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Mathieu Cugnot

Mathieu Cugnot

Bernd Lucke, eurocético alemão, diz que "a Europa está a ir no caminho errado"

Bernd Lucke é o líder do partido sensação nas últimas legislativas alemãs e é eurodeputado. O seu partido diz que o euro ameaça o mercado único e que nenhum país devia ter sido resgatado na crise.

Lançou-se na política no ano passado e quase conseguiu entrar no Bundestag – Parlamento alemão -, causando possivelmente uma crise de nervos a Angela Merkel. Depois disso teve 7% dos votos nas europeias e tem vindo a ganhar lugares no poder local. Tudo isto com a mensagem de que não se devia ter resgatado a Grécia e que o euro é uma ameaça ao mercado único. O Observador entrevistou o eurodeputado Bernd Lucke, líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), em Bruxelas.

O alemão fala inglês perfeito e usa a experiência como professor – lecionava Macroeconomia na Universidade de Hamburgo – para explicar que a Grécia não deveria ter sido resgatada e que provavelmente deveria ter saído do euro. Uma opinião cada vez mais partilhada na Alemanha, já que a AfD tem vindo a ganhar militantes e apoios em todos os setores da sociedade.

Chegou recentemente ao Parlamento Europeu. Como tem sido a sua experiência e como é que mantém a liderança do seu partido na Alemanha ao mesmo tempo?

Agora estou cá, vivo em Bruxelas. Eu viajo para a Alemanha, mas a comunicação eletrónica faz com que seja possível que o partido avance sem a minha presença física. Em relação ao Parlamento, estou desiludido com o que acontece aqui. Estive, por exemplo, na audição de Neven Mimica, comissário indigitado croata para a Cooperação Internacional e Desenvolvimento e ele não me convenceu. Mas por alguma razão, os representantes das grandes famílias políticas como o Partido Popular Europeu e o Partido Socialista Europeu, assim como os liberais, disseram que foi uma boa audição. E eu pensei, se isto é bom, o que é que é mau? Eu fiquei espantado com a falta de espírito crítico sobre esta audição – qualquer pessoa podia ter dito o que ele veio dizer – e este é um dos cargos mais altos na UE. Eu esperava uma pessoa de topo, com uma visão e capacidade para liderar.

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Como é que analisa o nascimento do partido fundado por si, a Alternativa para a Alemanha (AfD), em fevereiro de 2013 e a sua evolução até quase conseguir entrar no Bundestag, nas eleições de setembro desse mesmo ano?

Éramos um género de partido start-up. Começámos com muito poucas pessoas, mas rapidamente encontrámos apoio na população alemã, muito mais até do que esperávamos. Por isto, as nossas expetativas começaram a crescer nessa primavera.

“Claro que ficámos desapontados com esse resultado [das eleições], mas se olharmos de forma objetiva para isto, na verdade, foi um grande sucesso”.

Quando é que tiveram mesmo essa perceção? Foi quando decidiram fazer o partido ou quando o partido foi formalmente apresentado?

Só percebemos isso quando dissemos que tínhamos fundado o partido, mas foi uma reação avassaladora e que excedeu em muito as nossas capacidades como partido recém-criado de receber este apoio. Milhares de pessoas queriam aderir ao partido. Fizemos o melhor que conseguimos, mas cometemos erros pelo caminho. Tivemos de organizar uma campanha profissional para as eleições legislativas que seriam logo em setembro e estruturar o partido de raiz – e fazer tudo isto com pessoas que não tinham qualquer experiência política e sem dinheiro público, o dinheiro que tínhamos era nosso e não era muito. Tínhamos pouco dinheiro, poucas pessoas na estrutura, mas muito entusiasmo e isso fez com que conseguíssemos os quase 5% necessários para entrar no Bundestag. Claro que ficámos desapontados com esse resultado, mas se olharmos de forma objetiva para isto, na verdade, foi um grande sucesso.

Campanha da AfD em setembro de 2013

AFP/Getty Images

Mas já era militante da CDU, partido de Angela Merkel. Havia mais pessoas que também vieram da CDU, certo?

Sim, muitas.

Então já tinham alguma experiência de partidos e na organização de um partido político.

Não, de todo. Eu era um membro passivo da CDU.

Quando é que se apercebeu que estava na altura de abandonar a CDU e criar um novo partido?

Em dezembro de 2011 eu deixei o partido. Eu já estava a pensar sair há alguns meses…

Há quanto tempo é que era militante da CDU?

Há 33 anos, mas estava desiludido com a atuação do partido na crise da zona euro. Pensava que o partido estava a seguir a linha errada, tanto a nível económico como a nível político. O partido fez promessas ao seu eleitorado como por exemplo que não se responsabilizaria por dívida externa de outros países aquando da assinatura do Tratado de Maastricht e a liderança do partido quebrou este compromisso ao ter apoiado os resgates financeiros. Portugal foi um deles. Essa não foi uma política correta e eu concluí que se discordava do partido, quer a nível profissional, quer a nível pessoal, não devia permanecer.

"O partido [a CDU] fez promessas ao seu eleitorado como por exemplo que não se responsabilizaria por dívida externa de outros países aquando da assinatura do Tratado de Maastricht e a liderança do partido quebrou este compromisso ao ter apoiado os resgates financeiros"
Berndt Lucke

Tentou alertar o partido para esses problemas?

Não. Eu não podia fazê-lo verdadeiramente porque quando abandonei o partido estava a tirar uma licença sabática nos Estados Unidos e não tinha qualquer contacto com outros militantes do partido.

Que tipo de solução é que defendia então para a resolução da crise?

Eu acho que devíamos ter respeitado a regra de não resgatar países endividados tal como estava inscrito no Tratado de Maastricht. Isso teria levado a que a Grécia abandonasse o euro, o que do meu ponto de vista seria um acontecimento menor dentro da zona euro. Eu não tenho a certeza se Portugal também seria obrigado a fazer o mesmo. A situação tanto em Portugal como na Irlanda não eram insustentáveis. O problema de Chipre é. Portanto as situações de Chipre e da Grécia são diferentes das de Portugal e da Irlanda. Penso que a saída da Grécia teria sido boa porque disciplinaria os outros países que veriam que há consequências graves quando se quebram os princípios da estabilidade económica e financeira.

Pensa que a União Europeia (UE) devia ter tido algum papel no resgate destes países?

Não, nenhum.

Nem a nível político?

Não, de forma nenhuma. Os portugueses ou os irlandeses é que deviam ter decidido o que fazer com a situação. Eles têm governos, podem ter novos governos se quiserem e a decisão devia ser sempre deles. Não acho que a União Europeia deva interferir nos assuntos dos governos nacionais porque o que foi feito até agora fez com que parecesse que a União Europeia estava a mandar nesses países, muitas vezes com a oposição das pessoas que se manifestavam nas ruas desses mesmos países. Eu acho que é um problema democrático porque queremos que sejam as pessoas de cada país a governar o seu Estado e se uma organização burocrática vem dizer às pessoas o que devem fazer, torna-se numa posição indefensável do ponto de vista democrático.

Tem-se falado muito de solidariedade entre Estados-membros. O que é que tem a dizer em relação a isso?

Não penso que tenha havido qualquer tipo de solidariedade neste processo. Foi um ato de solidariedade para com os bancos, que compraram de forma descuidada dívida de países que não eram solventes. Salvámos bancos com o dinheiro dos contribuintes. Claro que devemos ser solidários na União Europeia, mas isso devia ser feito de forma igual, porque há Estados-membros muito mais pobres que a Grécia. E esses países não receberam nenhuns pagamentos, embora também precisem de investimento nas suas economias e infraestruturas, como escolas e hospitais. Deixámos esses países na Europa de Leste sozinhos e dêmos o dinheiro à Grécia, não por ser um país pobre, mas porque foi completamente irresponsável com a sua dívida pública. Este não é um critério razoável.

"Eu acho que devíamos ter respeitado a regra de não resgatar países endividados tal como estava inscrito no Tratado de Maastricht. Isso teria levado a que a Grécia abandonasse o euro, o que do meu ponto de vista seria um acontecimento menor dentro da zona euro"

Foi com estas ideias que se candidatou às eleições e com o resultado da AfD acabou por obrigar Merkel a entrar numa coligação com o SPD, já que fez com que o FDP, ex-parceiro de coligação, ficasse de fora do Bundestag…

Deixe-me corrigi-la. Não fomos nós que tirámos o FDP do Bundestag. Aceito que demos o último empurrão, mas o partido perdeu 10% dos votos nas eleições legislativas e perdeu 9% para a CDU e apenas 1% para nós. Se alguém matou o FDP, foi a CDU. O que também contribuiu foi a estupidez do FDP que levou a cabo más políticas enquanto esteve no governo. O problema foi deles, eles suicidaram-se politicamente e as pessoas dispersaram o seu voto.

Mas a AfD veio de alguma forma preencher esse espaço. Onde é que o seu partido se posiciona?

Os jornalistas gostam de ter sempre um rótulo para os partidos.

“Esses rótulos de esquerda e direita não se aplicam à AfD. Nós temos apoio de pessoas vindas de todos os espectros políticos”.

Facilita a organização política…

Esses rótulos de esquerda e direita não se aplicam à AfD. Nós temos apoio de pessoas vindas de todos os espectros políticos. A nossa agenda política é uma mistura de várias tendências. Desde logo somos liberais em termos de mercado e economia – mas é um liberalismo económico à alemã, que associa responsabilidades sociais à economia de mercado -, provavelmente somos um partido mais conservador em termos de família e valores…

Mais conservadores que a CDU?

Sim, mais conservadores que a CDU. Somos provavelmente mais responsáveis socialmente que o SPD no que diz respeito a resgatar bancos com o dinheiro dos contribuintes. Nós temos algumas ideias parecidas com a esquerda no que diz respeito à reestruturação e ao perdão da dívida. Nós dizemos que não se deve insistir no pagamento das dívidas, se o país não consegue pagar. Vamos perdoar essa dívida, dizer que desta vez foi assim porque fazia parte da zona euro…

Então para ter esse perdão, os países teriam de sair do euro?

Sim, porque o governo faria default na sua dívida e isso significaria que o sistema bancário desses países não se poderia refinanciar em euros.

Depois das eleições legislativas, começou o processo para se candidatar às europeias e de uma certa forma, o seu pensamento está muito ligado ao funcionamento das instituições em Bruxelas. Como é que foi essa campanha?

Muito mais organizada do que a nossa primeira campanha. Já tínhamos mais financiamento e as coisas correram melhor. Tivemos 7,1% dos votos, o que equivale a 7 eurodeputados.

Campanha dos dois partidos nas europeias

Getty Images

A AfD entrou num Parlamento Europeu com uma organização política diferente. Há muitos eurocéticos, partidos de extrema-direita e partidos de extrema-esquerda. Teme que o seu partido possa ser confundido com estas forças extremistas?

Eu espero que não, embora os nossos inimigos políticos tentem dar essa ideia. Nós fazemos parte da família política dos conservadores, que é um grupo bem estabelecido, com partidos que lideram governos em países europeus como os conservadores britânicos.

A AfD é um partido eurocético?

Sim, nós somos eurocéticos. Pensamos que a Europa está a ir no caminho errado. Mas somos a favor de muitas coisas conseguidas pela UE como o mercado comum – que é um feito extraordinário e queremos preservá-lo. O que achamos é que o euro está a pôr em perigo esse feito porque muitos países que não podem vender os seus produtos no mercado europeu devido aos seus défices podem ter a ideia de aumentar as suas tarifas de importação e assim proteger os seus mercados. Isso destruiria toda a ideia por detrás do mercado único. Não concordamos também com a ideia de centralizar cada vez mais competências em Bruxelas e chegarmos a uma altura em que temos um super-Estado europeu.

Então como é que vê o futuro do euro?

Acho que a crise não está resolvida, quase tudo ainda está por fazer mas isso foi encoberto por uma camada espessa de dinheiro de modo a que não se veja tanto como antes quais são os problemas. Temo que eles voltem à superfície assim que aconteça outra crise exógena, como um crash na bolsa ou até uma guerra. Ou até mesmo se mergulharmos todos numa recessão que volte a gerar muito desemprego e aí as pessoas vão pensar que é altura de sair porque já passaram por isso uma vez. Vamos enfrentar os mesmos problemas que em 2010 e 2011, mas numa escala maior.

"Sim, nós somos eurocéticos. Pensamos que a Europa está a ir no caminho errado. Mas somos a favor de muitas coisas conseguidas pela UE como o mercado comum - que é um feito extraordinário e queremos preservá-lo. O que achamos é que o euro está a pôr em perigo esse feito"

A AfD continua a fazer progressos políticos na Alemanha. Em agosto entrou no Parlamento do estado da Saxónia e em setembro teve 12,2% nas eleições locais de Brandemburgo e 10,6% em Turíngia. Entrar no Bundesrat (câmara alta do parlamento alemão onde têm assento os governos locais) é um objetivo para o partido?

Não, não é a nossa ambição. O nosso objetivo é entrar no Bundestag em 2017 ou talvez antes se tivermos eleições antecipadas, nunca se sabe.

Mas haverá muitas eleições locais até lá. Como é o partido se está a implementar no território alemão?

Nós temos muito apoio no sul e no leste da Alemanha. Também temos um apoio forte na Baviera e Baden-Württemberg, alguns dos maiores estados. Temos menos apoio no norte e as próximas eleições serão lá em fevereiro e maio.

Enquanto eurodeputado no que é que vai centrar a sua ação?

Eu pessoalmente vou trabalhar na comissão dos Assuntos Económicos (ECON) e lidar com a regulamentação económica a partir de dois ângulos. Por um lado há problemas nestas orientações políticas porque temos o princípio da subsidiariedade na Europa e não há razão para que a União interfira nas políticas económicas dos seus Estados-membros e ao mesmo tempo temos o euro, que tem externalidades negativas noutras países, caso um dos membros da zona euro falhe em termos de estabilidade e sustentabilidade. E sabemos que as recomendações para manter essa estabilidade não são respeitadas pelos Estados-membros, menos de 10% das recomendações emitidas no ano passado foram cumpridas pelos Estados-membros.

Qual é a sua opinião sobre a Comissão Juncker? Quais as suas expetativas?

A minha principal preocupação é Pierre Moscovici, comissário indigitado francês para a pasta dos Assuntos Económicos. Ele desrespeitou as obrigações a que França se tinha comprometido no Tratado Orçamental enquanto ministro das Finanças e pergunto-me como é que alguém pode ser comissário e agora pedir a outros países que respeitem esse Tratado, quando ele próprio não o fez. A posição dele vai ser muito fraca e não acho que ele vá liderar em termos de estabilidade, porque não é a sua convicção que essa seja a política correta. Ele quer dar a volta à sustentabilidade da dívida pública e aumentar a procura. Ele acredita que isto miraculosamente vai resolver a crise da zona euro.

Qual é a sua posição em relação ao Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) que vai implementar o mercado livre entre EUA e UE? Acho que o acordo vai ser concluído em 2015?

Eu acho que há muita resistência ao TTIP em todos os países da UE. As pessoas desconfiam do TTIP, não por serem contra o comércio livre, mas porque vêm que há outros assuntos envolvidos neste acordo e o mais problemático é a cláusula sobre os direitos dos investidores. Eu sou contra essa cláusula.

A cláusula que pode permitir às empresas processar os Estados-membros?

Sim, que pode permitir isso, mas também faz com que as empresas não fiquem obrigadas a cumprir o sistema legal do país onde estão a investir e assim estamos a aplicar leis diferentes a empresas que operam no mesmo país. Isto pode limitar os legisladores de cada Estado-membro e eu acho que isso não deve ser feito. E não sou só eu. Por isso acho que a sua conclusão vai ser muito difícil, há muita desconfiança e a apresentação do acordo tem sido um desastre, quase ninguém tem falado das suas vantagens. E ainda por cima estão a negociar os termos do acordo em segredo e tudo isto vai levar a mais resistência.

"A minha principal preocupação é Pierre Moscovici, comissário indigitado francês para a pasta dos Assuntos Económicos"

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