Ainda que seja já o oitavo Congresso na vida do PAN, este é o primeiro aberto à presença da comunicação social. Da reflexão dos filiados num partido que tem vindo a cair nas sondagens e que vê o principal rosto sair de cena resultaram 25 moções setoriais. Sem surpresas, o tema dos animais é o que recebe maior atenção dos membros do partido, com nove das 25 moções dedicadas a ele. Mas há também preocupações com o sistema de ensino, a NATO e as autoestradas.
Da classificação do Rio Tejo como Património Mundial da UNESCO ao fim dos exames no 9.º e 12.º anos de escolaridade, há filiados do PAN que admitem “fraudes em todas as eleições” — numa moção sobre voto eletrónico, mas que afinal não quer o voto eletrónico —, outros que querem estabelecer a “obrigatoriedade de conversão da agricultura existente nas margens dos rios ao modo biológico” e vários preocupados com o facto de os animais de estimação não terem uma alimentação vegetariana.
Depois da proibição de abate nos canis, a sobrepopulação e a solução do PAN: esterilização de todos os cães e gatos
Não é um equívoco, ainda que seja apresentada como medida excecional que deverá ter uma data limite definida, a proposta prevê a “obrigatoriedade de esterilização de todos os animais de companhia com detentor, para efeitos de controle das populações animais”. Depois de muito se ter congratulado com o fim dos abates nos canis municipais (para efeitos de controle da população), o PAN reconhece agora o problema criado que nem a multiplicação de centros de recolha oficial (CRO) ou abrigos para animais será capaz de resolver. “Portugal continua numa situação insustentável de descontrolo populacional”, notam os subscritores da moção U (não subscrita por nenhum dos parlamentares do PAN).
Defendendo um programa abrangente de esterilização de animais de companhia, com a obrigatoriedade de esterilizar todos os animais de companhia abandonados, os filiados do PAN querem que também os animais com dono sejam alvo de esterilização, sejam eles cães ou gatos. Uma das preocupações na moção é o impacto que os animais de companhia têm no ambiente.
“Enquanto partido ambientalista que somos é relevante não esquecer as consequências nefastas que advêm da indústria de produção de alimentação para os animais de companhia e que se estima que este setor seja responsável por um quarto dos impactos ambientais decorrentes da exploração de animais de pecuária, dos usos da terra, da água, dos combustíveis fósseis, fosfatos e pesticidas, apenas para alimentar a elevada quantidade de cães e gatos nascidos sem controlo”, lê-se no texto da moção que assume que caso Portugal não dê “este passo decisivo”, de obrigar a esterilizar todos os cães e gatos, será incapaz de “atingir o controlo populacional tão cedo gastando-se recursos intermináveis na construção e alargamento de canis, no tratamento de animais doentes, na implementação e monitorização do programa Capturar-Esterilizar-Devolver, na alimentaçao de todos os animais que nascerão sem um detentor responsável”.
Os animais sem dono são objeto de várias moções apresentadas pelos filiados do PAN, que pedem que o partido seja “protagonista para encontrar uma solução para o resgate dos animais em situação de abandono” e que querem ver o PAN “a exigir ao Governo um posicionamento relativamente às Capturas-Esterilizações-Devoluções de cães inserida na regulamentação do animal comunitário” e que a DGAV reconheça os “parques de matilhas ou santuários” como política pública, “garantindo os devidos cuidados veterinários e esterilização”.
Os programas de Captura-Esterilização-Devolução devem passar a ser “obrigatórios em todos os municípios”, bastando para isso que haja “associações a manifestar interesse em aplicá-los”, com os filiados a recomendarem um levantamento nacional das colónias existentes com estes animais e que os animais passem a ter o microchip registado em nome da autarquia ou junta de freguesia, considerando-se que são animais errantes pertencentes aos respetivos territórios.
Alimentação vegetariana para cães e gatos acessível a todos
E por falar no impacto da produção de alimentos para os cães e gatos, há filiados que apresentam soluções para aquilo que veem como um problema. Defendendo que a alimentação vegetariana tem um menor impacto no ambiente que outras, os subscritores da moção X, onde se contam Inês Sousa Real e Bebiana Cunha, defendem a “garantia de uma alimentação 100% vegetal nas rações para animais de companhia”.
“Alimentar um gato de forma vegetariana não é impor as nossas crenças, é tomar uma decisão, assim como decidimos tirá-los do canil ou da rua, para morar no nosso apartamento ou nos preocupamos em colocar mosquiteiros nas janelas para evitar um acidente”, justificam os filiados do PAN que querem ver o partido com “um posicionamento no sentido de garantir a acessibilidade a uma alimentação de base 100% vegetal”.
Mas a preocupação vai além de a ração ser apenas de origem vegetal, uma vez que, cientes dos desequilíbrios nutricionais que podem surgir, “recomendam, nessas situações em particular, que exista um plano nutricional devidamente acompanhado com regularidade por um médico veterinário de forma a garantir a saúde, o bem-estar e o equilíbrio nutricional do animal”.
Ou seja, os cães, gatos ou furões (os únicos animais de companhia reconhecidos como tal na lei portuguesa) devem passar a ter uma alimentação vegetariana e acompanhamento médico para tal, para garantir que continuam saudáveis. Os filiados do partido querem que o PAN contribua para a “redução do preço de venda ao público das rações vegan existentes”, mas nada dizem sobre as idas ao veterinário/nutricionista mais frequentes para monitorizar o estado de saúde do animal que faça a transição para uma alimentação vegetariana.
Autoestradas com proteções laterais, radares e câmaras de vigilância. Tudo para proteger os animais de atropelamento
É uma moção setorial preocupada com os acidentes nas estradas, mas o foco são os animais. Querem os filiados (entre eles a deputada Bebiana Cunha) que sejam implementadas “proteções laterais integrais e sólidas, com altura mínima que garanta a impossibilidade de invasão inadvertida do espaço da via por qualquer animal (à exceção dos que possuem a capacidade de voar)”, mas proteções essas que “não podem causar dano nos animais nem ter impacto ambiental”. Fica por perceber o impacto que poderão ter nos condutores, já que os subscritores da moção O sugerem que esses painéis possam ser usados “para transmissão de informação útil ou rentabilização dos mesmos como plataformas de publicidade”, com a ressalva de que os “locais afetos a estes propósitos não tenham influência no nível de segurança na condução”.
Além dos painéis laterais “integrais e sólidos” os filiados sugerem ainda que o PAN defenda a “criação de passagens fechadas em zonas verdes, através de ponte ou túnel”, para mitigar o impacto das autoestradas no habitat natural dos animais.
Ainda assim, caso haja algum acidente com um animal que consiga chegar à via, e caso a moção seja validada pelo congresso, o PAN deverá bater-se por clarificar na lei no sentido de que “no caso de acidente com animal passe a ser obrigatório prestar auxílio ao animal”, tal como acontece atualmente com as pessoas.
Um protocolo de bem-estar animal, a regulamentação das atividades assistidas por animais e a simplificação do processo de adoção de animais de pecuária
As moções sobre os animais versam temas tão distintos como as terapias com recurso a animais ou o pedido para a simplificação do processo de adoção de animais de pecuária. “Interagir com outros animais permite-nos reconectarmo-nos com a natureza e pacificarmo-nos com a nossa condição animal”, escrevem os subscritores da moção Y, que pugna pela simplificação do processo de adoção de animais de pecuária.
Estes filiados do PAN querem “excluir animais da categoria de animais de pecuária ou produção” e que se crie uma nova categoria, “de modo a incluir os casos em que tantos e tantos animais se encontram junto de pessoas que os mantêm sem intenção de consumo, para que possam ser introduzidos nos planos de erradicação de doenças”.
Já os subscritores da moção T, que versa sobre a regulamentação das atividades assistidas por animais (e que tem por objetivo “proteger as pessoas e os animais”), querem ver a atividade certificada e regulamentada, com a definição de requisitos obrigatórios para o exercício da profissão, da formação e do treino; critérios para a certificação de treinadores para cães de assistência e terapias assistidas por animais; que a certificação seja articulada com profissionais da área da saúde; que seja atribuída competência a entidades fiscalizadoras como “os órgãos de polícia criminal e a polícia municipal e os médicos veterinários municipais” e que seja criado ainda um “quadro sancionatório para a violação das normas inerentes ao exercício da atividade e à violação do bem-estar animal”. Esta moção é subscrita por Inês Sousa Real e Bebiana Cunha, duas dos três deputados que o PAN tem atualmente no hemiciclo da Assembleia da República.
Já sobre o bem-estar animal, e depois de ter conquistado a criação do cargo de Provedor do Animal, os filiados do PAN querem que o partido lute por “criar um protocolo de bem-estar animal para os abrigos, para ir além da atual norma orientadora da DGAV” onde consideram ser desejável “a contribuição e consenso de diversas entidades”, devendo ser “alargada à participação pública tanto quanto possível”.
Rio Tejo classificado como Património Mundial da UNESCO
Já na área do ambiente, os filiados do PAN recuperam uma ideia já apresentada pela autarquia de Abrantes e anteriormente discutida pela Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, para sugerir que o partido se bata pela classificação do Rio Tejo como Património Mundial da UNESCO. Os subscritores da moção M, onde se conta também Inês Sousa Real e Nelson Silva (que ocupará o lugar de André Silva no Parlamento depois da saída do líder demissionário), querem que a candidatura seja “alavancada pelas cidades que constituem o núcleo histórico” do rio Tejo, defendendo “uma força motriz concertada e de cooperação entre Lisboa, Almada, Seixal, Barreiro, Moita, Montijo, Vila Franca de Xira e Alcochete”.
“O PAN ambiciona a salvaguarda deste património riquíssimo que é o rio Tejo e almeja dar um passo em frente na sua proteção, assim pretendemos que a Reserva Natural do Estuário do Tejo venha a ser reconhecida como Património Natural através da candidatura à Lista Indicativa do Património Mundial da Unesco”, escrevem os filiados apontando o exemplo do Douro Vinhateiro. Segundo os subscritores da moção a classificação “permitirá garantir às suas águas, fauna e flora a devia proteção ambiental, paisagística e também cultural”.
Já no que diz respeito à proteção e conservação dos rios, os filiados querem que o PAN “incite a uma revisão e atualização de um quadro legislativo único para a água que defina objetivamente o crime de poluição de água, a sua regulamentação de implementação e das entidades fiscalizadoras, inserindo o crime ambiental contra a água com alta punição”, além de “incentivos fiscais às obras de implementação e beneficiação de ETARs e de Sistemas de Armazenamento e Reutilização das Águas Pluviais”.
Para as águas pluviais citadinas, os congressistas do PAN podem aprovar a moção que quer impor a “obrigatoriedade a nível nacional e municipal de armazenamento das águas pluviais citadinas para uso em regadio”, proibir a “construção de mais barragens e açudes” e obrigar à “criação de dispositivos de continuidade e de transposição de fauna aquática nas barragens existentes e úteis”.
Em relação ao tipo de agricultura praticado nas margens dos rios, os filiados do PAN querem que o partido pugne por impor a “obrigatoriedade de conversão da agricultura existente nas margens dos rios ao modo biológico”.
Reforma do sistema de ensino: o fim dos exames nacionais no 9.º e 12.º anos
Ao Congresso chegam duas moções sobre a reforma no sistema de ensino português. Numa delas os subscritores querem que “nos próximos dois anos o PAN assuma a transformação da educação como uma das suas bandeiras e lance o Manifesto para a Transformação do Sistema Educativo”. Na outra, os subscritores consideram que o atual sistema de ensino português fica bem resumido com a frase: “Crianças do século XXI são ensinadas por professores do século XX num modelo que servia o século XIX”.
“Estamos perante uma escola militarizada, que oferece a imposição de conhecimento, seguindo um programa rígido, onde se exige incutir os valores de uma sociedade e não a busca real da expressão do individuo no mundo”, argumentam ainda os filiados que subscrevem a moção V.
Na moção apoiada por Bebiana Cunha, os subscritores querem a “abolição dos exames nacionais do 9.º e 12.º ano para conclusão da escolaridade obrigatória”, que as “universidades tenham possibilidade de recrutar os alunos”, que os conteúdos programáticos a nível nacional sejam atribuídos “por ciclos de ensino e não anos letivos”, que as comunidades escolares disponibilizem “ofertas de aprendizagem nas áreas da cozinha, agricultura, costura, contabilidade doméstica ou direito básico” e têm ainda uma palavra para os profissionais do setor. Querem estes militantes do PAN que os professores vejam as suas condições de trabalho melhoradas, como forma de valorizar a profissão.
Apoio para fraldas reutilizáveis e o fim do PFOA na indústria alimentar
Nas únicas duas propostas mais próximas de saúde que os filiados do PAN submeteram para o VIII Congresso há uma sobre o ácido perfluorooctanóico — ou PFOA — que querem ver descontinuado até 2024 nos “instrumentos de utilidade e contacto alimentar” até que sejam realizados mais estudos que permitam tirar conclusões sobre a relação entre a utilização de produtos com teflon e o desenvolvimento de cancro.
A outra moção, relacionada com bebés e crianças, prevê que o PAN lute por um “ajuste na política fiscal que leve ao estímulo da utilização de fraldas e toalhitas reutilizáveis e penalize a utilização das soluções descartáveis”. Sugere ainda a “criação de kits de fraldas e toalhitas reutilizáveis por parte das autarquias” que as devem “ceder às famílias através de planos de pagamento fracionados, diluindo assim o investimento inicial que poderá ser um entrave à utilização desta solução”.
A moção que afirma a existência de “fraudes em todas as eleições”
O tema da moção B, voto eletrónico, fazia antever que os filiados que a subscrevem são defensores dessa modalidade de voto para os próximos sufrágios, mas é difícil entender exatamente o que defendem os subscritores, que se limitam a apresentar prós e contras dessa solução.
Ainda assim, deixam escrito que “há fraudes em todas as eleições”. “Há fraudes em todas as eleições. Não só fraudes, mas erros legítimos na contagem de votos, o que muitas vezes origina recontagens que até mudam drasticamente o resultado”, escrevem, mas vão mais longe ao afirmar que “quem já participou numa contagem de votos compreende que uma pessoa habilidosa consegue nulificar um voto ou preencher um boletim deixado em branco”.
Ainda assim, escrevem os filiados que “o partido defenderá o voto manual como meio de redução do risco de fraude em grande escala” e que “no momento atual não defenderá o voto eletrónico local” uma vez que “os resultados obtidos em estudos e experiências realizadas em território nacional não garantem a confidencialidade do voto, o seu anonimato e a veracidade do mesmo, nem a inviolabilidade do sistema por terceiros”.
O PAN como partido de combate à corrupção, progressista, nem de esquerda nem de direita. O fim da NATO e a criação de uma Confederação de Estados Soberanos
Sentado no centro do hemiciclo, mas a apoiar o Governo nas últimas aprovações do Orçamento, os filiados do PAN não querem ver o partido derivar nem à esquerda, nem à direita, mas que continue a encontrar pontos de convergência com as forças políticas que detêm o poder executivo. Propõem ao Congresso que aprove a moção que indica ao PAN que “mantenha a sua independência programática e ideológica, sem prejuízo da disponibilidade para procurar pontes de entendimento e de convergência com as demais forças políticas, nomeadamente com as que detêm o poder executivo”.
Há ainda filiados a defender o “partido ecocentrista” que coloque o Homem “no lugar de onde nunca deveria ter saído”. “Precisamos de transitar para um novo modelo de Ser Humano: um modelo que nos faça descer do pedestal em que nos colocámos e nos devolva ao lugar de onde nunca deveríamos ter saído: sermos uma entre muitas espécies existentes num planeta vivo”, lê-se na moção F.
Na área da corrupção consideram os filiados que “urge o PAN confrontar os partidos do sistema e expor, com exemplos fáceis e claros, esta sangria do erário público, atacando os problemas financeiros pela raiz, a montante” e que o partido deve “assumir o combate à corrupção e aumento da transparência como causas”.
Já no que diz respeito ao posicionamento europeu do PAN, querem os filiados que subscrevem a moção A que o partido defenda a criação de uma Confederação de Estados Soberanos. Na defesa, defendem o “desmantelamento da NATO e a não participação da Europa em alianças militares de qualquer espécie”, além de “preconizar a revisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, da sua constituição e do seu funcionamento”.
A nível económico, os filiados querem que o PAN altere a legislação de modo a permitir organizações de microfinança. “Além de proporcionar os instrumentos legais para que tal seja concretizado, suporte durante pelo menos uma legislatura, a implementação e desenvolvimento destas alternativas financeiras”, lê-se na moção dedicada a tema do financiamento solidário em Portugal.
No emprego, querem o reconhecimento do estatuto de “profissional do observador marítimo de pescas” e que o PAN proponha “nos próximos dois anos, o fim dos estágios não remunerados de longa duração ao nível nacional, incluindo estágios das ordens, que de deverão transitar para novos modelos como, por exemplo, estágio profissional”.
Envolvimento de pessoas LGBTI+ no partido e prioridade para ações com a população infantil, pubertária, adolescente e idosa
Numa curta moção, dedicada às pessoas LGBTI+ os filiados querem fazer aprovar no Congresso uma moção que recomenda ao PAN que encontre “formas de envolver as pessoas LGBTI+ que fazem parte do partido e todas as que se interessa por esta causa para contribuirem participando ativamente destas questões” e que a prioridade das ações e atenções externas LGBTI+ seja “o segmento da população infantil, pubertária e adolescente, bem como o segmento da população idosa que está quase esquecida e de difícil acesso”.