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Sean Gallup/Getty Images

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O homem que soube da descoberta do bosão de Higgs antes de toda a gente: "Fui um privilegiado"

O diretor geral do CERN, Rolf Heuer, terminou o mandato. Ao Observador falou das maiores conquistas nos últimos 7 anos e do privilégio que foi ser o primeiro a saber da descoberta do bosão de Higgs.

No mundo da Física de Partículas é tudo muito pequeno, mais pequeno do que um átomo ou o seu núcleo, o que pode justificar a dificuldade em se entenderem os conceitos desta disciplina. “Para nós, por vezes, também é difícil compreender”, diz ao Observador um sorridente Rolf-Dieter Heuer, diretor geral do CERN (Laboratório Europeu de Física de Partículas). “A imaginação perde-se, habitualmente, nestas dimensões e nestes momentos, porque não é possível compará-la com a vida quotidiana.”

Rolf-Dieter Heuer é físico e, entre 1984 e 1998, trabalhou CERN ligado ao colisor de eletrões-positrões (LEP, na sigla em inglês para Large Electron Positron collider). Mesmo depois de deixar a organização internacional continuou a trabalhar nas colisões (e colisores) de eletrões-positrões – a partícula negativa e a respetiva antipartícula. Voltou ao CERN em 2009 como diretor geral. Esta sexta-feira entregou oficialmente a pasta a Fabiola Gianotti – a primeira mulher a ocupar este lugar -, que inicia funções no início de janeiro.

O que se pode fazer para que as pessoas entendam que a física de partículas é tão importante? Ou como se pode cativar as pessoas pela física de partículas?

Podemos cativar as pessoas pela física, falando com elas, perguntando-lhes quais são as questões fundamentais sobre a sua existência ou as suas vidas. Também: qual é o aspeto do universo, o que é que o compõe, como é que ele evoluiu, em que momentos podemos imaginar que tudo começou, como é que ele se desenvolveu a partir daí e como é que nós podemos existir? O que é que está à nossa volta?

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Depois podemos perguntar-lhes o que é que existiria sem a física. E pode ser que elas se surpreendam bastante com as respostas, porque sem os fundamentos da física não seria possível gravar esta entrevista ou usar um telemóvel ou ter um sistema de GPS… nada. Tudo o que faz parte das nossas vidas baseia-se na física.

Mas é possível captar a atenção e o fascínio, especialmente dos jovens, colocando as grandes questões. E é isto que falta nos nossos planos curriculares e nas nossas escolas. Temos de começar pelas grandes questões.

Ler expressões como “sigma”, “nível de confiança” e, claro, “descoberta de 5-sigma”, nos jornais normais [generalistas] é uma grande conquista.

Que conselhos daria aos estudantes que já se interessam pela física para poderem prosseguir as suas carreiras enquanto físicos ou engenheiros?

Sigam três coisas: sigam o vosso cérebro, o vosso instinto – aquilo que vos motiva – e os conselhos. Ou melhor, pensem nos conselhos dos vossos bons amigos, das pessoas por quem têm uma grande consideração, porque estas pessoas podem ter uma visão mais abrangente do que a vossa. Aconselhem-se, mas tomem a vossa própria decisão. A decisão nunca deve ser do amigo, deve ser vossa. E a decisão deve basear-se na recolha de conselhos dos vossos amigos, dos vossos cérebros e em escutar, um pouco, o vosso instinto. Foi assim que eu fiz.

Pensa que o CERN tem um papel a desempenhar nesta motivação, neste envolvimento do público, para além de toda a ciência que é desenvolvida aqui?

Sim, porque o CERN é mais do que ciência. Claro que a ciência é o principal, é a razão pela qual nós estamos aqui. Mas, até certa medida, o CERN é um exemplo, não só para a ciência ou para a tecnologia, mas para a comunicação entre culturas e nações. É um exemplo para o que se pode fazer quando existe uma linguagem comum, que é a ciência. Quando se tem um objetivo comum – a aquisição de conhecimento -, e quando se desenvolvem estratégias comuns – as tecnologias -, deixa de ter importância de que país viemos, já não importa se temos uma determinada cultura ou religião – ou se não temos religião – e não importa o passado que temos. O mais importante é que estamos a seguir um objetivo comum e, de repente, de forma surpreendente, vemos que funciona. Funciona mesmo.

Um dos seus principais objetivos, quando assumiu o cargo de diretor-geral do CERN, foi o de melhorar a comunicação do CERN. Conseguiu atingir esse objetivo?

Sim, penso ter atingido esse objetivo. Ou melhor, nós atingimos esse objetivo. Nos últimos anos o CERN tem aparecido muitas vezes nos órgãos de comunicação social, em órgãos muito diversificados, desde revistas científicas até ao cinema, como no filme “Anjos e Demónios”. Penso que, de forma geral, foi uma atitude muito positiva que mostrou a toda a gente o que a ciência consegue fazer e, mais importante, como é que a ciência funciona.

Fiquei extremamente surpreendido, pela positiva, quando vi há uns anos, antes da descoberta do bosão de Higgs, nos jornais diários britânicos “normais”, expressões como “sigma”, “nível de confiança” e, claro, “descoberta de 5-sigma”. Ler isto num jornal normal, não será uma conquista? Acho que é uma grande conquista quando este tipo de expressões entram nas vidas dos leitores, porque isto é linguagem científica.

(A partir da esquerda) Francois Englert e Peter Higgs - que previram a existância do Bosão a que deram o nome -, e Rolf Heuer, em 2013 - MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

MIGUEL RIOPA/AFP/Getty Images

Um dos grandes momentos mediáticos para o CERN foi o bosão de Higgs. Como é que lidou com isso, estando na sua posição?

Uma descoberta dessas não se dá de um dia para o outro. No início, começaram a aparecer, lentamente, muitos sinais diferentes, porque se tratava apenas de estatística. Depois, com mais dados, as variações pararam, mas houve uma que ficou e que aumentou. E aumentou nas duas experiências. Mesmo antes da conferência, queríamos anunciar alguma coisa, mas não sabíamos se podíamos anunciar uma descoberta – porque isso implicaria os 5-sigma – ou se só podíamos anunciar um forte indício da existência de alguma coisa.

Eu sabia quais tinham sido os resultados de ambas as experiências, mas as equipas não sabiam quão longe a outra tinha chegado. Eu era o único que sabia que, se pegássemos nas duas, estaríamos bem acima do limite dos 5-sigma. Se ler o nosso comunicado de imprensa daquela altura, há apenas uma pessoa que usa a palavra “descoberta”. Sou eu. Porque os outros, antes da reunião, ainda não tinham chegado aos 5-sigma e, consequentemente, nenhuma das experiências podia dizer “descoberta”. Fui um pouco privilegiado.

Quais foram os seus maiores desafios, enquanto diretor-geral, aqui no CERN?

Foram vários. O primeiro foi quando eu e a minha equipa assumimos os nossos cargos e a máquina estava avariada. Tivemos de enfrentar esse problema e reconquistar a confiança na máquina, dentro do local de trabalho e por parte das agências de financiamento e dos Estados-membros. Depois tivemos de lidar com a crise económica, que estava a atingir alguns países em particular, como Portugal. Mas as equipas nunca perderam a confiança no CERN e nenhum país perdeu a confiança no CERN. Penso que estes foram dois grandes desafios. E outro desafio foi, naturalmente, controlar as emoções antes da descoberta [do bosão de Higgs] acontecer. Mas isso foi um desafio agradável.

Olhando em retrospetiva para os anos que passou aqui no CERN, sente que há alguma coisa importante que queria ter feito, mas não teve oportunidade de fazer?

Penso que a maior parte das coisas que queria fazer consegui cumprir, ou pelo menos impulsioná-las. Cinco anos não teriam sido suficientes, mas sete foi perfeito, nesse sentido. Uma coisa que será iniciada, embora não necessariamente de forma completa, é o programa de antigos estudantes. Todas as universidades têm programas de antigos estudantes e o CERN não tem. Para mim, um programa deste género é importante, porque queremos saber onde se encontram os nossos embaixadores. Se souber que posições as pessoas que trabalharam no CERN ocupam atualmente, poderei usá-las — se elas quiserem – como embaixadores. Mas para isso preciso de saber onde é que elas se encontram. Ao fim de 60 anos de existência não é assim tão fácil criar um programa de antigos estudantes, mas iremos conseguir.

Ao fim de 60 anos de existência não é assim tão fácil criar um programa de antigos estudantes, mas iremos conseguir.

Que mudanças conseguiu implementar no CERN, quando chegou, que continuam em vigor e que gostaria que se mantivessem?

Bom, eu mudei a forma de comunicação, o que é muito importante, porque somos financiados pelo público, pelos contribuintes. Por isso temos de dizer às pessoas o que estamos a fazer e porque é que o estamos a fazer, temos de fasciná-las.

Outra coisa que eu queria fazer, e que penso ter feito, era mostrar ao mundo que o coração do CERN é europeu, mas é um laboratório global. Ou seja, penso que o facto de o CERN se estender para além das suas fronteiras europeias é muito importante, porque fazemos, hoje em dia, uma ciência global e uma investigação global na física de partículas.

Há 60 anos, era uma forma visionária de ir além das fronteiras nacionais para criar um laboratório, onde Portugal, a Alemanha e qualquer outro país são parceiros. Mas, atualmente, todo o mundo vem ao CERN para fazer investigação. Por isso, a meu ver, pelo menos alguns países fora da Europa podiam ser considerados, institucionalmente, membros do CERN e foi isso que tentámos fazer, conseguindo que, no último ano, o primeiro país fora da definição “normal” da Europa se tornasse um membro titular. Espero ter em breve a ratificação do Paquistão para se tornar membro associado. Mais uma vez, penso que é muito bom termos a participação de países, digamos, “diferentes” a mostrar o seu trabalho em conjunto.

O que tenciona fazer, quando abandonar o cargo, no fim do ano?

Bom, já aceitei alguns trabalhos. Penso que até foram demais. Mas são trabalhos que não são, essencialmente, executivos. Porque ocupar a cadeira executiva implica muito stress. Por isso, estarei em vários órgãos de supervisão, fui eleito para presidir à Sociedade de Física da Alemanha durante dois anos, começando a 16 de abril, por exemplo. Se aceitar tudo, receio que ficarei com os dias bastante ocupados. Mas são trabalhos que me permitirão aprender coisas novas, onde poderei usar algumas das minhas novas capacidades diplomáticas, que fui adquirindo ao longo dos últimos sete anos no trabalho que fui desenvolvendo com os Estados-membros, e onde poderei, também, ajudar a promover a relação entre os Estados Unidos e a Europa, no que diz respeito à ciência.

Quais são as suas maiores expectativas para a segunda fase do LHC (Large Hadron Collider, o acelerador de partículas)?

Bom, eu tenho um sonho, por assim dizer. Existe tanta matéria e energia desconhecidas no universo, a chamada matéria e energia negras. Tenho esperança que o LHC consiga abrir a primeira janela, incidir as primeiras luzes sobre este universo negro. Isso seria uma descoberta de fazer tremer a terra, ou pelo menos de me fazer tremer a mim. Seria fantástico.

Fabiola Gianotti, porta-voz da experiência ATLAS, ao lado de Rolf Heuer, em 2011, enquanto discutem resultados que aproximavam da descoberta do Bosão de Higgs - FABRICE COFFRINI/AFP/Getty Images

FABRICE COFFRINI/AFP/Getty Images

Agora que vai passar a pasta a Fabiola Gianotti, que conselho lhe daria relativamente ao desempenho das novas funções?

Disse-lhe que era uma tarefa difícil e para se manter forte. Mas ela terá de seguir o seu próprio caminho. Eu fi-lo de uma forma, segui um pouco os meus instintos e ela tem de seguir os seus. Não se pode apenas usar a lógica ou o cérebro, é preciso também ver como é que as pessoas se comportam e reagir a isso. É preciso envolvermo-nos pessoalmente. Isso é importante. É preciso ser credível e autêntico. Mas ela irá encontrar o seu caminho e percorrê-lo. Não precisa de muitos conselhos meus.

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