O prolongamento da guerra na Ucrânia, a inflação, que embora tenha abrandado em agosto, continua elevada, e os receios de uma retração da economia estão a deixar os empregadores receosos quanto aos próximos meses. Esse receio está já a refletir-se nas perspetivas de contratação, que estão a resfriar. E nas de despedimentos, que estão a subir, ainda que ligeiramente.

São já sinais da hesitação e apreensão. Um estudo do ManpowerGroup feito junto de 510 empresas portuguesas sobre as previsões de contratação e despedimento para os últimos três meses do ano, a que o Observador teve acesso, revela que encolheu a percentagem de empregadores convictos de que vão conseguir manter o número de trabalhadores que tem atualmente: de 46% no terceiro trimestre para 42% no final do ano. Esses 4 pontos percentuais parecem ter ido para o grupo de empregadores que pensam despedir nos próximos meses, uma proporção que subiu de 10% para 14%. Ao mesmo tempo, mantém-se a proporção de trabalhadores que esperam aumentar as equipas — 41%.

Nas contas do Manpower Group, essas estimativas traduzem-se numa criação líquida de emprego (a diferença entre a percentagem de empregadores que preveem um aumento na sua força de trabalho e a percentagem de empregadores que antecipam uma diminuição, mas ajustada de sazonalidade) de 31%, um ponto percentual abaixo das perspetivas para o trimestre anterior, mas quatro acima do segundo trimestre do ano, nos primeiros meses da guerra na Ucrânia. Ou seja, estima-se um abrandamento na reta final do ano.

Rui Teixeira, diretor-geral do grupo em Portugal, sublinha que embora a abrandar, o indicador mantém-se positivo e forte, e na comparação com o mesmo período de 2021 revela até um aumento de 19 pontos percentuais. “É evidente que há um crescimento contínuo e muito relevante face a 2021, o início do período pós-pandémico”, aponta. Mas a desaceleração indicia já uma “preocupação no médio prazo” por parte das empresas.

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Por um lado, reflete o arrastamento da guerra na Ucrânia e os seus efeitos ao nível da inflação, sobretudo na energia, com consequências nos aumentos de custos suportados pelas empresas. Além disso, é sinal das disrupções que se mantêm nas cadeias de abastecimento, nomeadamente com a escassez de componentes (o que também encarece o processo produtivo). E do esperado abrandamento do consumo pelas empresas e famílias, consequência da inflação e da subida das taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE). “Todo estes fatores em conjunto estão a provocar essa incerteza face ao final do ano, com muita preocupação para 2023“, antecipa.

Setor tecnológico com as perspetivas mais baixas desde o início do ano

Apesar de ter uma perspetiva de criação líquida de emprego positiva, de 33% (a mais alta, seguida da indústria), o indicador caiu muito no setor da tecnologia, telecomunicações, comunicação e media — são menos 13 pontos percentuais face ao trimestre anterior e o valor mais baixo desde o início do ano (o estudo da Manpower é feito desde 2016, mas para este setor só começou este ano).

Para Rui Teixeira, este comportamento é o resultado da “retração do investimento que tem vindo a ser comunicada pelas principais gigantes tecnológicas”, como a Google, a Amazon, a Microsoft ou a Meta (ex-Facebook). “Todas elas deram indicações claras de redução de investimento ou até mesmo alguma contração na contratação. Esses grandes grupos tecnológicos influenciam direta e indiretamente o crescimento das organizações ligadas ao setor”, frisa. A escassez de materiais, como os componentes eletrónicos, também se continua “a fazer sentir”, o que tem implicações nos negócios.

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A restauração e a hotelaria também veem as perspetivas de criação líquida de emprego cair face ao trimestre anterior, mas menos, 7 pontos percentuais para 31% (ajustado de sazonalidade), também um mínimo do ano. Segundo o estudo, 34% dos inquiridos estimam contratar, mas 16% assume que provavelmente irá despedir trabalhadores. E 47% diz que não fará mudanças.

O fim do verão não explica a história toda. A estagnação da economia no segundo trimestre do ano, as perspetivas de contenção no consumo e o horizonte nublado também têm uma palavra a dizer. “Todo esse risco e perspetiva de redução, até de aumento do custo de transportes, o aumento da inflação que se tem vindo sentir na zona euro — sendo Portugal um país com  um impacto relevante do setor da hotelaria e turismo — e a escassez de mão de obra nesses setores fazem com que a perspetiva seja de uma ligeira redução“, indica.

Já o setor mais otimista é o do comércio grossista e a retalho, que prevê uma criação líquida de emprego de 46% (com 51% dos inquiridos a pensar contratar nos últimos três meses do ano e só 6% a prever despedir).

“É difícil manter um grau de otimismo elevado”

Para o próximo ano, as perspetivas não são mais positivas para os empregadores no total da economia. Em linha com o que anteciparam economistas ao Observador sobre a evolução da economia na passagem de 2022 para 2023, com perspetivas menos favoráveis do que até aqui, também se pode esperar um travão nas contratações. “Para 2023, os sinais económicos e financeiros dizem-nos que poderá haver alguma redução, quer do consumo, quer do próprio crescimento das organizações, nomeadamente com a inflação a aumentar, com o investimento a reduzir”, nota Rui Teixeira. E isso poderá refletir-se na taxa de desemprego.

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“Os indicadores ainda se mostram positivos, mas há uma grande incerteza em relação ao que pode ser quer o final do ano quer o início de 2023”, sintetiza.

Do lado da Randstad, Celso Santos também assume que “é difícil manter um grau de otimismo elevado”. As empresas, refere, estão a “atrasar ou a colocar ‘on hold’ novos projetos ou investimentos”, perante a incerteza do momento e os custos crescentes.

É normal começar a existir alguma hesitação, acho que nesta fase se deve essencialmente ao facto de que os custos das matérias primas, da mão de obra dos transportes subiram exponencialmente. Diria que as empresas estão preocupadas nesta fase em controlar custos de operações para continuarem a ser rentáveis”, afirma.

Celso Santos também antecipa mais cautela nas contratações no próximo ano. “As perspetivas para 2023 não serão tão animadoras como o primeiro semestre de 2022 no que diz respeito a contratações. Isto porque a taxa de inflação é elevada, a Euribor continua a subir e com a incerteza da guerra, tudo isto fará com que as empresas sejam mais cautelosas nas contratações para 2023”, conclui.