A 11 de abril, na sua habitual coluna de comentário para a América do Sul, a revista Economist escolhia o seguinte título: “Jair Bolsonaro isola-se, mas da maneira errada”. O texto partia da oposição do Presidente brasileiro à política de confinamento como combate à Covid-19 (argumentando que “algumas pessoas vão morrer, é a vida”, que “o vírus mata, mas a fome mata mais ainda” e ainda que para muitos a doença não passaria de “uma gripezinha”) e assentava num problema muito mais amplo: o seu isolamento político.
Nos dias e nas semanas seguintes, aquele título viria a ser confirmando a praticamente cada gesto político de Jair Bolsonaro. Tanto que, a 28 de abril, ele próprio viria a dizer: “Só não pode mudar o Presidente e o vice, né? O resto…”
Quando disse esta última frase, o Presidente do Brasil já tinha demitido o ministro da Saúde em plena pandemia da Covid-19; já tinha ficado sem o seu superministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, que ao demitir-se abriu a porta para um impeachment do Presidente e chegou até a compará-lo desfavoravelmente aos governos do Partido dos Trabalhadores (PT); arriscava ficar também sem o seu outro superministro, Paulo Guedes, que tem a pasta da Economia; e punha ainda a possibilidade de tirar a Regina Duarte, conhecida atriz de telenovelas e “namoradinha do Brasil, o cargo de secretária especial da Cultura (que neste governo não tem ministério), para o qual foi nomeada há menos de dois meses.
Para lá disso, Jair Bolsonaro já tinha declarado guerra a antigos aliados por causa do combate à pandemia da Covid-19. Foi o caso do governador do Rio De Janeiro, Wilson Witzel, que deve a sua eleição para o cargo ao simples facto de ter concorrido por um partido pró-Bolsonaro — levando-o do anonimato para um dos cargos políticos mais relevantes do país. E também foi assim com João Doria, governador de São Paulo e militante do PSDB, que em 2018 desiludiu muitos do partido ao declarar apoio a Bolsonaro; em 2019 foi apresentado em Davos por Jair Bolsonaro como um possível sucessor; e que em 2020 é já um inimigo do Presidente.
E, com isso, veio também o isolamento na opinião pública. Nunca o Presidente Jair Bolsonaro esteve tão mal nas sondagens como agora. De acordo com a Datafolha, a gestão do Presidente é aprovada por apenas 33% dos brasileiros e é reprovada por 38%. À mesma empresa, 45% disseram apoiar um impeachment do Presidente — com 48% contra ideia, o que pode significar um empate técnico, uma vez que a margem de erro é de 3%. Já na sondagem do Atlas Político (cujo diretor criticou a metodologia do estudo da Datafolha, acusando-o de beneficiar o Presidente), a dúvida é menor: 54% quer mesmo o impeachment de Jair Bolsonaro tão rápido quanto possível.
No Congresso Nacional, a ideia de um impeachment tem cada vez mais apoiantes — e os números falam por si. Jair Bolsonaro é já o Presidente do Brasil com a maior média de pedidos de impeachment. Até agora, já foram movidos 31 processos nos seus 16 meses de poder — o que significa uma média de praticamente dois pedidos de impeachment por mês, mais até do que Fernando Collor de Mello (29 pedidos em 30 meses de governo) ou Dilma Rousseff (68 pedidos em 67 meses).
E os pedidos de impeachment estão longe de serem um exclusivo das bancadas da esquerda. São também de ex-aliados do Presidente, como Kim Kataguiri (deputado do Democratas e fundador do movimento de direita Movimento Brasil Livre) e também da deputada Joice Hasselman. Esta última foi mesmo a escolhida para ser líder do governo no Congresso Nacional, assumindo assim um cargo importante no jogo de bastidores e negociação que marca aquela câmara legislativa. E agora? Quer acabar com o tempo de Jair Bolsonaro, a quem acusa de ser mentiroso. “Não trabalhei para um homem que mente em público, não trabalhei para um homem que trai o símbolo de combate à corrupção”, disse Joice Hasselman, que antes de deputada foi jornalista e escreveu uma biografia de Sergio Moro.
Isolado da própria equipa de ministros, hostilizado pelos governadores e rechaçado por antigos aliados que agora o tomam como inimigo, será este o fim de Jair Bolsonaro? Talvez seja o fim de Jair Bolsonaro, sim, mas daquele que até aqui se deu a conhecer. Mas, se Tom Jobim dizia que “o Brasil não é para principiantes”, a política brasileira é-o muito menos — e Jair Bolsonaro é um dos seus mais experientes artífices. E, por isso, já planeia a sua saída desta crise.
Sem amarras, Bolsonaro fica mais Bolsonaro e apoia-se no “centrão”
Em 2018, Jair Bolsonaro foi eleito após uma campanha assente naquilo que a politóloga Luciana Veiga, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), chama de “cinco braços”: conservadorismo social; o fim da violência urbana; renovação da economia; o combate à corrupção; e o fim da “política velha”.
Desta mão-cheia de bandeiras, que foram também promessas, Luciana Veiga aponta que Jair Bolsonaro mantém na totalidade apenas as duas primeiras, ou seja, o conservadorismo social (em alta na generalidade do país e das instituições) e o combate à violência (com uma queda recorde do número de assassinatos em 2019). Tudo o resto, porém, tem vindo a desaparecer de forma notória dos programas e também do discurso de Jair Bolsonaro.
“A impressão que agora dá é que ele se libertou de algumas amarras que foram firmadas na campanha. Agora, a agenda mais evidente é a agenda bolsonarista, propriamente dita”, sublinha ao Observador Vítor Oliveira, politólogo da Fundação Getúlio Vargas.
Uma das “amarras”, ou “braços de campanha”, de que Jair Bolsonaro tem abdicado é a reforma da economia. Aqui, Luciana Veiga reforça porém que ainda não é um abandono consumado, mas ainda assim um abandono no gerúndio: “Ainda não abandonou, mas está abandonando”.
Este gerúndio bate certo com a posição periclitante do superministro da Economia, Paulo Guedes, em tempos o guru económico de Jair Bolsonaro mas hoje um homem cada vez mais à parte no conselho de ministros — às vezes de forma simbólica (em 2019, Paulo Guedes foi abandonado por Jair Bolsonaro na pretensão de capitalizar a Previdência, isto é, o sistema de segurança social brasileiro) e outras de forma literal. A 24 de abril, na conferência de imprensa em que Jair Bolsonaro reagiu à demissão e acusações de Sergio Moro, Paulo Guedes foi o único ministro a aparecer de mangas de camisa e, mais importante neste contexto, de máscara. Na revista Veja, a colunista Dora Kramer chamou-lhe a “vestimenta do adeus”.
Também a bandeira do combate à corrupção caiu, e com estrondo, após a incompatibilização entre Jair Bolsonaro e Sergio Moro — um processo de desgaste lento que começou no verão de 2019 e culminou a 24 de abril deste ano, com a demissão do diretor-geral da Polícia Federal, que investigava alegados crimes de empresários ligados a Jair Bolsonaro e também dos filhos do Presidente. Essa foi a gota de água para Sergio Moro, depois de toda a “insistência” de Jair Bolsonaro para ter naquele órgão “uma pessoa da confiança pessoal dele, que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, relatórios de inteligência”.
Como a aterragem em pé de Sérgio Moro, que foi de jóquer a demissionário, pode fazer cair Bolsonaro
“A saída do Moro indica claramente a queda da agenda do combate à corrupção, que deixa agora de ser um problema”, diz Luciana Veiga, ao telefone com o Observador. “A saída de Moro teve uma repercussão muito negativa, o empresariado não gostou nada disso.”
Além do “empresariado” de que fala Luciana Veiga, Vítor Oliveira fala ainda de outro segmento socio-político que agora abandona Jair Bolsonaro: os lava-jatistas. Ou seja, a classe média e média-alta que permitiu a viragem do Brasil à direita desde que isso significasse um afastamento da corrupção que manchou o legado dos governos do PT, à esquerda.
“Há uma parcela da população que tem essa coisa que a gente tem chamado de lava-jatista, que tem uma postura meio jacobina do combate à corrupção, como se isso resolvesse todos os problemas do Brasil. E essas pessoas trataram Sergio Moro como uma espécie de D. Sebastião. Esse séquito vai estar forte atrás do Moro e agora descolará de Bolsonaro”, explica Vitor Oliveira, ao telefone com o Observador. Na revista Piaui, o jornalista José Roberto Toledo escreveu que sem os “lava-jatistas” o Presidente “volta à sua popularidade pré-facada”, remetendo o episódio da campanha de 2018 que marcou uma viragem na campanha do então candidato.
Após a demissão de Sergio Moro, Jair Bolsonaro deu passos ainda mais efetivos no sentido de se afastar do combate à corrupção. Foi um movimento óbvio quando ele próprio anunciou o novo chefe do Ministério da Justiça e da Segurança (o jurista Jorge Oliveira) e o substituto de Maurício Valeixo na direção da Polícia Federal (Alexandre Ramagem).
Jorge Oliveira, que até aqui foi ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, é um conselheiro próximo de Jair Bolsonaro a todos os níveis — o seu pai foi amigo e empregado do Presidente e ele próprio foi assessor de alguns dos filhos do chefe de Estado, sendo até padrinho de casamento de Eduardo Bolsonaro.
Já Alexandre Ramagem, que dirigia até agora Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi chamado por Jair Bolsonaro para ser o número 1 da Polícia Federal. Também aqui há uma relação de proximidade: Alexandre Ramagem fez parte da equipa de segurança de Jair Bolsonaro e é amigo próximo de Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro, o que o poderia comprometer na altura de investigar o alegado esquema de fake news contra juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), do qual será cabecilha. Esta última nomeação foi anulada pelo próprio STF, alegando “abuso de poder por desvio da finalidade”, e Jair Bolsonaro deixou cair Alexandre Ramagem. O mal, porém, já estava feito: ficou colada à pele do Presidente a ideia de “uma solução caseira para blindar a família”, como apontou o colunista da Veja Ricardo Noblat.
Esta semana, já com o recorde de pedidos de impeachment por cada mês de governo, Jair Bolsonaro deixou por fim cair a última “amarra” que jurara na sua campanha em 2018: o fim da “política velha” e do “toma lá, dá cá”. Agora o Presidente, que antes de subir ao Palácio do Planalto contava com uma experiência de 27 anos de deputado na Câmara dos Deputados, vai ser obrigado a pôr em prática tudo o que aprendeu durante aquelas quase três décadas de negociação parlamentar.
Se a política brasileira é um enorme quebra-cabeças, isso deve-se em grande parte à composição da Câmara dos Deputados. Se ali a pulverização já é norma, nesta legislatura isso só veio aumentar: entre 0s 513 deputados que ali se sentam, há um total de 30 partidos. Jair Bolsonaro não pertence a nenhum deles — já que, depois de ter utilizado o Partido Social Liberal (PSL) como veículo da sua campanha, se desfiliou e ficou sem partido —, mas é agora a muitos deles que estende a mão, mostra gabinetes e abre a carteira. Está oficialmente declarada a abertura da época do “toma lá, dá cá”.
Jair Bolsonaro tem os olhos nos partidos do chamado “centrão”, o grupo mais fluído da Câmara dos Deputados, composto por vários micro-partidos e que somam ao todo 173 deputados. A designação de “centrão” nada tem que ver com a inclinação ideológica destes partidos (que na verdade vão do centro à extrema-direita,), mas antes com a sua maleabilidade na hora de ajudar qualquer Presidente em apuros — exigindo cargos e medidas em troca.
Se até aqui Jair Bolsonaro tinha desprezado a cooperação com aquele bloco heterogéneo, agora passou a fazê-lo por uma questão de sobrevivência política. Ou seja, para impedir um impeachment. Isto porque, mesmo que seja iniciado na Câmara dos Deputados, um processo de impeachment só é aprovado naquele parlamento e transferido para o Senado (ao qual cabe a decisão final) caso conte com a aprovação de dois terços dos deputados. Ou, visto do outro lado, Jair Bolsonaro precisa de um terço da Câmara dos Deputados (172 votos) para travar o impeachment — que é como quem diz, todos os parlamentares do “centrão” + 1.
Investido no jogo do “toma lá, dá cá”, Jair Bolsonaro já deixou claro que está disposto a negociar com todos menos com “partidos comunistas”.
“Qual é o problema?”, disse a 28 de abril. “São eles que votam. Se eles têm algum pecado, o eleitor do estado é que deve tomar providência. Eu não estou aqui para julgar, condenar, acusar, pedir cassação de qualquer parlamentar”, afirmou Jair Bolsonaro.
Sem querer admiti-lo, Jair Bolsonaro abriu mão da sua promessa de acabar com a “política velha”, atirando agora o seu destino para as mãos do grupo que sempre esteve no centro dela. “O centrão foi a base de apoio do governo Lula e do primeiro governo de Dilma. E ficou provado que, da parte do governo, desde que tenham recursos para lhes dar, então têm Presidente”, resume Luciana Veiga. “Isto é uma dissonância completa do que Bolsonaro prometeu na campanha a este respeito.”
Em jogo estão agora cargos burocráticos que à primeira vista são motivo de bocejo mas nos quais um olhar mais treinado vê o controlo de estruturas de milhares de milhões de euros, como o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca; o controlo de empresas públicas como a Fundação Nacional de Saúde ou o Banco do Nordeste; e acordos sobre listas para as eleições municipais, previstas para outubro deste ano.
A politóloga da Unirio acredita, porém, que o “centrão” poderá ser a tábua de salvação de Jair Bolsonaro a meio da atual tempestade. “O centrão tem algumas coisas que fazem sentido com o governo Bolsonaro, já que há partidos da bancada evangélica e outros em que a agenda económica também encaixa, porque eles são acima de tudo muito práticos e querem recursos”, garante.
Também Vítor Oliveira prevê esse cenário — mas a prazo. “Têm falado de um casamento entre o centrão e Bolsonaro, mas para mim é mais um namoro de verão”, diz. Ou seja, efémero e sujeito a terminar ao primeiro abanão. E, no topo da lista de possíveis abanões, está o cisne negro que poucos previram mas que já ninguém esquece: a pandemia da Covid-19.
Numa altura em que o novo coronavírus já matou 6.006 pessoas no Brasil e infetou pelo menos 87.187 pessoas, Jair Bolsonaro é o líder que mais se destaca em todo o mundo naquela que tem sido a tendência também firmada por outros (como Daniel Ortega da Nicarágua ou Aleksandr Lukashenka da Bielorrússia) de menosprezar a doença. Confrontado com o número de mortos no Brasil já ultrapassar a contagem oficial da China, país onde o vírus teve origem, Jair Bolsonaro chamou atenção pela sua resposta. “E daí?”, disse aos jornalistas. “Lamento, mas quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagres”, disse Jair Bolsonaro, em alusão ao seu nome do meio.
A Covid-19 como reforço de identidade — e um novo eleitorado na mira
Recordemos que “o Brasil não é para principiantes” e que a sua política muito menos. E recordemos também que Jair Bolsonaro é neste momento um dos seus mais experientes artífices, apesar de grande parte do seu percurso ter sido o de um deputado nas margens de uma Câmara de Deputados onde era tratado como piada — mas da qual só viria a sair para ser Presidente.
Nesse sentido, não é por acaso que Jair Bolsonaro tem insistido em manter um tom polémico em torno da Covid-19. Das declarações da “gripezinha” ao “e daí?” perante o recorde de mortos, sobra um elemento que pode alhear aqueles que nunca votariam nele mas que motiva e reforça a identidade dos bolsonaristas de base.
É para aí que aponta Luciana Veiga, que começa por dizer que isso é algo que antecede a pandemia e que marca a ação daquilo a que chama de “ala ideológica”: composta, entre outros, pela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Dalmares Alves, autora da tirada “menino veste azul e menina veste rosa”; ou os ministros com pastas como a Educação, os Negócios Estrangeiros ou o Ambiente.
“Essa ala ideológica sempre puxou o governo para baixo nos 70% que não são bolsonaristas”, diz Luciana Veiga, especialista em opinião pública. “Mas nos 30% que são bolsonaristas, essa ala reforçou o apoio e deu-lhes identidade.”
Essa identidade, garante a politóloga, sai agora reforçada com a postura de Jair Bolsonaro ao longo da pandemia. “Quando ele diz que está preocupado com a geração de emprego e com a economia, ele está a cantar para o micro-empresário e para o dono da loja que trabalha no comércio. O importante para estas pessoas é abrir a loja e fazer caixa”, diz. “Negligenciam o alcance da doença para valorizar a questão do emprego. A valorização do trabalho tornou-se numa componente ideológica junto desse segmento.”
Se esse discurso serve para manter do seu lado pequenos comerciantes e também empresários de maior alcance, Jair Bolsonaro também tem tentado utilizar a sua postura de portas abertas perante a Covid-19 para chegar a um dos eleitorados que menos votou nele em 2018: os mais pobres. Se no final de 2019 já tinha piscado o olho a este segmento da população ao criar um 13.º mês para o programa Bolsa Família (a versão brasileira do Rendimento Social de Inserção), agora voltou a fazê-lo ao libertar fundos dos cofres federais para que os estados criem fundos de apoio emergencial.
“Claro que aqueles que não gostavam dele não passaram a fazê-lo só por isso, mas aqueles que têm menos rendimentos e já tinham votado nele passaram a gostar ainda mais. E entre os indecisos a opinião melhorou”, sublinha Luciana Veiga.
“Se Bolsonaro sobreviver ao crivo das instituições de controle, cenário cada vez menos provável, terá também de apelar para a população de baixa renda”, escreveu o politóogo Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas, no jornal Estado de S. Paulo. “As transferências emergenciais de recursos por conta da pandemia podem ter criado oportunidade para o ‘cavalo de pau’ [expressão brasileira para ‘inversão de marcha’] do populismo de Bolsonaro.”
Essa inversão de marcha já está em curso. Na sondagem mais recente da Datafolha, em que aproximadamente 60% dos entrevistados recebiam até dois salários mínimos, ficou demonstrado que, desde dezembro, e entre os mais pobres, subiu em 8 pontos percentuais a avaliação de “ótimo” ou “bom” para o desempenho do Presidente. Também foi nessa ordem que caiu o apoio ao “isolamento social amplo”, agora defendido por 52% — mas que no início de abril era de 60% e desde então só tem descido, apesar de a curva de novos casos de infeção estar longe de estar achatada.
Depois de hostilizada a classe média e média-alta “lava-jatista” com a saída de Sergio Moro, Jair Bolsonaro e o seu séquito (que por estes dias se organiza sob o nome de “bolsonarismo-raiz”) tentam surfar a onda da Covid-19 para chegar aos mais pobres — sobretudo aqueles para os quais o teletrabalho não é uma possibilidade. “O que ele faz com essa postura é blindar o amanhã”, garante Luciana Veiga. “Quando vierem dizer que a economia está má, ele vai poder dizer que foi o Congresso que endividou o país. A estratégia dele passa por atirar a responsabilidade nesse momento.”
É muito fácil falar "fique em casa" quando você tem uma situação estável.
Imagine as pessoas que já vivem em situações precárias?
Reflita! pic.twitter.com/9OKuNKOkLs
— Carla Zambelli (@Zambelli2210) April 28, 2020
Esse esforço é visível, por exemplo, num vídeo partilhado pela deputada Carla Zambelli, parlamentar de maior confiança e lealdade ao Presidente. Nele, um homem declama um poema com o título irónico “Fique em Casa?”, dito para a câmara e com uma favela como pano de fundo. Ali, atira contra quem defende o isolamento dentro da “sua estrutura privilegiada, cada um no seu quarto com o seu iPad” ao mesmo tempo que na favela “vamos tentando juntar os cacos, com seis da mesma família no mesmo barraco”.
Em 2018, o candidato Jair Bolsonaro dizia que a luta de classes fazia parte de uma “estratégia muito bem articulada de controle da sociedade”. Porém, em 2020, o Presidente Jair Bolsonaro prepara-se para ela — mas, acima de tudo, a sua luta é pela própria sobrevivência.