Se André Ventura tivesse Luís Montenegro como amigo secreto num jantar de Natal, o presidente do PSD iria receber uns “comprimidos e vitaminas que dão energia” no sapatinho. Um presente que ganharia um significado maior no dia em que PSD e CDS oficializaram a coligação Aliança Democrática. O líder do Chega não entende a aposta na “ressureição” de “partidos mortos” e considera-a uma “tentativa desesperada” de “bloquear o crescimento” do seu partido. Aliás, com o espírito natalício que a época imprime e no dia em que o grupo parlamentar do Chega se reúne para o jantar de Natal, Ventura está crente de que a união terá deixado o PS “muito feliz” com a “prenda”.

Depois de ter visto todos os partidos a colocarem um cordão sanitário ao partido que lidera, uma decisão que tem sido ainda mais reiterada pelo PSD com a aproximação das eleições antecipadas, Ventura não vê qualquer benefício na coligação anunciada pelo PSD e CDS, desde logo por acreditar que os sociais-democratas preferiram “olhar para trás em vez de olhar para a frente” e apresentaram aos portugueses uma “alternativa com 40 anos” e não uma “alternativa de futuro”.

“Não é com ressurreições de partidos que se vai conseguir vencer a esquerda em Portugal”, atirou André Ventura, acrescentando que a “Aliança Democrática” espelha um “certo desespero do espaço não-socialista para arranjar forma de bloquear crescimento do Chega”. E antecipou que “não é a recuperar partidos que estão mortos” que isso vai acontecer.

Pelo caminho, Ventura colocou ainda em causa a legalidade da utilização do nome “Aliança Democrática”, sublinhando que “a lei dos partidos diz que teriam de ser os mesmos partidos” para ter o mesmo nome. “Uma coisa que já está a começar com a incapacidade de definir um nome legal parece-me estranho.”

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E foi com um tom sarcástico que se referiu ao “segredo mal guardado” que foi anunciado ao fim da tarde desta quinta-feira. “Os portugueses pararam, o mundo bloqueou, a guerra no Médio Oriente parou, estou certo que a guerra na Ucrânia bloqueou também, o Facebook caiu momentaneamente, o Twitter ainda está em polvorosa, até o TikTok parou”, começou por dizer, para prosseguir com um pedaço de História dirigido diretamente ao líder do PSD: “A história cristã mostrou-nos que só se ressuscita uma vez, só uma pessoa ressuscitou e Luís Montenegro não é Jesus Cristo.”

“Ir fazer aliança com os mortos devia-nos levar a pensar porque é que o país parou tanto hoje”, acelerou o líder do Chega, que se questionou sobre “porque raio é que vamos ressuscitar mortos que já não existem em Portugal”. Para Ventura, “um já está morto” e “o outro vai morrer a seguir às eleições de 10 de março”, pelo que podem ainda ir buscar-se mais, nomeadamente “modernaços” (leia-se Iniciativa Liberal), para fazer uma grande coligação chamada “grande caranguejola, bordel laranja, laranja mecânica ou última laranja de Montenegro”.

É “indiferente” ao Chega, que reconhece até que a Aliança Democrática foi uma “grande aliança” que “permitiu vencer o socialismo”. Mas “a história não volta”. Nem essa nem a mais recente, como a PàF de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, “que também não vai voltar”. “Os que vivem a ir buscar o passado não têm presente para oferecer aos portugueses.”

Mas há passados e passados e apesar de Ventura acreditar que não é tempo de recuperar coligações de outros tempos, há um nome do passado que faz questão de carregar consigo: Pedro Passos Coelho. Fez questão de referir que o ex-primeiro-ministro “teve de a sair de casa para dizer o que PSD não quis dizer estes meses todos, que Costa saiu por sua culpa, por indecente e má figura”.

E acredita que o fez em “desespero” porque “PSD faz de tudo para que não se fale desta questão [justiça] porque está tão agarrado como PS”. Ventura está confiante que Passos Coelho teve de ir “salvar a honra do convento” e alertar que o ex-líder do PSD veio a público pedir que os sociais-democratas façam o seu trabalho porque “se não fizerem outros farão”. E para o presidente do Chega, Passos “está a referir-se” ao seu partido.

“Quando isto acontece é porque alguma coisa está mal na direita portuguesa. Quando é que perdemos o rasgo, a coragem, o medo de enfrentar os medos instalados? Quando é que deixámos de ter a coragem de Sá Carneiro, a assertividade que vimos em Passos Coelho ou em tantos líderes, Adelino Amaro da Costa e outros. Quando é que a direita perdeu estas qualidades todas? Deixou-as apagarem-se, destruirem-se e neutralizarem porque cedeu ao centrão dos interesses”, afirmou André Ventura, enquanto defendeu que, nestes termos, o Chega “nunca poderia integrar um acordo pré-eleitoral” — sendo que também ninguém o convidou.

Num jantar em que o menu teve mais PSD e menos PS, o líder do Chega não poupou António Costa, que considera o “responsável pela crise política” — o que o leva a uma curta defesa de Marcelo Rebelo de Sousa: “Não foi o Presidente da República que o provocou” — e que disse ter-se demitido “fruto de suspeitas de cometimento de crime no seu gabinete”.

Com presentes distribuídos e inimigos nada secretos, o Chega vai a votos sozinho, isolado à esquerda e à direita, e com a possibilidade de se tornar numa peça fundamental no dia seguinte às eleições. Ventura sabe muito bem disso e nem no Natal perdoa um PSD de Montenegro que promete deixá-lo fora de tudo o que meta acordos ou responsabilidades governativas.