Discurso do Papa

A intervenção do Papa Francisco na sua curta passagem pelo Santuário de Fátima

Queridas irmãs e irmãos: bom dia! Obrigado, D. José Ornelas, pelas suas palavras, e obrigado a todos vós pela presença e oração. Rezámos o Rosário, uma bela oração cheia de vida, porque nos põe em contacto com a vida de Jesus e de Maria. E meditámos os mistérios gozosos, que nos lembram que a Igreja só pode ser uma casa cheia de alegria. A pequena capela em que nos encontramos é como uma bela imagem da Igreja: acolhedora, sem portas. A Igreja não tem portas, para que todos possam entrar. E aqui também podemos insistir para que todos possam entrar, porque esta é a casa da mãe, e uma mãe tem sempre o coração aberto para todos os seus filhos, todos, todos, todos, sem exceção.

O Papa Francisco voltou este sábado a abandonar o discurso que trazia preparado para ler em Fátima. Perante 200 mil pessoas reunidas no Santuário de Fátima — menos do que as 500 mil previstas para este momento rápido, à margem da agenda oficial da JMJ de Lisboa —, o Papa deixou de lado as folhas de papel que trazia na mão e preferiu voltar a um tema que tem sido a marca desta viagem a Portugal: a inclusão de todos na Igreja, abraçando diferenças e transpondo fronteiras antigas da instituição. Na Capelinha das Aparições, o coração da capital espiritual de Portugal, o Papa Francisco fez alusão à grande estrutura sem portas e sem paredes que alberga os peregrinos de Fátima junto à imagem de Nossa Senhora e repetiu a mensagem que tinha deixado na cerimónia de acolhimento (e na qual tinha insistido na Via-Sacra): a Igreja tem lugar para “todos, todos, todos”. Uma garantia de inclusão que o Papa não se tem cansado de reiterar, concretamente visando quem na Igreja pensa o oposto. Casos ocorridos esta semana em Lisboa, como a invasão de uma celebração da comunidade LGBT por parte de católicos ultraconservadores, explicam a necessidade do Papa de continuar a insistir na mensagem.

E estamos aqui, sob o olhar materno de Maria, estamos aqui como a Igreja, a Mãe Igreja. E a peregrinação é um traço mariano, porque a primeira a peregrinar depois da anunciação de Jesus foi Maria. Assim que ela descobriu que sua prima estava grávida — e a prima era muito velha — saiu a correr. É uma tradução um pouco solta, mas o Evangelho diz: “Saiu às pressas”, diríamos, saiu a correr, saiu a correr com aquela ânsia de ajudar, de estar presente.

Apesar de a passagem de Francisco por Fátima não estar diretamente relacionada com a Jornada Mundial da Juventude — era uma vontade expressa pelo próprio Papa, a de passar por Fátima quando visitasse Portugal por ocasião da JMJ —, o chefe da Igreja Católica centrou a sua mensagem aos presentes em Fátima no tema do evento: a passagem do evangelho onde se lê que, depois da anunciação, Maria se levantou e “partiu apressadamente” ao encontro da sua prima Isabel. É a partir dessa “pressa” de Maria em ir ter com a prima, que era muito velha e que, apesar disso, tinha engravidado, que Francisco procura ilustrar a “ânsia” que deve motivar os católicos a fazer o bem e a combater o autocentrismo. Maria tinha descoberto que estava grávida e podia ter preferido manter-se centrada apenas em si, mas não hesitou em sair rapidamente ao encontro de Isabel.

São tantas as invocações de Maria, mas uma que podemos dizer, também pensando, é esta: a Virgem que sai a correr. Cada vez que há um problema, cada vez que a chamamos, ela não demora, ela vem, ela apressa-se, “Nossa Senhora Apurada” [usando uma expressão em espanhol para “com pressa”], gostam disso? Digamos todos juntos: Nossa Senhora Apurada. Ela tem pressa para estar perto de nós, tem pressa porque é mãe. “Apressada”, em português dizemos apressada, diz-me D. Ornelas, Nossa Senhora Apressada. E assim acompanha a vida de Jesus, e não se esconde depois da Ressurreição, acompanha os discípulos, à espera do Espírito Santo, e acompanha a Igreja que começa a crescer depois de Pentecostes. Nossa Senhora Apressada e Nossa Senhora que acompanha, acompanha sempre. Ele nunca é a protagonista! O gesto de acolher Maria mãe é duplo, primeiro acolher e depois apontar para Jesus. Maria em sua vida não faz nada além de apontar para Jesus. “Façam o que Ele vos diz”, sigam Jesus.

Em pleno Santuário de Fátima, o Papa Francisco propõe aos peregrinos — muitos deles devotos de Nossa Senhora — uma nova invocação mariana: Nossa Senhora Apurada, ou Nossa Senhora Apressada. De improviso, o Papa procura integrar os peregrinos no seu discurso, interagindo com eles e pedindo-lhes que repitam, com ele, o nome de Nossa Senhora Apressada. Com esta imagem, o Papa Francisco volta a vincar um dos valores fundamentais do cristão, a disponibilidade imediata para o serviço aos outros. Perante um problema, diz o Papa, Maria “sai a correr” para ajudar na resolução. Assim também devem ser os cristãos. Ao mesmo tempo, o Papa deixa também um aviso para que os cristãos não percam de vista que, no centro da sua fé, está Jesus. Num país em que a devoção mariana é praticamente um marco identitário do povo português — com Fátima a ser o símbolo derradeiro dessa relação próxima dos portugueses com Maria —, o Papa Francisco alerta contra o risco de uma devoção mariana sem Cristo e sublinha que Maria “aponta para Jesus”. É esse o grande mérito da devoção a Maria, defende o Papa: conduzir os fiéis à figura de Jesus Cristo.

Estes são os dois gestos de Maria, pensemo-los bem: ela acolhe a todos e aponta para Jesus, e isso torna-a um pouco apressada. Nossa Senhora Apressada, que acolhe a todos e nos aponta Jesus. E todas as vezes que viemos aqui, recordamos isto: Maria fez-se presente aqui de modo especial, para que a incredulidade de tantos corações se abrisse a Jesus; com a sua presença aponta-nos para Jesus, ela aponta-nos sempre para Jesus. E hoje ela está aqui entre nós, está sempre entre nós, mas hoje sentimo-la muito mais perto. Maria com pressa.

Apesar da grande expectativa de que o Papa usasse a sua presença em Fátima, o “altar da paz”, para uma mensagem política de apelo à paz na Ucrânia — até pela profunda relação da mensagem de Fátima com a paz e a guerra no leste da Europa, que amplia a todo o mundo o alcance do santuário —, Francisco nunca saiu do campo da fé na sua breve intervenção. Pelo contrário, quis focar-se em quem tinha à sua frente, no centro da Capelinha das Aparições: jovens reclusos e portadores de deficiência, com quem o Papa rezou o terço. Dirigindo-se a eles, que sofrem a exclusão, o Papa Francisco garantiu novamente que a Igreja, tal como Maria, acolhe todos, sem exceção. Não é novidade este pensamento de Francisco, que desde o início do seu pontificado tem impelido os cristãos a ir ao encontro das periferias — tanto as geográficas como as existenciais. A inclusão de jovens reclusos ou deficientes tem sido comum em diferentes edições da JMJ e deixa bem clara esta intenção de Francisco de colocar no centro do pontificado o “tesouro da Igreja” e “os preferidos de Deus” — como lembrou o Papa, na sexta-feira, no seu discurso no Centro Paroquial da Serafina. Trata-se de uma proposta radical, que obriga muitos setores mais conservadores a deixar de pensar na Igreja como uma instituição de perfeitos que exclui, mas como uma comunidade que está a caminho da perfeição.

Amigos, Jesus ama-nos tanto que se identifica connosco, e nos pede para colaborar com ele, e Maria indica-nos o que Jesus nos pede, caminhar na vida colaborando com ele. Hoje gostaria que olhássemos a imagem de Maria e cada um pensasse: o que é que Maria me diz como mãe? O que é que ela me aponta com o dedo? Aponta para Jesus, às vezes também aponta para algo que não funciona bem no coração, mas aponta sempre. Mãe, o que estás a apontar em mim? Façamos um pequeno momento de silêncio, e cada um diga no seu coração: mãe, o que estás a apontar em mim? O que há na minha vida que te preocupa? O que há na minha vida que te move? O que há na minha vida que te interessa? E apontas. E aí ela aponta para os nossos corações, para que Jesus venha, e assim como ela nos aponta Jesus, aponta a Jesus o coração de cada um de nós.

As fugas do Papa Francisco ao discurso programado mergulharam na perplexidade os muitos jornalistas que tinham recebido, sob embargo, os textos que o Papa planeava ler — abrindo espaço à especulação sobre eventuais dificuldades de visão do Papa. Mais tarde, o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, desvalorizou os improvisos e sublinhou que se trata de uma “escolha de pastor” com base nas pessoas que tem à sua frente. Em Fátima, tal como tinha feito no Parque Eduardo VII, o Papa Francisco levantou os olhos dos papéis e olhou diretamente as pessoas que tinha pela frente, dialogando com elas, mais do que impondo uma catequese de cima para baixo. Na reta final da sua intervenção, o Papa procurou explicar a bidirecionalidade da intercessão de Maria: aos fiéis, Maria aponta o caminho para Jesus; no sentido inverso, Maria aponta a Jesus as maiores angústias e preocupações de cada fiel. Pedindo a todos os que estavam no recinto um momento de silêncio. Tal como na Via-Sacra tinha pedido aos jovens que pensassem nas suas lágrimas ocultas, desta vez pediu aos fiéis que pensassem nas suas angústias e confiassem na intercessão de Maria.

Queridos irmãos, sintamos hoje a presença de Maria mãe, a mãe que sempre nos dirá: “Fazei o que Jesus vos disser”. Aponta-nos Jesus, mas a mãe que diz a Jesus: faz o que ele te pede. Essa é Maria. Essa é a nossa mãe, Nossa Senhora Apressada para estar perto de nós. Que ela nos abençoe a todos. Amén.

Em poucos minutos, o Papa Francisco terminou o discurso — que, ao contrário do texto preparado, mais denso, transformou numa catequese mais curta e informal centrada em duas ideias: a não hesitação no serviço aos outros (a partir da figura de “Nossa Senhora Apressada”) e, novamente, na questão da inclusão total e absoluta que deve caracterizar a Igreja Católica.