Índice
Índice
Como é que se deve escolher professores e distribuí-los pelas escolas? Assim como noutros temas de educação (o plano para diminuir os chumbos é o melhor exemplo), o programa do Governo não é claro. A referência está lá — “estudar o modelo” com vista “à introdução de melhorias” —, mas pouco esclarece sobre o que vai mudar ao longo dos quatro anos da legislatura. É preciso ir beber às palavras do primeiro-ministro, durante e depois da campanha eleitoral, para clarificar o que António Costa pretende. Percebe-se que é “inaceitável” que, durante anos, um professor não entre no quadro de uma escola e que há disponibilidade para negociar “concursos de professores facultativos”, apenas para quem queira mudar de escola. Diminuir a área dos Quadros de Zona Pedagógica (QZP) também é um ponto assente, segundo o programa do Governo. E tudo isto deverá mudar até 2023 para dar “estabilidade aos professores”.
Mas é possível? Mário Nogueira, líder da Fenprof, a associação sindical mais representativa de professores, diz que não só é possível, como as mudanças poderiam entrar em vigor já no próximo ano letivo e, em setembro, os professores seriam colocados segundo novas regras. Bastaria haver vontade política do Governo e, claro, dos sindicatos. A questão de base é perceber que regras seriam essas, antes de garantir a luz verde sindical: Nogueira mostra disponibilidade para mexer nos QZP, por exemplo, mas rejeita à partida que sejam as escolas a escolher os docentes que preferem.
Essa é exatamente a revolução que muitos críticos do sistema pedem — que os diretores de escolas públicas possam escolher com quem trabalham, cenário que já existe no privado. É o caso do Joaquim Azevedo, o mais antigo membro do Conselho Nacional de Educação, que considera que o sistema atual é “erradíssimo”. Um dos maiores problemas, defende, é não haver qualquer ligação entre o perfil do professor e o da escola, o que cria “uma coisa desconjuntada”. Também Alexandre Homem Cristo, autor do estudo “Escolas para o Século XXI”, critica o excesso de dependência do Ministério da Educação em tudo o que são decisões sobre a vida das escolas e acredita que os diretores deveriam ter autonomia para criar as suas equipas. Este é o momento certo para mexer no modelo de colocação de professores, diz, “uma decisão que já virá atrasada”.
Entre quem contesta o atual sistema de concursos, e todas as suas ramificações, há ainda quem prefira regressar ao “velho e estalinista” concurso único: um algoritmo informático que ordena os professores por graduação (média do ensino superior mais tempo de serviço) e no qual os mais bem pontuados têm direito de preferência na escolha da escola. Esse é o modelo preferido de Paulo Guinote, autor do extinto blogue “A Educação do Meu Umbigo”. Para o professor, os diretores querem para si, aquilo que não querem para as suas equipas: “Eu não escolho parte os meus alunos e tenho de ensiná-los a todos.”
O único consenso que existe é que o concurso de professores, tal como está, não serve.
Mudança número 1. Reduzir o tamanho das zonas pedagógicas
Lendo o programa do Governo, o que parece certo é que os Quadros de Zona Pedagógica irão ficar mais pequenos, e isso seria um regresso ao passado: em 2013, o país estava dividido em 23 zonas (embora tenham chegado a ser 25 nos anos 1990) e é nesse ano, durante o Governo de Passos Coelho e a presença da troika em Portugal, que o ministro da Educação de então, Nuno Crato, reduz este número para 10. O seu objetivo era acabar com os horários zero (sem turma atribuída) dos professores, e que eram, então, 662 num universo de 105 mil docentes do quadro. Voltar a mexer no tamanho das regiões só agrada aos sindicatos.
“Paliativos”, diz sobre esta medida Alexandre Homem Cristo, que fez parte do Conselho Nacional de Educação entre 2013 e 2015.
“Ou se muda ou não se muda o concurso de professores. O Governo pode mexer nos QZP, mas isso é um paliativo, não é uma reforma. Até pode resolver um problema de vida dos professores, mas nem sequer é uma solução inovadora. Já tivemos mais QZP: houve uma falência técnica do Estado e, com menos zonas, tornou-se mais fácil gerir os professores. Foi uma medida tomada para poupar dinheiro”, explica o também cronista do Observador.
Rodrigo Queiroz e Melo, doutor e mestre em Ciências da Educação, concorda com este ponto de vista. “Estar agora a reduzir QZP é um remendo num sistema que já não resolve as nossas necessidades. É como a discussão da retenção, que não faz sentido, porque andamos a ver se deve haver uma regra igual para todas as escolas do país, quando cada uma precisa de poder criar as suas regras”, salienta o diretor da AEEP (associação que representa as escolas privadas). Tal como Homem Cristo, defende uma mudança radical do sistema e ambos acreditam que devem ser as escolas a escolher os seus professores.
Mas mesmo que não seja suficiente para reformar o sistema, tornar os QZP mais pequenos não daria, no imediato, mais estabilidade aos professores como promete o programa do Governo? “Dizer que o Quadro de Zona Pedagógica é mais pequeno é dizer apenas que a instabilidade é menor, mas não melhora muito por aí”, argumenta Paulo Guinote, licenciado em História e professor do 2.º ciclo do Ensino Básico.
Defensor do regresso ao concurso único de professores, o autor do blogue “A Educação do Meu Umbigo” que ao longo de dez anos de vida (2005-2015) teve mais de 44 milhões de visitas, salienta que se pode aumentar ou diminuir o tamanho das zonas pedagógicas sem nunca mexer no modelo de concurso. “A dimensão dos QZP não é necessariamente uma alteração no modelo dos concursos, apenas muda a unidade de base intermédia a que as pessoas concorrem.”
A sua dúvida é outra: “O que não sabemos é até que ponto essas alterações no concurso irão ter a ver com o processo de descentralização de competências. Será que, ao reduzir os QZP, se está a tentar ajustar os concursos à realidade da transferência de competências para os municípios, nomeadamente às comunidades intermunicipais? Não percebemos se essa mudança é no sentido de desregular geograficamente o concurso e de perdemos a forma de controlar se ele está a ser justo.”
Reduzir os Quadros de Zona Pedagógica é uma medida que só é vista com bons olhos por Mário Nogueira e que, aliás, faz parte da proposta da Fenprof sobre esta matéria. Para além de mais vagas nos quadros de escola, a federação sindical pede que os professores contratados possam candidatar-se a todas as vagas (atualmente não podem concorrer aos quadros de escola, apenas aos de zona pedagógica). “Se uma escola tiver uma vaga no quadro e ninguém do quadro de outra escola, ou do QZP, concorrer para lá, mas houver um contratado que quer aquele lugar, a lei não lhe permite e só o deixa concorrer para a zona pedagógica”, esclarece Mário Nogueira.
Sobre os QZP, a Fenprof pretende que sejam pequenas áreas, que sirvam para dar determinado tipo de respostas momentaneamente necessárias: uma turma problemática que foi desdobrada, uma turma nova ou uma aposentação, por exemplo.
“As 23 zonas eram melhores do que as 10 atuais, mas deviam ser mais. Um QZP não pode ser um distrito. Deve ser uma bolsa com pessoas de quadro que possam responder rapidamente a necessidades de substituição. Em Lisboa e no Porto, poderia corresponder ao concelho, mas em Coimbra, por exemplo, poderia haver dois: um mais litoral, da Coimbra à Figueira da Foz, e outro mais para o Interior.” Para além disso, a Fenprof defende que quando as pessoas entram no QZP fiquem obrigadas a concorrer aos concursos gerais, “para não se acomodarem e irem preenchendo os quadros de escola que são os que dão estabilidade às comunidades educativas”, argumenta o secretário-geral da Fenprof.
Mudança número 2. Mais vagas para professores efetivos nas escolas
Durante a campanha para as legislativas, no único frente a frente televisivo com Rui Rio, líder do PSD, António Costa deixou uma frase no ar: “Estamos disponíveis para negociar com os sindicatos um modelo em que, em vez de haver concursos obrigatórios de quatro em quatro anos, existam apenas concursos facultativos para quem queira mudar de escola.”
Acontece que o concurso geral — que, durante o mandato de Maria de Lurdes Rodrigues, passou a ser de três anos (2006) e, a partir de 2009, tornou-se quadrienal — sempre foi facultativo. Durante este concurso, qualquer professor que seja do quadro (efetivo) de uma escola ou de um agrupamento só se candidata se tiver interesse em mudar de estabelecimento e desde que haja vagas no quadro de outra escola. A obrigação de se candidatar existe apenas para quem pertence aos Quadros de Zona Pedagógica (QZP), também professores efetivos, mas que, em vez de terem vínculo laboral com uma escola, têm com uma zona pedagógica. O que isto quer dizer é que pertencem a todas as escolas dessa região, podendo saltar de estabelecimento em estabelecimento, consoante as vagas disponíveis. Há 10 QZP no país e o mais pequeno, o do Algarve, ocupa todo o distrito de Faro, uma área de 5.412 km².
O Observador tentou clarificar a que concursos o primeiro-ministro se referia e enviou esta e outras perguntas ao Ministério da Educação, mas não obteve qualquer resposta. É Mário Nogueira quem se aventura a ler as entrelinhas das declarações de António Costa, explicando também o que, na opinião da Fenprof, deve mudar nos concursos.
“O primeiro-ministro não sabe muito bem o que quer dizer, mas deve estar a falar dos professores de Quadro de Zona Pedagógica que são obrigados a ir a concurso nos anos de concurso geral, que acontecem de quatro em quatro anos”, esclarece Mário Nogueira. “Muitos QZP acabam por ficar na mesma escola, principalmente os mais graduados, por isso, devia ser destes que António Costa falava, querendo dizer que poderiam ficar nas escolas se assim quisessem, mas desde que haja vaga.”
Uma boa ideia do Governo? “Nem boa ideia, nem má ideia. Se o Governo quiser que o corpo doente estabilize, abre vagas de quadro de escolas e isso não quer fazer. Se o fizessem, quando as escolas têm necessidades temporárias, em vez de recorrerem aos Quadros de Zona Pedagógica [criados para suprir essas necessidades] ou à contratação, teriam os seus próprios professores. A única coisa que dá estabilidade à escola e aos professores é criar vagas de quadro de escola ou agrupamento.”
Assim, para a Fenprof, a primeira mudança a fazer nos concursos de professores é criar mais lugares para efetivos nas escolas.
Mais de 50 mil professores candidataram-se a 542 vagas para entrar no quadro
Mas a ideia do primeiro-ministro não tornaria, na prática, QZP e quadros de escola na mesma coisa? Mário Nogueira diz que não. “Seriam quase iguais, mas os QZP não são quadros de escola. Imagino que António Costa queira que os QZP se mantenham na escola, sem ir a concurso, desde que haja vaga. Podem lá ficar 12 anos, mas, se a vaga desaparecer, têm de sair. Isto é querer o melhor de dois mundos.”
Se é para o professor ficar na escola, defende Mário Nogueira, abre-se vaga de quadro já que isso dá resposta às duas necessidades de estabilidade, enquanto que os QZP só estabilizam a escola, não o docente: “Imagine uma pessoa de Coimbra que fica efetiva no Alentejo e muda-se para lá: compra casa, tem filhos e, no verão, visita a sua terra. Se for do QZP, não pode fazer esse investimento de estabilização de vida porque hoje é colocado no Crato e amanhã em Odemira.”
Mudança número 3. Revolucionar o sistema e pôr diretores a escolher professores
“Acho que é razoavelmente consensual que o sistema atual está obsoleto, mas depois entramos na questão das formas e acabam-se os consensos”, diz Alexandre Homem Cristo, que acredita que está na altura de avançar com uma reforma no concurso de professores. “Faz todo o sentido mudar o atual modelo, está ultrapassado, tem uma centralização da tomada de decisão que está completamente desligada daquilo que é o padrão europeu, e está desligado das necessidades de autonomia e flexibilidade curricular das escolas, um programa que é querido ao governo.”
Por todos estes motivos, acredita que o futuro passa por serem as escolas a contratar o seu corpo docente, solução que vários países europeus adotaram. “Se damos autonomia às escolas sem que elas possam formar equipas, é difícil obter-se os resultados pretendidos”, diz. E aponta para a Europa: “Do ponto de vista europeu, damos muito pouca autonomia às escolas, somos dos que temos menos na tomada de decisão. E, quando falamos de gestão de recursos humanos e financeiros, ela é inexistente. Por outro lado, se formos ver como os outros países tomam as suas decisões, vemos que há autoridades intermédias, seja um município, uma autoridade regional, que toma a decisão com a escola, enquanto nós somos dos que têm mais decisões tomadas dentro do Estado. Estamos muito focados no Ministério da Educação.”
No imediato, defende, é preciso começar a debater o problema, e lançar as bases para esta reforma, que poderia entrar em vigor dentro de 5 a 10 anos. O timing, diz Alexandre Homem Cristo, é agora. “O Governo tem de arrancar com o processo. Mais do que tentar salvar este ou o próximo ano letivo, precisa de pensar estrategicamente: é inconcebível que haja uma grande entrada de professores no sistema através dos quadros e o modelo de concurso manter-se.”
Por isso mesmo, Homem Cristo defende que não tem de ser amanhã, mas a reforma tem de acontecer antes de se vincularem ao Estado um grande número de professores, o que vai acontecer nos próximos anos. “Temos uma oportunidade muito grande de mexer no sistema educativo, e algumas reformas mais difíceis de levar a cabo agora podem ser feitas porque há muitos professores que vão sair.”
Há anos que Joaquim Azevedo, um dos maiores conhecedores do sistema educativo português, anda a alertar para a necessidade de se mudar o atual sistema de colocação de professores. “É uma área em que é preciso atuar e, politicamente, tem sido difícil fazê-lo porque, à partida, há uma posição contra dos sindicatos.”
A propósito do tema, lembra uma investigação que fez com um aluno de doutoramento, durante a qual ouviu muitos diretores de escolas de todo o país. “Eram entrevistas muito longas e terminávamos com a pergunta: ‘Se houvesse uma prenda de Natal, o que mais queria como diretor?’ A resposta em 95% dos casos foi ‘contratar os meus professores’, o que nos deixou surpreendidos porque as entrevistas nem eram sobre isso. Foi uma surpresa haver tanta unanimidade.”
A solução, na sua opinião, passa por aceder aos desejos dos diretores e dar-lhes carta branca para escolherem as suas equipas de professores. Não poderem fazê-lo é um dos maiores constrangimentos para a flexibilidade curricular, que entrou em vigor no ano letivo 2018/19, defende o professor da Universidade Católica.
Nesta escola, as salas de aulas não têm paredes. E os alunos não se queixam
“As pessoas não falam disso, no espaço público há uma espécie de opacidade em torno dos concursos, mas no contexto de cada escola há uma ânsia enorme de estabilidade e de haver o mínimo de intervenção. E de cada projeto educativo ser desenvolvido com os recursos adequados a esse projeto”, salienta Joaquim Azevedo.
Por isso, defende ser necessário debater a questão sem lançar o pânico. “É conversar e ver se há formas de evoluir, porque há. Há países que tinham um sistema como o nosso, de seriação e colocação nacional, e que evoluíram, em diálogo com os sindicatos, para um sistema de seriação nacional na mesma, mas para um sistema de afetação escola a escola através de um mecanismo novo. Nada é impossível e isto é sempre apresentado em Portugal como uma fatalidade”, detalha Joaquim Azevedo.
Para o professor, que criou em 1989 com Roberto Carneiro, então ministro da Educação de Cavaco Silva, as Escolas Profissionais, o atual sistema é “erradíssimo”.
“O mais errado é a afetação dos professores não ter qualquer ligação com aquilo que a escola é e com o programa que ela tem. Fica uma coisa desconjuntada. Uma escola tem um projeto educativo e os diretores concorrem e são ou não eleitos pelo Conselho Geral em função deste projeto. Para o concretizar, querem ter recursos capazes de o fazer. Mas não podem. É uma espécie de brincadeira”, sublinha o professor.
Assim, argumenta que apesar de o modelo ser construído para que haja responsabilização, “não o é a sério”, uma vez que o diretor recebe uma equipa que nada tem a ver com aquilo que ele quer fazer. “São pessoas que não têm o perfil adequado. Não bate certo”, conclui Joaquim Azevedo.
Poder contratar os seus professores deixaria satisfeito Álvaro Almeida dos Santos, diretor da Escola Secundária Dr. Joaquim Gomes Ferreira Alves, em Valadares, Vila Nova de Gaia. Para já, gostaria que, pelo menos, houvesse um grande debate, para se pensar em novas formas de recrutar docentes. A sua escolha passaria por dar maior autonomia às escolas na contratação das equipas de professores.
“Faz sentido mudar se for para reforçar a autonomia das escolas. Os professores calham às escolas através de uma aplicação administrativa, burocrática, que tem apenas em conta a carreira e os anos de serviço e há um conjunto de fatores que devia ser considerado. Seria benéfico poder escolher, por exemplo, 10% do corpo docente.” Se uma escola tem um horário disponível, quer receber um professor e esse professor também quer ficar na escola, deveria ser possível evitar que fosse ao concurso, defende o diretor, que foi o primeiro presidente do Conselho das Escolas.
Para evitar amiguismos, sugere que a escolha passe por um órgão da direção escolar, neste caso, pelo escrutínio do Conselho Geral, não ficando só nas mãos dos diretores, uma vez que acredita que o processo que decide equipas não pode ser meramente administrativo. “Outro exemplo seria poder ir buscar um professor sem horário noutra escola, do quadro, e poder convidá-lo. É absolutamente essencial a escola poder escolher uma parte dos professores e não ficar dependente do concurso. Hoje, as escolas já não funcionam todas da mesma maneira e há pessoas que funcionam muito bem num determinado contexto e não funcionam noutro. Vale a pena discutir soluções”, argumenta Álvaro Almeida dos Santos, que pertence também à ANDAEP, associação que representa os diretores de escolas públicas.
Rodrigo Queiroz e Melo, que foi chefe de gabinete da ministra Maria do Carmo Seabra quando esta protagonizou o mais polémico e confuso concurso de professores de sempre depois de o sistema informático ter cometido sucessivos erros, diz esperar que o concurso, tal como o conhecemos, tenha os dias contados.
Relatório da OCDE. Na próxima década, 1 em cada 2 professores tem de ser substituído
“Espero que estejamos a caminhar para acabar com as coisas nacionais e centralizadas tal como as conhecemos. O concurso nacional funcionava quando a lógica nacional era ter o mesmo currículo, dado da mesma maneira em todas as escolas de todo o país. Aí é indiferente que professor que vai para que escola. Se fazemos tudo igual em toda a parte, qualquer pessoa serve.” Como, neste momento, o que queremos é fazer tudo diferente, com escolas muito adaptadas a alunos concretos, em vez de ser o professor a decidir que escola quer, devia ser a escola a dizer que tipo de professor precisa, sendo lá colocado um professor com essas características, defende Queiroz e Melo.
Opinião diametralmente oposta tem o professor Paulo Guinote e o líder da Fenprof, Mário Nogueira. “A corrente mais demagógica, quando se fala de concursos de professores, é a que defende por os diretores a contratar”, diz Paulo Guinote. “A minha posição em relação aos diretores, pessoas estimáveis, é que não querem para si o que querem para os outros. Quando entro na minha sala, não escolho 25% ou 30% dos meus alunos. Eles entram todos e tenho de lhes prestar o meu serviço e garantir a todos o melhor possível. Os senhores diretores, como ótimos gestores que certamente são, conseguirão trabalhar com os professores que lhes aparecem.”
Apesar disso, o professor considera aceitável que as direções contratem técnicos especializados para certa oferta que a escola tenha, como quando não há grupo de recrutamento, como é o caso da carpintaria.
Mas o sistema não pode ser distorcido, diz Guinote, “como nos anos 90 do século XX, quando os diretores guardavam certos horários” para os miniconcursos. “Quando toda a gente estava colocada, havia alguém — que não tinha concorrido — e que sabia que tinha um horário naquela escola. A regressão a esse ponto em que os diretores guardavam horários para as pessoas que queriam… Não quero voltar a esse modelo. Quero que seja claro e o mais transparente possível dentro dos grupos de recrutamento que existem”, argumenta o professor.
Mário Nogueira acredita que tratando-se de emprego público essa solução não é viável. “Ter as escolas a escolher os professores seria o fim do mundo e todas as experiências que foram feitas nesse sentido correram sempre mal.”
O sindicalista acredita que essa situação traria mais atrasos, com aulas a começarem depois da data e haveria menos transparência. “Quando se concorre escola a escola, não se escolhe só uma: o professor é colocado em 10 ou 15 escolas, ou 70, e as outras ficam sem pessoa. A escola vai buscar o segundo, mas ele também já está colocado… É uma chatice, só dá problemas, e espero que não venham com a tentação de tornar os concursos locais. Cria atrasos nas colocações e cria dúvidas sobre a própria transparência.”
Tratando-se de concursos para acesso a emprego público, diz Mário Nogueira, há regras, de objetividade e transparência, de forma a que qualquer cidadão preterido possa reclamar, o que, neste caso, acredita que não aconteceria: “No acesso ao emprego público, não pode ser o diretor a escolher. A escolha tem de ser transparente.”
Por isso, o líder da Fenprof defende que a graduação profissional “não sendo um critério perfeito, é de todos o menos imperfeito porque afasta qualquer tipo de subjetividade e amiguismo”.
Mudança número 4. Voltar ao concurso único
“Sou muito arcaico, admito o meu arcaísmo militante, mas o bom e velho concurso único, central, em que as pessoas concorrem de forma clara às escolas que querem, sem truques, seria melhor. A única salvação que consigo ver para isto é voltarmos ao bom e velho estalinista modelo único de colocação”, argumenta Paulo Guinote, muito crítico de todas as alterações feitas ao modelo nos últimos anos.
Por isso, acredita que ter diretores a contratar professores não seria uma boa decisão, fossem quais fossem os moldes. “Quando se fala do modelo pedagógico das escolas, temos de ver que não há muitas com um modelo claro, o que temos é escolas com mais marketing. Há quatro ou cinco escolas no país que praticam, de facto, uma forma um pouco diferente, não muito, de gestão: a escola de Carcavelos, com o Adelino Calado, a mítica Escola da Ponte, e outras que têm diretores mais próximos deste ou daquele movimento pedagógico e que se reconhece que ali se faz um pouco diferente.”
Quando concorre, o professor tem mais tendência para escolher uma escola que conheça e onde esteja um diretor com quem tenha uma boa relação, o que não tem nada a ver com o modelo pedagógico, defende o professor do 2.º ciclo.
Dúvidas, Paulo Guinote não tem. O modelo antigo era melhor do que o atual ao qual se foram fazendo acrescentos. “Imagine que havia uma casinha muito bonita e nós fomos fazendo marquises, e marquises e marquises. Tirem as marquises da casa. A casa original até não estava má, podia não ser extraordinária, mas era óbvia, tinha porta, duas janelas, um telhado e uma chaminé. Depois começaram a fazer a mezanine, a estufa e o anexo, tudo para acomodar situações que se foram sucedendo desnecessariamente. Tudo em nome de poupar e de flexibilizar.”
Com o sistema informático que agora existe acredita que seria mais fácil fazer concursos muito mais eficazes do que há 20 anos, quando era tudo feito à mão. Mas lembra que há uma transparência nas listas que agora foi adulterada com remendos ao concurso. “Houve um período, não vou dizer dourado, mas quase, da transição do analógico para o digital, que é o fim dos anos 1990, início do século XXI, em que os concursos estabilizam. E depois em 2003, 2004, o David Justino decide racionalizar e tem uma ideia boa, era a favor da liberalização, mas centralizou tudo e acabou com os abusos. A partir daí foi o descalabro com todo o tipo de remendos.”
Entrevista a José Pacheco. “Turmas? Isso é a pré-história da educação”
Paulo Guinote lembra que durante o mandato de Maria de Lurdes Rodrigues, quando se criou a figura de professor titular e que levou à maior contestação de sempre de professores, os titulares só podiam candidatar-se vagas de titulares. “Depois, no mandato de Nuno Crato, vieram as vinculações extraordinárias impostas pela União Europeia”, diz o professor, o processo conhecido como norma travão e que se mantém até hoje, obrigando a vincular aos quadros todos os professores que tenham três contratos sucessivos, anuais e completos (22 horas semanais).
Os “remendos” não ficaram por aí. “A seguir ainda houve os concursos repetidos por causa dos abusos da secretária de Estado Adjunta da Educação, Alexandra Leitão… Mas o primeiro grande problema foi com a ministra Mário do Carmo Seabra, foi um desastre total no fim do governo de Santana Lopes. As colocações saíram tarde, saíram erradas, houve um problema com o sistema informático e correu tudo mal.” Apesar do desaire de então com o programa, Paulo Guinote lembra que hoje em dia o sistema informático já não tem esses problemas.
Parlamento decide voltar a abrir concurso para todos os professores dos quadros
O sistema estar hoje todo informatizado é exatamente o que leva Mário Nogueira a defender que quaisquer alterações poderiam entrar rapidamente em vigor, até porque a Fenprof está disponível para iniciar rapidamente um processo de revisão. Essa disponibilidade vem com exigências: o fim das contratações de anos e anos, da precariedade, dos QZP enormes e cheios de gente a dar respostas permanentes, abertura de mais quadros de escola e com concursos que tenham âmbito nacional e cujo critério seja a graduação.
“Lendo o programa do Governo não tenho a certeza do que pretendem fazer. Mas estas mudanças são possíveis de fazer já para o próximo concurso porque é tudo informatizado. Basta mudar o algoritmo para estar de acordo com a regra legal.” Aquilo a que a Fenprof dirá ‘não’, com toda a certeza, é a outra coisa: “Recusamos qualquer revisão do estatuto da carreira docente, porque achamos que a carreira não tem de ser revista, tem é de ser corrigida”, conclui Mário Nogueira.