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Distanciamento social: as pessoas atuaram antes dos seus governos?

Usando pesquisas por restaurantes no Google, avaliamos se as pessoas em vários países praticaram distanciamento social antes das medidas dos governos. Em Portugal, aconteceu. Ensaio de Catarina Midões

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

A mudança de comportamentos é um determinante fundamental da evolução de uma epidemia. Num artigo da Universidade de Cambridge, Toxvaerd (2020) adiciona fatores comportamentais a modelos epidemiológicos padrão e conclui que, mesmo quando os indivíduos apenas se preocupam com a sua própria saúde, praticam necessariamente algum grau de distanciamento social, sem que o governo a isso obrigue. Quanto mais contagiosa é a doença e mais graves os seus efeitos, maior o grau de distanciamento social voluntário.

Na prática, os indivíduos atuam com base nas suas ideias sobre o quão contagiosa uma doença é e quão severos os seus efeitos, não tendo em consideração apenas o interesse próprio, mas também como as suas ações afetam os outros. Diferenças na informação disponível, aversão ao risco, interesse próprio e até expectativas sobre o quão preparado o sistema de saúde nacional está para lidar com a doença levam a diferentes escolhas do nível de distanciamento social voluntário.

No contexto atual de pandemia de Covid-19, quando se detetaram alterações nos comportamentos individuais, no sentido de maior distanciamento social, de certo modo antecipando as medidas de confinamento? Os resultados variam entre países.

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Através do Google Trends, identificámos quanto é notória uma diferença de comportamento ao nível de distanciamento social em vários países europeus. Usámos pesquisas online por restaurantes (não apenas pesquisa por palavra, mas também por qualquer restaurante específico), pelo facto de uma ida a um restaurante refletir uma escolha voluntária de deixar a sua casa, ao contrário de deslocações, por exemplo, para o trabalho, que os indivíduos podem ser obrigados a realizar. Se bem que os indivíduos podiam estar a encontrar-se noutras situações, a medida representa uma mudança de comportamento que contribui para o distanciamento social.

Comparámos cada dia da semana em Fevereiro e Março com o mesmo dia da semana em Janeiro – ou seja, as segundas-feiras em Fevereiro e Março foram comparadas com as segundas-feiras médias de Janeiro e assim sucessivamente. A cada dia médio do mês de Janeiro foi atribuído o valor 100 para, deste modo, ser possível identificar as variações percentuais registadas nos meses de Fevereiro e Março face ao mês de Janeiro (um valor de 105 numa segunda-feira em Fevereiro ou Março significa que as pesquisas foram 5% superiores à média das segundas-feiras em Janeiro). Para uma representação mais clara da tendência, é apresentada uma média móvel semanal deste índice – ou seja, para cada dia, é representada a média dos sete dias anteriores. A representação gráfica diz respeito à tendência para os anos de 2020 e 2019.

São identificáveis picos significativos no Dia dos Namorados e, no caso de Portugal, também no Carnaval, em ambos os anos considerados. Na Figura 1 é apresentada a média móvel para três países: Dinamarca, França e Espanha. As linhas verticais representam a data em que as medidas que levaram ao fecho dos restaurantes entraram em vigor, assim como datas de restrições ao horário de funcionamento ou ao número de clientes que as tenham precedido.

A figura revela diferenças bastante significativas entre os três países. A Dinamarca foi um dos primeiros países europeus a anunciar medidas restritivas relativamente a ajuntamentos sociais mas, ainda antes, era já visível uma redução dos contactos sociais por parte dos indivíduos. Uma tendência descendente nas pesquisas por restaurantes é visível já a meio de Fevereiro. Este pode ter sido um factor que contribuiu para o crescimento controlado dos casos no país, que, neste momento, se prepara (lentamente) para aliviar restrições.

O padrão é inteiramente diferente ao registado no ano anterior, durante o qual as pesquisas não diminuíram em Fevereiro/Março em comparação com Janeiro e se verifica um pico no Dia dos Namorados.

Relativamente a França e Espanha, a descida na pesquisa por restaurantes antes do fecho de atividades foi bastante menos expressiva. Em Espanha, é notória uma descida de 25% três dias antes de o estado de emergência ter sido declarado, possivelmente relacionada com o anúncio, já feito no dia 14, e com a situação crítica vivida já nessa altura em Madrid.

A Figura 2 mostra que, em Itália, se verifica já uma redução nas pesquisas por restaurantes antes do fecho nacional de todas as atividades económicas e antes das restrições de horários, muito provavelmente relacionada com a situação extrema e restrições implementadas na Lombardia, assim como anúncios do governo que precederam a implementação das medidas.

Em Portugal, uma diminuição nas pesquisas, comparadas com Janeiro, é visível a partir de 11 de Março, oito dias antes da entrada em vigor do estado de emergência, com uma aceleração da diminuição à medida que anúncios foram feitos e restrições postas em prática. Os picos desfasados associados ao Carnaval dificultam a comparação visual direta com o ano 2019.

Na Alemanha, embora uma redução seja visível mais dias antes do fecho das atividades, o seu avanço foi mais gradual, possivelmente como resultado da implementação estatal das medidas.

Um país que teve uma abordagem diferente foi a Suécia, onde os restaurantes nunca foram fechados e houve apenas restrições ligeiras a 25 de Março, ditando que os donos dos estabelecimentos deviam evitar congestionamentos, nomeadamente, proibindo o serviço ao balcão. Apesar disso, também na Suécia as pesquisas por restaurantes desceram significativamente, se bem que se mantiveram acima do nível atingido pelos restantes países no pós-fecho.

As diferenças no distanciamento social ainda antes das medidas terem tomado formalmente efeito afetaram o desenvolvimento da epidemia nos diferentes países. Ao fazer estimativas sobre o desenvolvimento da epidemia é preciso considerar não só a acção governamental mas também a acção voluntária que a precedeu.

A Figura 3 mostra a média das pesquisas indexadas no dia anterior, três dias, cinco dias e na semana antes da introdução do fecho a nível nacional dos restaurantes. Como referido, alguns países tinham já outro tipo de restrições implementadas, o que deve ser considerado para avaliar os números seguintes:

No Reino Unido, onde as medidas mais rígidas foram implementadas apenas a 23 de Março, na semana anterior as pesquisas diárias foram, em média, 30% inferiores às de Janeiro.

Os números indicam que, mesmo sem ação governamental, se os indivíduos estiverem informados optam por praticar algum grau de distanciamento social. Os anúncios dos governos parecem também surtir efeito, acelerando ou despoletando distanciamento social ainda antes da implementação. Em países onde a acção do governo é tardia, os indivíduos podem distanciar-se para abrandar a progressão da infecção (com custos económicos), se estiverem cientes dos riscos.

No entanto, sem medidas públicas e sociais de larga escala, os indivíduos permanecerão susceptíveis a riscos de saúde acima do que desejariam já que, mesmo evitando certas atividades, continuam a ser forçados a deixar as suas casas para trabalhar e garantir um rendimento que lhes permita subsistir.

Assim, sintetizamos os resultados da nossa análise. Usando como indicador o volume de pesquisas online por restaurantes no Google, avaliamos se e até que ponto os indivíduos em vários países praticaram distanciamento social antes das medidas dos governos que a isso obrigavam. O que concluímos foi que, em alguns países, como a Dinamarca e a um menor grau Portugal, as pesquisas por restaurantes tinham baixado substancialmente ainda antes da atuação do governo. A importância deste comportamento individual é simples: países onde o distanciamento social começou mais cedo podem esperar uma curva mais achatada de casos de infeção por Covid19.

Catarina Midões é economista no ‘think-tank’ europeu Bruegel, tem um mestrado em Econometria da Maastricht University e uma licenciatura em Economia da Nova SBE. Trabalhou na consultora económica Oxera, na Comissão Europeia no centro de investigação JRC, e no centro de investigação NOVAFRICA da Nova SBE. O seu trabalho de investigação centra-se em desigualdade económica, reformas estruturais e avaliação de impacto de políticas públicas.

Existe uma versão inglesa deste ensaio e que está disponível na Bruegel, neste link.

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