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Entrevista ao Secretário de Estado do Tesouro - Miguel Cruz, à Rádio Observador, para o programa "Sob-escuta" Lisboa, 23 de Dezembro de 2021. TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro, foi o negociador do Estado português com Bruxelas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro, foi o negociador do Estado português com Bruxelas

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"É muito cedo" para negociar parceiros para a TAP. Mas seis interessados é bom sinal, diz governante que negociou com Bruxelas

Secretário de Estado do Tesouro admite que até 2023 não há condições para negociar parceiros para a TAP, apesar de seis interessados. Miguel Cruz diz que discussão com Bruxelas foi difícil, mas leal.

A TAP vai receber nos próximos dias os 530 milhões de euros que faltavam da ajuda prevista para este ano e logo no arranque de 2022 deverá fechar empréstimo com investidores privados para mais 360 milhões de euros e que terá o prazo de um ano. São as consequências mais imediatas da aprovação esta semana do plano de reestruturação com a Comissão Europeia depois de negociações que foram “muito difíceis”, reconhece o secretário de Estado do Tesouro que liderou as conversas com os técnicos europeus da concorrência.

Em entrevista ao Observador, Miguel Cruz sublinha contudo que foram “sempre leais” e acrescenta: “Não temos propriamente razões de queixa”, apesar de admitir que houve várias surpresas desde que o processo se iniciou em junho de 10 de 2020 com o pedido de ajuda de emergência.  Sobre o futuro, o governante diz que a TAP terá de entrar num processo de consolidação com um parceiro internacional, e até já há seis manifestações de interessa (de grupo de aviação europeus, mas também de fundos). Apesar de isso ser um bom sinal defende também que esta não é altura para iniciar negociações e admite que o processo não se concretize antes de 2023. A prioridade é para a implementação do plano, que tem riscos associados à evolução da pandemia. A perda de slots no aeroporto de Lisboa terá sempre impacto na atividade da TAP, mas ficou estabelecido com Bruxelas que não será apenas nas horas com maior número de voos.

A Comissão Europeia deu finalmente luz verde ao plano de reestruturação com o apoio público à TAP. Quando e qual será o valor do próximo cheque?
A Comissão Europeia aprovou em dois dias consecutivos o plano de reestruturação, o auxílio de Estado de 107,1 milhões de compensação à Covid no segundo semestre de 2020, num dia, e, no dia seguinte, aprovou mais 71 milhões de euros pelo primeiro semestre de 2021, que designamos de Covid3. O que está no plano e que foi anunciado é que, durante 2021, será feita uma prestação de auxílio de Estado no montante de 998 milhões. Foram injetados já em capital 462 milhões que corresponderam à compensação Covid referente ao primeiro semestre de 2020. O remanescente entrará ainda este ano e sob a forma de aumento de capital. Não vamos passar o cheque, é mais ou menos por transferência bancária. Mas um aumento de capital pressupõe questões formais. Vamos estar apertados de tempo, mas daqui até ao final do ano, claro que sim, para a semana que vem.

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Não vai ser preciso um Covid4 (quarto pacote por compensação da pandemia) com as restrições mais recentes à operação?
Estas compensações resultam de algo a que a empresa teria direito pelos prejuízos causados [pela pandemia]. O primeiro semestre de 2020 tem um valor [de ajudas] muito mais alto do que os subsequentes e a diferença está no forma de cálculo que tem por base a diferença face à receita esperada sem Covid, em que o ano de 2019 é sempre a referência. A partir do primeiro semestre de 2020, estamos a falar de impactos específicos de algumas rotas. Os montantes têm vindo a diminuir. A expectativa é que não haverá lugar a mais, e os montantes não seriam significativos. E esperamos que o impacto destas novas restrições não sejam expressivo.

O plano financeiro prevê que a TAP tenha de contrair com privados 360 milhões de euros com garantia do Estado (até 90%). Quando é que esta operação tem de ser fechada e junto de que investidores?
O empréstimo será feito o mais rapidamente possível, no princípio de 2022. Está a ser negociado e não posso dizer com quem. A operação está praticamente concluída. O problema é que o plano foi aprovado a 21 de dezembro, para fechar tudo até ao final do ano [era difícil], mas vamos fazê-lo no início do ano.

Mas é apenas com um investidor ou são vários?
Estão vários investidores envolvidos. A natureza da operação é a seguinte. É concedido um empréstimo com uma garantia do Estado (não para a totalidade) e esse empréstimo terá uma maturidade relativamente reduzida, em princípio será de um ano. E, na maturidade, o empréstimo é pago por uma entrada de capital. O Estado entra com capital e a TAP paga o empréstimo e devolve a garantia do Estado. O que está em causa é uma garantia que está a servir de colateral ao empréstimo. A garantia conta como auxílio do Estado, mas depois é substituída por uma entrada de capital. E este valor está dentro dos 3,2 mil milhões de euros e do valor previsto para o ano que vem.

Um ano para concluir o processo não foi demasiado? O Governo esperava uma decisão mais cedo que foi derrapando? Como se explica que tenha demorado tanto tempo, e foi uma explicação técnica? Ou houve envolvimento político?
Serei dos primeiros provavelmente a dizer que o tempo decorrido cansou e foi muito difícil de aguentar por mim e por todas as pessoas que no Governo estavam envolvidas. Mas se olharmos para a generalidade das decisões relativas a planos de reestruturação com as análises que conduzem, tenderia a dizer que este tempo é razoavelmente normal.

As outras empresas do setor foram ajudadas ao abrigo de um outro regime..
O tipo de análise formal é completamente distinto. Se olharmos para planos de reestruturação feitos pela DG Comp têm uma tramitação muito específica. Aliás, uma pessoa da Comissão disse-me perceber a minha ansiedade, mas para ter consciência de que este até tinha sido um dos casos mais rápidos. O tempo não é efetivamente excessivo.
Houve de facto um momento em que todos achámos que íamos ter um plano de reestruturação com maior celeridade. Mas é bom recordar que tivemos o auxílio de emergência aprovado em julho de 2020 e tínhamos seis meses para apresentar o plano. Quando apresentámos, todos nós (do nosso lado e da Comissão Europeia) achámos erradamente — mas a posterior é fácil fazer essa avaliação — que o auxílio de emergência era, se não a totalidade, boa parte do auxílio. O que tivemos foi uma evolução do Covid que nos levou a ter de ponderar um conjunto de aspetos quer em relação à dimensão, quer à discussão muito detalhada sobre um conjunto de variáveis. O que ia acontecer à procura ou se tínhamos uma análise de risco.

Para além dessas questões técnicas, quais foram os principais obstáculos que foi necessário ultrapassar nesta negociação?
A negociação foi muito longa, mas muito técnica. A Comissão Europeia procura esclarecer um objetivo essencial. Se sim ou não o plano de reestruturação dá garantias de sustentabilidade de médio e longo prazo para a companhia aérea. Se sim ou não este auxílio de Estado faz sentido e se é proporcional. E todos os elementos, todas as variáveis, todas as estimativas, todas as contas, foram muito discutidas e escrutinadas.

Mas as queixas da Ryanair atrasaram esse processo?
Acharmos que o processo ia ser mais célere teve a ver com o facto de a realidade, a variação da procura e a pandemia terem surpreendido. Houve uma outra razão. A Comissão recebeu pedidos de auxílio de companhias áreas em que tinham dezenas de processos em análise em simultâneo e isso pesou nas discussões.
A questão da Ryanair não teve impacto em termos do tempo da decisão. Admito que a Comissão pondere esse potencial de queixa. E houve uma perturbação, porque quando a Ryanair apresenta a queixa a Comissão teve a preparar a resposta ao Tribunal e, durante algum período, desviou o tempo das negociações connosco. Obviamente há opções que são tomadas do ponto de vista político, mas isso não entra na discussão. Houve um momento em que a Comissão Europeia decidiu abrir a investigação aprofundada, a tal consulta pública. E aqui sim do ponto de vista metodológico houve uma alteração em relação ao que considerávamos que ia acontecer e isso constituiu algum nível de surpresa. Pensávamos que o que ia acontecer era uma discussão e uma aprovação do plano e depois seria colocado em consulta e a Comissão Europeia metodologicamente e cautelarmente diz ‘vamos fazer a consulta primeiro e depois concluir o exercício’.

"Houve uma alteração em relação ao que considerávamos que ia acontecer e isso constituiu algum nível de surpresa. Pensávamos que o que ia acontecer era uma discussão e uma aprovação do plano e depois seria colocado em consulta e a Comissão Europeia metodologicamente e cautelarmente diz 'vamos fazer a consulta primeiro e depois concluir o exercício'."
Miguel Cruz, secretário do Estado do Tesouro

Mas a Ryanair pressionou para as cedências desta ordem?. A Comissão negociou mais apertadamente as condições por causa da Ryanair?
Para quem tem experiência de processos acho que a DG Comp aperta sempre as negociações e as decisões.

São difíceis?
São sempre muito difíceis, mas, tenho que o dizer, foram sempre leais. Mas não temos propriamente razões de queixa. As queixas da Ryanair não foram exclusivamente sobre a TAP e acho que não teve consequências sobre as medidas aplicadas. A Comissão tem regras muito específicas e metodologias de abordagem.

Há interessados na TAP. Mas uma consolidação pode ser não uma privatização

Apesar de não haver a obrigação de privatizar a TAP, os acordos com outras companhias aéreas obrigam a que o Estado saia até determinado tempo. Não há mesmo nenhuma obrigação do Estado português sair da TAP ou diminuir a sua participação?
Temos situações de partida que são distintas. E foram as companhias aéreas, e os próprios estados que naquilo que apresentaram propuseram essa saída. No que diz respeito à TAP, não existe essa obrigação e não existe timing associado a uma obrigação desse tipo. Mas sempre dissemos, e é minha convicção absoluta —  isto não diz única e exclusivamente à TAP, mas a todas companhias aéreas europeias — que um movimento de consolidação é algo absolutamente imprescindível para a sobrevivência das companhias aéreas. Embora essa obrigação não exista, parece-nos que esse movimento será inevitável. Respondendo diretamente à pergunta, essa condição não faz parte do plano de reestruturação.

Entrevista ao Secretário de Estado do Tesouro - Miguel Cruz, à Rádio Observador, para o programa "Sob-escuta" Lisboa, 23 de Dezembro de 2021. TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Bruxelas não impôs venda da TAP, mas entrar na consolidação será inevitável, admite Miguel Cruz

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Mas grandes companhias aéreas europeias estão ainda impedidas de fazer aquisições, e o momento é de grande incerteza. Há contactos já com potenciais interessados? E faz sentido ou é viável pensarmos que esta operação pode ocorrer ainda durante o horizonte do plano de reestruturação ou teremos de esperar para ver se plano funciona?
Em primeiro lugar é muito cedo. A aprovação de um plano de reestruturação é uma primeira fase, ainda falta muita coisa, nomeadamente implementar. É verdade que estamos a avançar com um conjunto de medidas e a implementar aquilo que nós propusemos e que veio a ser aceite. E isso foi uma aposta ganha. Mas esta não é a altura para estar a equacionar a possibilidade de entrar em qualquer tipo de negociação, seja com que parceiro for. Aliás, se leram a decisão da Comissão Europeia uma coisa que lá diz é que a TAP está impedida de fazer qualquer aquisição — e portanto durante um período que conta a partir do momento em que aprovaram o auxílio, de três anos, estarão impedidos de fazer aquisições. A Lufthansa, precisamente por questões associadas à sua estratégia de consolidação, já pagou o auxílio de Estado, e portanto saiu dessa limitação.

A Lufthansa poderia fazer uma aquisição?
A Lufthansa poderia, sim.

E é um dos interessados que o Governo tem dito que existem?
Temos sido claros a dizer que não comunicamos quem são. Até do ponto de vista negocial não seria uma boa ideia.

Estamos a falar de companhias aéreas europeias? No passado houve problemas com investidores não europeus a tentar investir em companhias aéreas europeias.
O senhor ministro das Infraestruturas já indicou que haveria seis interessados.

Três fundos e três companhias.
Neste conjunto há entidades que são europeias e há entidades que não são europeias. Quando dizemos que não existe uma obrigação de privatização, há necessariamente um determinado movimento de consolidação que vai ser razoavelmente inevitável. Eu diria que 2022 não será o ano em que isso vai acontecer e 2023 poderemos estar relativamente lá próximo, mas também me parece que teremos várias limitações. Toda a base de discussão do que deve ser o futuro da TAP e se, sim ou não, deve entrar no exercício de consolidação com outras entidades deve ser pensado do ponto de vista estratégico do negócio, e isso dá-lhe uma resposta sobre como é que pode ser feita uma determinada negociação.

"Há entidades (interessadas) que são europeias e há entidades que não são europeias. Quando dizemos que não existe uma obrigação de privatização, há necessariamente um determinado movimento de consolidação que vai ser razoavelmente inevitável. Eu diria que 2022 não será o ano em que isso vai acontecer e 2023 poderemos estar relativamente lá próximo, mas também me parece que teremos várias limitações".
Miguel Cruz, secretário do Estado do Tesouro

É a gestão que vai negociar?
É óbvio que se estivermos a falar de um exercício de consolidação com determinada lógica estratégica, a gestão da TAP tem um papel a dizer sobre esta matéria. Mas esta questão, seja uma consolidação, e já ouvi falar na expressão privatização….

… mas uma consolidação é também uma privatização, implica ceder o capital.
Pode ser ou não.

Qual é a alternativa?
Há outras formas de gerir entendimentos de negócios e participações numa lógica de grupo.

A TAP já está numa aliança comercial, na Star Alliance.
Não é disso que estou a falar. Aliás, a privatização referida por um líder partidário [Francisco Rodrigues dos Santos do CDS] deixa-me animado porque isso é um reconhecimento que de facto, então, há um crédito no resultado do plano de reestruturação, porque isso significa que a TAP vai ter uma boa recuperação e, portanto, é uma empresa com potencial privatizável. É um exercício de responsabilidade acionista, e o acionista é o Estado. Essa discussão, portanto, vai ser feita necessariamente com o Estado, mas tem de ser feita em função daquilo que é bom para o negócio e portanto em função de uma avaliação estratégica, e a TAP desse ponto de vista tem de ter aqui um papel.

A cedência de maioria não está nos planos se o PS ganhar as eleições?
Para nós é importante manter um determinado papel que a TAP tem e o hub de Lisboa. E portanto a leitura mais direta dessa afirmação é da manutenção da maioria do capital, mas há muitas formas de fazer isso do ponto de vista corporativo.

Que não impliquem o Estado manter 51% do capital?
Pode não implicar 51%. Mas volto a dizer é muito cedo para discutir isto. O que nós temos de assumir e perceber é que temos um plano de reestruturação que tem de ser implementado e é um plano de reestruturação complexo.

E que tem riscos?
Com riscos claro. Um dos principais é continuarmos na situação em que estamos e temos variações da procura que nos vão deixando preocupados. Vamos continuar a ter Covid, o que vai significar isso em termos de viagens? E qual será o ritmo de recuperação de viagens de turismo e de negócios? O impacto do Covid não é simétrico porque uma companhia aérea cujo negócio é fazer ponto a ponto na Europa não é impactado com uma companhia que tem de trazer passageiros de outros continentes onde há outras restrições e onde o impacto de Covid é maior. Obviamente que há riscos subjacentes ao plano de reestruturação. Aquilo que nós tentámos fazer e que a Comissão Europeia validou — e muita da discussão foi em torno disto — é a solidez do plano. E foi aplicado um stress test para ver se, com o impacto de determinadas variáveis, mesmo assim, o plano resiste de forma a garantir a sustentabilidade da companhia.

Esse teste de stress considerou os impactos que a Ómicron está a ter na operação da aviação. Ainda é possível cumprir as metas do plano de reestruturação ou já podemos estar em risco de derrapagem?
O plano foi aprovado agora. A negociação decorreu até muito recentemente com vários detalhes e obviamente tivemos o cuidado de olhar para as questões da variação da procura. Agora, se daqui a seis meses houver uma nova perturbação…. estas coisas começam sempre a gerar muita incerteza. O plano de reestruturação, apesar de tudo, dá alguma flexibilidade para ir ajustando variáveis. O plano é resistente mas temos de implementar a reestruturação e há muitas outros desafios para as companhias de aviação, sendo que um deles as questões de natureza ambiental. Há vários temas que vão obrigar a uma reflexão muito profunda sobre o futuro da aviação e sobre o futuro das companhias aéreas na Europa. Estar a pré-determinar que nesta altura o futuro será a venda a um determinado grupo com 51, com 49 é muito cedo para fechar essa conversa mas é bom, é muito bom termos um conjunto de interessados — além destes seis houve mais umas declarações que acabou por não se verificar.

"O plano é resistente mas temos de implementar a reestruturação e há muitas outros desafios para as companhias de aviação, sendo que um deles as questões de natureza ambiental. Há vários temas que vão obrigar a uma reflexão muito profunda sobre o futuro da aviação e sobre o futuro das companhias aéreas na Europa."
Miguel Cruz, secretário do Estado do Tesouro

Está a referir-se à Turkish Airlines? Não está nos seis?
Não está nos seis. Houve aí algumas indicações nesse sentido e isso é muito bom porque passa um sinal da importância e credibilidade que é atribuída ao plano de reestruturação e isso para nós é bom. Do ponto de vista negocial é óbvio que nunca ninguém vai dizer que é esta ou aquela porque aquilo que nos interessa é, se tivermos de avançar com um exercício de consolidação, ter em cima da mesa em simultâneo várias propostas.

Acionistas privados ficam sem TAP SA, a transportadora. Mas ficam na Portugália

O Governo elogiou muito a colaboração do empresário português Humberto Pedrosa e agora parece que foi posto de lado. É verdade que não tinha 2,5 mil milhões para meter na TAP. Fica apenas na SGPS, qual é o futuro para este parceiro acionista na TAP?
O senhor Humberto Pedrosa foi, desde o princípio, um grande apoio para todo o exercício do desenvolvimento do plano de reestruturação. Em 2020 provavelmente acreditaríamos num montante mais reduzido — aquilo que foi o auxílio de emergência de 1.200 milhões de euros — e, gerido de outra maneira, provavelmente seria suficiente, mas não foi. Este é o resultado dos montantes que estamos a discutir e do aumento de capital. E se colocássemos o dinheiro através de dívida em vez de aumento de capital não teríamos este efeito acionista, mas teríamos um desequilíbrio no balanço. O exercício obviamente não podia ter sido feito de outra maneira. Agora, tudo isto foi feito sempre com muita preocupação com os acionistas. E Humberto Pedrosa é acionista da SGPS, isso não significa nenhum tipo de desvalorização.

Fica na Portugália (PGA), que é uma peça fundamental do futuro e da estratégia da TAP.
A Portugália é um ativo que faz parte do core business da aviação e, portanto, importantíssimo dentro daquilo que é o plano de reestruturação, e sim continua a ser acionista da SGPS e estas coisas continuarão a ser discutidas ao longo do tempo.

A PGA vai continuar a ser autónoma?
O plano de reestruturação desse ponto de vista não mudou nada. Tenho visto algumas afirmações sobre uma separação entre a SA e a Portugália, mas não há aqui nada de separação nenhuma. O que acontece é que temos uma empresa chamada TAP SA  que é a companhia aérea, e as compensações Covid são à companhia aérea. O plano de reestruturação tem por base a focalização no core business.

A Portugália não recebeu ajuda nenhuma pública?
A ajuda pública — os 1.200 milhões de euros — entrou pela SA e isso fez parte da discussão com a Comissão Europeia e dentro desse montante havia uma parte que a seguir passou para a Portugália. Mas ela não foi destinatária da ajuda. Fazia era parte da notificação e daquilo que a Comissão aprovou, que seria beneficiária de uma pequena parte da ajuda. Só há esta separação da SA em relação à SGPS porque o dinheiro entra em capital pela SA e, portanto, é o efeito do exercício do aumento de capital, nada mais do que isso.

O que acontece à participação dos trabalhadores na SGPS? Não é tirar um pouco o tapete aos trabalhadores. Entraram na TAP e agora ficam sem TAP (SA)?
Se não tivéssemos tido Covid, não estávamos a ter esta discussão. O problema foi termos tido o Covid e está a ser preciso meter na TAP 3,2 mil milhões de euros. Não há, do ponto de vista financeiro e corporativo, alternativa. Se temos uma entrada de capital obviamente que os parceiros que não entram com capital são naturalmente diluídos nesta operação. Não pode ser feito de outra forma.

Groundforce até pode ser vendida tendo em consideração um negócio rentável

A SGPS tem uma série de ativos que vão ter de ser vendidos, como a VEM e a Cateringpor. E vai ficar com a Portugália. A Portugália vai ficar na SGPS?
O plano diz claramente que há uma focalização no core business e a Portugália é elemento chave porque tem outro tipo de aviões, outro tipo de estratégia que é muito complementar à da TAP e que permite montar um sistema mais eficiente. As duas empresas ficam separadas porque a TAP tem de sair da SGPS e não porque haja uma decisão estratégica para que ela saia da SGPS. Pela mesma razão, temos de vender a manutenção e engenharia Brasil. Não é grande novidade. A empresa chegou a break-even antes da pandemia e estava a ter resultados…

Mas é um buraco…
No passado não correu bem do ponto de vista financeiro. A estratégia implementada no plano de reestruturação passa por um reforço da manutenção e engenharia em Portugal, e não no Brasil (e isto tem a ver com a eficiência da operação). Esse é um dos motivos pelos quais essa alienação deve ser feita. Depois há a Groundforce e a Cateringpor….

Conta ter encaixe positivo com as vendas?
Vou utilizar uma expressão mais genérica do que essa, que é fazer um bom negócio. Mas para além de fazer um bom negócio interessa-nos olhar para isto do ponto de vista estratégico, porque embora a TAP vá sair destas empresas, as duas são importantíssima para a atividade da TAP.

Mas só a Cateringpor poderá ser vendida com saldo positivo, não?
Eu não daria assim de barato que a Groundforce [em insolvência] não consiga evoluir favoravelmente na sua atividade durante o período de reestruturação e, desse ponto de vista, que a venda não possa ser vista como a venda de um negócio com uma natureza rentável. Claro que tem um histórico e portanto tem uma mochila às costas, mas a Groundforce é obviamente um negócio interessante. É preciso não esquecer que a TAP na Groundforce é um parceiro minoritário, e que do ponto de vista legal as companhias aéreas não podem ter uma participação determinante numa empresa de handling. A aprovação do plano cria as melhores condições para a atividade da TAP e uma boa atividade da TAP é obviamente, por arrastamento, uma boa atividade para a Groundforce.

Entrevista ao Secretário de Estado do Tesouro - Miguel Cruz, à Rádio Observador, para o programa "Sob-escuta" Lisboa, 23 de Dezembro de 2021. TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

TAP, Portugália e Cateringpor vão continuar sob o regime legal de empresa em situação económica difícil

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O Conselho de Ministros renovou a declaração da TAP, Portugália e Cateringpor como empresas em situação económica difícil. Porque foi necessária esta renovação?
Isso já tinha sido feito no ano passado e serviu de base para a negociação dos acordos com os trabalhadores, mas também tem a ver com a necessidade de recorrer a um conjunto de instrumentos como apoios genéricos para Covid. E a declaração tem de ser renovada todos os anos. Permite coisas como o recurso ao lay-off. A intenção será manter a declaração durante uma parte significativa durante o período de reestruturação.

Isso pode facilitar um eventual novo recurso ao layoff?
Por exemplo. Sim. É para ser renovada anualmente até quando se justificar. E pode ser até 2025.

Isso não altera a negociação com os trabalhadores em relação ao acordo de empresa?
Vai ser negociado com os trabalhadores um novo acordo de empresa cujo objetivo é que vigore para lá do período de reestruturação de 2025. Mas as duas coisas não estão exclusivamente ligadas.

Bruxelas concordou que na cedência de slots em de haver uma distribuição equilibrada ao longo do dia

Um dos compromissos negociado são as faixas horárias, que dão o direito aos aviões para levantar e aterrar no aeroporto. Lisboa está saturado, e não há slots em determinados horários que possam ser cedidos Já está definido quais vão ser as 18 (nove pares) faixas horárias que vão ser cedidas?
Não concordo com a utilização da palavra cedência do que diz respeito às slots. A Lufthansa e a Air France perderam slots. Quando fizemos a notificação (Portugal reapresentou o plano em junho com pressupostos revistos) já sabíamos que uma das consequências era essa. Obviamente o que esteve em causa a seguir era qual era a dimensão.

Foi um dos aspetos que demorou mais tempo a ser fechado?
Foi um dos aspetos que se tornou mais evidente para fora. Este tema e o da contribuição da própria empresa para o esforço deram muita discussão. Fizemos uma proposta de seis pares de slots (12) como aquilo que considerávamos que estávamos disposto que a TAP cedesse. E não é um capricho discutir se devem ser 4, 6 10 ou 12. Quando construímos um modelo de procura temos subjacente um determinado número de slots.

Mas quantos slots é que a TAP hoje não está a utilizar?
É uma questão sempre muito interessante como resultado de umas afirmações de uma outra companhia aérea [a Ryanair]. Durante um determinado período de tempo houve alguns slots que não foram utilizados, e isso aconteceu em todas as companhias, mas depois recuperou. No princípio 2021, também houve um conjunto de slots que não foi utilizado.

Em 2019 a TAP estava a utilizar todas as slots que tinha disponíveis?
Sim, e voltará a usar. Não há dúvida nenhuma que a procura decresceu. Do ponto de vista da CE, que considera isto uma medida essencial do ponto de vista da concorrência, não podemos fazer outra coisa se não aceitarmos a medida, o que é razoável nós aceitarmos.

Aqui não está só em causa o número mas os horários.
Nós propusemos os seis pares de slots e os três pares em cima disso custam, têm impacto na atividade da TAP. Qualquer slot para nós custa. Mas se tiver de olhar para o número de slots que estamos a perder a nossa preocupação é a distribuição horária dos slots. Aquilo que ficou estabelecido é que tem de haver uma distribuição equilibrada ao longo do dia. Para companhias que fazem operação hub, os slots no início do dia e os do fim do dia são sempre muito importantes. Obviamente que a CE aceitou que haja limitações ao número de slots que podem ser perdidos de forma a que não fiquem concentrados.

Mas vai ser definido por Bruxelas?
Foi negociado e já discutido com a Comissão. Neste sentido não pode perder mais do que x aqui nem y ali. Isso faz parte da decisão, mas é tema lá mais para a frente. A escolha das slots vai decorrer do próprio processo concursal que será lançado em 2022.

E podem ser atribuídas a mais do que uma companhia concorrente?
O objetivo é que haja um concurso público para atribuição a um operador.

Com base nesse equilíbrio de pares de slots que vão ser perdidos, já há uma ideia de que ligações se podem perder?
Não. Obviamente as faixas horárias são limitadas e a perda de qualquer slot cria dificuldades porque vai obrigar a fazer escolhas. Obviamente que pode ajustar. A TAP vai concentrar-se em aproveitar os slots para aquelas rotas e para aqueles voos que sejam os mais rentáveis.

Acordo vincula a TAP. Para Estado é um compromisso com a Comissão Europeia

O plano aprovado é uma autorização para o estado português apoiar a TAP. Um próximo governo estará vinculado por este acordo, tem de cumprir o acordo ou pode tentar revê-lo e renegociá-lo?
O acordo vincula a própria TAP. Há um conjunto de metas que a TAP tem de atingir e isto vai ser objeto de um acompanhamento muito significativo. Não é apenas o cumprimento do compromisso associado ao plano, é o cumprimento de determinadas regras e boas práticas de acompanhamento da execução do plano. A aprovação do plano de reestruturação significa um compromisso do Estado português com a Comissão Europeia.

"É um compromisso do Estado com a Comissão. A quebra destes compromissos tem sempre efeitos muito negativos, aquilo que se esperará é que este compromisso possa ser cumprido".
Miguel Cruz, secretário de Estado do Tesouro

Não tem o mesmo valor de um contrato?
É um compromisso do Estado com a Comissão. A quebra destes compromissos tem sempre efeitos muito negativos, aquilo que se esperará é que este compromisso possa ser cumprido. As coisas vão mudando ao longo do tempo, a procura, a forma como a aplicação de medidas de natureza ambiental vão sendo aplicadas, se há aspetos do plano que podem ser renegociados, mas sempre em parceria com a Comissão Europeia. Mas o plano corresponde a um compromisso do Estado português para com a União Europeia.

As eleições de janeiro ajudaram a acelerar o desfecho das negociações?
Não mudaram absolutamente nada. Se houve alguma preocupação em termos de calendário foi por causa  das necessidades da TAP. Felizmente em setembro, outubro, novembro, houve um incremento significativo que significa aumento de receitas e de custos. Portanto o plano financeiro pressionou-nos do ponto de vista temporal. A segunda coisa que pressionou do ponto de vista temporal é não haver orçamento para 2022.
Mas era também essencial para TAP que se relaciona com fornecedores, credores e outras companhias. A apesar de ter sido discutido com todos, algumas coisas renegociadas, e ter havido uma compreensão total, enquanto não houvesse plano de reestruturação a credibilidade da atividade da TAP estava a sofrer. Agora tem campo aberto para poder avançar. As eleições não nos condicionaram em nada e não ia condicionar, certamente, a Comissão Europeia a tomar uma decisão mais rápida.

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