Índice
Índice
O favorável desempenho da execução orçamental permite que o Governo entre com o pé direito nas negociações do Orçamento do Estado para 2018. Tudo parece estar a correr de acordo com o pretendido: a receita registou um aumento de 3,2%, ultrapassando o crescimento, inexpressivo, de 0,5% na despesa.
Tudo indica, assim, que a meta do défice possa ser confortavelmente alcançada e até ultrapassada, sem necessidade de recurso a medidas extraordinárias. Não se pode, não obstante, deixar de destacar o efeito positivo que o clima de crescimento económico tem representado nas contas públicas e no desenrolar da execução orçamental deste ano. “Enquanto o mar está de bonança, todos são bons pilotos.”
Meta do défice à vista
Com base no perfil histórico das principais rubricas, obtemos estimativas para os desvios face ao orçamentado. Muito resumidamente, o que fazemos é projetar o valor da rubrica no final do ano corrente, a partir dos dados da execução até ao último mês e do padrão intra-anual verificado nos últimos anos (mais informações aqui).
Tudo somado, estes dados parecem confirmar um cenário risonho: o défice em contabilidade pública deverá ficar pouco mais de mil milhões de euros abaixo do previsto no Orçamento para 2017, correspondendo a um défice em contabilidade nacional – a que interessa – de 1,1% do PIB (face aos 1,6% orçamentados).
Parece estar tudo controlado para se alcançar confortavelmente a meta do défice de 1,6%
A estimativa é assumidamente conservadora, contando com um impacto bastante forte da reposição do subsídio de Natal no final do ano. Mas será aqui que se joga boa parte dos riscos positivos: se a alteração no perfil de desembolso das despesas com o pessoal não for tão acentuada, facilmente o défice poderá ficar uma ou duas décimas abaixo da nossa previsão.
Receitas fiscais voltam à tona da água
Este mês foi ligeiramente diferente no que diz respeito às receitas fiscais. Parece ter havido um importante salto, que permite antever uma surpresa de sinal contrário à do ano passado, em que teria havido uma shortfall de dimensão importante, não fosse o “amigo PERES”. Este é, desde logo, evidente pelo panorama geral: de uma variação homóloga que, com os dados de junho, era de -1,2%, passamos para 4,4% em julho. São mais mil milhões de euros do que no ano passado.
Curiosamente, nem todos os principais impostos crescem de forma expressiva: se o IVA cresce 5%, o IRS até desce (-3,5%) – mas até este último contribui para o que será um desvio positivo no final do ano, pois esconde-se aqui a realidade de antecipação dos reembolsos que ocorreu este ano. Já o IRC “explode”, com mais 18% que no ano passado. Os impostos indiretos específicos também sobem globalmente, embora um dos mais simbólicos, o do tabaco, caia. Tudo junto, as nossas estimativas apontam agora para um desvio positivo de quase 800 milhões de euros no final do ano. Uma verdadeira bênção orçamental, só coartada por um comportamento fraco das taxas, multas e outras penalidades (que caem 4,1%) – algo que deverá deixar muito poucos cidadãos insatisfeitos.
Consumo intermédio controlado
A aquisição de bens e serviços da Administração Central parece estar perfeitamente sob controlo. Cresceu face ao ano anterior, mas pouco (2%), ligeiramente abaixo do que a meta orçamental implica (3%). Certamente também graças a uma utilização cada vez mais afinada das famosas cativações. Contudo, isto significa que o Governo poderá decidir descativar mais do que o eventualmente previsto, tendo em conta a “folga” aparentemente existente.
No caso das despesas com o pessoal, resultante de um crescimento acentuado nos Serviços e Fundos Autónomos (5,1%) e uma retração no Estado (-2,7%), assiste-se a um crescimento global moderado (0,5%). Tendo em conta que o orçamento já previa um crescimento destas despesas em 2,3%, poder-se-ia esperar também aqui uma folga positiva, mas não nos parece que seja o caso. Antes de mais, os padrões históricos das despesas nos diferentes subsetores são diferentes, o que nos levaria com estes números, por si só, a esperar que o resultado final fosse semelhante ao orçamento e não melhor ainda.
Além disso, há este ano uma alteração especial que resulta da diferente modalidade de pagamento dos subsídios de Natal (50% pago em novembro e não tudo em duodécimos como até aqui). De forma assumidamente conservadora, cremos que isto significa que os atuais valores da execução subestimam a despesa com o pessoal, que deverá ficar algumas centenas de milhões acima do orçamentado.
Dívida dos Hospitais de vento em popa
“Não há mar bravo que não amanse”, mas a dívida dos Hospitais EPE parece querer ser a exceção. No entanto, o Governo parece continuar a navegar à volta deste problema.
Os press releases do Ministério das Finanças, que acompanham mensalmente a divulgação dos dados da execução orçamental, mantêm o discurso inalterado: “A dívida não financeira nas AP – despesa sem o correspondente pagamento, incluindo pagamentos em atraso – reduziu-se em 325 milhões de euros em termos homólogos. Os pagamentos em atraso diminuíram 41 ME, face ao mesmo período de 2016”. Parece que está, assim, tudo bem.
E os pagamentos em atraso dos Hospitais EPE? Sofreram um aumento homólogo de 177 milhões de euros, um aumento mensal de 46 milhões, e um aumento de 308 milhões face a dezembro de 2016. Talvez estes aumentos não sejam suficientemente preocupantes para serem mencionados.
Onde irá parar a dívida dos Hospitais EPE? Mesmo com possíveis regularizações extraordinárias, o seu contínuo crescimento parece não querer remar contra a maré
Desde o início do ano, o crescimento médio da dívida dos Hospitais foi de 39% – mais 7,4 pontos percentuais do que no mesmo período de 2016. Ou seja, não só os valores homólogos de 2017 têm sido consistentemente superiores aos de 2016 desde janeiro, como a dívida tem crescido a um ritmo superior.
Segundo Pedro Pita Barros, esta não é uma situação anormal, já que noutras situações passadas “o ritmo de crescimento mais elevado ocorre depois de episódios de injeção de fundos e regularização de dívidas” – tal como a que se verificou no fim de 2016 –, o que faz com que rapidamente se volte a atingir os níveis registados antes da regularização. Foi preciso apenas o primeiro semestre de 2017 para se ultrapassar o valor da dívida assinalada em novembro de 2016, antes de ocorrer a regularização “extraordinária”.
Eleições impulsionam investimento local
Em ano de eleições autárquicas, a Administração Local mantém um crescimento bastante considerável ao nível do investimento. Em linha com o que se tem verificado nos últimos meses, o investimento tem aumentado, tendo registado crescimentos homólogos de dois dígitos desde fevereiro. Este mês ascendeu a 643 milhões de euros, o que representa uma variação homóloga de 49,9%.
No entanto, esta aposta no investimento tem vindo a colocar uma pressão adicional no saldo da Administração Local, que desde maio tem vindo a ser consecutivamente inferior ao registado em período homólogo em 2016, registando-se variações cada vez mais negativas. Tal poderá, assim, comprometer a meta registada no Orçamento, de um saldo de 1.020 milhões de euros, que se alicerçava num crescimento do investimento local na ordem de apenas 10%.
A aposta no investimento a nível local (com crescimentos homólogos superiores a 40% desde março) poderá colocar pressões adicionais no saldo da Administração Local
Será ainda de interesse analisar qual o impacto que a municipalização da Carris vai representar no saldo da Administração Local. Para além do investimento público prometido por Fernando Medina (e inscrito no Plano de Atividades para 2017, aprovado já sob a alçada da Câmara) para renovar e melhorar a frota e serviço prestado pela Carris, de acordo com o decreto-lei que regulamentou a transferência da sua titularidade, é agora a Câmara (e não o Estado) a responsável pelo pagamento da devida compensação financeira à transportadora. Ou seja, é a Câmara de Lisboa que deverá proceder ao pagamento das devidas indemnizações compensatórias decorrentes da obrigação de prestação de serviço público por parte da Carris.
* * * *
Com a execução de 2017 já aparentemente controlada, é tempo de dedicar a devida importância a problemas que são de mais difícil resolução. É de aproveitar os bons ventos que têm chegado a Portugal, não esquecendo que, se após a boa surpresa de crescimento económico deste ano se seguir um clima de maior restrição em 2018, talvez a economia portuguesa não esteja, ainda, tão capacitada para uma adequada resposta às restrições orçamentais que pretende cumprir.
A aplicação de algumas medidas já discutidas no âmbito do processo de negociações para o próximo Orçamento – como os novos escalões de IRS ou o descongelamento das carreiras –, que impliquem um aumento substancial da despesa, deve ser feita de uma forma cuidada, uma vez que esta aparente “folga” orçamental poder-se-á transformar num “buraco” para o ano, caso a economia não esteja a favor. Até porque, “Quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão”.
Projeção dos desvios face ao Orçamentado para 2017
****
Encorajamos os leitores a contactar-nos com quaisquer questões ou comentários:
luistm@ipp-jcs.org – joanav@ipp-jcs.org
Investigadores do Institute of Public Policy (IPP)
As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não refletem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa, ou de qualquer outra instituição a que quer os autores, quer o IPP estejam associados.