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Pela primeira vez em quatro anos, uma época desportiva terminou sem qualquer restrição ligada à Covid-19. O fantasma da pandemia chegou em 2019/2020 e afetou a reta final da temporada, a partir de março, com estádios fechados desde aí. Um fantasma que fez sombra à totalidade da época 2020/2021 – sem adeptos na bancada do princípio ao fim – e ainda beliscou o início de 2021/2022, com limitações de assistências até setembro (primeiro um terço, na lógica de uma cadeira ocupada com as duas seguintes de distância, depois metade). Agora, em 2022/2023, a normalidade voltou de vez… mas não regressou com todos os adeptos.
Os 20 mil que “não voltaram” e a pior taxa de ocupação do top 10
Comparando com a última temporada pré-pandemia sem qualquer restrição – 2018/2019 –, a última época viu menos 21.783 adeptos nos estádios da Primeira Liga de futebol. O número total de assistências passou de 3.577.720 para 3.555.937. No fundo, em termo de comparação dos números, é quase como se o Marítimo tivesse jogado dois jogos nos Barreiros à porta fechada esta época. A diferença pode parecer residual, mas comparando com os registos das Ligas estrangeiras faz soar alarmes.
Olhando para as dez melhores ligas europeias do ranking do coeficiente da UEFA, houve uma média de crescimento de 378 mil espectadores entre as assistências de 2018/2019 e 2022/2023, pré e pós-pandemia. Só três países fugiram a essa tendência e perderam adeptos: Alemanha, Países Baixos e… Portugal. Os germânicos registaram uma diminuição de 145.227 adeptos na Bundesliga, enquanto que os neerlandeses perderam quase meio milhão, 441.313. Porém, aumentaram consideravelmente as taxas de ocupação nos estádios: a Eredivisie subiu a percentagem de ocupação de 87% para 89,9%, enquanto que a Bundesliga deu um pulo de 5,5 pontos percentuais, de 87,3 para 92,8%. E Portugal? A Liga Bwin, que passará a ser Liga Betclic em 2023/24, aumentou também a taxa de ocupação face ao pré-pandemia, mas apenas 1,2 pontos, de 49,6 para 50,8%, números que ainda deixam a nossa liga na cauda da tabela.
A Liga Portuguesa foi mesmo a liga com pior taxa de ocupação dos estádios do top 10 da UEFA. Os 50,8% de ocupação estão abaixo dos 53,4% do campeonato da Áustria e já muito longe dos restantes: a Bélgica vem a seguir e está dez pontos percentuais à frente. No topo da tabela nem se fala: Premier League com 98%, Bundesliga com 92,8% ou mesmo a La Liga espanhola com 75,6% parecem uma miragem. Alargando o espectro às 20 melhores ligas do ranking da UEFA, já em campeonatos mais periféricos, a métrica não fica mais simpática: só sete países têm piores números, sendo que dois estão em guerra – Rússia, com mobilização de grande parte da população, e Ucrânia, com estádios fechados – e um foi assolado por um violento terramoto que danificou muitos dos recintos – a Turquia.
Liga queria quase quatro milhões e meio de adeptos: falhou por 300 mil
No início de cada temporada desportiva, a Liga Portugal publica o “Plano de Atividades e Orçamento” para a nova época. No documento, o organismo resume a época anterior, mas principalmente lança a que se avizinha, estipulando objetivos para todos os setores, incluindo o número de espectadores desejado. A última temporada não foi exceção: na página 39 do Plano de Atividades e Orçamento 2022-23 da Liga Portugal descobrimos quais eram as metas de lotação nos estádios para a época que agora findou. Para a Liga Bwin estavam na mira os 3,7 milhões. Na Liga Sabseg – o segundo escalão do futebol português – o objetivo era 380 mil espectadores. Na Allianz Cup, a Taça da Liga, os mesmos 380 mil adeptos. Todos ficaram abaixo.
No total, o organismo tinha como objetivo receber 4.460.000 adeptos em todas as competições que rege. Recebeu 4.151.395 e falhou assim por 308.605 espectadores, o equivalente a quase cinco estádios da Luz completamente cheios. Um remate ao lado que não é exclusivo desta época: os 3,7 milhões de espectadores como objetivo para a Primeira Liga são os mesmos desde a época 2017/2018 e em seis temporadas nunca foram cumpridos. Apenas a Segunda Liga e da Taça da Liga viram as suas metas serem revistas e só este ano: os objetivos do segundo escalão baixaram de 550 mil espectadores para 380 mil, enquanto que os da taça aumentaram de 300 mil para os mesmos 380 mil. Falharam ambos na mesma.
Portugal, o campeão da Europa de jogos à noite (que aumentaram em 2022/2023)
Muitos serão os fatores que podem explicar a diminuição da assiduidade do público – ou a falta dela – nos estádios portugueses. A parte desportiva e a atratividade do espetáculo estarão certamente relacionados – por exemplo, de acordo com o CIES, o Observatório Internacional de Futebol, a Liga Portuguesa foi a liga europeia com mais tempo parado por faltas entre 2021 e 2022 –, mas quando os adeptos têm a palavra, são outros os motivos que saltam à vista, com um em destaque: os horários dos jogos e as horas tardias de muitos deles. Vamos aos números.
Em 2022/2023, jogaram-se 306 partidas na Liga Bwin, distribuídos por oito horários diferentes. A maioria dos jogos começou antes das 20h (175, 57% do total), mas o número de partidas noturnas – a partir das 20h – aumentou face ao ano passado. Em 2021/2022, 128 jogos começaram a partir das oito da noite. Esta época, o número subiu para 131. São mais três partidas, um número muito residual, mas que não demonstra um caminho de inversão daquela que é uma das principais queixas dos adeptos. Tanto que um dado principal salta à vista: na época que agora terminou, a Liga Portuguesa foi a liga do top 20 da UEFA com maior percentagem de jogos noturnos, iniciados a partir das 20h. Foram 43%, contra 40% de Espanha e 38% de Itália e Grécia, ou seja, os países mais a sul ou mediterrâneos, e que têm também mais horas de sol. A Liga Bwin fica também como a terceira com média mais tardia de arranque de jogos – acima de Espanha e Grécia –, mas melhorou face à temporada passada: os jogos começaram, em média, três minutos mais cedo, de 18h34 para 18h31 em 2022/2023.
Horas que fazem mais diferença para uns do que para outros e aqui sai mais penalizado quem gosta de acompanhar a equipa em jogos fora… e quem vive mais longe do epicentro futebolístico português. Na época 2022/2023, houve dois grandes núcleos na geografia da Liga Bwin: a zona norte do país (com prevalência para o Minho/Douro) e a Área Metropolitana de Lisboa. Se os jogos entre equipas de cada uma dessas zonas não são tão problemáticos, o mesmo não se pode dizer quando há partidas entre as equipas nortenhas e algarvias ou até as insulares.
Façamos então o exercício: na temporada que agora terminou, disputaram-se 22 jogos na Liga Bwin entre clubes cujas cidades distam 400 ou mais quilómetros. Excluímos aqui as ilhas, por ser um cálculo mais difícil de fazer, pela imprevisibilidade de voos e viagens. Apenas Portugal Continental. Ou seja, no fundo, falamos dos jogos entre Portimonense e todas as equipas de Arouca para cima, casa e fora. Nesses 22 jogos, o horário de início mais vezes repetido foi 20h30, por seis vezes. Outros quatro jogos começaram às 20h15. Resumindo: quase metade dos jogos (45%) entre equipas a 400 quilómetros de distância começaram depois da clássica hora de jantar.
O mapa das horas dos jogos da Liga Bwin 2022/2023
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12h45: 1 (0,3%)
15h30: 74 (24,2%)
17h00: 2 (0,7%)
18h00: 80 (26,1%)
19h00: 18 (5,9%)
20h15: 46 (15%)
20h30: 66 (21,6%)
21h15: 19 (6,2%)
Antes das 20h00: 175 (57%)
Depois das 20h00: 131 (43%)
Total de jogos: 306
Fonte: Liga Portugal
Um desses jogos foi precisamente o de maior distância possível em Portugal Continental: a 16 de setembro de 2022, o Portimonense-Desp. Chaves jogou-se às 20h30… de uma sexta-feira. A época até podia ser convidativa para passar o fim-de-semana no Algarve, mas para chegar mesmo em cima da hora do jogo, um adepto flaviense teria de ter saído de Chaves, na melhor das hipóteses, às 14h15 da tarde, em dia de trabalho. Tal não aconteceu: fonte do Desp. Chaves conta ao Observador que apesar de terem estado presentes adeptos da equipa transmontana, nenhum veio diretamente da cidade de Chaves nesse jogo.
Numa análise mais detalhada a essas 22 deslocações, chegamos a outra conclusão: partindo do pressuposto de que os adeptos da equipa forasteira vivem na cidade de origem do clube, e utilizando os tempos de viagem do Google Maps, a hora média de regresso a casa de um adepto forasteiro nesses 22 jogos foi de 1h42 da madrugada. Isto assumindo que a viagem seria feita de carro, a começar assim que o apito final soasse e excluindo já atrasos no jogo, tempos de compensação e paragens no trajeto. Agrava-se o facto de 45% destes 22 confrontos terem sido jogados em vésperas de dia útil, geralmente dia de trabalho.
Sobre este e todos os outros dados presentes nesta reportagem – desde a perda de adeptos pós-pandemia, passando pelos objetivos falhados de assistências e as horas dos jogos –, o Observador pediu um comentário e respostas à Liga Portugal. O organismo que rege o futebol profissional não respondeu diretamente a nenhuma das perguntas colocadas, mas fonte oficial diz ao nosso jornal que “o presidente Pedro Proença já identificou a necessidade de tornar os adeptos e o regresso dos adeptos aos estádios como uma grande prioridade para o próximo quadriénio”, bem como “a necessidade de tomar todas as decisões com base nesse princípio”. A Liga garante ainda que “em breve” serão anunciadas “medidas concretas para que isso possa ser uma realidade já na próxima época”.
Em maio deste ano, Pedro Proença já tinha anunciado o fim dos jogos às 21h15 em dias úteis.
Pedro Proença frisa competitividade interna e confia em retoma lusa no ranking da UEFA