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Aos 32 anos, Joao Mortágua é saxofonista, compositor e professor de música em Coimbra, a cidade onde vive atualmente
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Aos 32 anos, Joao Mortágua é saxofonista, compositor e professor de música em Coimbra, a cidade onde vive atualmente

Rui Oliveira/Observador

Aos 32 anos, Joao Mortágua é saxofonista, compositor e professor de música em Coimbra, a cidade onde vive atualmente

Rui Oliveira/Observador

Descobriu o jazz com “Os Aristogatos” e agora faz dele vida. João Mortágua quer desassossegar o mundo com um saxofone

O músico de Estarreja venceu um prémio Play na categoria de melhor álbum e, em plena pandemia, não lhe faltam projetos novos na gaveta. João Mortágua quer simplificar o jazz e conquistar o público.

Em criança ouvia os discos vinil do pai, divididos entre o rock e a música popular brasileira. Pediu-lhe para estudar música, começou pelo piano, experimentou o trompete e apaixonou-se pelo saxofone. Descobriu o que era o jazz nas bandas sonoras de desenhos animados, como “Os Aristogatos” ou “Tom & Jerry”, e a partir daí tudo mudou. “O facto de o saxofone ser um dos ícones do jazz foi algo muito apelativo para mim. Foi aí que descobri que aquilo era jazz, a partir daí ficou o bichinho e aos 11 anos comecei a comprar os meus discos.”

Com uma mãe professora de Língua Portuguesa, João Mortágua lia Fernando Pessoa e escrevia poemas como gente grande, um gosto que ficou em stand by a favor da música. O seu primeiro palco foram os bares de praia na Torreira, mas o seu primeiro recibo verde foi passado depois de um concerto no Hot Clube, em Lisboa, numa altura em que decidiu mudar-se para a capital para se formar em Jornalismo. Acabou por trocar as letras pelas pautas de música e, assim, teve a certeza que tocar saxofone era mesmo o seu futuro.

Instalou-se no Porto para estudar jazz, tocou em casamentos e queimas das fitas até começar a dar aulas em Coimbra, cidade onde vive atualmente. “Mais do que os casamentos, tocar nas queimas das fitas não me fazia muito bem. Precisava de liberdade, já estava a escrever música e o facto de ir dar aulas ajudou-me a desempatar o processo.”

Pelo caminho, lançou discos, deu concertos e conheceu músicos internacionais com quem aprendeu a ler as diferenças entre Portugal e o resto do mundo. João Mortágua movimenta-se entre o coletivo e “Holi”, o seu projeto a solo, experimenta formas e formações, tendo na música improvisada o teu terreno mais fértil e criativo.

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Em agosto, venceu um prémio Play pelo álbum “Dentro da Janela”, lançado em março de 2019, sendo, assim, considerado um dos nomes mais promissores do panorama jazzístico português. Em plena pandemia, os concertos caíram e a vontade de gravar e produzir ganhou espaço. Quer voltar a escrever e a cantar, mantém o otimismo e o desejo de tornar o jazz mais acessível e compreensível a todos.

Gravou quatro discos, todos com o carimbo da Porta Jazz, associação que Mortágua vê como um exemplo no Porto e no país

Rui Oliveira/Observador

Como surge o gosto pela música?
Isto começou tudo com os vinis do meu pai, em que metade era música brasileira, Gilberto Gil, Caetano Veloso, e outra metade era rock. O jazz acústico foi por minha vontade mais tarde, mas vamos por partes. Aos setes anos pedi aos meus pais para ir estudar música, estava na segunda classe em Estarreja e havia uma escola e de lá fui recrutado para uma orquestra ligeira na região. Iniciei no piano, mas aos 8 já estava no saxofone. Havia um professor que dava aulas de sopros e quis experimentar. Ainda experimentei trompete, mas tentei dar uma nota e aquilo não correu bem. Posso dizer que o saxofone é um instrumento fácil de iniciar, dos mais simples. É algo muito apelativo para um miúdo, a emissão do som e o sistema mecânico são muito parecidos com a flauta de bisel, foi um bocado por exclusão de partes, mas não me arrependo nada, foi uma escolha acertada. Aos 9 anos fui para Aveiro para o conservatório em piano, o piano ia um bocadinho à frente, pois tinha começado um ano antes, mas tal e qual como na escola privada, aos 10 já estava no saxofone também. Levei os dois em paralelo até aos 13.

Foi difícil conciliar os dois instrumentos? Eles complementam-se de alguma forma?
Sim, o piano era muito exigente e esse foi esse um dos motivos que me abrigou a optar. A partir do quinto grau iria tornar-se muito complexo e exigente, tinha noção disso.

Como descobre o jazz?
Com “Os Aristogatos”, da Disney. Aos 8 ou 9 anos vi os filmes típicos de animação, como o “Aladino”, o “Tom & Jerry” e os “Aristogatos”, este último tem muito de jazz, os sopros estão super presentes, a música é muito descritiva e está muito associada à imagem, a ação e ao movimento. O facto de o saxofone ser um dos ícones do jazz foi algo muito apelativo para mim. Foi aí que descobri que aquilo era jazz, a partir daí ficou o bichinho e aos 11 anos comecei a comprar os meus discos.

Lembra-se do primeiro de todos?
Claro, foi o “Jurasic Classic”, do James Carter, um saxofonista atual que pegava em standards. Estava numa de aprender os clássicos, mas queria uma abordagem moderna. Só depois disso, aos 14 ou15 é que comecei a tocar em bares de praia na Torreira, que é a praia mais próxima de Estarreja, e foram o meu primeiro palco. Foi fixe, de repente tínhamos 7 ou 8 datas num verão, tocávamos os clássicos todos. O “All the things you are” ou o “Summertime”. Nessa mesma altura estava a estudar Humanidades, o que vai dar aso à minha entrada em jornalismo na Universidade Nova.

Porque decidiu ir para Lisboa?
Queria conciliar o jornalismo com o jazz e no Hot Clube tinha essa possibilidade porque não é uma escola privada. Durante um semestre cheguei a conciliar as duas coisas, entrei para jornalismo com a ideia de ser crítico de arte e cultura, adoro escrever, aliás escrevo poesia desde os 9 anos, ganhei alguns prémio e estava encarrilado, mas depois o jazz atropelou-me um bocadinho e acabei por ficar na música. Comecei a tocar com a malta de Lisboa, passei o meu primeiro recibo verde e a partir daí decidi que ia mesmo ser músico.

Esse aptidão para escrita é uma coisa natural?
Sim, a minha mãe era professora de português e mostrava-me muita coisa, lia muito Fernando Pessoa, gostava de brincar com as palavras, aliás, ainda hoje gosto muito.

Mas é algo que deixou na gaveta?
Deixei, é um projeto em stand by, um dia hei de lá voltar.

Um ano depois de estar em Lisboa, decide regressar ao Porto?
Sim, pois o único curso superior de jazz só existia no Porto, em Lisboa só abriria um ano depois, e tinha uma relação muito forte com a cidade.

Havia a necessidade de estudar música, de não ser um auto didata?
Bom, os pais têm sempre uma influência muito grande, dizem: “bom, tens que ir estudar alguma coisa. Deixaste o jornalismo e não vais estudar nada?” Não é por má vontade, simplesmente querem garantir a nossa estabilidade, estão preocupados com esse fato. Até porque acabando a licenciatura podemos ir dar umas aulas, tendo uma base mais estável do que ser freelancer a vida toda. À parte de tudo disso, queria era estar no meio. Estar numa escola é tocar com muita gente, naquela altura, a ESMAE – Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo estava aberta toda a noite, tínhamos a míticas jam sessions que duravam até as 6h, com direito a after. Eram coisas muito intensas que me permitiam estar no meio de músicos, foi onde conheci os músicos da minha primeira banda.

Também tocou em bandas como Os Azeitonas, Expensive Soul e Marta Ren?
Sim, naquela época tinha mesmo tudo em aberto. Tocava em eventos e casamentos, por vezes tocava com músicos de que gostava mais do que outros, mas tinha esse balanço, fazia-o por dinheiro, obviamente, para me safar financeiramente, mas tinha a possibilidade de fazer aquilo com colegas de que gostava, estava a tocar coisas que gostava, estávamos todos juntos a praticar, era super tranquilo de se fazer. No caso das bandas, comecei por substitui um amigo, mas com o passar do tempo fui-me distanciando, já não havia tanta empatia com as pessoas, embora fossem trabalhos bem pagos. A minha criatividade estava a ir um bocado ao ar e preferi dar aulas do que continuar naquilo a vida toda. Mais do que os casamentos tocar nas queimas das fitas não me fazia muito bem. Precisava de liberdade, já estava a escrever música e o facto de ir dar aulas ajudou-me a desempatar o processo. Foram dois anos assim, mas foi giro e uma aprendizagem, foi o meu primeiro contacto com grandes palcos e uma equipa que vai para a estrada.

"O que realmente importante para mim é que as pessoas vão ouvir-me a seguir, não se fiquem pelos parabéns e consumam a música e vão ao concertos. Acontece muito as pessoas virem aos concertos à boleia dos prémios, não me chateia nada, quero é ter público."

Houve um momento em que percebeu que podia mesmo viver da música?
Há sempre o fator risco associado, aliás, ainda hoje existe. Agora está a correr bem, mas não sei se será assim para sempre. Acho que já caminhei o suficiente para saber que se for produzindo e se for fazendo as minhas coisas, haverá essa possibilidade garantida durante uns anos. A partir do momento em que desisti do jornalismo, percebi que ia ser músico. Foquei-me apenas naquilo e apostei tudo, arriscando e sem saber o que iria dar.

Em 2014, sai o seu primeiro álbum, “Janela”.
A relação que tinha com os três músicos que fizeram este trabalho comigo vinha desde 2007, ano em que fomos representar a ESMAE ao Teatro São Luiz, em Lisboa. Continuamos a tocar em vários contextos, fazíamos muito laboratório, improvisação livre e foi assim que nos cruzámos. Fui evoluindo, fui escrevendo temas que no fundo eram canções convencionais com letra. A poesia apareceu ali e tomei uma decisão muito polémica que era cantar. Eu canto muito mal, mas senti-me muito bem nesse papel, adorei, embora o produto final pudesse ter sido muito melhor se tivesse sido um cantor em fazê-lo, mas queria mesmo uma coisa despreocupada. No ano seguinte fomos à Culturgest, depois à Casa da Música, as coisas começaram a acontecer, acabei por entrar num circuito de concertos de auditório.

Muitos têm a ideia de que o jazz é um circuito fechado, entende essa perspetiva?
Na minha opinião, a palavra jazz assusta muita gente. Uns pensam que o jazz é o que passa na Smooth Fm, outros pensam que é improvisação livre, no fundo o jazz está a meio disto tudo e é muito plural. Acho que muitas vezes é a própria palavra que afasta as pessoas. Quando o público vai ver um concerto, acontece uma de duas coisas: ou fica apaixonado porque é o estilo de jazz que aprecia, seja mais comercial ou mais livre, ou, por outro lado, se tiver a mente um pouco mais aberta, percebe que aquilo pode ser um pouco as duas coisas, pode ter improvisação e pode ter música mais escrita, pode ser rock ou mais erudito. O jazz é e sempre será um estilo de fusão, esse é o clique que é necessário dar, para não estamos só no nosso nicho. O público educa-se e os media têm um papel fundamental nisso. Há muito público a ser conquistado, concerto a concerto, e os media podiam acompanhar isso de forma a potenciar o surgimento de mais pessoas e isso nem sempre acontece, apesar de sentir que estamos muito melhores nos últimos 10 anos.

Para o músico e compositor, a palavra 'jazz' assusta muita gente e defende que os media têm um papel importante na angariação de novos públicos

Rui Oliveira/Observador

Em 2017, lança “Axes” e “Mirrors”.
Sim, “Axes”, é o meu projeto mais internacional, com um grupo de quatro saxofones e duas baterias. No ano passado fomos à European Jazz Conference no CCB e isso abriu algumas portas para tocarmos na Europa. É uma formação que me dá muita pica, porque é diferente de tudo. No mesmo ano, lancei o “Mirrors”, que nasce de uma parceria entre o Guimarães Jazz e a Porta Jazz. Fizemos uma residência artística de uma semana e gravámos o disco ao vivo com o mesmo grupo. Este intercâmbio dá-nos a possibilidade de chamarmos malta estrangeira para tocar connosco e a verdade é que por limitações de orçamento e por empatia que já tinha criado com músicos da Galiza, acabei por chamar três galegos e um alemão.

É importante criar uma presença internacional?
Sim, dá visibilidade ao grupo e conseguimos fazer contactos para futuras parcerias com músicos internacionais. Ampliamos logo o leque de possibilidades de concertos, porque apesar de tudo, Portugal ainda é um bocado marginalizado e está na cauda. À boleia destas parcerias vou muitas vezes a Berlim e Amesterdão.

Enquanto artista, o que lhe acrescenta o contacto com outros músicos?
Fico abismado, voltando um bocadinho à conversa dos desgraçadinhos. Há, de facto, muito apoio na Alemanha e na França, existem coisas como poder trabalhar a tempo inteiro como músico e o Estado dar um ordenado fixo por mês ou, nesta situação de pandemia, darem 5 mil euros para se safarem durante seis meses, coisas deste género. Depois eles são muito mais descomplexados do que éramos até há 10 anos, é importante dizer isto porque acho mesmo que nos últimos 10 anos isto evoluiu muito e estamos muito mais abertos. Não havia tanta fronteira entre o jazz mais mainstream e do jazz mais livre, a malta fazia música como e porque lhes apetecia, sem tantas barreiras de estilos. Havia mais abertura à improvisação livre, que é talvez a música mais difícil de se ouvir e isso é apelativo. De repente, posso fazer um concerto improvisado em Berlim e isso é muito bem aceite porque há um nicho que vai estar dançar se for preciso, que é uma coisa impensável cá. Vais ver um concerto de jazz e a menos que seja uma festa com Dj, não vais dançar à frente da banda porque não é suposto. Eu próprio, que sou músico, não faria isso. Lá fora existe essa abertura, a arte pela arte, a recetividade a tudo. É esta a grande diferença que sinto, sendo que na última década estamos cada vez mais europeus nesse sentido e ainda bem.

Esse esbater da diferença deve-se a quê?
Deve-se sobretudo aos intercâmbios, o facto de a Porta Jazz receber músicos europeus em cada festival que faz, esbate-se aquela coisa do músico que estudou na ESMAE e estudou o jazz americano todo e de repente estamos a focar-nos mais no que se passa na Europa. É importante tocar com malta estrangeira e criar um bocadinho aquilo que se chama o jazz europeu, seja lá o que isso for. No fundo, é ir buscar as nossas raízes, sem esquecer o gospel e o afro americano, continuo a adorar essa cultura, mas fazendo música com quem está aqui mesmo ao nosso lado.

Nunca teve a tentação de ir trabalhar para fora de Portugal?
Tinha 24 anos e tentei ir para a Boston, mas disseram-me claramente que estavam à procura de miúdos com 18 anos, que ainda não tivessem uma voz própria. Ainda tinha aulas em Coimbra e tinha tudo em aberto. Foi a minha única tentativa e veio fora de horas.

Em 2018 nasce “Holi”, um projeto a solo. Porquê essa mudança?
O projeto vem acompanhado pelas minhas incursões pelas eletrónicas, quando comecei a usar uns pedais e uns loops. Entusiasmou-me ser independente, poder tocar sozinho, não depender de ninguém e poder ser eu a dirigir a minha própria música. Senti essa necessidade, gosto de trabalhar em coletivo, mas já tinha feito muita coisa com bandas. Quero ter o poder sobre a música, com a batota dos loops e das eletrónicas, que não é a batota nenhuma, porque era um mundo que eu queria explorar e sempre gostei. Por mais exposto que ficasse estava a precisar dessa experiência e logisticamente é tudo mais fácil, posso estar em casa a treinar. Outra coisa importante é que posso improvisar muito, não dependendo da interação com ninguém.

A intenção é gravar e circular este “Holi”?
Sim, quero continuar. O próximo passo será deixar um bocadinho os pedais de parte e gravar num sítio cheio de eco, provavelmente num igreja, mas ainda não sei qual. Fiz vários vídeos, mas ainda não registei em disco, por isso quero gravar e tocar o mais possível a solo.

O formato disco ainda faz sentido?
Cada vez menos quando é tudo mais digital e online. Já não há tanto apreço pelo objeto físico, mas continuo a achar que quem vai aos concertos quer levar aquilo para casa, mesmo que seja para ter na estante. A editora Carimbo, da Porta Jazz, é um exemplo disso, porque não produz um formato propriamente para andar no bolso.

"Na minha opinião, a palavra jazz assusta muita gente. Uns pensam que o jazz é o que passa na Smooth Fm, outros pensam que é improvisação livre, no fundo o jazz está a meio disto tudo e é muito plural. Acho que muitas vezes é a própria palavra que afasta as pessoas."

Quando começa a sua relação com a Porta Jazz?
Em 2012, com o disco de estreia do Miguel Moreira, guitarrista de dois discos meus. Pelo meio toquei com inúmeros grupos editados por eles, 15 discos e quatro só meus. Eles vieram mudar e revolucionar o jazz. Se não fosse a Porta Jazz não me teria aguentado tantos anos no Porto, porque tinha necessidade de escoar a minha produção e veio ajudar muito a isso. Não só nos concertos que vão acontecendo mais na região norte, é importante referir que são 11 voluntários e depende tudo deles. Há um sentimento de família e de pertença que não conheço mais exemplos assim em Portugal e isso agrada-me. Até porque agora estou mais desligado do Porto, moro em Coimbra e tenho tocado muitas mais vezes em Lisboa, mas quando penso em gravar os músicos que escolhe são de cá, porque são eles que continuam a puxar-me para fazer coisas novas.

A música improvisada é onde se sente mais confortável?
Hoje em dia acho que sim. Durante muito tempo era muito difícil para mim improvisar de forma livre, sem base nenhuma. Estava muito preso á coisa da escola, às grelhas de acordes, aos compassos e à métrica. Foram precisos alguns anos, diria que só há dois anos para cá é que me sinto mesmo em casa quando estou sem rede e isso coincidiu com o processo a solo. Quando faço música improvisada em grupo, isso faz-me evoluir muito porque me obriga a ter um ouvido super alerta, como não temos rede nenhuma, temos de estar sempre a reagir ao que o outro toca. Ao início tinha muito a tendência de imitar, o meu ouvido é muito reativo, a minha aprendizagem foi precisamente começar a interagir, a responder e a contra argumentar para construir algo mais interessante na música improvisada.

Com “Dentro da Janela” vence o Play – prémios da música portuguesa 2020, na categoria de melhor álbum de jazz?
Sim, a música já existia desde 2017, em 2019 gravamos o disco em Matosinhos, a música rodou, amadureceu, umas caíram e outras ficaram. O grupo é a evolução do álbum “Janela”, de 2014, embora esteticamente a música já esteja muito distante. Não tem poemas, não tem voz, foi uma viragem assumida, tem muito menos formato canção, é uma evolução completa, é outra faceta feita num outro tempo. O grupo é exatamente o mesmo, mas decidi acrescentar um segundo sopro e agora aconteceu isto do prémio, um ano depois do disco ter saído, mas foi super bem vindo.

Os prémios são importantes?
Não necessariamente, mas é algo importante para quem nos contrata e para o público que nos ouve, pelo menos para uma parte dele. Atenção que não sou nada avesso ou ingrato a receber um prémio, fico todo contente, é sempre um sinal de reconhecimento, mas há muito mais do que isso. O que realmente importante para mim é que as pessoas vão ouvir-me a seguir, não se fiquem pelos parabéns e consumam a música e vão ao concertos. Acontece muito as pessoas virem aos concertos à boleia dos prémios, não me chateia nada, quero é ter público.

Começou por estudar piano, tentou trompete, mas apaixonou-se pelo saxofone. João Mortágua é um dos nomes mais promissores do jazz nacional

Rui Oliveira/Observador

O que lhe dá mais gozo no processo criativo?
Depois de gravar, adoro fazer o puzzle, ou seja, criar uma narrativa a partir do que temos ali. A verdade é que há sempre muita coisa dispersa e só depois é que vamos criar um sentido, mediante a sequência. É um processo super relaxado o processo e não deixa de ser criativo. Há sempre uma mensagem, uma história a passar, mas quando gravamos não estamos a pensar nisso. Esta é a parte que eu gosto mais em montar disco de improvisação livre, quando construo a narrativa.

Essa escrita de música é motivada pelas suas referências, pelo que ouve?
Penso que sou mais influenciado pela equipa e as pessoas que estão à minha volta, não tanto pela música que oiço. Até prefiro que assim seja, embora oiça muita música, mas tento partir de coisas mais concretas. Também não fugo a referências do que oiço se elas aparecerem no meu subconsciente, não tenho medo de copiar, mas agrada-me não fazer alusões demasiado óbvias aquilo que oiço. Há uma preocupação em ser fresco e em ser diferente, mas não há o medo de repetirmos o que já ouvimos, porque isso hoje em dia é tão vago, está quase tudo feito. Para fazer diferente, prefiro focar-me numa coisa concreta, num ritmo, num intervalo ou numa coisa minimal e a partir daí construir o tema como uma manta retalhos.

A pandemia trouxe-lhe muitas mudanças?
Sinceramente foram tempos muito felizes, seria hipócrita se dissesse o contrário. Obviamente que estou consciente e solidário, sobretudo com técnicos e pessoas ligadas ao espetáculo que estão a passar dificuldades, mas seria hipócrita da minha parte dizer que foi um esforço ficar em casa, não foi. No início achava que ia produzir música todas as noites, mas não. O que eu precisava realmente era de parar, centrar-me, alinhar-me, estar com a minha filha e foi para isso que serviu. Escrevi muito pouco, mas tive necessidade de gravar. Foi uma desaceleração que estava a precisar e mais do que produzir muito percebi realmente o que queria fazer agora, descobri que a música improvisada está muito mais do mapa do que nunca.

A questão monetária não assustou?
Sim, mas foi melhor do que eu estava à espera. Os festivais estão a acontecer, os auditórios estão a abrir muito antes do que eu esperava. Não vamos cantar vitória porque ainda vem aí o inverno, mas está a correr bem. Claro que é um ano muito menos ativo e recheado de concertos, mas têm surgido coisas bem organizadas e bem pagas.

O que teve oportunidade de gravar?
Na verdade fiz quatro gravações este mês, foi uma loucura, mas adorei. Agosto é um mês calmo de concertos, onde a malta aproveita para fazer isso. Em março de 2020, antes de estourar a pandemia, lancei o Mazam, que é o meu novo projeto com o Carlos Azevedo, no piano, Miguel Ângelo, no contrabaixo, e o Mário Costa, na bateria. A primeira sessão já estava gravada há um ano e recentemente gravamos o segundo trabalho deste mesmo grupo, onde entra a improvisação livre. Integro um trio com a Rita Maria, que vai chamar-se “Quang Ny Lys”, tenho um duo com o o baterista Diogo Alexandre, que foi meu aluno em Coimbra, e que será lançado em breve e um dos grupos com quem mais tenho tocado ultimamente é o trio com o Carlos Bica e o André Santos, que talvez também grave em breve.

Com quem ainda gostava de trabalhar?
Essa é uma pergunta difícil. Talvez o argentino Leo Geonevese, ultimamente ando muito focado em tocar com pianistas, afinal, é o meu instrumento base.

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