Ao contrário do PS nacional que no domingo estreia a votação em diretas para a escolha do candidato a primeiro-ministro, Matteo Renzi e o seu partido são especialistas em eleições primárias. O atual líder socialista do Governo italiano perdeu-as em 2012 quando tentou ser o candidato a primeiro-ministro do “Partito Democratico” (equivalente ao PS português) e ganhou-as em 2013 quando foi eleito líder do partido. O Observador entrevistou um dos seus conselheiros de comunicação, Francesco Nicodemo, para tentar perceber de que forma a eleição nas primárias legitimou a sua chegada à liderança do Governo italiano e como é que isso contribui para a sua popularidade.
Nas primárias de dezembro de 2013, Renzi, até então presidente da Câmara de Florença, tinha dois adversários, Gianni Cuperlo e Giuseppe Civati, conseguindo ganhar a liderança do partido com 67,6% dos votos dos 2.814.881 militantes e simpatizantes que participaram na eleição. Passados apenas dois meses, em fevereiro de 2014, Renzi defendeu que o partido queria uma “nova fase” para o governo, empurrando Letta – primeiro-ministro da sua cor partidária – para a demissão e acelerando a sua subsequente nomeação como novo primeiro-ministro de Itália.
Francesco Nicodemo fez parte do Conselho de Comunicação da campanha de Renzi nas primárias de 2013 e estava responsável pelo Departamento Digital. Diz que as primárias “são uma excelente oportunidade de melhorar as capacidades num partido” e de testar maneiras novas de abordar o eleitorado.
Atualmente é chefe do Departamento de Comunicação do “Partito Democratico” (PD).
Nas primárias participaram quase três milhões de pessoas. O “Partito Democratico” (PD) ficou surpreendido com o número de votantes?
Não nos surpreendeu. Nas eleições primárias do centro-esquerda, em 2005, estiveram envolvidos mais de 4 milhões de eleitores. Desde então todas as primárias promovidas pelo PD (2009, 2012 e 2013) tiveram uma taxa de participação elevada, na ordem dos três milhões cada.
As primárias trouxeram novos militantes para o partido?
Temos de esperar até ao fim de 2014 para perceber a tendência de entrada de novos militantes mas para nós o mais importante é o facto de que uma taxa de participação elevada nas eleições primárias se traduziu num enorme sucesso nas eleições europeias. Nas europeias, o PD foi o partido socialista mais votado na Europa.
Nas primárias, quantos eleitores eram militantes do partido?
Cerca de um quinto era militante do PD. As nossas primárias foram criadas para alcançar todos os eleitores, e não só militantes do partido. Para nós é extraordinário que quase três milhões de pessoas tenham participado.
Em Portugal há 250 mil pessoas inscritas para votar. Acha que deve existir uma percentagem mínima de população para legitimar o processo?
Acho que ainda não é a altura para falar de percentagens, pelo simples facto de que as primárias não são legisladas mas sim uma escolha de um partido. Foi por essa razão que em 2013 nós tomámos a decisão política, clara, de permitir que todos os eleitores, e não só militantes do partido, participassem nas nossas primárias. A participação de quase três milhões de pessoas foi um grande sucesso. Os políticos estão no poder para legitimar este processo democrático, tornando efetiva a vontade expressa pelos cidadãos.
Como correu a campanha em Itália? Existiram muitos conflitos internos?
Foi a terceira vez que o PD teve eleições primárias para a liderança do partido e, provavelmente, foi a que causou mais conflitos devido ao confronto entre uma velha abordagem às políticas de esquerda, que já não é eficaz, e uma nova abordagem. Todos exigiram grandes mudanças políticas nessa eleição e assim foi. A campanha foi trabalhosa. Pela primeira vez, Renzi foi o candidato favorito mas também tivemos a oportunidade de testar novas estratégias e técnicas que alargámos depois a todas as estruturas do partido. Conseguimos melhorá-las logo para as eleições europeias, com resultados formidáveis. Deste ponto de vista, as primárias são uma excelente oportunidade de melhorar as capacidades num partido e de testar o rumo político do candidato.
Qual foi a vantagem principal de Renzi durante a campanha? Pensaram que ele iria vencer com uma margem tão grande?
Acho que Renzi nasceu com um dom natural para a política. Ele consegue estabelecer uma ligação emocional com as pessoas através dos meios de comunicação e no contacto direto. Esta é uma grande vantagem em comparação com os líderes da velha esquerda italiana que se distanciam das pessoas de esquerda, especialmente dos mais jovens. E isso ficou claro nos debates televisivos, que foram decisivos. Nestes debates, ele enfrentou, de forma honesta, os tópicos tabu por resolver da política italiana enquanto os seus adversários esconderam-se atrás do discurso habitual. Isto tocou as pessoas, portanto estávamos cada vez mais cientes da dimensão da vitória.
Qual é que foi a melhor e a pior consequência das primárias de dezembro?
Acho que não existiram muitas más consequências. Tem sido um momento extraordinário para a democracia, onde militantes do PD, eleitores, ativistas e apoiantes fizeram parte de uma nova forma de participação em que estavam pessoalmente envolvidos nas decisões principais do partido. Isto trouxe a oportunidade de mudança num partido que estava a adiar a verdadeira inovação. Eu tentei fazer o mesmo na área de comunicação do PD. Por outro lado, algumas das vozes que mais se fizeram ouvir durante a campanha não foram esquecidas no debate político.
O partido uniu-se imediatamente após as eleições?
Sem dúvida. Nós temos uma disposição genética para discussões internas, mesmo que sejam muito acesas, como a que está a acontecer atualmente. No entanto, também temos um sentido profundo de pertença, o que dita o fim de qualquer questão que nos divida e que termina sempre numa resolução partilhada.
Que efeitos tiveram as eleições primárias em Matteo Renzi? Ele tornou-se mais confiante?
As primárias foram um excelente teste para demonstrar o talento político de Renzi e para melhorar a sua liderança ao nível nacional. Ele aprendeu a lição com a derrota nas eleições primárias do centro-esquerda, em 2012, para primeiro-ministro. No entanto ele tornou-se mais ciente e mais confiante no seu projeto político.
Se Matteo Renzi fosse eleito líder do PD apenas pelos militantes do partido, acredita que dois meses depois ele tornar-se-ia primeiro-ministro? Acha que as primárias ajudaram-no no seu novo papel?
Não, de todo. Claro que defendemos que o PD e o seu líder são candidatos naturais para governar o país mas essa era uma perspetiva indefinida e que ainda estava a ser trabalhada. O cenário de dois meses para atingir isso nem sequer estava a ser ponderado. Embora, de alguma maneira, a eleição aberta tenha resultado numa espécie de mandato com responsabilidade acrescida, o cargo como novo secretário-geral do PD, num país afetado por uma crise prolongada, já era enorme. Matteo Renzi sabia que a Itália estava parada e que necessitava de uma mudança política e portanto, a mudança de primeiro-ministro e de governo não podia ser adiada. Isso teve um custo que foi em grande parte pessoal, porque ele preferia ter tomado posse depois de ter vencido eleições legislativas, mas no fim de contas, tudo indica que ele estava certo.
Acha que é possível realizar eleições primárias num partido e depois deixar de o fazer?
Certamente que não. As eleições primárias são uma ferramenta poderosa para envolver as pessoas e para manter a política em mudança ao mesmo ritmo das exigências dos cidadãos. No entanto, devem ser utilizadas com cautela – apenas para eleger os líderes principais e para utilizar a responsabilidade como um modo de governo a todos os outros níveis.