A Rua dos Duques de Bragança, em Lisboa, deve o seu nome ao palácio da família aristocrata portuguesa, a mesma de que descende D. Duarte. Sem palácio, mas com uma casa num terceiro andar na dita rua, o duque, com 73 anos, recebe as visitas com o mínimo de cerimónia. “Vou pedir pizzas”, exclama. Dito e feito: meia hora depois, estavam três em cima da mesa, bem como pratos, talheres (à vontade não é à vontadinha) e um sortido de bebidas: uma coca-cola, uma cerveja artesanal e três sidras, duas delas de frutos vermelhos.
O casamento do princípe Harry e de Meghan Markle é já no sábado — D. Duarte, herdeiro da coroa portuguesa e um dos vários monarcas europeus não reinantes, tem as suas maiores afinidades distribuídas por outros reinos que não o de sua majestade, Isabel II. É onde estão os “primos”, como diz. Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Áustria, Baviera e por aí em diante, só para termos uma amostra de como estas árvores genealógicas são complexas e cheias de nós cegos.
Há 23 anos, foi o próprio casamento do duque que deu que falar. Três mil convidados, uma igreja monumental, a dos Jerónimos, preceitos protocolares até mais não, e uma multidão de gente à porta com direito a acepipes e ecrãs. Até convites falsos houve, uma verdadeira festa. Este fim de semana, D. Duarte e D. Isabel não vão a Windsor.
D. Duarte tem três filhos: Afonso, o mais velho, tem 22 anos, Maria Francisca já tem 21 e o mais novo, Dinis, tem 18. Não será completamente despropositado antecipar o próximo casamento real português. Por cá, a febre com a realeza pode não ser nem metade da dos ingleses, mas é preciso admitir que de um conto de fadas (ou de príncipes e princesas) todos precisamos de vez em quando.
Como é que anda a sua relação com a família real britânica?
Tenho uma relação próxima com o príncipe Eduardo e com o príncipe Carlos. Eu e o Príncipe Eduardo trabalhamos juntos num programa internacional chamado Prémio Duque de Edimburgo, que em Portugal se chama Prémio Infante D. Henrique, do qual sou o presidente honorário. Com o Príncipe Carlos tenho-me encontrado em várias ocasiões e tido conversas muito interessantes, nos aniversários dele, etc… Gostei muito da Camila, pareceu-me uma mulher interessantíssima, inteligente e muito culta. Tivemos uma conversa muito interessante.
Quando é que esteve, pela última vez, num evento oficial da família real?
Em primeiro lugar, costumo estar nas reuniões do grupo de apoio ao Prémio Duque de Edimburgo. Convidam-me duas vezes por ano para encontros muito interessantes que acontecem no Palácio de St. James, em Londres, ou em vários outros palácios históricos. São pessoas que dão uma contribuição para o prémio. Neste caso, um senhor do Porto, muito simpático, pagou a minha contribuição vitalícia. Depois, há aniversários e casamentos de outras famílias, dos meus primos. A minha bisavó materna foi a princesa Isabel, filha de D. Pedro II do Brasil, uma senhora interessantíssima, mas esse lado da família não é assim tão numeroso. O meu bisavô paterno foi o rei D. Miguel e descendem dele os reis da Bélgica, os grã-duques do Luxemburgo, os príncipes do Liechtenstein e mais uma dúzia de famílias reais europeias. É curioso porque se criou uma rede de solidariedade familiar muito forte, as pessoas gostam muito de se encontrar e de conviver.
Foi convidado para o casamento do príncipe Harry?
Não.
Mas estava à espera de ser?
Não. Pessoalmente, não conheço a lista de convidados, mas imagino que seja muito mais pessoal do que política. No casamento do príncipe herdeiro, a lista foi sobretudo política, com governantes, Commonwealth, casas reais reinantes e com os amigos pessoais. Neste, julgo que será muito mais à base de relações pessoais. Não estou a ver a família a convidar figuras políticas, provavelmente porque a rainha achou que o casamento devia ser mais familiar.
Isso por ser o casamento do número seis na linha de sucessão, certo?
Sim, não tem peso nenhum. Tem um peso mediático muito simbólico pelo facto da rapariga ser de origem africana, mista. Isso tem um impacto muito grande em todas as comunidades que não são de ascendência europeia. Imagino que estejam muito contentes com isso. Os ingleses têm tido a habilidade de aproveitar circunstâncias que, à primeira vista, saem fora do comum e de lhes dar uma mensagem política inteligente.
Nesse sentido, acha que a família real faz um balanço positivo deste casamento?
Creio que sim. Quer dizer, conversando em particular com ingleses, percebe-se que há muitos, obviamente, muito chocados. Aliás, nesse aspeto, os ingleses nunca foram conhecidos pela sua tolerância. Tudo o que não seja inglês… Mesmo que fosse uma rapariga escocesa já iam discutir, quanto mais uma americana, meio africana. Acho eu. Lembro-me de uma história de um amigo cujo filho ia casar com uma escocesa. E ele dizia: “Esta coisa de o meu filho ir casar com uma mestiça”. “Mestiça?” “Sim, com uma escocesa”. E isto só porque não era bem inglesa.
Portanto, se não fosse Meghan Markle, este casamento passaria mais despercebido.
Estes casamentos são um ótimo negócio para Inglaterra, não é? Vão imensos turistas, vendem-se imensas lembranças, fazem-se selos de correio. Mas acho que estão a fazer um esforço para não dar a impressão de que, por ser com esta, o casamento é menos solene, para não parecer que há menos entusiasmo. Ou então, foi o governo a dizer que convinha aproveitar o momento para distrair as pessoas do Brexit. Para as relações com os Estados Unidos, por exemplo, o casamento é certamente muito bom. A grande preocupação do Estados Unidos é que não haja qualquer tipo de discriminação e isto mostra uma modernidade da Inglaterra, por aceitar bem um casamento destes. Podia ser mais chocante, mas até está dentro de uns certos limites, apesar de tudo.
Mas hoje as pessoas já olham para as famílias reais de forma diferente. Acha que a casa real britânica tem contribuído para esta mudança de perspetiva?
Há uma caricatura muito engraçada de uma artista inglesa em que se vê o príncipe Philip desmaiado no chão e a rainha a dizer: “Philip, querido, ela é Markle, não é Merkel”. Acredito que deve ser bastante chocante para a rainha e para o príncipe Philip que o neto case com uma rapariga divorciada e já com uma história de vida complicada. Mas aceita-se. Porquê? Porque faz parte da cultura da nossa época. E o que acontece é que, em todas as alturas, as famílias reais se adaptaram sempre aos valores culturais da sua época, tentando moderá-los, tentando dar exemplos de outro tipo de comportamento mais clássico. Mas acabam por se adaptar e isso é uma constante histórica. Na Idade Média, os reis participavam nas batalhas, porque tinham de ser guerreiros. Na Renascença, preocupavam-se muito com a cultura, com o progresso e com a ciência, eram os valores da época. Hoje em dia, qual é o valor aparentemente mais fundamental? É a democracia. Então as famílias reais fazem casamentos muito democráticos. Também aconteceu na Suécia e na Noruega. A própria rainha de Espanha é um exemplo. Até agora, a força e o prestígio da instituição monárquica tem sabido ultrapassar problemas que surgiram, às vezes por falta de preparação das rainhas e dos príncipes que casam com elas. Já o marido da rainha da Holanda, o príncipe Bernardo, teve um problema muito complicado porque recebeu dinheiro de uma indústria americana para favorecer a compra de uns aviões. A reação dos holandeses foi: “Coitada da rainha que tem de aturar a estupidez deste marido”.
Considera então que a monarquia britânica soube lidar com essas transformações.
Há um filme chamado “A Rainha” que retrata isso muito bem. O facto de a população dos países onde há monarquias vibrar imenso e sentir-se muito próxima dos problemas das famílias reais mostra exatamente a importância da instituição. Ninguém fica muito preocupado se a filha do Presidente da República se divorcia, por exemplo. No entanto, existe uma ligação afetiva que dá uma face humana ao Estado e que nos leva a considerar o Estado não só como aquela máquina dos políticos e dos cobradores de impostos, mas com qualquer coisa de humano. Os presidentes inteligentes e competentes, como o nosso atual ou como foi o general Ramalho Eanes, sabem interpretar isso e sabem perceber que o que o povo quer de um presidente é que ele tenha o comportamento de um rei.
Voltando à comparação com o divórcio da filha de um presidente, porque é que há menos tolerância? É porque a monarquia está intrinsecamente associada a determinados valores e a república não?
Por um lado sim, é isso. Por outro lado, porque é uma ligação familiar. Os povos conhecem os seus reis desde sempre. São muitas gerações, em geral. Qual é o inconveniente principal das monarquias? É exatamente essa ligação afetiva muito forte que, quando as coisas correrem mal, causa também perturbação e infelicidade às populações. Houve, recentemente, o caso de uma monarquia em que as coisas correram muito mal, o Nepal. Aparentemente, tinha havido ali um assassinato dentro da família real, foi um drama enorme e o país acabou por cair nas mãos dos maoistas. São casos extremamente raros. O Japão tem uma monarquia de 2000 anos, com a mesma dinastia, e nunca teve um drama com a família real. Pelo menos, que se saiba. Deve ter havido mas foram abafados. Quando as coisas correm mal, como foi o caso da princesa Diana, há um drama nacional. Nós temos dramas parecidos, mas com o futebol.
Mas, para alguém que tinha entrado em cena há relativamente pouco tempo, a princesa Diana teve um grande impacto, interferindo mesmo na relação dos britânicos com a Rainha. Na história das monarquias europeias, há um pré e um pós princesa Diana?
Depois desse drama, houve uma sondagem em que se perguntou ao povo inglês se, caso a Inglaterra se tornasse numa república, quem é que seria o candidato mais provável. O segundo foi o Richard Branson e o número um foi o príncipe Carlos. De facto, a popularidade do príncipe Carlos não teve nada a ver com aquilo que veio nos jornais. Os jornais estiveram muito hostis contra ele, mas na verdade fabricaram muito o drama. Eram dominados por grupos económicos e o que aconteceu foi que a alta finança inglesa estava muito incomodada com as posições que o príncipe Carlos estava a assumir em defesa dos mineiros, da arquitetura rural e da justiça e fizeram aquela campanha toda para desestabilizá-lo. Ele também se prestou, obviamente. Hoje, toda a imprensa quer que ele abdique e seja o filho, mas acho que isso não vai acontecer.
Esteve no casamento de William, em 2011?
Não. Casamentos de famílias reais fui ao da Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Marrocos, Jordânia e de outras famílias reais não reinantes na Europa, da Áustria, Baviera. É onde estão os nossos primos, os familiares mais chegados. Ah, e da Dinamarca, sou muito amigo da família real dinamarquesa.
Imagina, nestes momentos, como será quando um dos seus filhos casar?
Atenção dos media vai haver, de certeza. Impõe-se também saber se o casamento é em Portugal ou no estrangeiro, porque, normalmente, os casamentos são a convite da família da noiva. O importante para eles é que seja um casamento equilibrado, com pessoas do mesmo meio cultural e, sobretudo, que haja uma identidade espiritual, fundamental para um casamento ser feliz. Os outros aspetos são menos importantes. Quando o marido ou a mulher têm vergonha de coisas que o outro faz, porque acha que é ridículo ou que é possidónio, ou que dá mau aspeto, já é um problema cultural. Pelo que tenho visto a nível internacional, quando o nível cultural é semelhante, a raça tem muito pouca importância. Vejo casamentos muito felizes de europeus com africanos ou asiáticos, porque conseguiram ter uma identidade e valores espirituais semelhantes, mesmo com religiões diferentes. Aliás, acho que hoje em dia o racismo tem muito pouco a ver com a raça propriamente dita, tem a ver com a cultura. Lembro-me, por exemplo, do tempo português em Angola. Havia casamentos mistos que funcionavam lindamente bem porque, precisamente, eram pessoas que tinham o mesmo nível cultural, fosse ele popular ou erudito.
É essa a expectativa que deposita nos seus filhos, que escolham alguém do mesmo nível cultural?
Exatamente.
Tendo em mente a possibilidade de não casarem com aristocratas.
Pois, exatamente. O importante é que os maridos e as mulheres dos meus filhos percebam que, ao entrarem na nossa família, assumem obrigações e que não podem fazer o mesmo que fariam se estivessem noutra família qualquer. Têm que ter uma certa responsabilidade para com o país. Se estivessem noutra família qualquer, a prioridade era somente ter sucesso na vida, sem se preocuparem muito com outras causas. No nosso caso, espero que mantenham esse sentido de responsabilidade para com Portugal e para com o futuro do país.
E está preparado para a possibilidade de ser uma atriz ou um ator de Hollywood?
Absolutamente, não. Deve ser muito problemático ver a mulher ou o marido na cama com outro, deve ser muito complicado. E deve ser quase como estar casado com um piloto de linha aérea, sempre fora de casa.
Quem é que acha que vai casar primeiro?
Não faço ideia, só espero que não sigam o exemplo do pai.
Imagina os portugueses a acompanharem esse momento, tal como agora vemos no Reino Unido?
Bem, o nosso casamento teve mais sucesso do que alguns casamentos reais europeus. Todas as pessoas que convidei vieram, o que foi um problema. Contava que muitos não viessem, pela distância geográfica ou por opções políticas, e acabei por ter 40 presidentes de câmara e metade eram do Partido Comunista, não estava à espera que viessem assim tão entusiasticamente. Depois, também vieram convidados de países longínquos, da Nova Guiné, da Austrália, de África. Tivemos de fazer uma receção no claustro dos Jerónimos, depois da missa. Na parte de fora, havia imensa gente a ver. Com a ajuda de amigos, organizou-se uma festa de rua com comidas, bebidas e música. Tínhamos ecrãs grandes lá fora. Não digo que vá ser um casamento tão espetacular como o nosso… Não faço ideia, tudo depende da situação. Se os portugueses estiverem em crise, então a festa vai ser muito grande. Se estiverem todos muito bem, de barriga cheia, então talvez seja um pouco mais discreta.
Mas acha que a mobilização será a mesma?
Creio que sim. Também depende do orçamento, não é? Não vou convidar tanta gente. No nosso estiveram 3000 e depois houve os que não tinham sido convidados. Falsificaram convites. Houve situações muito cómicas. Pessoas que eram conhecidas dos jornais e que os seguranças, por isso, deixaram passar, mas que não tinham sido convidadas, receberam convites falsos. Houve quem tivesse falsificado convites e mandado para algumas personalidades conhecidas, entre as quais a Lili Caneças. Eu não conhecia a senhora, não tinha razão nenhuma para convidá-la. Na altura, vieram perguntar-me o que fazer e eu deixei entrar. O Mário Soares foi o último a entrar, ainda o recebi. Quando cheguei, estava com o meu irmão Miguel. Vínhamos num carro descapotável e com uma escolta voluntária dos alunos do Colégio Militar. Na altura, havia uma campanha para o uso do cinto de segurança e perguntaram se podiam usar uma imagem para essa promoção. Dissemos que sim, claro. Mal entrámos no carro, pusemos o cinto. No final, as pessoas ficaram muito ofendidas porque acharam que tínhamos vendido as imagens.