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Dua Lipa: a virtude e o dilema de ser inevitável

Com "Future Nostalgia" fez-se obrigatória. E esperar quatro anos por um álbum novo foi decisão corajosa. "Radical Optimism" é apenas "mais um disco de Dua Lipa", mas basta-lhe para ser um êxito pop.

Tudo o que sei sobre ginásios é de ouvir dizer – nunca entrei num e tenho dificuldade em perceber que vantagem podem ter sobre uma hora de futebol ou uma partida de ténis. De modo que, na minha cabeça, ginásios são locais em que pessoas que gostam de se vestir em maiô executam passos pré-determinados e acabam muito suadas, enquanto as colunas despejam música que parece sofrer de excesso de anfetaminas.

Uma playlist de ginásio – e isto sou eu a imaginar, munido apenas dos meus preconceitos – dificilmente conterá Maps dos Yeah Yeah Yeahs, ou My Girls, dos Animal Collective, ou Time to Pretend, dos MGMT, ou Over and Over, dos Hot Chip, ou Losing You, de Solange, mesmo que todas estas sejam ótimas canções para (de um modo ou de outro) dar trabalho à anca e aumentar a sudação.

Segundo o meu preconceito, tudo o que for esquisito tem de ser erradicado das playlists de ginásio – o incitamento à atividade física tem de obedecer às regras vigentes da pop, o que é ótimo porque a pop vigente soa a música de ginásio, e até o anuncia no título das canções: o terceiro tema de Radical Optimism, o novo álbum de Dua Lipa, chama-se Training Season e soa exatamente ao seu nome e ao que imagino ser a música de ginásio: muitos synths, muitas batidas por minuto, tudo muito acelerado, ascensões épicas.

[ouça “Radical Optimism” na íntegra através do Spotify:]

Um, dois, insiste, insiste – mas insiste em quê? Bom, Radical Optimism parece insistir, pelo menos ao nível lírico, em atividades amorosas; todas as canções acercam-se do tema amoroso nas suas mais variadas vertentes, desde o quão prodigiosa a protagonista das canções é a desempenhar o ato amoroso (verosímil) à desgraça que é a queda do altar amoroso até o corpo se despedaçar no chão duro do amor não-correspondido (acontece a todos, acontece muito a Dua Lipa, por estranho que isto possa parecer — bom, pelo menos acontece-lhe em canções).

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Em These Walls, uma canção ligeiramente menos acelerada do que a maior parte das restantes (mas ainda assim agitada), e provida de uma melodia bonita, Dua Lipa canta (e o refrão sobe) “If these walls could talk / they’d say ‘Enough’, (…) ‘Give up’ / they’d say, ‘you know you’re fucked’”. Nunca ninguém disse que é fácil compatibilizar o amor com a prática de ginásio (sendo que, à partida, no ginásio, o ato de insistir produz resultados positivos, enquanto no amor tende a ser o contrário).

Kevin Parker, dos Tame Impala, andou pelo estúdio a montar sintetizadores, mas isso não alterou radicalmente a música de Dua Lipa, uma mulher alfa a destilar sudação por cima de uma batida aproximada do disco, enquanto debita bitaites sobre a vida amorosa (sua, de uma personagem fictícia, pouco importa).

Era suposto, pelo menos a crer no que se foi lendo nos media — particularmente tendo em conta a entrevista que deu há meses à Rolling Stone — que Radical Optimism marcasse uma viragem face a Future Nostalgia, de 2020, que fosse influenciado por Screamadelica (a obra-prima dançável dos Primal Scream, de 1991), pelos Massive Attack (embora Dua Lipa não tenha especificado a fase dos Massive Attack a que se referia) e pela atitude de “don’t give a fuck-ness” dos Oasis e dos Blur, uma afirmação potencialmente errada no que toca aos Blur (que claramente se preocupam bastante com as suas canções); mas não há assim tanta diferença entre Future Nostalgia e Radical Optimism e não tem de haver – Future Nostalgia foi o disco que fez de Dua Lipa uma estrela, que converteu uma parte do mundo pop a uma espécie de revivalismo do disco sound (até Beyoncé quis brincar ao disco, em Renaissance, de 2022); perante tamanha produção de malhas de pop dançável, para quê mudar? A receita pode ter mais ou menos anfetaminas, mas a base é a mesma.

Kevin Parker, dos Tame Impala, andou pelo estúdio a montar sintetizadores, mas isso não alterou radicalmente a música de Dua Lipa, uma mulher alfa a destilar sudação por cima de uma batida aproximada do disco, enquanto debita bitaites sobre a vida amorosa (sua, de uma personagem fictícia, pouco importa). Em Watcha Doing, ligeiramente mais lenta que as antecessoras, mas ainda assim meio disco sound, Dua Lipa partilha o que pode ser um problema: “I’m no good / giving up control”, confessa, antes de se dirigir ao objeto do desejo amoroso: “Are you worried that I might do something wrong?”, pergunta, antes de dar a resposta: “ ‘Cause I’m worried that I won’t”, claro. Mais à frente ela afirma que “control is my religion” e pelo menos em termos musicais ela parece ter tudo muito controlado: um pouco de disco sound, muitos sintetizadores, explosões nos refrões, muitas batidas por minuto.

"Radical Optimism" não é o “tributo pop psicadélico à cultura rave do UK” que Dua Lipa anunciou – é apenas mais um disco de Dua Lipa

A única referência a algum dos artistas mencionados na entrevista surge – e presumo que por acaso — em Falling Forever, o oitavo tema, quando Dua Lipa canta, no refrão, “Can it just keep getting better / Can we keep on live forever”, sendo Live Forever o nome de uma canção dos Oasis. Falling Forever abre logo com o vozeirão de Dua Lipa e caminha rumo ao épico no refrão, deambulando por terras da pop-house em ascensão, aquelas que torna estas canções possíveis êxitos. Não é muito diferente da canção anterior, Illusion, em que Dua Lipa confessa “I’ve been known to miss a red flag / I’ve been known to put my lover in a pedestal”. A batida bate acelerada desde o início e rapidamente torna-se num exercício de cardio puxadinho – a canção fica a dois degraus do épico e talvez seja esse, e não o amor, o verdadeiro problema que se coloca a Dua Lipa.

Para todos os efeitos, o sucesso das estrelas pop mede-se em êxitos – quantos hits tem um disco? É só isto que interessa. As primeiras três canções de Radical Optimism são todas boas canções pop-house-disco: End of an Era é mais pop afunkalhada, cheia de synths (ei-los, outra vez), acelerada e divertida, Houdini dobra a dose funk, com teclas à Stevie Wonder (está aqui uma bela aula de ginástica), Training Season insiste nas aulas de dance-pop com camiões de sintetizadores – mas alguma destas canções é verdadeiramente um êxito? Por êxito apresento a prova A, aquela que vai ser a canção deste verão: Espresso, de Sabrina Carpenter — a mesma vertigem revivalista do disco, mas muito mais leve e orelhuda do que alguma canção em Radical Optismism (um disco que não deve muito à subtileza). A letra parece ser um disparate, mas isso não é problema na pop; a melodia é irresistível.

Meia dúzia destas canções acabarão por se tornar êxitos, pela simples força de existirem enquanto canções reconhecivelmente de Dua Lipa num mundo que espera mais canções reconhecivelmente de Dua Lipa.

É espantoso que alguém que cultiva uma imagem tão glamourosa e distante como Dua Lipa se entregue depois tão afincadamente a atividades tão físicas como cantar estas canções (um tipo fica cansado só de ouvir). É igualmente espantoso que tenham passado quatro anos desde o disco anterior e durante todo este tempo ela tenha estado omnipresente no universo pop (por norma quatro anos sem editar significam que se perdeu o comboio). Mas Radical Optimism não é o “tributo pop psicadélico à cultura rave do UK” que Dua Lipa anunciou – é apenas mais um disco de Dua Lipa.

Na ausência de borras de café ou búzios que me permitam fazer previsões com uma probabilidade aceitável de certeza, desconfio que meia dúzia destas canções acabarão por se tornar êxitos, pela simples força de existirem enquanto canções reconhecivelmente de Dua Lipa num mundo que espera mais canções reconhecivelmente de Dua Lipa. Mas nenhuma delas é um Espresso e às vezes as estrelas pop deviam ser lembradas do que é um verdadeiro êxito pop mesmo quando continuam a ter êxito só porque sim. Enfim, pouco importa: melhor sorte no amor da próxima vez, é o que se deseja a Dua Lipa.

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