Diogo Feio, antigo dirigente, ex-deputado e ex-eurodeputado do CDS, considera que os próximos anos são fundamentais para a reconfiguração do espaço não socialista e traça um cenário: numa primeira fase, até às eleições europeias, cada partido fará o seu próprio caminho de afirmação; depois da corrida a Bruxelas, terá de existir um esforço de união de PSD, CDS e IL. Aos olhos do democrata-cristão, só assim será possível que os três partidos consigam, juntos, uma maioria absoluta capaz de tirar o PS do poder.
Em entrevista ao Observador, no programa Vichyssoise, Diogo Feio traça uma linha vermelha muito clara: a “parede à direita do CDS” tem agora um nome — e esse nome é “Chega”. O democrata-cristão acredita que o partido é “Andréocêntrico”, com vocação para se manter “sozinho” na ilha da oposição e, como tal, é preciso deixar o Chega com “aquelas que são as suas escolhas”.
Feio não exclui ainda a hipótese de um fim precoce da legislatura e chega a sugerir que António Costa já escolheu aquele que quer como seu sucessor: “Caso contrário, não há outra explicação para que Pedro Nuno Santos continue hoje no Governo depois de ter criado uma crise que nunca tinha visto entre um ministro e um primeiro-ministro”.
[Ouça aqui a Vichyssoise com Diogo Feio]
“Mantenho: tal como o conhecíamos, o CDS desapareceu na noite eleitoral”
Chegou a defender publicamente que CDS e PSD deveriam começar a pensar seriamente no caminho da fusão entre os dois partidos. Com os dados que temos hoje, continua a acreditar que essa é a melhor solução?
Sou firmemente defensor de que o espaço do centro-direita tem de se unir, embora compreenda que perante uma legislatura com uma maioria absoluta e quatro anos de perspetiva em que a partir do próximo ano teremos eleições em todos, vamos inicialmente passar por um espaço de afirmação dos diferentes partidos, que tem como limite as eleições europeias, até 2025.
Se o partido falhar a eleição de qualquer eurodeputado nas próximas eleições, o CDS deve entregar os pontos?
O objetivo é ter aproximadamente 120 mil votos e o CDS teve nas últimas eleições legislativas, no que acho que foi ir ao osso, 98 mil, portanto, quem se candidatar nas europeias, que têm maior abstenção, mas também maior liberdade no voto, tem de assumir este objetivo como mínimo. O CDS teve sempre representação no Parlamento Europeu. Na noite das eleições disse que o CDS tinha desaparecido e continuo a manter que, tal como o conhecíamos, naquela noite o CDS desapareceu. Há um desafio muito grande. Para manter peso e relevância política, tem de passar pelo desafio das europeias.
Mas, falhando a eleição de um eurodeputado, o CDS perde razão de existir enquanto força política autónoma?
Pode passar a ser uma espécie de MDP/CDE à direita. Durante muito tempo, o PCP tinha sempre um deputado ou dois do MDP/CDE, que tinha sido uma força política com um passado político bastante relevante, mas que não tinha eleitorado para se manter de uma forma autónoma. É evidente que esse risco de deixar de ter uma forma autónoma existe. Mas a política faz-se com risco e diria que nesta fase de afirmação — o primeiro momento dos próximos dois anos — no espaço não socialista, o CDS tem de se afirmar, numa altura em que há planos doutrinários muito claros noutros partidos, como o partido da doutrina social-cristã, da direita social. O discurso social não é um discurso que tenha de existir como património à esquerda. E acho que esse espaço político está por ocupar.
Na fase da união, de que falava há pouco, o CDS tem realisticamente hipóteses de voltar ao Parlamento?
Não sabemos o que vai acontecer depois da fase de afirmação. Depois das europeias vamos ter uma realidade política que não é aquela de que estamos a falar neste momento. Se pensarmos a dois anos, não me parece muito complicado que o PS, que tem neste momento 10 eurodeputados em 21, tenha uma quebra de natureza eleitoral e é perante isso que vamos estar. Na altura se verá se Luís Montenegro está a ultrapassar o desafio de resistência que tem pela frente, como é que a IL vai provar a nível eleitoral numas eleições para o Parlamento Europeu, o que se sucede com o CDS e a partir daí teremos os três elementos essenciais para a solução de união que acredito que pode ter maioria absoluta nas próximas eleições legislativas.
Seria uma fusão formal ou estamos a falar de uma aliança circunstancial?
Não estou nos formalismos. Tenho uma certeza: se o PS ganhou uma maioria absoluta sem os extremos, não vejo por que é que uma solução que abarque o PSD, a IL e o CDS não tenha essa mesma maioria absoluta. É perfeitamente possível. Mas é a segunda fase. Neste momento, ainda estamos na primeira, em que cada um vai marcar aqueles que são os seus pontos.
“O Chega é um partido que quer estar sozinho. Mais: não deve estar com outros”
A crise que se vive dentro da IL, à procura de um novo líder, é uma oportunidade para o CDS?
Se é uma oportunidade ou não, se verá. A IL veio com uma afirmação doutrinária muito marcada deixar, curiosamente, um espaço maior de liberdade no centro direita. Durante muito tempo vi Paulo Portas dizer que o CDS era o partido que federava conservadores, liberais, democratas-cristãos. Com a afirmação da IL, com uma base pura e simplesmente de doutrina de liberalismo político, com todas as consequências que isso tem quanto aos costumes e ao plano da economia, fica com esse espaço, sendo que a IL também tem desafios: não está consolidada.
Mas o que se passa dentro do partido pode colocar em causa esse espaço e criar espaço para o CDS voltar?
Para voltar ao Parlamento temos de pensar numa lógica a quatro anos, que até pode ser mais curta. Se estivesse nos órgãos dirigentes do CDS pensava em preparar bem as europeias e as autárquicas. O CDS tem muitos autarcas, seis câmaras em que lidera sozinho, dezenas em que está em coligação com o PSD… A IL não tem, o Chega não tem.
Olhando para o Chega, que muitos apostavam que implodiria assim que André Ventura deixasse de ser a única cara do partido no Parlamento e que começasse a haver várias vozes, continua confortavelmente como a terceira força política do país. O eleitorado conservador que alimenta o Chega não voltará ao CDS?
Foi feito um estudo que diz que os votos que o CDS perdeu foram fundamentalmente para o PSD e por isso não deve ser feita uma conversa à volta do Chega e da IL. A realidade dos dois partidos é sociologicamente muito idêntica e houve um hábito, entre PSD e CDS, que quando o PSD ganhava e necessitava de ter uma maioria absoluta que ela existia com o naturalidade com o CDS. O espaço de natureza sociológica está aí. Esse CDS teve um grande revés nas últimas eleições e o que tem de fazer agora é afirmar-se na lógica da direita social, que não é ocupada pela IL nem pelo Chega.
Considera que essa fusão que chegou a haver em determinados momentos entre PSD e CDS agora só é possível com um entendimento entre o PSD e o Chega?
Sobre o Chega ainda me parece que é um partido muito Andréocêntrico, por muito que se diga que aparecem outras vozes. É um partido que quer estar sozinho, não quer estar com outros. E mais: não deve estar com outros. O Chega é, pura e simplesmente, um equilibrador do sistema. Durante muito tempo ouvi Paulo Portas dizer que à direita do CDS está a parede, a parede é o Chega. A parede transformou-se num partido e essa parede quer estar sozinha, deve estar sozinha e quando for a eleições legislativas vai ter uma erosão imensa pelo efeito do voto útil. Portanto, uma solução bem pensada e para a qual o CDS pode ter um papel relevante é um papel programático que permita ao partido que é o eixo de alternativa, o PSD, uma afirmação de uma solução vencedora perante o PS.
Falava de uma possível erosão do Chega nas próximas eleições legislativas. Se isso não acontecer a direita vai perpetuar o PS no poder até estar em condições de dispensar o Chega?
A conversa à volta do Chega interessa a André Ventura e a António Costa, ponto final parágrafo. O que me parece mais inteligente, olhando do espaço não-socialista, é pura e simplesmente deixar o Chega com aquelas que são as suas escolhas e seguir o caminho moderado, defensor de um conjunto amplo de liberdade, defensor da iniciativa económica…
Acha que esse caminho tem de ser feito com naturalidade?
Acho que sim, um caminho de proteção daqueles que vão ter grandes dificuldades com esta inflação, de uma forma alternativa ao que faz António Costa. Portanto, deixaria o diálogo político no Parlamento a António Costa e a André Ventura. Que façam lá as suas conversas e os restantes que não estejam muito preocupados com isso.
“Há sempre espaço para uma candidatura presidencial de Portas”
A propósito das críticas de que Marcelo Rebelo de Sousa estava a ser alvo, saiu em defesa do Presidente da República e escreveu o seguinte: “Pasmei com o comentário de diversas personalidades à direita e com o facto de se deixar espaço, aliás bem aproveitado, para ser António Costa a assumir a defesa presidencial. (…) A tentativa sistemática de enfraquecer Marcelo Rebelo de Sousa tem limites.” Quem é que à direita tem interesse em enfraquecer Marcelo e porquê?
Parece-me que foi uma onda generalizada, não vi muitas vozes a defender a posição do Presidente da República que, objetivamente, olhando para os órgãos de soberania, é aquele que vem do espaço com que me identifico.
O próprio Marcelo Rebelo de Sousa já disse que a direita não tem sabido aproveitar essa proximidade à Presidência.
Pois, é verdade. Tenho dificuldade em pensar pela cabeça dos outros, mas vamos tentar num plano analítico fazer isso: o que é que alguns estavam à espera? Depois de umas eleições divisivas e de uma governação muito corajosa de Pedro Passos Coelho gerou-se uma circunstância em que António Costa conseguiu, com habilidade, uma determinada solução política à esquerda. Havia muitos que estavam com esperança que o Presidente da República fizesse oposição, criasse dificuldades a essa solução de natureza política. Ora, o Presidente da República desde o seu primeiro discurso foi muito claro a dizer que ia ser defensor da estabilidade. E, de facto, não temos tido instabilidade de natureza política a partir de Belém. Temos é uma circunstância diferente e muito mais difícil para um Presidente da República e também aí o espaço de centro direita tem de perceber: o Presidente passa de um primeiro mandato onde é autor — porque tem uma legitimidade muito grande numa solução governativa que tem fragilidades — para uma situação em que António Costa está em maioria absoluta e o Presidente da República passa de autor para ator. E é para isso que o espaço de centro direita tem pouca paciência para os tempos de que o Presidente precisa.
A questão é que muitos à direita dizem que Marcelo Rebelo de Sousa em vez de ser uma espécie de antagonista tem sido um ator coadjuvante. Reconhece essa crítica?
O Presidente da República tinha a escolha de andar a fazer congressos como Mário Soares e prefiro esta opção. Marcou o tempo eleitoral do PS e de António Costa no discurso de tomada de posse do Governo e disse que este era um Governo até 2026, como quem diz que se houver uma variação teria de se arranjar uma solução política distinta e passar com grande probabilidade por eleições, algo que, em novembro de 2022, não vejo como impossível. Temos uma solução de maioria absoluta e já se discute se há ou não estabilidade governativa e a conversa é “Vamos ter Governo durante quatro anos?” Não deixa de ser curioso que isso suceda em tão pouco tempo.
Para fechar este bloco das presidenciais. Paulo Portas teria condições de protagonizar uma candidatura vencedora mesmo que, à direita, existisse também Luís Marques Mendes?
Devo dizer que são as eleições que vejo com maior tranquilidade em relação às opções do meu espaço político. Naturalmente, tenho uma ligação muito grande de trabalho a Paulo Portas. Mas todos os nomes — incluindo o de Pedro Passos Coelho — têm circunstâncias distintas.
Acha que Pedro Passos Coelho é o único conseguirá reunir toda a direita?
Depende muito do conjunto de candidaturas que possam vir a existir. Uma coisa é certa: Pedro Passos Coelho veio dizer-nos, dentro da sua total liberdade, duas coisas: não diz nunca a nada e diz que, em novembro de 2022, não está nos seus planos uma candidatura presidencial. Teremos candidaturas lá para 2025. Muito tempo vai correr até lá. Teremos Pedro Passos Coelho a gerir os seus silêncios, teremos Paulo Portas e Luís Marques Mendes a gerirem as suas intervenções mediáticas. É a diferença entre os três.
Só para insistir: num cenário em que a candidatura de Pedro Passos Coelho não existe e Luís Marques Mendes decide avançar com o apoio do PSD, Paulo Portas teria espaço à direita para protagonizar outra candidatura?
Há sempre espaço. Mais: o espaço será maior nessa altura do que é hoje. Por exemplo, hoje fala-se de uma potencial candidatura do almirante Gouveia e Melo. Estou perfeitamente convencido que daqui a dois ou três anos essa candidatura já não terá condições políticas para existir. Além disso, as presidenciais vão depender muito se esta legislatura vai ou não até ao fim.
“Costa já escolheu sucessor: chama-se Pedro Nuno Santos”
Não acredita que António Costa chegue ao fim do mandato?
Não sei, mas há uma dúvida generalizada sobre isso e que tem que ver com o próprio perfil de António Costa, o que não deixa de ser curioso. António Costa é um político muitíssimo hábil, inteligente e com capacidade de ler a realidade. É um negociador como há poucos. Aquela solução à esquerda estava nas mãos de muito poucos na política portuguesa. Nessa gestão, António Costa é exímio. Agora, se calhar teve o azar de ter maioria absoluta.
Acabaram-se as desculpas.
A maioria absoluta exige uma capacidade de governação mais no médio e longo prazo. E esse não é o fato em que António Costa se sente melhor. É também por isso que, a quatro anos do fim da legislatura, há a pergunta se ela vai terminar ou não. O normal neste momento era falarmos sobre as opções políticas que o Governo tomou em várias matérias. Mas não. E repare-se: nunca tivemos uma legislatura de maioria absoluta que não tivesse ido até ao fim.
Por incapacidade de António Costa vestir o tal fato da maioria absoluta?
Não é aquele em que se sente melhor. Parece-me evidente. Já surgem muitas conversas sobre a sua sucessão. Até acho que António Costa já escolheu aquele que quer como seu sucessor: chama-se Pedro Nuno Santos. Caso contrário, não há outra explicação para que Pedro Nuno Santos continue hoje no Governo depois de ter criado uma crise que nunca tinha visto entre um ministro e um primeiro-ministro.
Acredita que António Costa pode ter a tentação de deixar o mandato a meio e entregar o Governo a um sucessor?
Essa tentação até a podia ter, mas tem um Presidente da República que já foi muito claro: isso não vai acontecer porque ele não deixa. E é por isso que o Presidente da República precisa de força e não de críticas do seu espaço político. No discurso [de tomada de posse do Governo], o Presidente da República disse que esta maioria absoluta era de António Costa, com mandato até 2026 e que depende dele. António Costa não está numa situação de reeditar uma solução como aquela que existiu quando Durão Barroso foi para presidente da Comissão Europeia, num governo que durou meses. Marcelo Rebelo de Sousa não vai querer que seja instável.
Uma eventual ascensão de Pedro Nuno Santos ao PS, uma figura mais à esquerda no partido, não aumentarias as hipóteses do espaço não socialista? Bipolizaria a corrida.
Acho que pode ajudar a marcar aquilo que defendo: a existência de uma alternativa unificada no espaço à direita e seria bem vista pelo eleitorado mais central, mas que tem de ter um projeto político que seja claro para as pessoas. Por isso, repito: dois anos de afirmação; depois anos de união, à volta do PSD, com uma participação natural do CDS e da IL e com uma grande capacidade de atrair voto jovem, urbano e que acredita num país capaz de fazer reformas. Não se pode estar com discursos ambíguos. Isso é perfeitamente possível e não acredito que Portugal se vai transformar num México.
“Preferia nunca mais voltar à política do que integrar Governo com Chega”
Vamos avançar para a segunda parte da nossa refeição, o “Carne ou Peixe”, em que só pode escolher uma de duas opções. Preferia ir ao Estádio do Dragão com André Ventura ou com Jerónimo de Sousa?
Acho que seria mais simpático com Jerónimo de Sousa, apesar de serem os dois benfiquistas. Não me esqueço das intervenções de André Ventura na CMTV em defesa do seu clube.
Quem é que levava a um concerto de Sérgio Godinho: Manuel Monteiro ou Francisco Rodrigues dos Santos?
Acho que levava Manuel Monteiro. Possivelmente, gostaria mais do género musical até por uma questão geracional.
Se pudesse escolher, gostava de voltar a um Governo (mesmo que tivesse participação do Chega) ou nunca mais voltar a exercer um cargo político?
Estou mais numa de nunca mais voltar, ainda que não se deva dizer nunca.
Preferia fazer jogging com Adolfo Mesquita Nunes ou Nuno Melo?
Preferia com o Adolfo. Sou amigo dele há muito tempo e até por outra coisa: o Adolfo também faz jogging. Seria uma coisa mais competitiva, mas se o Nuno também quisesse vir, também seria bem-vindo.
Nuno Melo é mais caça.
Exatamente. Não é propriamente a minha onda.