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Encontro Energia e Território: pistas para uma transição energética justa

Como reduzir e erradicar a pobreza energética? Ou como fazer uma transição justa para uma energia verde sem aumentar a fatura do consumidor final?

As cidades do futuro e a pobreza energética foram os dois temas nucleares que marcaram o evento Encontro Energia e Território, cuja 3ª edição aconteceu na Covilhã, no Grande Auditório da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (UBI), na tarde de 9 de outubro. Organizado pela E-REDES e pela Associação das Agências de Energia e Ambiente (RNAE), contou com a intervenção do Vice-Reitor da Academia local, do Presidente da Câmara Municipal da Covilhã e de especialistas nas áreas da energia, mobilidade elétrica, Comunidades de Energia e de Consumidores, e ainda de responsáveis por Agências de Energia e executivos municipais. O modelo de debate foi feito através de intervenções individuais e de duas mesas-redondas com moderação de João Miguel Santos, host na Rádio Observador. O evento segue-se aos anteriores realizados em Viseu e em Évora.

“A indústria verde é uma oportunidade para o país”

O Vice-Reitor da UBI, José Páscoa Marques, inaugura o evento começando por salientar o facto de termos crescido com o aumento do consumo de energia, frisando que sempre houve uma correlação entre o consumo de energia e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

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O evento prossegue com Vítor Pereira, Presidente da Câmara Municipal da Covilhã a fazer referência à energia como “um fator crítico para o desenvolvimento das sociedades”, sendo, por isso, fundamental analisar a transição energética tendo por base as cidades de futuro e a pobreza energética. O autarca dá o exemplo do município da Covilhã, que tem desenvolvido políticas públicas para a substituição das energias convencionais, com o tema da eficiência energética a ser incorporado nos projetos desenvolvidos – caso da promoção do transporte coletivo, através da substituição da frota convencional por veículos elétricos, e do acolhimento de parques solares de grandes dimensões, com o objetivo de chegar à neutralidade carbónica.

Vítor Pereira aproveita ainda para fazer uma denúncia: os municípios têm requerido uma compensação financeira ao Fundo Ambiental, mas seria importante envolver os primeiros parques instalados. “Isto porque o Decreto-Lei respetivo é posterior ao licenciamento dos primeiros parques solares, e isso não é justo. Esperemos que o Governo corrija esta situação”.

Conclui ser necessário equilibrar os planos de desenvolvimento energético com a política de desenvolvimento do território, e para cativar novos investimentos reprodutivos na região é necessário incluir o potencial da energia renovável como fator de atração. A edilidade da Covilhã aprovou, no início de outubro, uma redução de tarifas para empresas com mais de 50% de consumo de energia renovável e pretende incentivar o aproveitamento deste fator competitivo. Refere ainda que a constituição de Comunidades de Energia pode contribuir para uma produção de eletricidade justa.

“A indústria verde é uma oportunidade para o país”, começa por afirmar o consultor de energia, António Vidigal. Portugal é dos países com melhor performance no uso de energias renováveis, com 75% do consumo a ser satisfeito por este tipo de energia, sendo que os preços são excecionalmente voláteis com o kW a variar entre uns cêntimos e os 52 euros. O país investiu muito dinheiro para chegar a este nível, com 60% da produção no mercado e 40% a ter origem em renováveis. Alerta, contudo, que os preços da energia dispararam e podem voltar a subir caso a Ucrânia interrompa o fornecimento de gás russo que passa pelo seu território e que, embora apenas represente 5% do consumo, alguns países são totalmente dependentes deste fornecedor, caso da Eslovénia, Áustria ou Hungria. Entretanto, há vários grandes projetos em andamento. A Itália tem o “Plano Mattei” que a tornará num hub para a Europa, fazendo a ligação a África. A Rede Europeia de Operadores das Redes de Transporte de Eletricidade (ENTSO-e) tem várias iniciativas para 2032.

Por outro lado, o consultor afirma que Portugal não tem interesse em exportar eletricidade, mas sim em trazer indústrias verdes para o país. Antecipa que em 2030 é previsível que existam 10 vezes mais fotovoltaicos (o equivalente a uma central nuclear), aumentando-se a produção de cinco mil MW para 20 mil MW, o que levará a uma diminuição dos preços. Defende o repowering das eólicas, a hibridização, e ainda o investimento em redes, a par do aumento da capacidade das barragens. António Vidigal aproveita para referir a importância da eletricidade no carro poder ser devolvida à rede, e que projetos offshore, como o WindFloat (tecnologia que explora o potencial do vento do mar para a geração de energia), devem avançar mais devagar, sob pena de subir o preço médio da eletricidade. Conclui que o nuclear não deve ser prioridade.

“O caminho da descarbonização acontece em todos os municípios”

A primeira mesa-redonda – “Cidades do Futuro” – foi constituída por Miguel Macias Sequeira, investigador na área do clima; Rui Dinis, gestor de projetos; Luís Tiago Ferreira, especialista da E-REDES em smart cities; e Rui Frazão, membro do conselho científico da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG).

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Voluntário na Comunidade de Energia Renovável (CER) de Telheiras/Lumiar, Macias Sequeira refere que o projeto envolve 60 famílias, algumas em pobreza energética. A CER tem produção e partilha de energia solar com um sistema fotovoltaico-piloto instalado e um segundo sistema fotovoltaico em fase de planeamento. Alerta, contudo, para a complexidade do licenciamento e que, quando se fala em capacidade da rede e de consumo, é necessário o reforço das redes.

Perante a questão sobre se a eletrificação contribui para a descarbonização, Rui Dinis, gestor na Lisboa E-Nova, diz que Lisboa reduziu em muito as suas emissões, com a eletricidade a contribuir com dois terços dessas reduções dentro de uma política consistente de utilização de energia renovável. E não é apenas Lisboa que apresenta resultados. “O caminho da descarbonização acontece em todos os municípios”. Difícil continua a ser a redução de emissões de gases com efeito de estufa originados pela mobilidade dos veículos a combustão.

Questionado sobre o papel da digitalização, Luís Tiago Ferreira, responsável pela área de Smartcities na E-REDES, refere que é um processo que está a mudar tudo e salienta grandes tendências interdependentes, a começar pelo facto da sua imprescindibilidade para criar Comunidades de Energia. Dá ainda o exemplo dos contadores inteligentes, cuja informação apresentada é partilhada em open data para verificar os padrões de consumo locais. Esta informação permite avaliar a viabilidade da produção fotovoltaica. No caso da Covilhã, verificou-se que o crescimento da potência instalada em autoconsumo foi na ordem dos 40%, algo que é relevante quando se pensa em iniciativas empresariais.

O membro do conselho científico da DGEG, Rui Frazão, salienta os grandes passos dados ao nível da transição energética. Ainda há poucos anos vivia-se num sistema de energia centralizada em energias fósseis, e em três ou quatro décadas o país passou para energias renováveis, mais descentralizadas e com novos atores. Aqui, o trabalho da DGEG é colocar em prática as políticas que a União Europeia (UE) define como princípios energéticos. O primeiro deles é o da eficiência energética, seguido da operabilidade das energias renováveis.

Rui Frazão realça que para a mobilização das cidades é obrigatório um primeiro esforço das autoridades para criar infraestruturas. O papel da DGEG tem sido o de promover mais investigação em Portugal, a par da promoção da discussão entre as Associações de Energia e as Comunidades de Energia Renovável. Semelhante deve ser o trabalho das universidades, tentando perceber as dificuldades junto da população. Apela a que desenvolvam plataformas para abreviar o licenciamento das Comunidades de Energia, incentivando, para tal, a colaboração com a Agência para a Energia (ADENE) na promoção de cursos de sensibilização.

Macias Sequeira conclui que para os consumidores, as preocupações do dia a dia estão mais à frente do que a transição energética, sendo que o grande objetivo é terem o benefício a nível de preço. Luís Tiago Ferreira corrobora a ideia ao afirmar que “o preço é um pilar importante para as pessoas sentirem a transição justa”. Acrescenta que na atualidade a narrativa das pessoas é diferente ao constatarem que as renováveis lhes trouxeram bem-estar. Rui Dinis finaliza afirmando que os compromissos de longo prazo dão frutos e falou da transição justa em Lisboa com a tarifa social única, com a possibilidade de as Comunidades de Energia poderem distribuir excedentes às famílias com tarifa social.

“Existem mais de 90 milhões de consumidores em situação de pobreza energética”

O painel sobre “Pobreza Energética” contou com a participação de Paulo Mendonça, Chefe de Divisão na Câmara Municipal de Seia; Susana Camacho, administradora-delegada da S.Energia (Agência Regional de Energia, integrada na RNAE); António Marques, diretor do curso de Economia da UBI/UE; e ainda de Rita Gomes Varela, técnica especialista de Transição Energética da ADENE.

Paulo Mendonça enfatiza o projeto Loja da Poupança Energética que tem como objetivo tornar Seia um município de baixo carbono. Este é um trabalho no âmbito da eficiência energética que nasce da iniciativa dos cidadãos, sensibilização nas escolas e através de uma parceria com a ADENE. Foi um grande obstáculo chegar a algumas pessoas, tendo sido relevante o trabalho ao nível da literacia energética e digital de forma a desvanecer o receio de alguns habitantes.

A S. ENERGIA (Agência Regional de Energia para os concelhos do Barreiro, Moita, Montijo e Alcochete) está comprometida em atingir metas a nível da transição energética justa, frisa a administradora-delegada, Susana Camacho. Apresenta o exemplo do projeto “Ponto de Transição +Próximo”, uma one stop shop num contentor marítimo no qual foram realizadas mais de 250 avaliações energéticas nas habitações e identificados potenciais beneficiários do programa Vale Eficiência, do Fundo Ambiental.

Alerta a gestora que a melhoria do conforto térmico implica acréscimo de valor e que para um trabalho eficiente são necessárias campanhas de sensibilização. Recorde-se que o “Ponto de Transição +Próximo”, no município do Barreiro, é um local dedicado à melhoria do conforto térmico e eficiência energética das habitações. Este projeto é financiado pelo Energy Poverty Adviser Hub (EPAH), da responsabilidade da UE, e promovido em Portugal pela RNAE e pela S.Energia. O Ponto de Transição disponibiliza serviços de um técnico qualificado de forma gratuita, e faz aconselhamento sobre faturas de eletricidade e gás, informação sobre financiamentos disponíveis, além de avaliações energéticas gratuitas das habitações.

A ADENE, refere Rita Varela, está preparada para trabalhar nas áreas de sustentabilidade, comportamento e literacia. No âmbito desta última, com a “Rota da Energia” foram realizadas mais de 450 sessões em escolas e foi elaborado um manual que está disponível para o público. Ao nível das iniciativas para o combate à pobreza energética foram criados um portal e um plano de ação que pretende erradicar a pobreza energética até 2050. O trabalho com a RNAE envolveu equipamentos como bombas de calor, alterações de janelas e painéis fotovoltaicos.

António Marques, diretor do centro de Economia da UBI, realça o facto de a literacia ser crítica, uma vez que, afirma, o modelo de transição energética justa foi o inverso do que se pretendia. Considera que os consumidores não foram preparados e que não sabem quanto pagam pelo kW. Para colmatar esta falha, relembra que a UBI tem um curso sobre literacia energética que é aberto à comunidade.

Enfatiza que cada vez mais os consumidores estão a ser excluídos e que “na UE existem mais de 90 milhões de consumidores em situação de pobreza energética”. Defende a preservação dos ecossistemas empoderando os consumidores, sendo que estes não conseguem retirar benefícios da transição energética e, para o mercado, este modelo não pode ser visto como mais uma fonte de receita. Ao nível da mobilidade, refere que o transporte individual é crítico e o consumidor não compreende ainda a utilidade da transição energética. Aponta ainda o papel das Instituições de Solidariedade Social (IPSS) na transição energética justa por conhecerem os casos das pessoas, podendo sensibilizá-las para o autoconsumo coletivo e para as Comunidades de Energia.

Rita Varela, da ADENE, defende uma estratégia de combate à pobreza energética com literacia e a existência de espaços físicos para chegar aos cidadãos, ligando os projetos à saúde e às IPSS para identificar as pessoas com esse tipo de necessidades. Conclui que para uma transição energética justa tem de haver comunidades de consumos com majoração para famílias naquela situação. António Vidigal afirma que a água é dos setores com maior potencial para se obter eficiência, mas há um desconhecimento generalizado, dando os exemplos das eficientes bombas de calor e da capacidade de produção de energia com água. Para concluir, afirma que a atribuição de subsídios não é eficiente para a inversão das situações de pobreza energética, mas antes a criação de medidas que alterem comportamentos, nomeadamente com a utilização de tarifas de forma a criar disciplina.

“O país está com o maior nível de eletrificação”

Já no fim do evento, Carlos Querido Santos, presidente da direção da RNAE, afirma que todos nós fazemos parte da solução para a transição energética, incluindo o autoconsumo. Defende a vantagem dos apoios comunitários que permitem disseminar a literacia e a discussão nas escolas. As Agências de Energia estão no território com dezenas de técnicos, tendo anunciado a criação próxima da Agência de Energia do Dão. Estas entidades têm a vantagem da agilidade e do trabalho rápido, tendo enaltecido os acordos da DGEG com o Fundo Ambiental. Por seu lado, a RNAE pode participar em grupos de trabalho setoriais para a captação de investimento privado. É exemplo o primeiro grande projeto de iluminação pública na Covilhã. Ao nível do atendimento ao cidadão dá o exemplo da “Loja da Poupança Energética” de Seia, enquanto no Sabugueiro existe uma equipa de monitorização de casas. Para a obtenção do Vale Eficiência, sublinha que existe uma função administrativa nas Juntas de Freguesia para validação das candidaturas, ligam às pessoas que têm direito ao vale e fazem aconselhamento para uma melhor eficiência energética.

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Para encerrar, o presidente do conselho de administração da E-REDES, José Ferrari Careto, recorda os eventos anteriores, em Viseu e Évora. Considera que a transição energética justa é uma área “que tem corrido muito bem”. Os data centers parecem ter em Portugal um sítio vantajoso, com energia com componente verde. Outra vantagem do país está nas comunicações, diz o responsável da E-REDES, com a ligação em banda com cabos submarinos, realçando as vantagens deste mix entre energia e telecomunicações. Acrescenta que as redes de distribuição e transporte foram de uma importância crítica. “O país está com o maior nível de eletrificação, com a distribuição a atingir 6,4 milhões de pontos de ligação”, aponta.

Ferrari Careto realça que, quando se fala na necessidade de empoderar os consumidores, deve passar-se da abordagem de subsídios para a abordagem da informação. A instalação de contadores inteligentes foi a maior operação logística do país depois do COVID e da vacinação, tendo sido montados uma média de 25 mil contadores todas as semanas, o que permite estruturar a recolha de dados a cada 15 minutos. Foi assinado um protocolo com a UBI para a libertação de dados anonimizados, devido à proteção de dados. A empresa entregou, a meio de outubro, uma proposta com o plano de investimentos na Rede Nacional de Distribuição (média/alta tensão) de 2026-2030. Este é um documento estruturante para o desenvolvimento dos territórios e coesão territorial e ficará em consulta pública para ser comentado. Conclui afirmando que esta será a peça crítica para o investimento no país.

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