[Este artigo faz parte da série de trabalhos sobre o percurso, os desafios as polémicas dos dez novos ministros que o Observador publica no day after da formação do novo Governo]

Passaram-se 14 anos desde que Duarte Cordeiro foi eleito líder da Juventude Socialista. Agora o outrora jovem turco chegou ao topo: é ministro. A área foi a que quis, a do Ambiente, e o prémio foi conseguido depois de umas legislativas em que voltou a ser o diretor de campanha de António Costa, conseguindo o que o PS só conseguira uma vez, a maioria absoluta. Foi ele que esteve na queda de Costa, no centro da negociação parlamentar que viu a esquerda virar costas ao PS e chumbar o Orçamento precipitando a crise política, e na ascensão que já ninguém esperava, com a maioria absoluta.

Aos 43 anos, Duarte Cordeiro mantém-se na coordenação política do Governo onde já estava como secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, mas agora como ministro de uma área setorial onde tem uma pasta de peso, que afinal não transitou para a Economia — como se chegou a pensar –, a energia. Tem pela frente inúmeros desafios, a começar pelo mais atual da crise energética, numa pasta central no contexto europeu.

Na bagagem traz traquejo político, que acumulou ao longo de uma carreira que traz experiência autárquica em Lisboa e intensa negociação política no final da “geringonça” e no quadro político que se seguiu em 2019. É um dos homens de confiança do líder António Costa, que não tem prescindido da sua capacidade de organização e de mobilização nas várias frentes eleitorais em que já concorreu. E é também o homem de maior confiança do que todos apontam como futuro líder.

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Qual o currículo?

Formou-se em Economia, no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa. Foi aí que começou também a sua vida política (ver abaixo). Mais tarde tirou uma pós-graduação em direção empresarial, no ISCTE. E entre 2002 e 2004 trabalhou no “departamento comercial e de marketing de uma empresa multinacional de grande consumo”, segundo a nota curricular que está disponível no site do Governo. A empresa era a Reckitt Benckiser e a parte irónica da história é que Duarte Cordeiro trabalhava na gestão do marketing de alguns produtos entre eles ambientadores, tanto que estes foram durante algum tempo motivo de muitas conversas com amigos a quem explicava detalhadamente os pormenores técnicos.

O episódio, diz quem o conhece, revela como Duarte é “dedicado ao trabalho” seja qual for a temática que lhe é colocada à frente. Na Câmara de Lisboa também foi assim quando, em abril de 2015, a saída de António Costa para se candidatar às legislativas fez subir Fernando Medina a presidente e Duarte Cordeiro a vice-presidente. Tinha a tutela dos pelouros da Economia e Inovação, Smart Cities, Espaço Público, Desporto e Higiene Urbana e rapidamente se tornou num interessado nas soluções de mobilidade elétrica na cidade.

A experiência na área do Ambiente resume-se a esta fase da sua vida em que tocou em algumas das áreas que fazem agora parte da sua tutela. Antes de chegar à CML, entre 2005 e 2006, foi adjunto do secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias, de onde saiu para ser vice-presidente do Instituto Português da Juventude e do Conselho de Fundadores da Fundação de Divulgação das Tecnologias de Informação. Na legislatura que começou em 2009, assumiu o lugar de deputado pela primeira vez, fazendo parte da comissão parlamentar de Economia. Pelo meio foi fazendo outro caminho por órgãos de direção do partido.

Qual o seu percurso político?

A sua atividade política começou na faculdade, altura em que fazia parte da coligação de esquerda da associação de estudantes. Foi lá que conheceu Pedro Nuno Santos, dois anos mais velho do que Duarte, cimentando uma amizade que se mantém até hoje e que correu paralelamente à crescente proximidade política. Os caminhos foram sempre juntos, a partir daí e a ambição futura de dirigir o partido também é comum. Duarte Cordeiro é o asa de Pedro Nuno Santos e um elemento certo e relevante — a esta distância — de uma futura vaga pedronunista.

Apesar da proximidade, cada um tem o seu próprio percurso político dentro do partido. Duarte Cordeiro fez ao nível da Juventude Socialista um percurso muito parecido com o que tem tido no PS. Passou pelas respetivas concelhias e liderou as respetivas federações, sempre em Lisboa. Aliás, neste momento é o presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa do Partido Socialista desde abril de 2018, tendo sido reeleito em julho de 2020 para um segundo mandato (pode fazer quatro sucessivos, segundo os estatutos do partido). Fez parte do grupo dos jovens turcos do PS – lá está, com Pedro Nuno Santos, Pedro Delgado Alves e João Galamba que pode encontrar no Ministério, já que foi nos últimos anos ele o responsável pela área da energia. Na faculdade forjou várias amizades à esquerda que lhe valeram nas negociações políticas que travou nos últimos anos, nomeadamente entre o Bloco de Esquerda. Cruzou-se no ISEG com os bloquistas Jorge Costa e José Gusmão, por exemplo. Foi, aliás, em conjunto com o primeiro que dirigiu a campanha presidencial de Manuel Alegre em 2011, já que o candidato era apoiado pelo PS e pelo BE, num encontro então inédito entre as duas forças políticas.

Nos últimos três anos foi membro do Governo que agora cessa funções, tendo sido nomeado secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares em fevereiro de 2019, numa remodelação que estava acertada há meses com Duarte Cordeiro a saber desde outubro que nessa altura substituiria o amigo Pedro Nuno precisamente no centro político da “geringonça”. Foi assim mesmo, Pedro Nuno Santos passou para as Infraestruturas e Cordeiro avançou da CML para o gabinete do piso -1 da Assembleia da República onde, nessa fase da governação, ainda decorriam, frequentemente, reuniões com PCP, Bloco de Esquerda e Verdes para aprovar alguma legislação, sobretudo Orçamentos do Estado. Mas Duarte Cordeiro já não negociou nenhum com a “geringonça” a funcionar em pleno.

Meses depois de assumir o seu primeiro cargo no Executivo, houve legislativas e deixaram de existir as posições conjuntas por escrito com a esquerda. As negociações mudaram de perfil. Já não havia nada negociado com antecipação, nem um fio condutor de medidas mais ou menos acordadas. Cada partido ia colocando as suas reivindicações em cima da mesa e o negócio fazia-se à linha, já sem aquelas intermináveis reuniões técnicas a “partir pedra” que caracterizaram os tempos da “geringonça”. Ali a distância era maior e isso notava-se. O primeiro Orçamento com negociação coordenada por Duarte Cordeiro, o de 2020, foi viabilizado, com as abstenções do costume, mas seria o último a ter todos em sintonia. No Orçamento Suplementar de 2020, de resposta à crise pandémica, o PCP já faltou à chamada e votou contra. No seguinte, para 2021, foi o Bloco que roeu a corda. No de 2022, a história é recente e está contada. No fim de todas as contas foi o que permitiu que Duarte Cordeiro chegasse já a ministro.

Isso e o papel que teve na maioria absoluta conquistada pelo PS. Foi ele o diretor de campanha de António Costa (já tinha sido noutras candidaturas anteriores deste mesmo socialista, em legislativas, autárquicas e até nas diretas internas), que organizou a estratégia no terreno, mobilizou tropas e encomendou sondagens internas para não deixar esmorecer o ânimo socialista. A ansiedade crescia à medida que o PS descia nas sondagens divulgadas na comunicação social e o seu papel foi muitas vezes de líder de claque. Logo ele que já foi apelidado, nos corredores socialistas em negociações orçamentais mais delicadas, de “pessimista irritante” é que teve de manter o otimismo vivo na caravana. Esteve nas reuniões de acerto de mensagem e de percurso pelo país, aturando os humores do líder. Estava num canto do palco, fora de plano e encolhido, quando Costa o nomeou na noite da vitória, para lhe agradecer o trabalho na campanha. Podia ter ido para a Administração Interna, mas não terá sido essa a sua vontade. Acabou no Ambiente e na Ação Climática quando esse é tema central.

Qual a experiência na área de governação?

A sua ação executiva mais setorial foi na Câmara de Lisboa onde foi, no final da sua passagem pelo executivo, vereador da Economia e Inovação, Smart Cities, Espaço Público, Desporto e Higiene Urbana. Esta última foi a sua área de ação durante mais tempo e Duarte Cordeiro orgulha-se de ter sido ele a implementar na cidade o sistema de recolha seletiva em contentores enterrados, ao mesmo tempo que alargou esta mesma recolha porta-a-porta.

É também do seu mandato a introdução do sistema de reciclagem, em espaços próprios de contentores, nos bairros históricos de Lisboa. E ainda o alargamento da recolha de orgânicos isoladamente junto de restaurantes, ou seja, separar o lixo alimentar do restante indiferenciado para poder ser transformado, posteriormente, em energia verde (através da compustagem).

Foi também no seu tempo que António Costa criou a figura da Provedora do Animal, com Duarte Cordeiro a ser o responsável pelo trabalho com quem estava então no cargo Inês Sousa Real (hoje deputada do PAN). Nesta função, Cordeiro implementou (antes de o Parlamento o ter feito) a política de abate zero nos canis da cidade e e transformou o que existia em Lisboa na Casa dos Animais. É ele que ficará agora, no Governo, com a tutela da conservação da natureza.

Quais os principais desafios da pasta?

O primeiro desafio de todos é bem atual: a crise energética. Terá de ser sua a concretização de medidas para acautelar aumentos de preços na eletricidade e gás no imediato, mas também de soluções para fazer face a futuros aumentos — há medida que estão a ser desenhadas com Espanha, mas para as quais será necessário aval de Bruxelas — e o que houver para aplicar e assumir em Portugal será já por conta de Duarte Cordeiro.

E a intervenção do ministro pode não ficar apenas pelos preços. Há temas de segurança de abastecimento que levaram o ainda secretário de Estado, João Galamba, a avaliar a possibilidade de retomar a produção elétrica a carvão, um cenário extremo que irá contra as ambições de transição energética sempre defendidas pelo Governo. Este tema é aliás central na política económica e um grande destinatário dos fundo da ‘bazucs’, entre os quais grandes investimentos no hidrogénio verde.

Além disso, há outra frente energética, a dos combustíveis, que pode vir a exigir ação do novo ministro do Ambiente caso venha a ser necessário mexer na margem das petrolíferas, de acordo com uma lei aprovada no ano passado a qual depende de uma iniciativa da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.

Outro tema bem atual é o da seca, com o país a avançar naquele que pode ser um dos anos mais secos em Portugal. A situação é de tal forma grave que o ministro do Ambiente pode vir a  ter de manter e implementar mais medidas de restrições do uso de água e tomar decisões igualmente impopulares para alguns setores de atividade. João Matos Fernandes já tinha alertado em fevereiro para a necessidade de racionalizar recursos hídricos.

No capítulo da exploração de lítio, está prestes a ser conhecido o resultado da avaliação ambiental da Mina do Barroso, em Boticas, que tem levantado enorme contestação local. Será Duarte Cordeiro a cara do Governo a responder a este descontentamento da população se a APA (Agência Portuguesa do Ambiente) der luz verde. Antes de sair, João Pedro Matos Fernandes programou sessões de esclarecimento à população local, organizadas em conjunto com os municípios, para “explicar aquilo que é a relevância do lítio, os ganhos económicos que podem resultar da sua exploração, os impactos ambientais que podem provocar e a forma de serem minimizados”.

O resto do trabalho ficará para Cordeiro a quem caberá lançar o concurso para a pesquisa e exploração de novas áreas de lítio. Por decidir estão ainda os concursos do solar flutuante e a reconversão do Pego para energias renováveis. E há também que garantir que a nova potência solar já atribuída não derrapa demasiado.

Em matéria de resíduos, a área onde tem mais experiência, Duarte Cordeiro vai encontrar uma série de metas falhadas pelo país, nomeadamente na área da reciclagem. Aliás, este ano a Comissão Europeia questionou formalmente Portugal sobre a implementação da legislação comunitária relativa a aterros sanitários e tratamento de resíduos, por causa destas mesmas deficiências. Nessa altura, o executivo comunitário avisou que “em Portugal, o estudo [que investigou a deposição de resíduos municipais não tratados em aterros nos Estados Membros] revelou deficiências em quatro dos cinco aterros sanitários visitados. Pelo menos 59% dos resíduos municipais são depositados em aterros sem qualquer tratamento”. Um dossier caro ao novo ministro que tem também pela frente a meta europeia de ter o país, em 2025, a ter pelo menos 65% de compostagem de resíduos orgânicos — outro objetivo da área dos resíduos que também está longe de ser atingido e para o qual traz know how da CML.

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Herda ainda a obra já em curso da polémica linha circular do metro de Lisboa que o atual presidente do município classificou de “erro” e que cuja suspensão defendeu na campanha eleitoral autárquica. Entretanto já são várias as empreitadas adjudicadas da obra que vai prolongar as linhas Amarela e Verde com duas novas estações de metro, Estrela e Santos. A abertura está prevista para 2024 e ainda em novembro passado uma moção do PCP a pedir a sua suspensão foi aprovada numa reunião privada da autarquia. Teve apenas oposição dos socialistas e do Livre.

Outro grande desafio será ter um secretário de Estado que acumula Ambiente e Energia sob a sua alçada, o que já está a ser alvo de preocupação por parte das associações ambientalistas que receiam que a questão da transição energética acabe por ser deixada para um segundo plano.

Quais as polémicas no seu percurso?

É já como membro do Executivo que se regista a maior polémica a envolver Duarte Cordeiro. Como secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, em 2019, nomeou para chefe do seu gabinete a sua colega de faculdade (com quem já trabalhara na CML) Ana Catarina Gamboa que é também — e a questão era essa — mulher do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.  O caso levou mesmo a que o ministro fizesse uma publicação nas redes sociais sobre o assunto.

Além disso, Duarte Cordeiro escolheu para seu adjunto Pedro Anastácio, filho do deputado do PS Fernando Anastácio, ex-vereador em Albufeira, e da juíza Maria Machado. Pedro Anastácio, membro do secretariado nacional da Juventude Socialista, passou vogal não efetivo na Junta de Freguesia das Avenidas Novas, em Lisboa, para o gabinete do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, com um salário bruto de 3.575,46 euros por mês. Duarte Cordeiro teve de vir garantir publicamente que ambas as escolhas eram da sua “exclusiva responsabilidade” e que “nenhuma relação familiar pesou”.

Outra polémica foi noticiada pelo Observador, em 2017. Referia-se à CML e às avenças pagas nos gabinetes do PS no início desse mandato autárquico, o que deu origem a uma reação crispada e extensa do então vice-presidente da Câmara em defesa do seu gabinete.

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