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Envelhecer em beleza. Como as nossas marcas históricas se estão a reinventar

Estiveram quase a morrer mas souberam ganhar uma nova vida. Têm em comum serem marcas portuguesas, fazerem produtos de beleza há décadas e estarem cheias de novidades. Velhas? Nem por isso.

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Em tempos foi-lhes passada uma certidão de óbito – ou a chamada falência, essa palavra que assusta qualquer empresário. Algumas sobreviveram, outras foram parar ao já batizado cemitério das marcas, cheio de nomes que, um dia, ditaram tendências e acabaram por desaparecer. Lembra-se da moda infantil Petit Patapon? Da Fabio Lucci que tinha 26 lojas em Portugal? Da Papo D’Anjo que chegou a vestir uma protagonista da série Mad Men nos Emmy de 2010? Da saborosa Laranjina C? Todas estas marcas, algumas portuguesas, tiveram o seu período de ouro mas acabaram por não conseguir sobreviver. Foram descontinuadas, declararam falência ou tornaram-se obsoletas porque não se souberam reinventar com a passagem do tempo.

Por outro lado, da Vista Alegre à Bordallo Pinheiro, passando pelo caso mais recente das canetas Molin, que acabam de anunciar um possível regresso, não faltam exemplos de marcas que, de certidão de óbito na mão, conseguiram faltar ao enterro e atravessar gerações. Marcas como a dos lápis Viarco, dos rebuçados Dr. Bayard, das joias Leitão & Irmão, dos chocolates Regina ou, no caso da indústria da beleza, nomes centenários que estão agora a ganhar um novo fôlego, com arquivos recheados mas sem rugas. Falamos da Claus Porto, da Confiança, da Benâmor e da Couto. Talvez contra todas as probabilidades, os cremes e sabonetes das nossas avós continuam a vingar, a adaptar-se às mudanças do mundo e a provar que ainda têm cartas a dar com novos produtos, novas lojas, novos ingredientes e novas histórias para contar.

Claus Porto. 130 anos de história e sempre a inovar

A Claus Porto é capaz de ser um dos melhores exemplos do velho lema “o que é nacional é bom”, neste caso com louvores lá de fora — o que inclui Oprah Winfrey — e um posicionamento internacional que poucas marcas portuguesas conseguiram alcançar. No ano passado, e depois do grupo a que pertence (Ach Brito) ter sido adquirido por um grupo de investidores portugueses, a marca decidiu dar uma nova dimensão aos seus produtos, torná-los cada vez mais associados ao luxo, e reuniu um grupo de criativos europeus com o objetivo de fazer um reposicionamento. Ao mesmo tempo, e para não perder identidade, quis também cimentar a sua presença em Portugal. Abriu a primeira loja em Lisboa, e, já este ano, a flagship store no Porto, trazendo a marca de volta à cidade onde tudo arrancou, há 130 redondos anos. E é exatamente aqui que começa a festa.

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“Queremos adaptar-nos e reinventar-nos, mas há um limite do que se pode mudar sem se perder a herança. Podíamos ter máquinas a fazer os produtos mas nunca sequer pensámos nisso. Continuamos a ter as nossas senhoras a embalar os sabonetes manualmente porque esse lado pessoal faz parte da verdade da marca." 
Maria João Mendes, diretora de comunicação da Claus Porto

Pegando no mote do aniversário, a marca atirou-se a mares nunca antes navegados e lançou algumas novidades: velas aromáticas para a casa, cremes de mãos e hidratantes de corpo, um sabonete líquido e uma saboneteira e, já fora do seu nicho, uma coleção de cadernos com os padrões da marca. Estranho? Talvez não.

“Os sabonetes que nos tornaram famosos continuam a ser o nosso coração e o produto que mais nos caracteriza mas queríamos estar mais presentes na vida dos consumidores, daí esta incursão para o lifestyle mas sempre através de produtos que não fujam da nossa filosofia”, explica ao Observador Maria João Mendes, diretora de comunicação da Claus Porto. “Queremos continuar na casa de banho mas também noutras divisões da casa e na própria vida dos consumidores, respeitando profundamente a identidade, o ADN e o património que nos tornaram especiais.”

A saboneteira, por exemplo, nasceu para responder à pergunta recorrente “se têm sabonetes, porque não têm uma saboneteira?” e é feita em Portugal. Já os padrões que servem de embrulho dos famosos sabonetes e que sempre foram elogiados, saíram dos cofres para as capas de pequenos cadernos que permitem andar com a marca dentro da mala.

Apesar de todas as mudanças, os sabonetes da Claus Porto continuam a ser embalados à mão. © Divulgação

Divulgação

“Queremos mudar, queremos adaptar-nos e reinventar-nos, mas há um limite do que se pode mudar sem se perder a herança”, ressalva Maria João Mendes, dando como exemplo a componente artesanal e até manual da marca. “Podíamos ter máquinas a fazer os produtos mas nunca sequer pensámos nisso. Continuamos a ter as nossas senhoras a embalar os produtos manualmente porque esse lado pessoal faz parte da verdade da marca. Eventualmente o consumidor nem daria por isso mas nós acreditamos que iríamos perder aquilo que nos torna diferentes e genuínos.” E o luxo também passa por pedir aos consumidores para esperarem. “Gostamos da ideia de ser uma marca de lifestyle mas queremos continuar a demorar o nosso tempo a fazer as coisas. Temos uma vela que esteve esgotada durante meses mas os ingredientes que se usam para a fazer são escassos e temos de deixar a natureza levar o seu tempo. Poderíamos usar ingredientes parecidos mas já não seria a mesma coisa.”

Sem ter de esperar muito, tome nota do que ainda está para chegar: os tais cadernos com os padrões da marca, um livro sobre a história da Claus Porto (em meados de setembro) e a derradeira novidade: um perfume de edição limitada que a perfumista Lyn Harris está a desenvolver para a marca depois de ter feito uma roadtrip pelo país com o objetivo de perceber a que cheira Portugal. Previsto para o final do ano, o perfume vai ter apenas 1887 unidades numeradas — o ano da criação da Claus Porto.

Três anos de namoro e uma nova vida para a Benamôr

Nascida em Lisboa há 92 anos, a Benamôr começou o seu processo de reinvenção em 2015, fruto de uma estratégia dos novos donos que viram no velhinho creme de rosto uma porta aberta para uma nova vida na cosmética. Juntamente com outros dois sócios, Pierre Stark andou três anos a namorar a Nally, em tempos a maior fábrica produtora de cosmética em Portugal, para conseguir que esta lhe vendesse a Benamôr, e há dois anos teve início a estratégia de reinvenção da marca. A Benamôr entrou na zona de perfumaria do El Corte Inglés, passou a ser vendida em farmácias selecionadas e em lojas como a Perfumes & Companhia e aumentou a gama de produtos. Ao lado do creme de rosto que Pierre Stark chama “o Nívea português” passou a haver mais referências: quatro cremes de mãos em dois tamanhos, quatro sabonetes e um creme gordo de corpo.

Benamôr: 91 anos sem rugas. Um milagre português

“Depois do relançamento, a segunda etapa é a reconquista de um território onde a marca sempre teve um grande empenho e legitimidade: o corpo. A longa história da Benamôr sempre se desenvolveu à volta de categorias versáteis de produtos de beleza. Imensos cremes, claro, mas também perfumes e maquilhagem. Sempre através de texturas sensoriais e perfumes originais. As nossas receitas de corpo que estão a nascer nesta nova fase respondem todas a esta exigência de grande qualidade, às vezes inspirados no nosso património único mas com novos ingredientes e texturas que achamos que vão surpreender”, diz Pierre Stark.

À semelhança do que defende a Claus Porto, o CEO sublinha que o renascimento de uma marca histórica passa pelo conhecimento e o respeito profundo das suas raízes, do seu património e dos seus valores. “Esta exigência é apenas um ponto de partida. De facto, o nosso trabalho é sempre criar uma dimensão contemporânea, um air du temps para surpreender e atrair os consumidores de hoje, exigentes e informados.”

"O nosso trabalho é criar uma dimensão contemporânea, um air du temps para surpreender e atrair os consumidores de hoje, exigentes e informados."
Pierre Stark, CEO da Benamôr

É preciso respeitar a tradição e os ingredientes que tornaram todas as marcas tradicionais especiais mas também é preciso saber pegar nas novas tecnologias e adaptá-las. Uma das estratégias da Benamôr foi exatamente retirar os parabenos e substituir, por exemplo, a parafina mineral por vegetal – ao mesmo tempo que se continuam a usar ingredientes tradicionais como o alantoíne, juntamente com outros mais modernos como o aloé vera, o óleo de argão e a manteiga de karité. “Para a maioria dos produtos, ainda continuamos a usar as máquinas originais. As novas bisnagas de corpo, por exemplo, são produzidas com a mesma máquina de enchimento das bisnagas antigas, uma máquina dos anos 50 em excelente estado de funcionamento. No entanto, os consumidores são cada vez mais exigentes e também temos de ter em conta esta realidade. Assim, para o enchimento de algumas das novas texturas, como a Manteiga Suprema Corporal em boião de alumínio, investimos em máquinas novas mas sempre com um processo artesanal. Tudo feito à mão”, acrescenta Pierre Stark.

Nesta sua nova vida, a Benamôr já chegou a Espanha, Alemanha, Holanda, Canadá e vai entrar, este mês, no mercado francês, pela porta grande do Printemps Haussmann, em Paris. “Até ao final do ano, devemos estar presentes em mais de 200 lojas no mundo”, adianta Stark.

Um dos quatro novos cremes de corpo, em bisnagas XL mas semelhantes às do velhinho creme de rosto. © Divulgação

Para além dos quatro cremes de corpo lançados recentemente nas bisnagas icónicas (Jacarandá, Rose Amélie, Alantoíne e Gordíssimo), nos próximos tempos chegarão outras novidades no segmento de corpo, rosto e banho: a Manteiga Suprema Corporal de que Pierre Stark falou, um gel de banho, um bálsamo de lábios e um óleo.

Da pasta de dentes Couto para um leque de cosméticos

Sempre que falamos no passado da cosmética em Portugal, poucas são as pessoas que não se lembram da pasta medicinal Couto e do anúncio dos dentes tão fortes que permitiam segurar uma cadeira. Criada em 1932, numa altura em que lavar os dentes ainda era algo inovador, a marca tem-se conseguido manter presente na casa dos portugueses sem grandes alterações e com uma dimensão que se pode considerar humilde, mas isso está prestes a mudar.

Começando pela embalagem, os responsáveis pela marca pegaram no visual da pasta Couto – a caixa laranja com um losango no meio — e adicionaram-lhe um azulejo tradicional português com as cores dos produtos que já existiam no arquivo: o branco da vaselina, o azul do creme desodorizante que foi lançado no início do ano e o amarelo da pasta). Todos os novos produtos Couto vão ter este azulejo no seu interior, adianta Cláudia França, diretora técnica da Couto.

Para juntar à pasta de dentes, a Couto lançou recentemente um desodorizante para pés, mãos e axilas numa bisnaga semelhante à original. © Divulgação

E que produtos são esses? Para já um sabonete e um creme de mãos, até ao final do ano um creme hidratante de corpo e um creme de barbear para homem. E porque a estrela da casa – a pasta de dentes – não podia ser esquecida, a Couto vai pegar na sua fórmula e juntar-lhe flúor. “Muitos clientes diziam que não utilizavam a nossa pasta porque não era aconselhada pelos dentistas, exatamente por não ter flúor. Vamos então lançar uma bisnaga tamanho familiar para ser utilizada por toda a família com uma percentagem de flúor que dê para todas as gerações”, diz Cláudia França.

Mais uma vez, também a Couto teve sempre presente que a única forma de inovar seria mantendo a filosofia original para não defraudar os consumidores que continuam a procurar a tradição. “É preciso manter o aroma que nos faz lembrar produtos antigos, um aroma com óleo de amêndoas doces a que estamos habituados a conhecer desde crianças. O nosso sabonete tem exatamente este óleo e o creme de mãos tem uma fórmula sem vaselina nem parafina, tem óleo de coco e, na sua composição, escolhemos vitamina E. A maioria dos ingredientes já eram utilizados no nosso fabrico mas queríamos também uma fórmula que absorvesse rapidamente e com um aroma que fizesse lembrar o passado”, salienta a diretora técnica.

“Muitos clientes diziam que não utilizavam a nossa pasta porque não era aconselhada pelos dentistas, por não ter flúor. Vamos então lançar uma bisnaga tamanho familiar para ser utilizada por toda a família com uma percentagem de flúor que dê para todas as gerações.”
Cláudia Vilaça, diretora técnica da Couto

Mas as novidades não se ficam por aqui. A Couto está a querer entrar em grande no mercado e a assumir a sua posição como uma marca tradicional de força. Nos próximos projetos da marca está a ampliação do nome e, para o ano, vão chegar champôs, gel de banho e muitos outros produtos que, até então, nunca foram explorados pela marca. “Queremos, devagarinho, ampliar a Couto. Comprámos uma máquina nova para a parte da produção e estamos à espera de outra para as bisnagas. Neste momento, já temos capacidade a nível de produção para dar resposta aos novos produtos e é mesmo isso que queremos – pôr as máquinas a funcionar e, para isso, temos de criar coisas novas.”

Desde 1894 com muita Confiança

Nascida em 1894, a Confiança não é mais velha do que a Sé de Braga mas é, sem dúvida, das mais antigas marcas portuguesas ainda a vingar nos dias de hoje e que nasceu precisamente… em Braga. Os seus sabonetes viram a monarquia passar a república, assistiram às duas guerras mundiais e ao fim do Estado Novo, sempre a quererem-se posicionar como “o melhor que se produz em Portugal”. Nas décadas de 50 e 60, a Confiança produzia aproximadamente três milhões de sabonetes por mês e, nos anos 80, tentou adaptar-se ao mundo com novas soluções líquidas que, então, estavam a virar moda: o gel de banho e os champôs perfumados. Atravessou períodos de sucesso e de declínio, como conta o livro Uma História de Confiança, lançado este ano, mas a moral da história acaba por mostrar um caso raro de sucesso que se explica pela constante reinvenção e adaptação ao mundo.

A Confiança já tem uma biografia. E os seus sabonetes dão aulas de História e de Design

Adquirida em 2009 pelo mesmo grupo de investidores portugueses que comprou a Claus Porto, a Ach Brito, a Confiança tem atravessado também um processo de reposicionamento que procura manter a tradição, as origens e o respeito pelos métodos tradicionais. Em duas palavras: a alma portuguesa.

“Mantivemos o processo produtivo segundo métodos tradicionais, o que, aliado a um rigoroso controlo de qualidade, a uma seleção criteriosa das matérias primas e ao desenvolvimento de fórmulas de excelência, garantem a qualidade que o mercado atual exige”, explica Mónica Vieito, diretora de comunicação e marketing da Confiança.

Na Confiança, mantiveram-se as linhas mais icónicas mas a formulação dos produtos foi melhorada. © Divulgação

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Esta reinvenção levou à criação de uma nova identidade visual que recupera para os dias de hoje a essência da marca. Mantiveram-se as linhas mais icónicas como a Chipre, a Veleiro, a Alfazema de Portugal ou O Melhor, mas as formulações foram melhoradas e toda a gama de produtos será apresentada em novas embalagens que reinterpretam com um toque mais contemporâneo os grafismos únicos da casa centenária.

Já a partir deste mês, vão começar as vendas dos primeiros produtos das linhas mais tradicionais, comercializados na distribuição moderna e no pequeno retalho em todo o país. E vão haver produtos para todos os gostos: desde o sabão Offenbach para a lavagem manual da roupa até produtos mais premium como velas ou loções corporais. E porque também a Confiança está de olhos postos na internacionalização, tal como a Claus Porto e a Benamôr, em setembro, vão ser apresentadas as primeiras linhas dirigidas a um segmento mais premium além fronteiras.

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