frente, que solução é que há para a questão da Catalunha? O diálogo, obviamente, mas o diálogo com uma ameaça de referendo (e digo ameaça, mesmo, porque o referendo é uma arma política e muito poderosa) será que tem pernas para andar?
Esperemos que agora, com as novas eleições e com a formação de um novo governo em Espanha, possa realmente haver este diálogo político, porque o referendo não está penalizado. O código penal não penaliza o referendo. O que se pretende é chegar a uma solução, como foi no Quebeque ou na Escócia. É isso que se pretende. Neste momento, estamos obviamente num impasse porque não há diálogo.

A delegação do governo regional da Catalunha em Lisboa funciona temporariamente num espaço de co-work

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mas não há diálogo porque há violência nas ruas. Percebe-se que não há condições de diálogo enquanto houver violência nas ruas…
Já não havia diálogo antes da violência nas ruas. Leio em muitos meios de comunicação social portugueses que se tenta vincular o movimento independentista — ou um protesto contra uma sentença que grande parte do povo catalão acha que é um erro histórico — à violência. Falamos de um grupo organizado de pessoas que se infiltraram e que exerceram atos de violência e depois estamos a falar de mais de meio milhão de pessoas que se manifestaram de forma pacífica. Era esse o objetivo.

Esse grupo infiltrado de que fala é exatamente aquele que provavelmente tem provocado uma menor adesão internacional à causa catalã. Porque estes distúrbios na rua não ajudam nada a causa catalã.
Absolutamente, não ajudam, mas o povo da Catalunha é pacífico. Repare, há cerca de seis, sete anos nós, durante o 11 de setembro, que é o dia da Catalunha, a Diada, nós vemos sempre manifestações pacíficas em Barcelona. Este ano, por exemplo, foram 600 mil, mas são sempre entre 600 mil e um milhão e meio de pessoas. E nunca houve um vidro partido ou um carro amolgado, o que quer que seja. Obviamente que é um momento de grande complexidade, estes movimentos sociais emergem em situações complicadas e resultam em problemas desta natureza.

Disse há pouco que vamos esperar agora pelas eleições em Espanha, mas, olhando para as sondagens, não se espera, em relação à questão catalã, uma alteração do quadro das forças dos partidos e há um alargado consenso nos maiores partidos sobre a questão catalã. Se essas eleições confirmarem, de facto, que há uma larga maioria contra a independência da Catalunha, para vocês é um assunto arrumado, para já?
Estamos a falar das eleições na Catalunha ou das eleições em Espanha?

Em Espanha. As da Catalunha ainda não estão marcadas…
Não, não há eleições marcadas.

Mas está por perto.
Não. Como vocês podem ver, ainda ontem, através de uma resolução do parlamento, os partidos que formam uma maioria parlamentar na Catalunha, ao contrário do que muita gente diz, não estão divididos, por isso não se põe, neste momento, a questão de novas eleições.

"O que se pretende, neste momento, é um diálogo com o governo de Madrid. Isso é o que se pretende. Até aí, a marcação de um referendo, como será o referendo, a data, etc.... Não há resposta da parte de Madrid em relação a essa expectativa de diálogo que tem o governo da Catalunha."

Ainda na semana passada, Quim Torra disse que queria referendo em 2020 e não houve um único partido que batesse palmas a isso. Inclusive a ERC, que está no Governo com Quim Torra, disse ‘bom, é melhor não pôr prazos, é melhor ter mais calma’. Há de facto essa divisão no Governo da Catalunha, é pública e assumida. Em relação à resolução de ontem, há um compromisso com o dito direito à autodeterminação, que é uma das bases deste movimento, mas nem sequer estão de acordo em relação a um referendo, ou seja, ao caminho para a frente. A minha questão é como é que, perante um lado com uma imobilidade bastante marcada, por parte de Madrid — em que temos um consenso por parte dos grande partidos e até vemos que o Vox está a crescer um pouco à conta da questão catalã —, e depois, na Catalunha, havendo esta divisão que vemos entre os partidos, é possível a causa independentista conseguir aqui algum feito em tempo útil? Parece-me um bocado complicado, mas se tiver a poção mágica…
Não, não tenho a poção mágica, creio que ninguém tem. Estamos num momento de grande complexidade política, obviamente. O que disse, referindo aquilo que foram as palavras do presidente Quim Torra em relação à marcação do referendo… esse é o mandato deste governo. De facto, colocar datas, neste momento, não é o mais adequado. Estamos num momento que pode ser uma questão de pressão política, não lhe sei dizer exatamente  o que se pretende com estas declarações, de facto, mas sim, é o mandato e esse mandato é objetivamente o que se pretende.

O mandato de que está a falar, de facto, estava nos programas, esse caminho para a independência, mas sabemos que, embora os partidos independentistas tenham maioria absoluta de deputados no parlamento regional, o facto é que a percentagem de votos, quando somamos todos os partidos não independentistas, até é maior. Portanto, há aqui uma distorção — ligeira, mas uma distorção —, proporcionada pelo sistema eleitoral catalão e em Espanha. Ou seja, esse mandato também existe numa situação muito cinzenta. Um referendo não será um termo demasiado definitivo para uma situação que é cinzenta?
O que se pretende, neste momento, é um diálogo com o governo de Madrid. Isso é o que se pretende. De facto, até aí, a marcação de um referendo, como será o referendo, a data, etc…. Não há resposta da parte de Madrid em relação a essa expectativa de diálogo que tem o governo da Catalunha. Em relação às sondagens, em relação àquilo que são os equilíbrios no âmbito eleitoral, sabe que, nas sondagens, o que é verdade hoje não é amanhã. São muito voláteis, todos os dias mudam aquilo que são as intenções de voto. Ora o Vox está como terceira força política, ora está como quarta força política. O PSOE ora está como primeira força política com maioria ou perto da maioria, ou o PP… bom, enfim, sabemos que há uma grande volatilidade em relação a essa situação.

Isto não é volátil, isto é bastante estanque: não há nenhum Governo europeu — e julgo que até mundial — que diga que apoia a independência da Catalunha. Na altura do referendo, houve apenas uma declaração da República da Ossétia do Sul, que também não é reconhecida. O Rui Reis é delegado da Catalunha em Portugal, faz parte de uma iniciativa que cresceu no Governo regional da Catalunha também com o independentismo — foi Puigdemont, o verdadeiro impulsionador, embora houvesse já antecessores, desta rede de “embaixadas” catalãs. Tendo em conta que nenhum país, nenhum Governo, apoia isto, não se pode falar de um falhanço desta estratégia de internacionalização do independentismo catalão?
Há duas questões. Uma é o direito de ação exterior da Generalitat. Desde de 2006, já com o governo tripartido [liderado com o PSOE da Catalunha, a ERC e os Verdes catalães] existiam delegações de governo. Depois foram-se desenvolvendo como ação exterior. O plano do governo tem quatro objetivos: a presença, a excelência, a eficácia e o compromisso. A presença da ação exterior da Catalunha não se resume só às delegações, resume-se também à agência catalã de Turismo, a agência catalã para o Cooperação e Desenvolvimento, também à agência de empresas culturais, etc.. Há um direito próprio das autonomias terem delegações. As que têm, têm. As que não têm, decidiram não tê-las. E, na verdade, no que diz respeito à outra questão, sobre o falhanço internacional, o que nós tentámos foi ter uma voz, explicar aquelas que são as preocupações da Catalunha a nível internacional.A violência que vimos na rua, mas manifestações, as pessoas todas que saem à rua… a comunidade internacional não pode ficar alheia àquilo que são as preocupações de cerca de 2 milhões e meio de habitantes. Algum problema existe.

"Que eu saiba, muitos partidos políticos em Portugal mostram-se preocupados com a violação dos direitos na Catalunha."

O Rui Reis tem tido contactos, em Portugal, com o Governo, com os partidos? Como é que faz a sua ação cá em Portugal?
No âmbito daquilo que são as competências da delegação do Governo da Catalunha, nós trabalhamos em diferentes âmbitos. Não é só a questão política, institucional ou com partidos. Trabalhamos noutros âmbitos.

Mas tem reunido com partidos políticos, os que têm representação parlamentar, por exemplo, em Portugal?
No que faz parte daquilo que é o nosso âmbito de competências ou de trabalho do dia a dia, reunimos com quem temos que nos reunir.

Não quer dar detalhes.
Não.

Sobre a questão da independência, que trabalho tem feito junto dos atores políticos em Portugal, Governo ou partidos, para tentar sensibilizá-los para a ação catalã?
Esta semana esteve cá a senhora secretária de Ação Exterior e União Europeia, que foi entrevistada por diferentes meios de comunicação social. Fizemos uma conferência de imprensa onde ela explicou o posicionamento do governo da Catalunha em relação à questão da sentença e em relação ao momento político atual. Nesse âmbito, nós também fazemos o mesmo tipo de ação.

De partidos políticos, quem é que apoia a causa catalã em Portugal?
Que eu saiba, muitos partidos políticos em Portugal mostram-se preocupados com a violação dos direitos na Catalunha.

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