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Ex-políticos, economistas e homens da banca. Quem geriu a Caixa Geral de Depósitos?

Vieram da política, da banca e do Banco de Portugal. Em 16 anos, até a Paulo Macedo, que assume esta semana, houve mais presidentes do PSD, mas a equipa mais partidária foi do PS.

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Conhecemos a identidade dos presidentes e a cara de um ou outro administrador mais mediático, sobretudo quando teve um passado político. Mas será que a maioria dos homens que geriu a Caixa Geral de Depósitos corresponde ao perfil de uma escolha político-partidária?

A comissão parlamentar de inquérito que escrutina a gestão da Caixa desde 2000 e a entrada em funções de mais uma administração, a terceira em menos de um ano, servem de pretexto. O Observador foi analisar os conselhos da Caixa Geral de Depósitos dos últimos 16 anos (desde 2000 e até à última gestão a concluir o mandato). Na semana em que Paulo Macedo asssume oficialmente o cargo, quem foram os gestores, qual é o seu passado profissional e formação académica? Passaram por cargos políticos? Tinham experiência de banca? Como lidaram com as pressões, os grandes negócios que correram mal e as crise?

A análise a relatórios e contas e a biografias profissionais envolveu 36 administradores que tiveram funções executivas nos conselhos de seis presidentes da Caixa Geral de Depósitos, alguns durante mais de um mandato. Uma das conclusões é que menos de metade tiveram cargos políticos no Governo — 13. O número exclui passagens profissionais por departamentos governamentais. Entre os gestores com passado político, há um empate técnico entre os que têm ligação ao PS e ao PSD, sete para cada partido. O CDS tem dois.

A presença de ex-governantes foi uma nota constante dos conselhos de administração da Caixa. Uma opção que é reconhecida pelo o ex-ministro do CDS, António Bagão Félix: “vir da política não é um pecado original” que faça com que as pessoas não devam ser nomeadas.

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Nos sete conselhos de administração nomeados entre 2000 e 2013, e que governaram a Caixa até meados de 2016, apenas dois presidentes não tiveram cargos governamentais. Entre os quatro presidentes ex-políticos, o PSD claramente domina — António de Sousa, Luís Mira Amaral, Fernando Faria de Oliveira e Vítor Martins desempenharam cargos em executivos sociais-democratas.

O único presidente da Caixa que neste período é claramente associado aos socialistas, Carlos Santos Ferreira, não desempenhou cargos governativos. Mas uma análise ao equilíbrio partidário, sempre dominado pelo Bloco Central, permite concluir que esta gestão, nomeada em 2005 no primeiro governo de José Sócrates, é a que tem o maior peso de um só partido, o PS: quatro entre nove gestores são socialistas, ainda que apenas Armando Vara e Maldonado Gonelha tenham desempenhado funções no Executivo. Francisco Bandeira faz parte da comissão política da concelhia socialista de Coimbra. Santos Ferreira é militante do PS, pelo qual foi deputado.

Pressões ou sensibilização?

Mas se a força da ligação política é uma realidade inegável, até que ponto representa uma influência ou mesmo ingerência na atuação dos gestores? A fazer fé nas declarações feitas por antigos presidentes e ministros das Finanças na comissão de inquérito, muito pouco. Quase todos têm dado garantias de não interferência na gestão da Caixa, em particular no que diz respeito a operações bancárias ou de crédito. Os ex-ministros admitem apenas ter pedido mais dividendos.

O ex-ministro Campos e Cunha disse ter sido alvo de pressões por parte do então primeiro-ministro para demitir a gestão da Caixa

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Com a exceção de Luis Campos e Cunha, que denunciou ter sido pressionado para demitir a administração da Caixa, mais ninguém assumiu ter feito ou recebido pressões. Não é o mesmo que dizer que não houve interação, troca de ideias ou mesmo pedidos. Pressão não, sensibilização sim. Foi assim que Fernando Faria de Oliveira, presidente entre 2008 e 2011, descreveu a relação entre a Caixa e o acionista. Havia projetos apoiados ou promovidos pelo Governo para os quais era pedida atenção.

Antigos gestores ouvidos pelo Observador assinalam que a influência política depende da personalidade do primeiro-ministro e dos ministros das Finanças, mas também da capacidade dos gestores de resistir a essas pressões. Se é relativamente fácil travar investidas do ministro da Economia, já é mais difícil resistir a intervenções do ministro das Finanças. E ainda mais do primeiro-ministro.

Mas não há dúvidas de que era muito difícil contrariar um primeiro-ministro intervencionista como José Sócrates. O ex-primeiro ministro tem negado qualquer intervenção nos negócios da Caixa, mas uma das operações investigadas pela Operação Marquês é o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, que o banco público não só apoiou com empréstimos, mas também através de um investimento direto. E Armando Vara, antigo dirigente socialista e o administrador da Caixa que propôs a operação, foi constituído arguido.

Economistas, gestores, juristas, engenheiros e raras mulheres

Se a passagem pelo Governo dá jeito no currículo de um futuro administrador da Caixa, isso não quer necessariamente dizer que os gestores que passaram pelo banco não sabiam do negócio. A maioria tinha experiência na banca comercial quando foram feitas as nomeações, 24, e, entre estes, metade eram já homens da Caixa quando subiram à administração. Cinco dos gestores executivos da Caixa tiveram origem no supervisor bancário, tendo, depois, regressado ao Banco de Portugal.

A grande maioria tem formação principal em economia, 16 em 36. Segue-se gestão, com nove. Direito teve apenas quatro representantes executivos nas administrações, quase tantos como os engenheiros que passaram pelo conselho da Caixa, três, sendo que dois, Luis Mira Amaral e Faria de Oliveira, foram presidentes. Vários destes gestores têm pós-graduações em gestão e desenvolveram carreira académica.

Quantas mulheres entraram neste clube dominado por homens? Apenas quatro, cerca de 11% do total. Mas quando analisamos as duas administrações que integraram mulheres, a quota é maior. As equipas lideradas por Vítor Martins e por José de Matos foram os que tiveram uma presença mais significativa de mulheres: duas em cada conselho.

E a duração dos mandatos? A maioria dos presidentes da Caixa cumpre o seu tempo. Três tiveram mandato renovado: António de Sousa e Faria de Oliveira passaram a não executivos. José de Matos manteve-se como executivo. Um foi substituído por mudança politica do Governo, Vítor Martins.

O primeiro mandato de António de Sousa, 2000-2004

António de Sousa foi nomeado presidente da Caixa duas vezes

JOÃO RELVAS/LUSA

  • António de Sousa, presidente (Empresas públicas, Governo, Banco de Portugal)
  • Carlos de Oliveira Cruz, vice-presidente (Gestor público, banca, Governo, Banco de Portugal)
  • Mira Amaral, vice-presidente (EDP, Governo, banca pública e privada)
  • Alexandre Pinho Sobral Torres (Assessor do Presidente, CGD)
  • António Tomás Correia (CGD)
  • Miguel Athayde Marques (Gestor privado, presidente do ICEP)
  • Fernando Miguel Sequeira (CGD)
  • Vítor Fernandes Oliveira (Auditora, seguros, setor financeiro privado)
  • Almerindo Marques (Banca privada e pública, Governo)
  • José Berberan Ramalho (Banco de Portugal)

Entre 2000 e 2004, o presidente da Caixa Geral de Depósitos foi António de Sousa. Antigo secretário de Estado em governos chefiados por Cavaco Silva, a sua nomeação segue a regra não escrita de equilíbrio na partilha dos mais importantes cargos financeiros. António de Sousa foi indicado para governador do Banco de Portugal por um governo do PSD, mas saltou para a liderança da Caixa em 2000, com o executivo de António Guterres, quando Joaquim Pina Moura era ministro das Finanças. Substituiu João Salgueiro, outro antigo governador do Banco de Portugal e ex-ministro do PSD que também conviveu com o Executivo socialista.

O seu mandato foi marcado pelo investimento que fez do banco do Estado o maior acionista do principal concorrente privado — o BCP. Foi uma herança incómoda do negócio Champalimaud, desenhado pelo ministro Pina Moura, admitiu o ex-presidente aos deputados da comissão de inquérito. “Do ponto de vista técnico, ter uma participação significativa noutro banco comercial é algo muito muito pouco desejável. Nunca gostei dessa situação. Os acordos estavam assinados, alguns deles tinham inclusive cláusulas penais”.

"Do ponto de vista técnico, ter uma participação significativa noutro banco comercial (o BCP) é algo muito muito pouco desejável. Nunca gostei dessa situação. Os acordos estavam assinados, alguns deles tinham inclusive cláusulas penais".
António de Sousa, audição no inquérito parlamentar, janeiro de 2017

A Caixa acabou por vender as ações no BCP, ainda que com prejuizo, e comprou os seguros ao banco privado, consolidando a maior seguradora portuguesa, a Fidelidade, que vendeu quase dez anos depois aos chineses da Fosun.

Antes de passar pelo governo, António de Sousa fez carreira como gestor público. Esteve nas administrações do Banco Totta e Açores e IPE , a holding que concentrava várias empresas nacionalizadas. Deixou a Caixa em 2004 depois de uma relação conflituosa com o presidente executivo, Luís Mira Amaral. Assumiu a presidência da Associação Portuguesa de Bancos (APB) e lançou em 2006 a ESC Capital, uma das sociedades de capital de risco portuguesas e fundo de reestruturação com maior carteira de ativos.

Um dos membros mais conhecidos desta equipa é António Tomás Correia. Chegou à administração da Caixa em 1995, ainda com Rui Vilar e ficou com João Salgueiro, que foi presidente entre 1995 e 2000, e António de Sousa. Tomás Correia foi um homem da casa, entrou ainda no final dos anos 1960 e passou por quase todas as áreas, desde a comercial aos serviços centrais, até chegar a diretor e administrador.

Saiu da Caixa em 2003 para integrar a lista do antigo ministro das Finanças, José Silva Lopes que concorreu à associação mutualista Montepio e será administrador da caixa económica. Sobe à presidência em 2008 quando Silva Lopes abandona o cargo. Sai em 2015, por imposição de novas regras de governo, mas também sob a pressão de suspeitas em relação a operações feitos no seu mandato que estão a ser investigadas pela justiça. Continua à frente da associação mutualista.

Pela administração nomeada em 2000, passou ainda um dos gestores mais experientes em Portugal. Almerindo Marques começa a sua carreira na banca antes do 25 de Abril no Banco da Agricultura, onde trabalhou com Jorge Jardim Gonçalves. Foi saneado da administração em 1975, mas chegou ao governo liderado por Mário Soares, onde foi secretário de Estado.

Almerindo Marques transitou da banca pública, estava no Banco Espírito Santo em 1985, para a privada — liderou o Barclays em Portugal – e voltou à banca pública. Esteve na administração da Caixa entre 1998 e 2002, mas saiu em discordância com a forma como eram tomadas decisões em matéria de créditos e em choque com o então presidente António de Sousa, como assumiu numa entrevista. Voltou ao setor público, onde liderou a RTP e a Estradas de Portugal com a missão de reestruturar estas empresas.

António de Sousa e Mira Amaral, 2004

Luís Mira Amaral partilhou um mandato curto e uma parceria atribulada com António de Sousa

Jose Sena Goulao/LUSA

  • António de Sousa, presidente do conselho de administração (Empresas públicas, Governo, Banco de Portugal)
  • Luís Mira Amaral, presidente da comissão executiva (EDP, Governo, banca)
  • Miguel Atahyde Marques, administrador (Gestor privado, Estado — ICEP)
  • José Berberan Ramalho, comissão exectiva (Banco de Portugal)
  • Vítor Fernandes, administrador (Auditoria, seguros, setor financeiro privado)
  • António Maldonado Gonelha, comissão executiva (sindicatos, Governo, banca)
  • António Vila Cova, administrador (CGD)
  • Carlos da Silva Costa, comissão executiva (banca, Comissão Europeia)
  • José Abrantes Coutinho, comissão executiva (Banca)
  • Luís Alves Monteiro, comissão executiva (Governo, banca)

O período entre 2004 e 2005 foi um dos mais conturbados na Caixa Geral de Depósitos que conheceu três presidentes em pouco mais de dois anos. António de Sousa e Mira Amaral, Vítor Martins e Carlos Santos Ferreira. Parte desta instabilidade pode ser explicada por decisões políticas, mas não apenas.

Em 2002, Mira Amaral entra para a administração e assume o cargo de vice-presidente na equipa de António de Sousa. O antigo ministro da Indústria de Cavaco Silva vinha do BPI, onde era administrador. Chegou a convite de Manuela Ferreira Leite, então ministra das Finanças, que trabalhou com ele nos governos de Cavaco Silva. Mira Amaral foi visto inicialmente como o sucessor de António de Sousa na liderança da Caixa e o convívio entre os dois, que estiveram na mesma equipa governamental, parece pacífico na fase inicial.

Isso muda quando em abril de 2004, é nomeada nova equipa para a Caixa cujo mandato deveria terminar em 2007. Mais do que os nomes, muda o modelo governo do banco, que copia uma solução que era moda nas empresas com o capital aberto a vários acionistas. É criado um conselho de administração alargado com dez elementos que continua a ser liderado por António de Sousa. Deste órgão saiu uma comissão executiva liderada por Luís Mira Amaral. A tensão entre os dois presidentes tornou-se rapidamente visível, transformando-se num embaraço público que durou uns meses.

Conhecido como engenheiro, é licenciado em engenharia electrotécnica, Mira Amaral esteve na EDP nos anos 1970. Liderava o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social em 1985 quando foi nomeado para o Governo de Cavaco Silva como ministro do Trabalho e da Segurança Social. Assumiu a pasta da Indústria no segundo Governo do PSD. Após o cavaquismo, foi administrador do Banco de Fomento Angola e do BPI onde estava quando entrou na Caixa. Depois de sair, passou pela administração de várias empresas e assumiu a liderança do BIC Portugal do qual saiu em 2016.

Mira Amaral escolheu Carlos Costa e João Coutinho, à altura diretores do BCP e do BPI, para a sua equipa executiva, a par de Luís Alves Monteiro, José Berberán Ramalho, António Vilacova e Maldonado Gonelha.

O atual governador do Banco de Portugal esteve na gestão do banco público menos de dois anos, mas apanhou três presidentes. Antes de chegar à gestão do banco do Estado, Carlos Costa foi diretor-geral do BCP. Foi nestas funções que se cruzou com o caso das offshores do BCP usadas para comprar ações do banco quando era diretor da área internacional. Já como governador do Banco de Portugal, Carlos Costa testemunhou em tribunal no julgamento que levou à condenação dos antigos gestores do BCP por crime de manipulação de mercado.

Carlos Costa esteve dois anos na Caixa e apanhou três presidentes

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

A sua carreira na banca começa no BPA (Banco Português do Atlântico), onde dirigiu o centro de estudos económicos entre 1981 e 1985, e se cruzou com Jardim Gonçalves, que liderou o banco do Norte, conhecido na altura como a “fábrica de ministros”. O fundador do BCP viria a comprar o BPA em 1995. O percurso de Carlos Costa passou ainda por Bruxelas, foi chefe de gabinete de João de Deus Pinheiro, o primeiro comissário português.

Carlos Costa saiu da CGD para assumir a vice-presidência do Banco Europeu de Investimento (BEI) em 2006. Em 2010 é escolhido por José Sócrates para suceder a Vítor Constâncio no Banco de Portugal. A escolha é reconfirmada por Pedro Passos Coelho no verão de 2015.

A primeira administração de 2004 incluía outro engenheiro, Luís Alves Monteiro, um antigo diretor-geral e secretário de Estado da Indústria de Mira Amaral, com quem esteve mais tarde no BPI, José Berberan Ramalho, que vinha do Banco de Portugal, e António Maldonado Gonelha que chegou do Montepio. Este antigo ministro do Governo do Bloco Central era apontado como próximo de Mário Soares. Esteve na administração da caixa económica durante cerca de dez anos até ter perdido as eleições para a associação mutualista em 2003, precisamente para a lista de Tomás Correia.

Vítor Martins, 2004-2005

Vítor Ângelo Martins liderou a importante pasta dos assuntos europeus durante os dez anos que se seguiram à entrada de Portugal na União Europeia

Paula Nunes

  • Vítor Martins, presidente (Governo, empresas)
  • Maldonado Gonelha, vice-presidente (sindicatos, Governo, banca)
  • João Freixa, vice-presidente (auditora, banca, bolsa)
  • José Berberan Ramalho (Banco de Portugal)
  • Vítor Fernandes (Auditoria, seguros, setor financeiro)
  • Carlos da Silva Costa (banca, Comissão Europeia)
  • Luís Alves Monteiro (Governo, banca)
  • Gracinda Raposo (banca, CGD)
  • Celeste Cardona (jurista, Governo)
  • Norberto Rosa (Governo, Banco de Portugal)

O choque público entre Luis Mira Amaral e António de Sousa na Caixa termina com o afastamento dos dois “presidentes”, uma decisão que foi tomada já no governo de Pedro Santana Lopes por Bagão Félix. O ex-minstro disse na comissão parlamentar de inquérito que aceitou o pedido de saída dos dois gestores para resolver o mal-estar no banco.

Bagão Félix recuperou o modelo clássico de governação: um conselho de administração executivo, com dois vice-presidentes. E, para substituir duas figuras com elevada visibilidade, foi buscar um discreto antigo secretário de Estado de Cavaco Silva. Vítor Ângelo Martins liderou a importante pasta dos assuntos europeus durante os dez anos que se seguiram à entrada de Portugal na União Europeia e, antes de ocupar este cargo, tinha participado nas negociações para a adesão.

Apesar do reconhecido percurso nas questões europeias, Vítor Martins não tinha experiência profissional no setor bancário. Antes de ir para a Caixa, desempenhou cargos na administração de empresas não financeiras, sobretudo a nível não executivo, e foi professor universitário e consultor da Schroder Salomon Smith Barney.

Na vice-presidência da CGD , ficam Maldonado Gonelha e João Freixa, um quadro com currículo na banca privada. O mandato iniciado em outubro de 2004 é marcado pela saída de três administradores — Carlos Oliveira Cruz, Alexandre Sobral Torres e Fernando Miguel Sequeira — que eram também homens da casa.

Celeste Cardona com Luís Marques Mendes, os dois foram membros do Executivo de Durão Barroso

Orlando Almeida / Global Imagens

A nomeação que causou polémica à data foi a de Celeste Cardona, dirigente do CDS escolhida por um ministro do CDS — Bagão Félix. Cardona tinha acabado de sair do executivo de Durão Barroso. A advogada especializou-se na área do direito fiscal, qualificações que também foram invocadas para justificar o cargo na Caixa. Militante do CDS desde 1982, liderou a comissão distrital do partido em Lisboa e foi deputada nos parlamentos nacional e europeu, na liderança de Paulo Portas, que a levou para o governo em 2002, como ministra da Justiça.

Celeste Cardona esteve na Caixa até ao final de 2007, já sob a tutela de um governo socialista. A jurista voltou, em 2012, ao conselho de administração de uma grande empresa quando foi nomeada para o conselho geral e de supervisão da EDP.

Vítor Martins contava ainda com Carlos Costa, Vítor Fernandes, António Vila Cova, Luís Alves Monteiro e uma novidade, Norberto Rosa, um gestor que vai “sobreviver” a três mudanças de presidente, tendo abandonado a gestão da Caixa em 2013.

Fernando Teixeira dos Santos foi o ministro que demitiu Vítor Martins e nomeou Santos Ferreira em 2005

João Relvas/LUSA

Norberto Rosa entrou para a Caixa em 2004, depois do fim do governo de Durão Barroso, onde foi secretário de Estado do Orçamento de Manuela Ferreira de Leite, cargo que também desempenhou num executivo de Cavaco Silva durante o mandato de Eduardo Catroga como minsitro das Finanças. Norberto Rosa é quadro do Banco de Portugal, passou pelo departamento de estudos de economia e estatísticas e foi diretor adjunto do departamento de supervisão bancária entre 1996 e 2002.

A passagem de Vítor Martins pela Caixa durou menos de um ano. A chegada dos socialistas ao poder, em fevereiro de 2005, ditou o afastamento de cinco dos gestores que foram nomeados pelo anterior executivo, incluindo o presidente e um dos seus vices, João Freixa, e António Vila Cova, Gracinda Raposo e Luís Alves Monteiro.

A decisão já estava tomada ao mais alto nível no tempo de Campos e Cunha, mas só foi executada pelo seu sucessor, uma semana depois de ter chegado ao cargo. “Entendi que havia uma objetiva fragilização da administração da Caixa que justificava uma mudança”, disse Fernando Teixeira dos Santos no Parlamento. A demissão sem justa causa obrigou ao pagamento de indemnizações de 2,8 milhões de euros por interrupção de mandato.

Santos Ferreira, 2005-2007

Carlos Santos Ferreira preparou-se para responder aos deputados em janeiro de 2017

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

  • Carlos Santos Ferreira, presidente (Empresas públicas, seguros, banca)
  • António Maldonado Gonelha, vice-presidente (Sindicatos, Governo, banca)
  • José Berberan Ramalho (Banco de Portugal)
  • Vítor Fernandes (Auditoria, seguros, setor financeiro)
  • Carlos da Silva Costa (banca, Comissão Europeia)
  • Celeste Cardona (Jurista, Governo)
  • Norberto Rosa (Governo, Banco de Portugal)
  • Armando Vara (Governo, CGD)
  • Franciso Bandeira (Banca, Icep, CGD)

A mudança da gestão na Caixa resumiu-se, na verdade, à indicação de três nomes novos, incluindo um presidente, mas todos com ligações evidentes ao PS. Os três gestores — Carlos Santos Ferreira, Armando Vara e Francisco Bandeira — viriam a ser associados a decisões controversas, associadas a interferências dos governos de José Sócrates.

Segundo o testemunho de Luís Campos e Cunha, ouvido já este ano na comissão de inquérito, o predomínio socialista na Caixa foi mais do que um facto estatístico. O primeiro ministro das Finanças da era Sócrates confirma que o então líder do governo o pressionou para demitir a administração que vinha do Executivo PSD/CDS.

Sócrates e Armando Vara desmentiram Campos e Cunha. Fernando Teixeira dos Santos não confirmou a teoria do seu antecessor, negando ter recebido pressões. O ex-ministro das Finanças assumiu a responsabilidade pessoal pela indicação de Santos Ferreira, pela sua grande experiência no setor financeiro, e de Armando Vara. “Foi uma escolha minha. Cumpria o critério de ser alguém com carreira na Caixa. Foi meu colega no governo de Guterres que eu conhecia, o que me dava algum conforto”, assumiu Teixeira dos Santos.

Confrontado com o facto de estes serem os nomes sugeridos ao seu antecessor, Campos e Cunha, o antigo ministro socialista admitiu que era uma coincidência. Teixeira dos Santos conta que discutiu nomes com várias pessoas, incluindo quadros da Caixa. E cita um: Francisco Bandeira, que acabou por fazer parte da equipa de Vara e Santos Ferreira.

Bandeira não exerceu cargos governativos, mas foi nomeado por um Executivo socalista (de Guterres) para a administração do então ICEP (hoje Aicep). Foi durante este período que partilhou casa com outros socialistas de fora de Lisboa que foram chamados pelo Governo. Um deles era Teixeira dos Santos.

E Carlos Santos Ferreira? O presidente que protagonizou um dos mais atacados mandatos na Caixa vinha do setor financeiro, com uma carreira ligada aos seguros. Começou como técnico no Ministério das Corporações e Previdência Social, no governo de Marcelo Caetano. Foi um dos primeiros militantes do PS, partido pelo qual desempenhou o cargo de deputado nos anos 1970.

Enquanto gestor público esteve na administração da ANA – Aeroportos de Portugal e liderou a Companhia do Aeroporto de Macau entre 1989 e 1991. O período apanha o caso do “fax de Macau”, que foi um embaraço para o círculo de Mario Soares, mas ao qual o nome de Santos Ferreira não aparece associado.

Em 1992, entra para o Grupo Champalimaud e chega a presidente do Banco Pinto e Sotto Mayor e da Mundial Confiança. Demite-se em 1999, quando foi anunciado o acordo para vender o terceiro maior grupo financeiro aos espanhóis do Santander. Este negócio caiu como uma bomba no governo de António Guterres onde Santos Ferreira tinha vários amigos.

Segue então para o grupo BCP, onde assume funções de administração entre 1999 e 2003 no negócio segurador que era então um dos mais importantes a nível europeu. A demissão de João Talone, em 2001, é o prenúncio de uma reestruturação que iria reduzir substancialmente a presença do BCP na área dos seguros que vende, aliás, à Caixa, em 2004.

Armando Vara “foi uma escolha minha. Cumpria o critério de ser alguém com carreira na Caixa. Foi meu colega no governo de Guterres que eu conhecia, o que me dava algum conforto”, 
Audição de Teixeira dos Santos em janeiro de 2017

Entre 2003 e 2005, vamos encontrar Carlos Santos Ferreira como vice-presidente da Estoril Sol, empresa controlada pelo milionário Stanley Ho, um homem de Macau. Quando foi convidado para a Caixa era diretor do Hang-Seng Bank, uma instituição bancária de Hong-Kong ligada a Stanley Ho.

Apesar da evidente proximidade com os socialistas, a nomeação de Santos Ferreira é relativamente pacífica. O mesmo não se pode dizer sobre a de Armando Vara. A sua subida à administração da Caixa, em 2005, foi de imediato alvo de críticas, sobretudo devido à combinação de uma escolha política com um currículo pouco convincente. Vara fez parte dos dois governos de António Guterres. Tal como José Sócrates, foi deputado, secretário de Estado e promovido a ministro, neste caso, adjunto do primeiro-ministro, com a pasta da Juventude e do Desporto. Vara foi, também, dirigente do PS, subindo a pulso na máquina do partido, onde ascendeu como guterrista.

Mas o exercício do cargo de ministro durou menos de um ano, quando teve que se demitir por causa da polémica Fundação para a Prevenção e Segurança, uma fundação privada criada para gerir campanhas de prevenção rodoviária com dinheiro do Estado. Vara ficou depois responsável pela campanha das eleições autárquicas de 2001 que resultaram na derrota que levou à demissão de António Guterres.

Nos anos seguintes, saiu dos radares públicos, mas voltou à Caixa ocupando cargos de diretor, uns furos acima das funções que desempenhou na agência de Mogadouro no início da sua carreira de bancário. O currículo de Armando Vara inclui ainda a presidência da Fundação José Fontana, uma passagem pela Câmara da Amadora e uma licenciatura em Relações Internacionais pela Universidade Independente, a mesma onde Sócrates obteve a sua polémica licenciatura.

Vara acabaria por ficar responsável pelas direções de crédito a empresas e participações financeiras. Segundo os seus apoiantes, tinha faro comercial e uma grande dinâmica e capacidade para fechar negócios. Possuia, ainda, muitos contactos dos tempos da política e grande facilidade de se relacionar com vários tipos de pessoas. Mas a sua passagem pela Caixa está associada a operações controversas que vieram a gerar perdas para o banco público. O investimento em Vale do Lobo, investigado no processo Operação Marquês que tem Sócrates como principal arguido, foi uma operação “vendida” no conselho de administração por Armando Vara. Que também é arguido no caso.

Santos Ferreira afirmou desconhecer qualquer pressão do Governo para financiar Vale do Lobo, mas lembra que estava em marcha uma campanha de promoção de Portugal no estrangeiro, Live in Portugal. “Pareceu aceitável que a Caixa assumisse uma participação de 25% na sociedade gestora. Podia aumentar os resultados, mas fez aumentar o risco, como terá acontecido”.

Armando Vara e Santos Ferreira trocaram a Caixa pelo BCP no final de 2007

LUSA

Em 2007, Vara era dado como um banqueiro de sucesso e vai para o BCP como vice-presidente de Santos Ferreira. Dois anos depois, foi apanhado nas malhas da operação Face Oculta que investigou corrupção em contratos de empresas ligadas ao Estado atribuídos ao empresário da sucata Manuel Godinho. As escutas de que foi alvo acabaram por apanhar José Sócrates, então primeiro-ministro, a discutir a compra da TVI e um projeto de controlo dos media. Vara é obrigado a sair da administração do BCP quando é constituído arguido. Em 2014, foi condenado pelo Face Oculta. Interpôs recurso e aguarda decisão para breve.

Não tendo a carreira política de Armando Vara, Francisco Bandeira tem uma ligação ao Partido Socialista, designadamente como membro da comissão política de Coimbra do PS. No governo de António Guterres, chegou à administração do então ICEP, atual AICEP, um órgão importante na atribuição de apoios a empresas. Foi vice-presidente entre 1996 e 2000. Antes, Bandeira esteve no Banco Fomento Exterior, subindo de técnico a diretor coordenador donde saiu em 1996 quando o banco foi vendido ao BPI. Passou pelo comissariado da Expo 98. Bandeira estava já no banco público desde 2000 como administrador da Lusofactor, IFIC e SFAC, sociedades ligadas ao financiamento automóvel, quando foi nomeado para a administração.

Na equipa ficaram Maldonado Gonelha, outro socialista, que era então vice-presidente da Caixa, bem como Carlos Costa, Vítor Fernandes, Celeste Cardona e Norberto Rosa.

Os empréstimos para comprar ações

Não obstante o elenco mais cor-de-rosa, o desempenho desta gestão só começa a ser questionado quando o banco do Estado se envolve na guerra do BCP. A Caixa era acionista do banco privado e, por seu intermédio, o governo tinha uma porta aberta para intervir na guerra entre Jardim Gonçalves e Paulo Teixeira Pinto. E não apenas como acionista. A CGD emprestou grandes somas a acionistas do BCP para estes reforçarem a sua participação e assim ganhar munições na luta que abalou o banco em 2007.

Meses depois, o lado vencedor vai buscar três homens à Caixa — Santos Ferreira, Armando Vara e Vítor Fernandes — para a administração do BCP.

Joe Berardo foi um dos investidores a quem a Caixa deu crédito para comprar ações do BCP

HOMEM DE GOUVEIA/LUSA

A “OPA” sobre o banco público, patrocinada por acionistas do BCP que foram financiados pela CGD, caiu mal no mundo económico e político e foi a primeira sombra sobre a gestão de Santos Ferreira na Caixa. Uma sombra que ficou mais negra quando foram conhecidos os prejuizos da Caixa com estas operações. Os empréstimos de centenas de milhões de euros a Manuel Fino e a Joe Berardo para comprarem ações do BCP tiveram como garantia as ações que os empresários tinham em empresas cotadas, designadamente do próprio banco.

Este foi um tema incontornável na audição a Santos Ferreira no Parlamento. O antigo presidente afirmou não se recordar dos nomes dos acionistas do BCP a quem a Caixa emprestou dinheiro, mas lembra-se que estes acionistas não foram decisivos para a sua eleição. A Caixa, diz, tinha hipotecas sobre ações que representavam 7,8% do capital do BCP, e a sua nomeação como presidente foi aprovada por 97% dos votos na assembleia de dezembro de 2007. “Passei vários anos a ouvir falar do assalto ao BCP. Achei mal, mas achei que não me cabia explicar. Se tivesse explicado logo, não estaríamos se calhar a falar dele hoje aqui”.

"Passei vários anos a ouvir falar do assalto ao BCP. Achei mal, mas achei que não me cabia explicar. Se tivesse explicado logo, não teríamos se calhar a falar dele hoje aqui”.
Carlos Santos Ferreira, comissão parlamentar de inquérito à Caixa, janeiro de 2017

A concessão de empréstimos para a compra de ações era uma política seguida por vários bancos. O risco era considerado controlado, dada a dinâmica continuada de valorizações das bolsas que vinha dos anos 1990. E não foi só a Caixa a emprestar. O BES e o BCP também financiaram capitalistas que controlavam as empresas com participações minoritárias.

As ações dadas em garantia valiam inicialmente mais do que o emprestimo. Mas a aterragem forçada pela crise de 2008 retirou milhões às bolsas, sobretudo em países periféricos como Portugal. As cotações caíram a pique, os bancos ficaram a arder com centenas de milhões em créditos e o valor das garantias evaporou-se.

Santos Ferreira argumenta que as imparidades na Caixa pelo crédito concedido naquele período não são maiores que as registadas em anos posteriores. lembra o bom momento da economia e das bolsas quando iniciou funções, em 2005, e atribui as perdas no banco público ao ciclo de crises iniciado em 2007/8: financeira, económica e do Estado.

Os projetos estruturantes que correram mal

Ainda que a entrada da Caixa em operações problemáticas tenha sido decidida no mandato anterior, a equipa que lhe sucedeu manteve ou reforçou as exposição financeira a estes projetos. O primeiro-ministro era o mesmo e as apostas estratégicas do Governo não mudaram, pelo menos até ser tarde demais.

Quando Faria de Oliveira chega à presidência no início de 2008, o banco do Estado tinha apresentado lucros anuais recorde, relativos ao ano anterior, de 850 milhões de euros, aliás em linha com o resto do setor. Por esta altura, a crise financeira já estava a alastrar pelos mercados — ainda que poucos a sentissem.

Faria de Oliveira assumiu na comissão de inquérito que a Caixa apoiou empreendimentos de particular relevância na economia do país, projectos considerados “estrela numa determinada actividade”. Alguns destes projetos foram discutidos ao mais alto nível com o Governo, como Santos Ferreira reconheceu no caso da construção de uma fábrica da La Seda em Sines.

Este projeto, classificado como PIN (Projeto de Interesse Nacional), ambicionava ser um campeão das exportações. Para além de financiar o investimento, a Caixa investe no capital da própria La Seda em 2006, uma empresa que crescia rapidamente, alavancada na dívida “Era uma excelente empresa com um projeto de expansão, talvez demasiado ambicioso”, diz Faria de Oliveira. Hoje reconhece que as “consequências foram graves” — a Caixa poderá assumir perdas da ordem dos 900 milhões de euros, parte das quais já foram reconhecidas. Mas atribuiu as culpas à crise económica que afundou o mercado químico e os preços em 2009.

E Vale do Lobo? Era um empreendimento para o qual havia muita procura internacional quando a Caixa investiu em 2006. Depois, deu-se “uma brutal mudança” que fez desaparecer o mercado, explicou o ex-presidente.

A solução foi tentar minimizar o prejuízo. “Tentámos reestruturar a gestão, parar os investimentos previstos e procurar compradores. Tentámos ser extremamente rigorosos no acompanhamento de novos créditos”, testemunhou Faria de Oliveira que ainda considera que o “empreendimento tem muito valor”.

Faria de Oliveira, 2008-2011

Fernando Faria de Oliveira responsabilizou a crise, financeira, económica e do Estado, pelas perdas em operações estratégicas

ANDRÉ KOSTERS/LUSA

  • Fernando Faria de Oliveira, presidente (Governo, empresas públicas, banca)
  • Francisco Bandeira, vice-presidente (banca, Icep, CGD)
  • Norberto Rosa (Governo, Banco de Portugal)
  • Rodolfo Lavrador (advogado, Governo, CGD)
  • José Araújo e Silva (banca, empresas industriais)
  • Jorge Tomé (Banca e seguros)
  • Pedro Oliveira Cardoso (banca, CGD)

Licenciado em engenharia mecânica, Fernando Faria de Oliveira ficou conhecido como o ministro do Comércio e Turismo de Cavaco Silva, mas tem uma longa carreira de gestor público. Apesar de ter chegado a ser vice-presidente do PSD, estava afastado do partido quando foi nomeado por Teixeira dos Santos.

Faria de Oliveira estava na Caixa Geral de Depósitos desde que tinha perdido o cargo de administrador da IPE, uma holding de participações públicas dissolvida em 2003 quando Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças. No grupo Caixa, liderou a nova área de negócios da saúde, a HPP (Hospitais Privados de Portugal) e assumiu o comando das operações bancárias em Espanha. Foi responsável pela reestruturação que deu origem ao Banco Caixa Geral do qual foi presidente.

É uma das caras da expansão em Espanha, um sonho antigo dos presidentes do banco. Foi feita uma aposta forte na concessão de crédito num mercado dinâmico que prometia muitos ganhos, mas a estratégia veio a gerar pesados prejuízos. O antigo presidente da Caixa reagiu a essa associação, argumentando que o investimento tinha racionalidade e sentido estratégico. E explicou, entretanto, no Parlamento, que 80% das perdas neste mercado vieram da banca de investimento e foram causadas sobretuto pela “crise monumental que aconteceu em Espanha” depois de 2008.

O seu consulado foi ainda marcado pela execução de Manuel Fino, um dos acionistas do BCP a quem a Caixa emprestou dinheiro. A operação, que em 2009 deu 10% do capital da Cimpor ao banco público, foi, à data, vista como penalizadora para a CGD. A participação é vendida em 2012, com mais-valias, garantiu Faria de Oliveira.

Apanhou ainda a nacionalização do BPN no final de 2008. A Caixa toma conta do banco “tóxico”, uma tarefa confiada a dois administradores, mas é Francisco Bandeira quem fica colado à gestão pública do banco, tendo que responder em duas comissões de inquérito pela degradação da situação financeira, perda de depósitos e o fracasso da primeira tentativa de venda.

Foi também neste mandato que a Caixa se tornou a “campeã” no financiamento às Parcerias Público Privadas (PPP) quando os bancos estrangeiros fugiram do país. Depois das crises financeira e económica, vem a crise do Estado que culmina com o resgate a Portugal em 2011, ano em que Faria de Oliveira passa a presidente não executivo. Saíu do banco em 2013 para se dedicar em exclusivo à presidência da Associação Portuguesa de Bancos (APB).

Jorge Tomé abandonou a Caixa em 2012 para assumir liderança executiva do Banif

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

Jorge Tomé é outro nome conhecido desta administração. Chegou à banca através do Banco Pinto e Sotto Mayor, em 1983 e estava na administração quando o BPSM é vendido a António Champalimaud em 1995. Saiu para partner na empresa de auditoria Coopers & Lybrand e um ano depois foi para a administração da seguradora O Trabalho, o primeiro contacto com o universo Banif. Até 2001, desempenhou vários cargos no grupo, sobretudo nas áreas dos seguros e imobiliário.

Jorge Tomé foi indicado para a administração da Caixa Banco de Investimentos, quando a CGD queria ganhar força num mercado dominado por grupos privados. Assumiu a presidência executiva da Caixa BI em 2002, quando António de Sousa estava aos comandos, e ficou no cargo até 2008 quando foi para a administração do banco público. Teve o pelouro da banca de investimento e passaram pelas suas mãos alguns dos negócios não financeiros mais importantes, desde o dossiê La Seda, passando pelas participações na Cimpor e na Portugal Telecom. Na PT deu nas vistas quanto se opôs ao investimento da empresa nos fundo detidos por um acionista, a Ongoing.

Jorge Tomé, Rodolfo Lavrador, Pedro Cardoso e Norberto Rosa, são reconduzidos na administração da Caixa Geral de Depósitos em julho de 2011, na comissão executiva presidida por José de Matos. Este concelho vai lidar com o plano de choque que a troika impõe ao banco público.

Da equipa que vem do Governo de Sócrates, só sai Francisco Bandeira que fica assessor da administração, para desagrado dos que o consideram demasiado próximo dos socialistas.

Pedro Cardoso e Jorge Tomé renunciam em 2012, com o segundo a aceitar o convite para presidir ao Banif, um banco que atravessava um período de grandes dificuldades depois da morte do fundador, Horácio Roque. Será com Jorge Tomé, ao lado de Luís Amado, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de José Sócrates, que o Banif consegue evitar o abismo ao receber uma ajuda pública de 1.100 milhões de euros. O banco acabaria por ser alvo de resolução no final de 2015, ainda com Jorge Tomé na presidência executiva.

Faria de Oliveira e José de Matos, 2011-2013

José de Matos "assinou" os prejuízos da Caixa durante os últimos cinco anos

HUGO AMARAL/OBSERVADOR

  • Faria de Oliveira, presidente (Governo, empresas públicas, banca)
  • José de Matos, presidente da comissão executiva (Banco de Portugal)
  • António Nogueira Leite, vice-presidente executivo (Académico, Governo, empresas privadas)
  • Norberto Rosa, vice-presidente executivo (Governo, Banco de Portugal)
  • Jorge Tomé, comissão executiva (Banca e seguros)
  • Rodolfo Lavrador, comissão executiva (Advogado, Governo, CGD)
  • Pedro Cardoso, comissão executiva (Banca, CGD)
  • Nuno Fernandes Thomaz, comissão executiva (Governo, banca)
  • João Jorge Palma, comissão executiva (Banca, empresas, CGD)

Antes de ganhar as eleições de 2011, Pedro Passos Coelho defendeu, em livro, a privatização da Caixa Geral de Depósitos. A posição ia ao encontro daquilo que era defendido pelos credores internacionais da troika, em particular a Comissão Europeia, que chegou colocar a operação no esboço do programa de assistência. Os socialistas bateram o pé a Bruxelas. E o parceiro de coligação do PSD, o CDS, opôs-se, no caso da Caixa, ao primeiro-ministro que queria ir além da troika.

No primeiro mês de funções, o novo Executivo escolhe uma equipa de continuidade para o banco do Estado. Faria de Oliveira fica a liderar o conselho, cedendo funções executivas a José de Matos. A comissão executiva herda quatro gestores do anterior mandato — Norberto Rosa, Jorge Tomé, Rodolfo Lavrador e Pedro Cardoso. Entram Nogueira Leite e Nuno Fernandes Thomás. O elenco fica completo com Eduardo Paz Ferreira, Pedro Miguel Rebelo de Sousa e Álvaro José Barrigas do Nascimento, com cargos não executivos.

José de Matos transita diretamente do supervisor para o supervisionado. O novo presidente de Caixa não é político. É um homem do Banco de Portugal, para onde entrou como economista em 1979 depois de ter passado por gabinetes governamentais. Subiu a escada do banco central onde começou por trabalhar na área das estatísticas. Foi chefe de gabinete do governador Miguel Beleza, entre 1992 e 1994, e diretor dos departamentos internacional e mercados. Chegou à administração em 2002 no mandato de Vítor Constâncio, assumindo o cargo de vice-governador. Nestas funções, que desempenhou durante quase uma década, José de Matos assumiu competências na área dos mercados e gestão de reservas, sem passar pela supervisão bancária.

O novo presidente tem um perfil discreto que não se alterou com a sua nomeação para a Caixa, em julho de 2011. O low-profile combina, aliás, com a orientação política dada à Caixa pelo Governo de Passos, em sintonia com a troika. A ordem é para focar a atividade no negócio bancário, encolher no crédito e vender a saúde, seguros e participações financeiras. Na nova administração será notada a ausência de membros com experiência do lado mais comercial da banca.

Apesar do perfil técnico do presidente, a equipa não escapa a nomeações mais políticas. O nome que mais irá dar que falar é o de António Nogueira Leite. Professor de economia e gestor do Grupo Mello, é uma presença comum na comunicação social como comentador. Nogueira Leite passou pela administração de empresas não financeiras e foi consultor do Banco de Portugal entre 1994 e 1998.

Se me obrigarem a trabalhar mais de sete meses para o Estado -- para pagar impostos --, palavra que me piro."
Publicação no Facebook de Nogueira Leite em 2012

Se bem que tenha desempenhado funções governativas durante um curto período e num governo de cor diferente — foi secretário de Estado do Tesouro de Pina Moura no executivo de António Guterres — Nogueira Leite era em 2011 um homem muito próximo do primeiro-ministro. Apoiou Pedro Passos Coelho na corrida à liderança do PSD e foi seu conselheiro económico na oposição. Chegou a ser falado para ministro das Finanças, mas foi nomeado para a Caixa. E ao contrário das expetativas do próprio, não para a presidência. Apesar do convite e desconvite, aceita ser vice-presidente executivo com o pelouro do banco de investimento, mas sai pouco mais de um ano depois.

Nogueira Leite justificou a sua saída com a falta de estratégia do Governo de Passos Coelho para a Caixa. Não sabia qual era a sua missão. Durante a sua passagem pelo banco, ficou famoso o desabafo que deixou no Facebook quando reagiu ao anúncio de mais um aumento de impostos. “Se me obrigarem a trabalhar mais de sete meses para o Estado — para pagar impostos –, palavra que me piro.”

A comissão executiva de José de Matos terá mais um novo membro com currículo político. Nuno Fernandes Thomaz teve uma passagem curta pelo Governo, foi secretário do Estado dos Assuntos do Mar num ministério comandado por Paulo Portas, no Executivo de Santana Lopes. Foi dirigente do CDS, mas não é apenas político. Fernandes Thomaz fez carreira na banca, ligado sobretudo à área dos mercados e gestão de fortunas (private banking).

José de Matos e Álvaro de Nascimento, 2013-2016

MIGUEL A. LOPES/LUSA

  • Álvaro de Nascimento, presidente não executivo
  • José de Matos, presidente da comissão executiva (Banco de Portugal)
  • Nuno Fernandes Thomaz, vice-presidente (Governo, banca)
  • João Jorge Palma, comissão executiva (Banca, empresas, CGD)
  • José Cabral dos Santos, comissão executiva (Banca, CGD)
  • Ana Cristina Leal, comissão executiva (Banco de Portugal)
  • Maria João Carioca, comissão executiva (Setor financeiro)
  • Jorge Cardoso, comissão executiva (Banca, empresas, CGD)

José de Matos é o único presidente executivo neste período a fazer um segundo mandato na Caixa, um cargo que já não é tão cobiçado como no passado, afinal a banca nacional atravessa a maior crise de sempre.

A equipa que vai liderar o banco a partir de 2013 tem três membros novos e dois são mulheres. Maria João Carioca vem da administração da SIBS, sociedade que gere os sistemas de pagamento. Dois anos depois sai para o banco público. Carioca deixa a Caixa em 2016, nos meses de indefinição que acompanharam a transição entre governos, e vai liderar a sociedade que gere a bolsa de Lisboa. Já este ano saiu da Euronext para regressar à administração da Caixa, agora com Paulo Macedo.

A última adminstração da Caixa a terminar o mandato sofre várias baixas nos meses que se seguiram à formação do Governo socialista. José de Matos sabe que será substituído meses antes, mas tem de ficar muito tempo à espera do sucessor. Queixa-se, em carta ao primeiro-ministro, da falta de orientações do Governo e acaba por bater com a porta.

O seu mandato atravessou anos duros para o banco do Estado e para a generalidade dos bancos portugueses. Entre 2011 e 2015, a CGD acumulou prejuízos de quase dois mil milhões de euros. É o resultado de uma combinação fatal: a crise económica e o crédito malparado, a exposição a setores de risco como a construção e o imobiliário, a negócios de risco no crédito, às participações financeiras, à queda do Grupo Espírito Santo e ao pesadelo (na perspetiva dos bancos) das taxas de juro baixas. O plano de recapitalização, negociado com Bruxelas em 2012, falha as metas e a Caixa não só não devolve o investimento do Estado, como precisa de mais capital.

“Não tenho o mínimo orgulho em ter assinado os prejuízos da Caixa nos últimos cinco anos, mas era preciso que alguém os assinasse. E eu assinei porque não havia alternativa. (...) Só esconde quem apresenta falsos lucros. Assinei prejuízos, não assinei falsos lucros”.
Audição de José de Matos, presidente da Caixa, na comissão de inquérito à Caixa, julho de 2015

O ministro das Finanças, Mário Centeno, revela que há um desvio enormíssimo, de quase três mil milhões de euros, face os resultados previstos. José de Matos reconhece a fatura no Parlamento, em julho de 2016, mas recusa a acusação de que andou a esconder perdas que agora obrigam a um novo a maior aumento de capital.

“Não tenho o mínimo orgulho em ter assinado os prejuízos da Caixa nos últimos cinco anos, mas era preciso que alguém os assinasse. E eu assinei porque não havia alternativa. Só esconde quem apresenta falsos lucros. Assinei prejuízos, não assinei falsos lucros”.

O número vermelho dos prejuizos ainda vai engrossar substancialmente com os resultados deste ano, estimados entre dois e três mil milhões de euros negativos, para absorver de vez as perdas que ainda persistem no balanço e reconduzir o banco aos lucros. Era a estratégia de António Domingues para preparar o banco para o século XXI antes das polémicas que o levaram a demitir-se. O mesmo plano que caberá a Paulo Macedo executar a partir desta quarta-feira, 1 de fevereiro. Mas essa será outra história.

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