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Entrevista "Sob Escuta" à rádio Observador, a Fernando Medina, Ministro das Finanças, no dia em que apresentou o Orçamento de Estado (OE). 10 de Outubro de 2022 Ministério das Finanças, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Fernando Medina admite negociar com concessionárias travão ao aumento das portagens em 2023, mas avisa que não é uma negociação fácil

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Fernando Medina admite negociar com concessionárias travão ao aumento das portagens em 2023, mas avisa que não é uma negociação fácil

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Entrevista a Medina. IVA dos alimentos não baixa porque dinheiro pode ir parar a acionistas de grupos de distribuição e não a quem precisa

Fernando Medina diz, em entrevista ao Observador, porque ponderou (e afastou) IVA zero na alimentação. Não garantia baixa de preços. Dinheiro podia, no limite, ficar nos acionistas dos supermercados.

O ministro das Finanças explica, em entrevista ao Observador, porque afastou o cenário de reduzir o IVA dos alimentos para taxa zero e preferiu medidas para aumentar rendimento. Por um lado, dá mais liberdade às famílias, mas também porque baixar a taxa não garantia uma redução dos preços finais. No limite, o dinheiro até poderia ir parar aos acionistas das empresas de distribuição.

Fernando Medina admite ainda que podem ser necessárias mais medidas, para além das que estão previstas na proposta de Orçamento do Estado apresentada esta segunda-feira, para apoiar empresas e famílias. As políticas têm “de ser avaliadas em função do momento, daquilo que vão sendo as avaliações do contexto externo, que é um contexto adverso.” E apesar de não estar no OE revela abertura para discutir com as concessionárias um travão ao aumento da portagens de 2023.

Estamos num clima de grande incerteza. Só este ano o Governo já apresentou e aprovou vários pacotes de medidas adicionais para apoios às famílias e às empresas. Dificilmente será diferente no ano seguinte. Qual é a margem guardada neste Orçamento do Estado para essa eventualidade no próximo ano?
O Orçamento do Estado para 2023 tem como pilar fundamental a melhoria dos rendimentos das famílias. E nesse pilar integram-se várias medidas de grande importância já de apoio aos rendimentos das famílias. Falo do que é a redução das taxas de IRS no segundo escalão, que no fundo reduzirá os impostos para todos os escalões acima do segundo escalão; as alterações no mínimo de existência — alterações muito importantes para evitarem um problema grave que o nosso sistema fiscal tem, e terá até ser corrigido até à entrada em vigor do orçamento, que é o facto de, nos salários na imediação do salário mínimo, todos os ganhos adicionais que havia eram tributados a 100%. Com a correção deste problema, o que vamos fazer é aumentar de forma importante o rendimento das famílias com os rendimentos mais baixos. [O Orçamento] tem um conjunto muito vasto de apoios às famílias, às famílias com filhos: o aumento da dedução relativamente ao segundo filho de 750 para 900 euros, o aumento do abono de família…

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Mas são medidas suficientes do seu ponto de vista, é isso? Para não ter que haver um novo pacote a meio do próximo?
São medidas muito importantes que representam uma prioridade muito importante do Orçamento que tem, de facto, três prioridades. É esta: o primeiro pilar, o reforço dos rendimentos das famílias e que terão um impacto na melhoria da situação das famílias do ponto de vista dos seus rendimentos. Acrescem a estas medidas [outras] medidas de mitigação dos preços — várias que já são conhecidas, mas que entrarão em vigor no próximo ano —, como, por exemplo, o congelamento dos passes sociais e dos transportes ferroviários, dos preços que não aumentarão; a continuação de medidas do ISP (imposto sobre produtos petrolíferos) dos combustíveis, de bonificação do preço dos combustíveis por redução da tributação sobre os combustíveis; e um conjunto vasto em várias áreas de mitigação dos preços, também relativamente ao aumento das rendas [ele] fica limitado a 2%. E, por isso, todo este conjunto já é muito significativo e deve ser colocado em marcha, deve ser valorizado. Noutras áreas há medidas novas…

E avaliado para saber se é preciso ir mais além ou não, quando? Em que altura?
Deve ser avaliado em permanência, todo o exercício do ano orçamental, todo o desenvolvimento da ação governamental, da ação das políticas de resposta à conjuntura… tem de ser avaliada em função do momento, daquilo que vão sendo as avaliações do contexto externo, que é um contexto adverso. Um aspeto importante da conjuntura que nós vivemos é que nós enfrentamos um contexto adverso, todo ele decorrente do que foram acontecimentos externos ao país. Nós não estamos a viver nenhuma dificuldade resultante de decisões políticas interna.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o Orçamento do Estado 2023.

OE. Vou conseguir comprar casa ou carro em 2023?

São fatores que Portugal não controla. No fundo, o que queríamos perceber é se este Orçamento tem folga para acomodar novas medidas. E, em concreto, perceber se uma dessas medidas tem sido aquilo que outros países têm feito — como  Espanha — que é baixar o IVA sobre o preço da energia e dos alimentos. É uma possibilidade para responder a um eventual agravamento dos preços em 2023 ou é um cenário que afasta completamente?
Nós tomamos uma opção, do ponto de vista dos recursos, que foi procurar devolver às famílias mais rendimento. Fizemos isso no programa Famílias Primeiro, com o apoio dos 125 euros por pessoa. Também o apoio aos pensionistas começou a ser pago hoje mesmo com o pagamento de meia pensão. E preferimos este modelo à diminuição, por exemplo, fiscal do IVA relativamente aos produtos alimentares porque com este modelo temos a certeza absoluta que este dinheiro chega às pessoas. E temos a certeza que as pessoas podem fazer as melhores escolhas com o rendimento que têm. Uma opção de redução do IVA, por exemplo, dos produtos alimentares, não nos dava a garantia de que isso se traduzisse em alguma contenção do preço dos produtos alimentares, porque é um mercado muito livre, é um mercado com operadores muito fortes.

"Quando entramos em mercados como, por exemplo, a distribuição alimentar, ao fazer pura e simplesmente uma diminuição fiscal, não sabíamos, não tínhamos a certeza de que ela podia traduzir-se num benefício para as famílias e, por isso, preferimos utilizar os esforços e os recursos financeiros nas devoluções de rendimentos que fossem mais significativas, dando liberdade às pessoas para fazerem as suas escolhas".
Fernando Medina, ministro das Finanças sobre a baixa do IVA na alimentação

E é uma medida que exclui num futuro próximo, para o próximo ano?
A nossa avaliação, até agora, é que nós não temos garantia. Quer dizer, é uma medida que tem um impacto financeiro muito significativo, mas que eu não tenho garantia de que ao tomar o benefício vá parar aos consumidores. Porque, se nós baixamos o IVA — na conferência de imprensa, o ministro admitiu ter estudado taxas zero nos alimentos — e no dia a seguir os preços sobem no aumento da proporção em que nós baixamos o IVA, o dinheiro da medida não está a chegar à mão de quem precisa, está a chegar à mão, no limite, aos acionistas das empresas de distribuição, ou das suas cadeias de abastecimento. Ao contrário da eletricidade, por exemplo, que no caso do mercado regulado é um regulador que fixa o preço, e nós sabemos que a diminuição do imposto, sabemos o o que é a componente preço e sabemos o que é a componente imposto. Quando entramos em mercados como, por exemplo, a distribuição alimentar, ao fazer pura e simplesmente uma diminuição fiscal, não sabíamos, não tínhamos a certeza de que ela podia traduzir-se num benefício para as famílias e, por isso, preferimos utilizar os esforços e os recursos financeiros nas devoluções de rendimentos que fossem mais significativas, dando liberdade às pessoas para fazerem as suas escolhas.

O Governo tem dito há meses que está a estudar a possibilidade de taxar os lucros inesperados em alguns setores. É um bocadinho difícil de acreditar que não tenha já uma estimativa de qual seria a receita, sobretudo nos setor do petróleo. E tendo em conta que considera e que estudou as medidas que foram adotadas em países como a Itália, que conhece muito bem, e que o encaixe foi, de facto, muito reduzido…
Sempre expressei a minha opinião de que nós deveríamos avançar para o sistema da tributação dos lucros não esperados, desde que tivéssemos um modelo que fosse justo e que fosse um modelo que permitisse uma tributação efetiva. E isto foi a resposta às vozes que, mal começou o debate, defendiam taxação para qualquer empresa tenha lucro ou até de preferência uma taxação expropriatória. E lembro-me de ir ao Parlamento e bancadas à esquerda do Partido Socialista declararem que houvesse tributações, dando casos de países que nós conhecíamos e cujas tributações não estavam a funcionar, porque não foram feitas com esse intuito. Agora, haver uma tributação de lucros inesperados e transformar esses lucros inesperados no setor da energia em benefício dos consumidores, Portugal foi dos países pioneiros a fazê-lo no espaço europeu, porque resultou da especificidade do mercado ibérico da energia, de nós termos podido autonomizar o preço da eletricidade do que foi a evolução o preço do gás e, na prática, os benefícios que as eólicas, os avultados benefícios que as eólicas estavam a usufruir, passaram a ser utilizados na diminuição tarifária relativamente à eletricidade.

Mas os lucros inesperados são sobretudo no setor dos combustíveis, da produção de petróleo.
Não, não. São em mais do que esses. O caso das renováveis era um deles, porque, no fundo, havia preços determinados contratualmente e depois, como o preço do gás subiu muito, as empresas podiam vender ao novo preço.

Entrevista "Sob Escuta" à rádio Observador, a Fernando Medina, Ministro das Finanças, no dia em que apresentou o Orçamento de Estado (OE). 10 de Outubro de 2022 Ministério das Finanças, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Fernando Medina defende que regresso à tarifa regulada já tira lucros à Galp que detêm os contratos de gás que fornecem a tarifa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

As empresas portuguesas eólicas têm quase todas contratos de receita garantida portanto a questão não se colocava assim em Portugal…
Não, não, colocava-se muito em Portugal. Mas então, o mecanismo ibérico aliás funcionou na base da transferência desses benefícios das eólicas para o global dos consumidores do sistema, como também agora com a criação, com a abertura ou reabertura, por assim dizer, do mercado da tarifa regulada do gás — o que está a alimentar esse mercado, quem está a financiar esse mercado regulado, se se recordar dos benefícios que foram indicados que esse mercado tem para os consumidores finais são uma subtração aos ganhos que a Galp tinha, poderia ter nos contratos take or pay que tem estabelecidos com os seus fornecedores, que poderia vender o gás a preços muito mais elevados e que o Estado invocou a sua condição de fornecedor do mercado regulado dizendo ‘não, esse gás tem que vir para o mercado regulado a esta tarifa’.

Deixe-me só centrar na pergunta inicial que é: não tem mesmo uma estimativa depois de um estudo tão aprofundado que o Governo diz ter feito sobre esta matéria — até avaliado que em Itália a receita arrecadada não foi suficiente. Mais de 10 milhões já disse na conferência de imprensa.
Isso foi em Itália. A primeira, a italiana.

O modelo imposto, proposta pela Comissão Europeia é um modelo que acha que é satisfatório?
Nós apoiamos o modelo, apoiamos a proposta da Comissão, votamos a favor da proposta da Comissão. Foi publicado ontem o regulamento, nós agora nas próximas semanas iremos fazer essas avaliações e iremos publicar a nossa legislação.

Portagens. Medina admite negociar travão a subida

Mas a sua perspetiva é que seja baixo? É isso?
Há áreas que nós não tínhamos avaliado. Foram introduzidas no diploma, por exemplo, áreas como a mineração que não constavam de nenhuma proposta original e, por isso, nós em poucas semanas teremos essa proposta feita. A proposta estará feita e será aprovada ainda durante o ano de 2022 que é para precisamente tributar os resultados obtidos durante o ano de 2022.

O Estado vai cobrar a partir do próximo ano menos em IRS no final de cada mês. Isto significa que vamos ter também menos reembolsos aos contribuintes em 2024. O Governo tem números que nos possa dar relativamente à diminuição dos reembolsos e o aumento do rendimento disponível dos portugueses em 2023.
São duas matérias diferentes. Há uma matéria de redução da tributação efetiva (com a descida da taxa do segundo escalão). E há também a decisão de aumento dos escalões de IRS e, por isso, do rendimento que está encaixado em cada um dos escalões de rendimento e isso vai levar a uma atualização das tabelas de retenção na fonte. E por isso nós temos vindo a trabalhar num processo de redução progressiva daquilo que é retido a mais, porque não interessa — aos contribuintes de todo não interessa, ao Estado também não — fazer uma cobrança excessiva que depois devolve via liquidação.

Mas esse processo vai acelerar no próximo ano, pelas medidas que apresentou hoje.
Nós esperamos que sim, que o processo de redução da parte das retenções que reduza.

E não tem ideia de um número para a receita que os contribuintes podem vir a receber mais em termos líquidos?
Depende muito dos casos, depende muito do caso de cada família, de cada agregado. Por exemplo, expus no exemplo que dei relativamente às famílias e àquela composição de família em torno do salário de 1.300 euros, de 1.400 euros, casal com dois filhos, qual era o benefício que iria ter da diminuição de tributação. Mas agora varia muito da situação de cada um.  Por exemplo, o impacto da redução em dois pontos no segundo escalão não atinge da mesma maneira todos os escalões de rendimento. Ou melhor, atinge nominalmente da mesma maneira, mas percentualmente atinge mais os escalões mais próximos, aqueles que têm uma tributação que se confina a escalões mais próximos do segundo e menos quando nos aproximamos do último.

A medida da redução da retenção na fonte, por causa do crédito à habitação pode manter-se para lá de 2023? Depende exclusivamente de taxas de juro elevadas?
Esta é uma faculdade que será dada para utilização pelas famílias. É financeiramente neutra nas relações entre o Estado e os contribuintes, por isso não é um apoio, não há aqui uma redução de tributação, há uma faculdade de utilização de verbas. No caso de um contribuinte que normalmente tenha direito a reembolso, significa que ao antecipar, ao diminuir a sua retenção na fonte, a sua devolução será menor mais tarde.

Mas surge para dar resposta a uma questão concreta, que é a questão dos juros. O que lhe estou a perguntar é e agora? Vai manter-se, é uma faculdade que é para manter?
Para já, vamos introduzi-la e vamos ver como é que funciona em 2023, se é muito utilizada, se não é, se cumpre a sua necessidade. Ela é financeiramente neutral, não envolve apoio do Estado aos cidadãos, envolve esta facilidade de liquidez. Mas não é neutral do ponto de vista do défice orçamental, é uma medida que tem impacto no défice orçamental — para o próximo ano está estimado para 250 milhões de euros —, porque muda o ano relativamente à utilização dessa verba. Mas vamos acompanhar durante o ano de 2023 e ver se é uma medida que é considerada útil e se for útil para uma percentagem de cidadãos e de titulares à habitação é porque cumpriu a sua missão.

O Governo anunciou medidas de congelamento dos passes sociais, também aprovou um teto à subida das rendas, e as portagens? Estão anunciados também aumentos muito significativos, há alguma negociação com as concessionárias para evitar estes aumentos tão relevantes?
Ainda não há nenhuma decisão relativamente às portagens (as portagens são atualizadas em função da inflação homóloga de setembro e de outubro e podem subir mais de 9%) Nem as portagens que estão sob concessão a operadores privados nem as portagens que são operadas pela IP.

Neste momento é uma opção em aberto? Admite que possam ser tomadas medidas para evitar este aumento das portagens?
É uma hipótese em aberto. Não consta do Orçamento de 2022, mas a acontecer será algo que tem de ser conhecido antes do final do ano de 2022. Não consta do Orçamento de 2023.

Mas o Governo está a falar com as concessionárias?
Houve conversas com algumas concessionárias, num período anterior, nos últimos tempos não. E é algo que terá de ser retomado. Não é uma negociação fácil, nem é uma conversa… É um tema que exige muito trabalho e muita franqueza de parte a parte relativamente ao que fazer, para não se tornar um processo muito complexo e do qual ninguém sairia bem.

A oposição já reagiu, teve uma primeira reação à proposta do Orçamento do Estado, diz que as “medidas são poucochinhas”, estou a citar, e o PSD diz mesmo que continua o empobrecimento do país. Há margem e vontade política para acolherem ainda propostas de alteração?
Há. Manteremos o espírito aberto como mantivemos no Orçamento de 2022 para ver as propostas que as várias oposições irão propor em sede de Orçamento do Estado e acolher aquelas que mereçam, que acha convergência para poderem melhorar o Orçamento do Estado.

Imagino que discorda do PSD na questão do continua o empobrecimento.
Naturalmente, mas isso não estava… Confesso que também não estava à espera. Seria justo o PSD dizer que concordava com o Orçamento, porque ele é bom, mas não me surpreende que tenham dito que não concordam. Faz parte do papel da oposição.

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