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Rio e Rangel: as autárquicas vão colocá-los frente a frente?
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Rio e Rangel: as autárquicas vão colocá-los frente a frente?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Rio e Rangel: as autárquicas vão colocá-los frente a frente?

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Direção de Rio atenta às movimentações de Rangel

O quartel-general do PSD suspeita das ambições do eurodeputado e está preparado para o choque. Referendo à eutanásia expõe ainda mais as fraturas e o futuro pós-autárquicas já mexe com o partido.

O copo vai enchendo. No núcleo duro de Rui Rio, já poucos ignoram que Paulo Rangel se prepara para fazer uma OPA hostil à liderança do PSD depois das próximas autárquicas. Os ‘irritantes’ protagonizados pelo eurodeputado vão-se acumulando e há quem, entre os dirigentes mais próximos de Rio, vá sinalizando o desagrado. “Se quer ir a votos, é melhor esperar sentado.”

O último desses sinais surgiu esta semana, à boleia do chumbo da lei da eutanásia. Paulo Rangel, que já no último congresso do PSD tinha conseguido levantar os militantes sociais-democratas com a defesa do referendo à morte assistida, voltou à carga e fez um apelo à bancada parlamentar do partido para relançar o debate.

Ora, esse debate foi várias vezes fechado por Rui Rio. No último Congresso, o partido aprovou por maioria uma moção estratégica nesse sentido, o que motivou todo um psicodrama nas hostes sociais-democratas: Rui Rio deu liberdade de voto aos deputados, parlamentares houve que enfrentaram diretamente o líder social-democrata e até o Conselho de Jurisdição deu razão aos queixosos. Contas feitas, quando a questão do referendo à eutanásia foi debatida e votada no Parlamento, apenas Rui Rio e outros oito deputados do PSD votaram contra a proposta, ficando isolados do resto da bancada social-democrata. Ainda assim, o referendo seria chumbando por votos dos partidos mais à esquerda.

A questão parecia encerrada, mas Paulo Rangel reacendeu-a num artigo de opinião publicado no jornal “Público”, precisamente no dia em que Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos iam apresentar o acordo de coligação para as próximas eleições autárquicas.

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“Nós, as pessoas que pensam como eu -- julgo que não estou sozinho -- não queremos de maneira nenhuma que alguém mude a sua convicção. Só queremos que as pessoas permitam que todos aqueles que têm convicções se possam exprimir.”
Paulo Rangel em resposta a Rui Rio sobre referendo à eutanásia

Uma mera coincidência — Rangel escreve habitualmente às terças-feiras e o diploma tinha sido chumbado na véspera — que acabou, mesmo assim, por contaminar a conferência de imprensa de Rio e Rodrigues dos Santos. Por duas vezes o líder do PSD foi desafiado a responder a Paulo Rangel e por duas vezes foi obrigado a cortar a eito. “Não mudo as minhas convicções. Não tenho nenhum comentário especial a fazer sobre isso. Em questão de convicção não mudo. Posso ficar sozinho, mas não mudo”, disse.

Rangel não ficou satisfeito com a resposta e voltou a insistir no tema, desta vez na “Rádio Renascença”, em três atos. Ato 1: “A posição do líder do partido é pessoal. O próprio congresso do PSD aprovou por larga maioria uma moção a dizer que o referendo deveria ser feito. Conheço o doutor Rui Rio há muito tempo, sei que ele não muda de convicção e que esta não é oportunista. A questão é que eu também não mudo de convicção”;

Ato 2: “Mantenho o apelo por completo a todos os deputados e ao próprio líder do PSD, porque ninguém lhe pede que mude de convicções. Pede-se apenas que ele aceite a ideia [do referendo] porque não mexe com as convicções de ninguém. O referendo não é um problema de convicção. É um instrumento para que todos aqueles que também têm convicções em casa possam tomar uma posição sobre esta matéria.”

Ato 3: “Nós, as pessoas que pensam como eu — julgo que não estou sozinho — não queremos de maneira nenhuma que alguém mude a sua convicção. Só queremos que as pessoas permitam que todos aqueles que têm convicções se possam exprimir.”

Rangel recuperou o tema do referendo à eutanásia apesar da posição de Rui Rio

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Um distanciamento que vem de longe

Este último episódio motivou algum desgaste na direção do PSD, que entende que o reciclar do tema tem apenas como objetivo criar um embaraço a Rui Rio. Até porque é verdadeiramente um não-assunto: mesmo que a proposta de referendo voltasse a ser discutida no Parlamento, estaria condenada ao chumbo e não seriam os nove votos da bancada do PSD a fazer a diferença. “É um não-assunto que só serve para criar ruído”, lamenta uma fonte próxima de Rui Rio.

Mas o ruído provocado por Rangel vem de trás. Em janeiro, depois das eleições presidenciais e depois de Rui Rio ter celebrado a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa como a vitória do centro moderado — o alfa e o ómega da sua estratégia de afirmação do partido –, Paulo Rangel veio a público apontar exatamente no sentido contrário: o bom resultado obtido por André Ventura deveria obrigar o centro-direita a “pensar e a agir” rapidamente.

“[O] eleitorado que vai da direita ao centro e que passa pelos ‘desencantados’ reclama, com mais urgência do que antes, uma alternativa forte, credível e presente ao apodrecimento do país. O vácuo produzido por Costa não pode ser ocupado pelo Chega e por Ventura”, escreveu Rangel no Jornal de Notícias.

E não ficaria por aqui. Um dia depois, mais uma vez no “Público”, Rangel foi mais longe e sugeriu que “só uma oposição sistemática, forte, presente e dotada permanentemente de uma agenda alternativa pode evitar o enraizamento de uma direita radical, de sinal populista”.

Para a direção de Rio, só uma leitura muito benigna das palavras de Rangel, antes como agora, permitiria concluir que o vice-presidente do Partido Popular Europeu (PPE) não está já a correr (ou a preparar uma corrida) em pista própria. “Ele [Rangel] está a começar a ensaiar essa estratégia, a apostar na queda depois das autárquicas. É com ele. Falamos depois das eleições”, desafia um alto dirigente social-democrata.

As contas

Paulo Rangel não tem dedicado um segundo a alimentar expectativas sobre a sua candidatura ou não à liderança do PSD. Pelos estatutos do partido, Rui Rio terá necessariamente de ir a votos depois das autárquicas e só aí, no day-after das eleições, se vai perceber em que águas os vários protagonistas vão navegar.

A esta distância há muitas condicionantes que podem alterar por completo o rumo da história do PSD. À cabeça, o resultado das próximas autárquicas. Rui Rio tem sido comedido nas metas que definiu, mas já é evidente que as duas grandes apostas do partido são recuperar as autarquias de Lisboa e Coimbra. Se o conseguir fazer, os potenciais challengers do líder social-democrata (onde se poderia incluir Rangel) teriam dificuldades em encontrar uma narrativa suficientemente sólida para derrubar Rui Rio.

Se o partido falhar nessas duas eleições, o cenário tornar-se-á muito mais difuso. Rio continuará a ter vontade de permanecer à frente do partido? Depende. E se conquistar um número considerável de câmaras mesmo falhando Lisboa e Coimbra? É possível que acredite ter condições para continuar. Nesse caso, Rangel enfrentaria Rio nas urnas? Ou esperaria por um ciclo pós-Rio? É muito difícil antecipar.

O que não é difícil de antecipar é a vontade de muitas estruturas do partido de virarem a página. Lisboa, que esteve sempre do outro lado da barricada, apoiará sempre uma alternativa a Rui Rio. Aveiro, onde reside a grande força do vice-presidente Salvador Malheiro, podia ser terreno de intensa disputa. A distrital de Braga, do eurodeputado José Manuel Fernandes, estaria, em teoria, com Rangel.

O Porto, onde Rui Rio comprou várias guerras desde as últimas diretas e onde Rangel tem muita influência, estaria tentando a olhar para o eurodeputado com redobrado interesse no caso de uma corrida à liderança do PSD. Mas há um fator que ninguém deve ignorar: independentemente das simpatias ou antipatias das estruturas locais, é no Porto e região Norte que reside a principal base de apoio do líder social-democrata.

Ainda assim, nas quatro estruturas onde verdadeiramente se decidem as eleições do PSD, Rangel teria conforto em pelo menos duas. Mesmo se do outro lado estiver Rui Rio.

Tudo dependerá da vontade do eurodeputado. Não é a primeira vez que o nome de Rangel é atirado para a corrida à liderança do PSD e não seria a primeira vez que essa candidatura ficaria guardada para mais tarde. Os próximos meses vão ser decisivos.

Rui Rio já disse que não está agarrado ao lugar, mas avisou os críticos para se deixarem de contas

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Olha para o Carlos, Paulo

Se esse cenário se vier a colocar — Rui Rio vs. Paulo Rangel — a narrativa anti-Rangel é relativamente fácil de construir: ao contrário do que aconteceu com Carlos Moedas, que assumidamente sacrificou o percurso profissional e a vida familiar para estar ao lado do partido no desafio contra Fernando Medina, Rangel preferiu não ir a votos contra Rui Moreira. Aos olhos de alguns dos mais próximos apoiantes de Rui Rio, essa será sempre uma mancha no currículo de Rangel.

Uma narrativa, de resto, que vem sendo construída há muito. Em dezembro, quando o Observador deu conta do convite de Rui Rio a Paulo Rangel para que este fosse candidato à Câmara do Porto, uma fonte da direção do partido punha as coisas nestes termos: se Rangel entendesse não avançar, o facto não seria esquecido e a margem para continuar a alimentar expectativas de um dia chegar à presidência do PSD seria cada vez mais exígua. “Seria importante para ele perceber o que vale nas urnas”, comentava-se na altura.

“As pessoas escusam de preparar o que quer que seja para a seguir às autárquicas. Eu sei assumir as minhas responsabilidades. Se vir que correu mal, que isto não tem pernas para andar, fico aqui a fazer o quê? Escusam de andar a preparar.”
Rui Rio, em entrevista ao Observador, em fevereiro de 2021

Rangel entendeu o contrário. A influência e o estatuto de que goza dentro do PPE, o caminho que tem feito na Europa e o reconhecimento que lhe granjeou e a quase impossibilidade de derrotar Rui Moreira falaram mais alto e o eurodeputado pôs-se fora da corrida.

Apesar de ter sido sempre a sua aposta principal, Rui Rio compreendeu as razões de Paulo Rangel e não ficou agastado com o eurodeputado. Em fevereiro, em entrevista ao Observador, o presidente do PSD assumiu que o convite tinha sido feito mas desvalorizou a nega. “A ideia é que não há muitas pessoas no Porto, em qualquer partido, com projeção pública e mediática, e ele é uma delas. Por isso faria sentido ser ele, se o perfil que se procura fosse esse. Depois de uma ponderação, resolveu dizer que não estava disponível”, disse.

Mais à frente, na mesma entrevista, confrontado com a tese de que Rangel estaria a preparar um assalto à liderança, cortou a eito. “As escusam de preparar o que quer que seja para a seguir às autárquicas. Eu sei assumir as minhas responsabilidades. Se vir que correu mal, que isto não tem pernas para andar, fico aqui a fazer o quê? Escusam de andar a preparar.”

Apesar da insistência, o líder social-democrata resistiu sempre em apontar o dedo a Rangel.  “Muitas das pessoas — e não estou aqui a falar diretamente para o Paulo Rangel — olham ao espelho e em vez de se verem assim próprias vêem-me a mim, e depois dá errado. É isto”.

No núcleo duro de Rio, no entanto, há quem tenha outro entendimento: se Paulo Rangel está a ganhar balanço para ir à luta, é bom que esteja preparado para o choque.

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