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HUGO AMARAL/OBSERVADOR

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

"Estou rendido" a Guterres, disse Boris Johnson. Os segredos do sucesso da campanha na ONU

"Fiquei impressionado", comentou o MNE britânico com a secretária de Estado Margarida Marques após ter conhecido Guterres. Os segredos de uma campanha em que o candidato quase sempre viajou sozinho.

Era início de setembro. Margarida Marques, secretária de Estado dos Assuntos Europeus, participava na reunião informal de ministros da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) em substituição de Augusto Santos Silva, o ministro dos Negócios Estrangeiros. Os governantes europeus visitavam a ponte Glienicke, que liga Berlim a Potsdam, quando a portuguesa foi abordada pelo loiríssimo ministro dos Negócios Estrangeiros Boris Johnson, no seu modo expansivo: “Estou rendido ao teu candidato. Fiquei impressionado”. Johnson referia-se ao encontro que tinha tido com o candidato a Secretário-Geral das Nações Unidas António Guterres, em Londres, que descrevia como tendo sido muito mais longo do que o previsto, elogiando a “visão do mundo” e a “cultura geral” do candidato português.

Não foi fácil chegar ao objetivo. Foi preciso desbravar muito terreno. Margarida Marques deu conta disso quando, em maio, se encontrou com um homólogo numa visita a um Estado membro da União Europeia, que não quis identificar. Eram três de um lado da mesa e três do outro (secretários de Estado dos dois países, os respetivos chefes de gabinete e os embaixadores). Reuniam-se para falar de Guterres e a governante portuguesa puxou do argumento que já trazia batido. He is not a woman but…“. Levantou a cabeça e viu os três interlocutores muito concentrados: “Parecia que estavam a escrever um ditado”. No final, o seu homólogo explicou: “Não imagina a importância dessa argumentação para nós”.

Essa era uma das maiores dificuldades da campanha. Nada sobre isso havia a fazer senão provar que o facto de Guterres ser um homem não era uma limitação. Os argumentos delineados pela equipa, e usados pela frente diplomática, foram sobretudo dos exemplos que o candidato português deu, ao longo da sua vida pública, de promoção da igualdade entre géneros. Como primeiro-ministro criou, em Portugal, o Ministério da Igualdade, argumentava-se.

A equipa que preparou e acompanhou a candidatura de Guterres estava sediada em Lisboa e reunia-se às terças-feiras ao final da manhã no edifício da secretaria de Estado dos Assuntos Europeus.

Por detrás do maior sucesso de sempre da diplomacia portuguesa estão as contas da campanha de António Guterres para ser Secretário-Geral das Nações Unidas: uma equipa de cerca de 10 pessoas; dezenas de reuniões no Palácio da Cova da Moura, nas Necessidades; quase 20 viagens em menos de 9 meses; um candidato a viajar sozinho para não gastar dinheiro; mais de 100 mil quilómetros percorridos — e isto se contarmos apenas a distância que separa Lisboa de cada uma das 15 capitais dos países membros do Conselho de Segurança. E um candidato já aclamado para o cargo, a quem apenas falta a votação da Assembleia-Geral. Uma caminhada sem hesitações. Longe vai o gaguejar perante as câmaras de televisão do candidato a primeiro-ministro, em 1995, que entupiu no momento de fazer a conta aos gastos que prometia para a saúde: 6% do PIB.

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As provas e perguntas que teve pela frente, nesta empreitada diplomática, eram agora mais complexas. Havia duas evidências que Guterres tinha de desmontar junto dos seus interlocutores: não era uma mulher, como muitos consideravam ser importante nesta fase das Nações Unidas; e não era um candidato do Leste da Europa, como a Rússia (um dos membros permanentes do Conselho de Segurança) preferia. O trabalho da equipa de apoio foi focado sobretudo na argumentação face a estas duas preferências, que iam sendo ventiladas do interior das Nações Unidas. Mas nem só disso se fez a campanha de António Guterres.

O antigo primeiro-ministro português “proibiu desde o primeiro dia que se fizesse uma campanha negativa”, explica um dos responsáveis pela candidatura de Guterres. O foco devia ser colocado nos 15 membros do Conselho de Segurança, com especial atenção para os cinco membros permanentes: China, Rússia, Estados Unidos, França e Reino Unido. Foi por isso que António Guterres viajou para cada uma das capitais, quase sempre sozinho, por decisão própria, e com um dossiê que ele mesmo gostava de preparar, depois de se aconselhar com a equipa que o apoiou nesta candidatura, a partir de Lisboa.

"Estou rendido ao teu candidato", disse Boris Johnson a Margarida Marques

Getty Images

A “pequena equipa”

Nas primeiras declarações que fez no dia da vitória, a 5 de outubro, o ministro dos Negócios Estrangeiros falou da existência de uma “pequena equipa” de diplomacia que tinha trabalhado nesta campanha. Augusto Santos Silva sabia a quem se referia. Desde que António Guterres avançou oficialmente com a candidatura a Secretário-Geral da ONU, o Governo mobilizou um grupo de pessoas que se encontravam semanalmente numa sala do Palácio Cova da Moura, em Lisboa.

É ali que está instalada a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, que nesta fase foi também a responsável pela equipa de apoio à candidatura de Guterres. Um grupo que integrava, como grande dinamizador, o embaixador José Freitas Ferraz. Além da vasta carreira diplomática (que passou por Maputo, Madrid, Tóquio, Washington, Lisboa), Ferraz é hoje diretor do Instituto Diplomático e um amigo de longa data de António Guterres, com quem trabalhou como assessor diplomático quando este foi primeiro-ministro.

José Freitas Ferreira quando era embaixador de Portugal em Moçambique

José Freitas Ferraz quando era embaixador de Portugal em Moçambique

A proximidade entre os dois fez com que Guterres não o dispensasse nesta caminhada, numa coordenação obrigatória com outro elemento essencial nesta operação: Álvaro Mendonça e Moura, embaixador da representação permanente de Portugal nas Nações Unidas. Se a cara em Lisboa era Freitas Ferraz, o rosto da candidatura do português em Nova Iorque era Mendonça e Moura.

Da task force também faziam parte Miguel Graça, da Direção de Serviços das Organizações Políticas Internacionais, e David Damião, o atual assessor de imprensa de António Costa, com anos de experiência em São Bento. Aliás, foi com António Guterres que lá entrou pela primeira vez, nas funções de assessor do primeiro-ministro. Tem mantido o cargo com todos os chefes do Executivo do PS nos últimos anos, ou seja, com Guterres, com Sócrates e agora com Costa.

Na última fase da campanha, ainda se juntou ao grupo o diretor-geral de Política Externa, o embaixador Francisco Duarte Lopes. A Presidência da República também esteve sempre representada nestes encontros por Isabel Pestana e o primeiro-ministro fez-se representar por Jorge Aranda, o seu adjunto diplomático. Claro que o Governo estava sempre representado diretamente por Margarida Marques ou mesmo pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. A pequena equipa a que Santos Silva se referia cingia-se, assim, a menos de dez pessoas.

Mendonça e Moura com Zapatero, quando era embaixador de Portugal em Madrid

Mendonça e Moura com Jose Luís Zapatero então presidente do Governo de Espanha, quando era embaixador de Portugal em Madrid

As reuniões eram normalmente ao final da manhã, todas as terças-feiras, e começaram nos dias seguintes ao seminário diplomático, um encontro que junta embaixadores de Portugal com o Governo e que este ano decorreu nos dias 5 e 6 de janeiro. Logo aí começaram os contactos, conta ao Observador Margarida Marques, tendo-se constituído a equipa para trabalhar na campanha portuguesa. Acabado de deixar as funções de Alto Comissários das Nações Unidas para os Refugiados, quando não estava fora do país António Guterres também participava nestas reuniões do Palácio da Cova da Moura.

A equipa direta era pequena, mas “todos os embaixadores tiveram um papel mais ou menos ativo, porque todos foram chamados a agir”, conta Margarida Marques. A secretária de Estado explica que uma das primeiras ações da equipa da Cova da Moura foi preparar os argumentos da candidatura e “pedir às embaixadas para contactarem os ministérios respetivos e fazerem passar a mensagem”.

Depois, cada membro da equipa, sobretudo os governantes, aproveitava as deslocações que ia fazendo no exercício das suas funções para estabelecer os contactos necessários. Em cada conferência, seminário ou cimeira identificava-se previamente os alvos a seduzir, depois seguia-se o trabalho de “picareta” — na verdade, uma especialidade de António Guterres, que Vasco Pulido Valente batizou de “picareta falante”. Era preciso abrir caminho. E era então que Margarida Marques e os outros operacionais entravam em ação com os argumentos que aos poucos iam convencendo as várias capitais.

O candidato

A 12 de abril, António Guterres esteve mais de duas horas a falar perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas — mais tempo do que qualquer dos outros candidatos a Secretário-Geral. Quando abandonou a sala, ainda a maior parte dos adversários ia ser ouvida. Mas no espírito de muitos dos presentes começava a instalar-se a ideia de que estava encontrado o sucessor de Ban Ki-moon. Faltava meio ano para a aclamação do antigo primeiro-ministro e Guterres já levava vantagem sobre a concorrência. Para o núcleo que acompanhava a candidatura, este foi um momento decisivo.

A perceção da equipa não andava longe da realidade. Fonte diplomática conta ao Observador que, nas conversas de corredor entre embaixadores e altos funcionários das Nações Unidas, em Nova Iorque, destacava-se já nessa altura a “preparação” de Guterres: a sua “capacidade intelectual”, “a capacidade de diálogo e respeito por diversas componentes da comunidade internacional” e até a sua “autoridade moral”. Um gesto do candidato português, que Guterres repetiu no discurso que fez já depois de ser aclamado pelo Conselho de Segurança, esta quinta-feira, foi nessa altura particularmente positivo para os membros da Assembleia-Geral: as intervenções que fluíam entre o inglês, o francês e o castelhano. Esse “multilinguismo” foi entendido como “um sinal de respeito e de proximidade em relação às várias culturas”, diz a mesma fonte diplomática na ONU.

Entre os vários elementos da equipa que trabalharam para a eleição de Guterres perpassa a ideia de que as características do ex-primeiro-ministro foram fundamentais para o resultado final. O comentário do britânico Boris Johnson, que não é conhecido por ser apaixonado por socialistas (e por velhos amigos de Tony Blair como Guterres) foi uma prova disso mesmo.

"Ali, três quartos do caminho estavam percorridos, porque António Guterres foi significativamente melhor que todos os outros candidatos", diz ao Observador a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques, que tinha a responsabilidade de coordenar a equipa.

António Guterres estava a marcar pontos nesse campeonato, e isso podia sentir-se à medida que ia passando pelas capitais que quis percorrer sozinho. As viagens eram pagas pelo Governo português, numa campanha de contenção financeira, devido à condição do país, como o próprio explicou na sua audição nas Nações Unidas.

O antigo primeiro-ministro também beneficiou do novo processo de escolha do Secretário-Geral da ONU, mais “transparente” e “aberto”, consideram as várias fontes que acompanharam de perto esta candidatura ouvidas pelo Observador. As audições perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas permitiram aos candidatos dar-se a conhecer a um universo mais alargado de decisores e fazedores de opinião no organismo. Se antes o Conselho de Segurança tinha em cima da mesa uma lista de nomes e respetivos currículos, agora havia rostos e pessoas concretas a quem todos os grupos regionais da ONU podiam fazer perguntas. Guterres jogava na sua praia.

"Por muito boa e brilhante que seja a máquina [diplomática], se o candidato é mau, é impossível vendê-lo", diz uma das pessoas que acompanhou a candidatura de perto.

Mas, enquanto o candidato português somava apoios junto dos embaixadores dos 193 países da organização, havia um trabalho, feito na sombra, longe dos holofotes, de aproximação aos interlocutores mais importantes para a sua eleição: os quinze membros do Conselho de Segurança da ONU. A unidade nacional em torno do candidato apresentado pelo Governo português e os contactos que altos responsáveis nacionais, como o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, foram desenvolvendo foram outra parte da equação vencedora, referem vários elementos da equipa da Cova da Moura.

Os elogios rasgados à “diplomacia” portuguesa com que os vários responsáveis políticos portugueses têm pautado a reação à vitória de Guterres são sobretudo vistos como o reconhecimento do trabalho de Mendonça e Moura em Nova Iorque. É o embaixador português nas Nações Unidas quem lida diariamente com os membros da Assembleia-Geral. É ele quem está nos mesmos jantares, é com ele que os embaixadores estrangeiros se cruzam em receções informais e esse contacto permanente, “face to face“, foi fundamental para o resultado obtido esta quinta-feira, segundo um dos elementos que acompanhou a candidatura de Guterres.

"Numa comunidade de 180 embaixadores e mais 30 ou 40 altos funcionários das Nações Unidas, as pessoas encontram-se regularmente, é um mundo fechado em que as opiniões se fecham muito rapidamente", sublinha fonte diplomática na ONU.

Depois de duas audições de Guterres com reconhecido sucesso perante a Assembleia-Geral, a representação permanente portuguesa tinha o trabalho facilitado. Mas foi preciso não baixar a guarda.

As votações

Os primeiros cinco meses de trabalho da equipa de António Guterres foram considerados os mais difíceis pela sua equipa. É certo que o antigo primeiro-ministro tinha conseguido uma boa rede de contactos internacionais na sua passagem por São Bento e, depois, pelas Nações Unidas, enquanto Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Mesmo assim, era preciso delinear com cuidado o plano de ação da campanha e fazer todo o trabalho diplomático de raiz — ligar a diplomatas, apresentar a candidatura e seduzir os possíveis apoiantes.

A audição de António Guterres perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas, em abril, tinha dado um primeiro sinal positivo à equipa. Mas só no final de julho veio o primeiro resultado palpável desse trabalho.

Na célula de apoio a Guterres ficou a convicção que a candidatura de Georgieva ajudou o candidato português. "Manobras de última hora não são aceitáveis e a UE devia aprender a lição", diz o embaixador António Monteiro.

A 29 desse mês, dia da primeira votação informal do Conselho de Segurança, a contagem tinha-se traduzido em 12 votos de “encorajamento” e nenhum voto contra o candidato português. O sérvio Juc Jeremic e a búlgara Irina Bokova eram, em teoria, as ameaças mais sérias aos objetivos de Guterres: tinha recebido nove votos positivos cada. Mas tinham, ao mesmo tempo, recebido, respetivamente, cinco e quatro votos negativos.

A segunda votação fez mudar rapidamente o panorama. Exceto para Guterres. O candidato português conquistou menos um voto favorável e viu surgirem dois votos contra a sua candidatura. Mas os nove votos iniciais de encorajamento a Jeremic também caíram para oito. Bokova estava perante uma situação ainda mais dramática: recebeu sete votos positivos e outros sete para abandonar a corrida.

A pressão sobre a candidata búlgara aumentava. E, em Sofia, o Governo repensava a sua estratégia.

Desde cedo, Kristalina Georgieva pairou como uma sombra na eleição para as Nações Unidas. A vice-presidente da Comissão Europeia foi apontada como um dos nomes possíveis a lançar na corrida e, quando a sua candidatura foi formalmente apresentada pelo Governo búlgaro, já no final de setembro, Georgieva era vista como a mais séria ameaça a António Guterres.

Em Lisboa, mas não só, as declarações do embaixador russo nas Nações Unidas também ajudaram a formar a ideia de que, para Moscovo, Guterres era um alvo a abater e que havia que abrir caminho a Georgieva. Um dia depois de a vice-presidente da Comissão Europeia surgir na corrida, Vitaly Churkin — responsável pela representação permanente da Rússia na ONU — reafirmava a posição: no cenário ideal, as Nações Unidas passariam a ser lideradas por uma mulher proveniente de um país da Europa do Leste. Mas, nesse momento, houve dois dados amplamente ignorados por muitos dos que acompanhavam o processo.

Metade da declaração do embaixador russo na ONU foi ignorada. Mas o veto do seu país a Guterres estava mesmo excluído: "Why should I? He's such a good man"

Em primeiro lugar, Churkin dizia nessa mesma intervenção que, apesar de preferir uma mulher de Leste, a Rússia não faria da batalha entre homens e mulheres o centro de todo o debate. Importante, mesmo, era que a escolha recaísse sobre o “melhor candidato”. Na equipa de Guterres, vários elementos leram o piscar de olho subtil.

Em segundo lugar, já tinha ficado esquecida — para aqueles que se tinham apercebido do episódio — a resposta do embaixador russo aos jornalistas, dois dias antes da segunda votação informal do Conselho de Segurança, a 5 de agosto. Questionado sobre um eventual veto da Rússia à candidatura de Guterres, Churkin sorriu e respondeu: “Why should I? He’s such a good man [Porque é que eu haveria de fazer isso? Ele é um homem tão bom]”.

Na equipa do antigo primeiro-ministro, a entrada em cena de Kristalina Georgieva não fez abalar a convicção de que Guterres estava a caminho da eleição. “Nunca tivemos a sensação de que a Rússia estava a bloquear o processo, foram sempre muito construtivos”, diz um dos elementos que acompanhou a candidatura do português. António Monteiro — antigo embaixador português nas Nações Unidas e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros –, diz que, por esta altura, estava convencido de que já havia um consenso no Conselho de Segurança. “A consistência da votação indicava que não havia nenhum impasse no Conselho de Segurança. Mas nada é seguro numa votação secreta”.

Apesar de ser uma figura reconhecida nos principais meios burocráticos, Georgieva chegava com meses de atraso à corrida. Tinha perdido tempo precioso para o trabalho de diplomacia em Nova Iorque. “Desde que tivemos a votação de 29 de julho, percebemos que havia um candidato com resultados consistentes, acima dos 9 votos necessários, ao mesmo tempo que havia muitas mudanças nos outros candidatos. As votações permitiram perceber que o Conselho de Segurança tinha um particular interesse naquele candidato“, diz ao Observador fonte da equipa de apoio a Guterres.

Georgieva entrou em campo a 29 de setembro. Em menos de uma semana, a búlgara foi apresentada, viajou para Nova Iorque para ser ouvida pela Assembleia-Geral e foi pela primeira vez a votos. O resultado da votação de dia 5 de outubro foi mais negativo para a vice-presidente da Comissão Europeia e mais expressivo para António Guterres do que alguns na própria equipa previam.

No grupo de apoio a Guterres ficou a convicção que esta jogada de última hora acabou por ajudar o candidato português. Aliás, Georgieva ficou bem atrás da outra candidata búlgara (que não desistiu apesar de ter perdido o apoio formal do seu Governo) na votação de quarta-feira, tendo recolhido oito votos de desencorajamento e apenas cinco de encorajamento.”Ninguém sabia que a votação ia ser assim, sobretudo a de Kristalina, que não se esperava que fosse pior do que a da outra candidata búlgara, Bokova”, comenta António Monteiro. “Foi lamentável que a União Europeia, e sobretudo a Comissão, não tenham percebido que o timing da candidatura de última hora da Kristalina era totalmente errado”, comenta o diplomata, rematando: “Manobras de última hora não são aceitáveis e a UE devia aprender a lição”.

“Ao contrário do que muitas vezes pensamos, Portugal é muito bem visto no estrangeiro“, refere fonte diplomática. Mas, mais do que isso, o país não gera “anti-corpos” junto dos dois principais blocos do P5 (os todo-poderosos com assento permanente no Conselho de Segurança da ONU).

A existência de um consenso no Conselho de Segurança da ONU foi ficando clara na candidatura de António Guterres ao longo das votações.

Uma fonte com vasta experiência em diplomacia internacional explica que, nas Nações Unidas, este órgão mais restrito, forjado no clima da Guerra Fria, é visto como um corpo datado. Conscientes disso, Estados Unidos e Rússia procuram evitar, ao máximo, deteriorar a imagem já de si negativa que o grupo suscita na Assembleia-Geral — ainda para mais quando está em causa a escolha do Secretário-Geral da organização. Outra fonte diplomática refere que esta mesma característica do Conselho de Segurança foi também explorada pela candidatura portuguesa que acabou por colocar como “objetivo a alcançar o equilíbrio entre os dois blocos”. “Era preciso não gerar desconfianças em sentidos antagónicos”, afirma este diplomata.

Quando ficou claro que Guterres era uma escolha consensual e que não havia sequer competição à altura do português, os membros do Conselho Permanente tomaram a decisão lógica: resolver rapidamente o assunto. O antigo primeiro-ministro é um construtor de consensos e um político experimentado na gestão de conflitos e tensões multilaterais. Foi por isso que, logo na quarta-feira, se decidiu que os 13 votos de “encorajamento” a Guterres (a melhor votação de todas) justificavam uma escolha “por aclamação” no dia seguinte. E assim foi: 13 votos encorajadores, dois neutros e zero a vetar o nome do antigo primeiro-ministro português. Esta conta é fácil de fazer e, desta vez, muito favorável a António Guterres.

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