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O Presidente norte-americano Joe Biden deu luz verde para os Estados Unidos bombardearem o Iémen esta quinta-feira, numa operação que contou com apoio militar do Reino Unido e logístico de outros países.
A decisão já tinha sido discutida no primeiro dia deste ano. Biden estava ainda de férias quando falou com a equipa de segurança nacional, como conta o Politico. Em cima da mesa estava a resposta a dar aos ataques que os rebeldes houthis têm levado a cabo contra embarcações comerciais no Mar Vermelho, pondo em risco o comércio mundial. Ao todo, o grupo já terá feito 27 ataques deste tipo desde novembro.
Mar Vermelho. De olhos na situação no Iémen, os Houthis usam Gaza e perturbam o comércio mundial
Por um lado, Biden ordenou o reforço da via diplomática e exigiu à sua equipa que conseguisse uma resolução das Nações Unidas a condenar os ataques. Por outro, pediu ao Pentágono para fazer um levantamento de possíveis respostas militares.
Esta quarta-feira, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução de condenação dos houthis. E, no dia seguinte, o grupo xiita lançou uma série de mísseis e drones contra mais embarcações no Mar Vermelho. Foi aí que Biden decidiu que era altura de responder e ordenou o ataque.
O que aconteceu na madrugada desta sexta-feira?
Na madrugada desta sexta-feira, os Estados Unidos e o Reino Unido lançaram uma operação conjunta de ataques cirúrgicos a instalações militares dos houthis no Iémen.
Os houthis, “Apoiantes de Alá”, são um grupo militante surgido no início da década de 2000, com raízes em grupos tribais do norte do Iémen. São xiitas, mas seguem a corrente do zaidismo. Em 2014, atacaram o governo na capital Sana. Os vizinhos Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos reagiram com violência e o país tem estado mergulhado numa guerra profunda desde então, onde já morreram quase 400 mil pessoas e onde a fome e a cólera ainda grassam. Atualmente, porém, os houthis controlam o Iémen.
Desde novembro que têm levado a cabo vários ataques a embarcações no Mar Vermelho, justificando-os como forma de retaliação contra Israel. Agora foram eles os atacados.
Os jornalistas da Associated Press na capital, Sana, relataram ter ouvido quatro explosões por volta das 2h30 da madrugada (hora local, 23h30 em Lisboa). Residentes da cidade, bem como outros em Taiz (perto da costa), também confirmaram ter ouvido explosões.
Pouco depois, os governos norte-americano e britânico confirmavam os ataques com aviões de combate e mísseis Tomahawk. “Estes alvos foram escolhidos especificamente para minimizar o risco de danos colaterais. Não estamos de todo a atacar centros populacionais com civis”, anunciou um responsável do Pentágono.
De acordo com o Departamento da Defesa norte-americano, os alvos foram sobretudo sistemas de radar, armazéns militares, bases militares e locais de onde são habitualmente disparados mísseis. O objetivo, disse uma fonte do Departamento ao Politico, era o de “degradar a capacidade dos houthis de continuar a por em risco os marinheiros no Mar Vermelho”.
Ao todo, segundo a Força Aérea norte-americana, foram atingidos 60 alvos.
Como é que EUA e Reino Unido justificaram este ataque?
O Presidente norte-americano, Joe Biden, fez pouco depois uma comunicação pública onde garantiu que o seu país “não vai tolerar” os ataques dos houthis no Mar Vermelho.
“Estes ataques são uma resposta direta aos ataques sem precedentes dos houthis contra as embarcações no Mar Vermelho — incluindo o recurso a mísseis balísticos anti-navio pela primeira vez na história”, afirmou.
Em comunicado, o primeiro-ministro Rishi Sunak reforçou a motivação por trás dos ataques: “Apesar dos repetidos avisos da comunidade internacional, os houthis continuaram a levar a cabo ataques no Mar Vermelho”, disse o líder britânico.
Sunak acrescentou ainda que os ataques respeitaram a Carta das Nações Unidas por terem sido “uma ação de defesa limitada, necessária e proporcional”.
Qual foi a reação dos houthis?
Os houthis confirmaram publicamente os ataques, que dizem ter matado cinco dos seus combatentes, e responsabilizaram “a América e a Grã-Bretanha” pelo “ataque agressivo em massa”.
“Têm de estar preparados para pagar um preço elevado e arcar com as duras consequências desta agressão clara”, declarou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros dos houthis, Hussein al-Ezzi.
Já o porta-voz do grupo que atualmente controla o Iémen, Mohammed Abdul-Salam, garantiu que este ataque não vai fazer com que o grupo recue nas suas ações no Mar Vermelho — que justificam como sendo uma expressão de solidariedade aos palestinianos na Faixa da Gaza e uma retaliação contra Israel.
“Se acham que isto vai travar o apoio do Iémen à Palestina e a Gaza, estão enganados”, avisou. “Os nossos ataques vão continuar a afetar os navios israelitas e todos aqueles que têm como destino os portos da Palestina ocupada.”
A comunidade internacional apoiou este ataque?
O Presidente norte-americano Joe Biden fez questão de sublinhar que esta operação contou com apoio logístico de outros países: Canadá, Austrália, Países Baixos e Bahrain (este último um país árabe do Golfo).
A medida contou ainda com o apoio explícito de outros países como a Dinamarca, a Alemanha, a Nova Zelândia, a Coreia do Sul e o Japão. Muitos deles fazem parte da chamada Operação Prosperidade, uma ação de patrulhamento no Mar Vermelho promovida pelos Estados Unidos para refrear os ataques dos houthis que, até agora, não parece ter tido sucesso.
Mas o ataque também contou com o apoio implícito de muitos outros países, ao apoiarem a resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas da véspera, como foi o caso de França. Na declaração, o órgão ordenou aos houthis que suspendam de imediato os ataques no Mar Vermelho e responsabilizam aqueles que têm auxiliado o grupo — leia-se, o Irão, principal apoiante em termos de armamento e treino dos houthis.
O texto foi aprovado com as abstenções de Argélia, China, Moçambique e Rússia.
Que impacto pode este ataque ter na estabilidade do Médio Oriente?
Os ataques a território do Iémen são a mais recente escalada no conflito do Médio Oriente, reacendido após os ataques do Hamas a Israel a 7 de outubro e o subsequente bombardeamento de Israel à Faixa de Gaza.
Joe Biden tem demonstrado receio de que o conflito alastre na região, razão pela qual recusou até agora retaliar contra os houthis, como lhe era pedido por vários congressistas norte-americanos. No entanto, deu agora esse passo, que pode abrir uma nova frente de guerra no Médio Oriente.
Os especialistas do think tank militar britânico RUSI, citados pelo The Telegraph, notam que esta resposta de EUA e Reino Unido pode ter alguma eficácia em travar os houthis, argumentando que estes são “uma ameaça gerível que pode ser contrariada com os meios de defesa aérea na região”.
Outros não são tão otimistas, como é o caso de Adam Clements, antigo responsável do Pentágono e especialista no Iémen, que prevê ao Washington Post que estes ataques não irão travar os houthis: “Eles precisam de salvar a face e isto não os vai travar. Vão fazer mais ataques”, garante.
Para já, a reação de outros atores na região não alimentou grandemente a tensão. O Irão, aliado dos houthis, opos-se àquilo a que chamou de “clara violação da soberania e integridade territorial do Iémen”, mas não prometeu qualquer forma de retaliação.
Mais relevante ainda foi a reação da Arábia Saudita. O gigante do Golfo levou a cabo uma guerra de anos no Iémen contra os houthis, que provocou milhares de mortos, mas está neste momento a negociar um acordo de paz com os rebeldes iemenitas. Agora, perante estes ataques de Estados Unidos e Reino Unido, Riade disse estar a acompanhar “com grande preocupação” a situação e pediu “contenção” a todas as partes.