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Os advogados de defesa dos arguidos do caso Universo Espírito Santo não gostaram das decisões do Conselho Superior da Magistratura (CSM) que conduziram à nomeação de um novo juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal para o processo Universo Espírito Santo.cDaí que dois deles estejam a tentar impugnar as respetivas decisões do CSM no Supremo Tribunal de Justiça.cAtravés de 14 perguntas e respostas, o Observador explica-lhe o que está em causa neste novo desenvolvimento do caso BES/GES.
O que aconteceu?
Os arguidos Alexandre Cadosch e Charles Creton, cidadãos suíços acusados de mais de 30 crimes no caso Universo Espírito Santo, interpuseram uma providência cautelar na secção cível do Supremo Tribunal de Justiça que visa suspender a eficácia de várias decisões do CSM relacionadas direta e indiretamente com o juiz Ivo Rosa.
O que pretende a defesa de Cadosch e Creton?
Estes arguidos pretendem, em última instância, que o juiz Ivo Rosa volte a liderar a fase de instrução criminal do caso Universo Espírito Santo, porque entendem que se verificou uma “remoção ilegal” por parte do órgão de gestão e disciplinar dos juízes.
O que fez o Conselho Superior da Magistratura?
Antes de mais, é importante perceber que o juiz Ivo Rosa — que era titular da instrução criminal do caso Universo Espírito Santo porque os autos foram distribuídos ao “Juiz 2” do Tribunal Central de Instrução Criminal — se candidatou à graduação em desembargador em novembro de 2021. Tal graduação foi conhecida em abril de 2022. Contudo, a sua promoção foi suspensa, como determina o Estatuto dos Magistrados Judiciais, porque o CSM tinha determinado a abertura de um processo disciplinar em fevereiro de 2022 por suspeitas de violações disciplinares graves.
Mais tarde, no início de junho de 2022, foi tornado público que Ivo Rosa tinha escolhido as secções criminais da Relação de Lisboa como primeira opção, tendo aí sido colocado provisoriamente pelo CSM no movimento ordinário de juízes dos tribunais da relação aprovado a 5 de julho de 2022 pelo órgão de gestão dos juízes.
O facto de a promoção para a Relação de Lisboa ter sido suspensa, significa que Ivo Rosa manteve o lugar no Ticão?
Não. Por uma razão simples: como Ivo Rosa se candidatou por sua vontade e livre decisão à graduação como juiz desembargador, isso fez, como é normal, que o seu lugar como titular do “Juiz 2” do Tribunal Central de Instrução Criminal tinha de ser preenchido — o que aconteceu, tendo o juiz Artur Cordeiro sido nomeado para o cargo.
Recorde-se que o Ticão, o outro nome pelo qual é conhecido o tribunal, tem nove juízes, logo os lugares formais do tribunal vão de “Juiz 1” a “Juiz 9”.
Ou seja, como Ivo Rosa apresentou a sua candidatura, tendo mais tarde apresentado como primeira escolha a Relação de Lisboa, o Conselho teria sempre de preencher o seu lugar no Ticão.
Daí que no movimento ordinário de juízes para os tribunais da primeira instância, o lugar de “Juiz 2” tivesse sido declarado vago, com o objetivo de ser preenchido em julho de 2022. Daí que, na perspetiva do CSM, seja claro que não houve qualquer afastamento de Ivo Rosa. Foi o próprio que decidiu sair do Ticão, concorrendo à Relação de Lisboa.
O facto de a promoção de Ivo Rosa à Relação de Lisboa ter sido suspensa por decisão de 5 de julho de 2022 devido ao processo disciplinar aberto em fevereiro de 2022, nada tem a ver com o movimento ordinário de juízes dos tribunais de primeira instância. São dois processos distintos. É esta a argumentação do CSM.
A defesa concorda com essa argumentação do CSM?
Não. A defesa de Alexandre Cadosch e Charles Creton alega que o juiz Ivo Rosa foi alvo de uma “remoção ilegal”. Porquê? Porque, como a promoção à Relação de Lisboa foi congelada, a defesa entende que Ivo Rosa deveria ter-se mantido no lugar de “Juiz 2” do Tribunal Central de Instrução Criminal. Mais: a defesa entende que o lugar de “Juiz 2” nem sequer deveria ter sido declarado vago pelo CSM.
O que diz o juiz Ivo Rosa?
O magistrado judicial não é parte direta da ação cível, visto que a ação foi interposta por dois arguidos e o visado da mesma é o CSM. Contudo, e tal como o Observador noticiou a 13 de setembro de 2022, o juiz Ivo Rosa comunicou em junho de 2022 ao órgão de gestão dos juízes que os seus problemas de saúde — que levaram a uma operação cardíaca de urgência realizada em fevereiro de 2022 — não estavam resolvidos e impediam mesmo a sua continuidade no Tribunal Central de Instrução Criminal, conhecido por receber os processos mais complexos da criminalidade económico-financeira.
O juiz invocou que essa tarefa acarreta um stress e uma pressão que não é compatível com o atual estado de saúde do magistrado.
Ou seja, é o próprio Ivo Rosa que diz que não tem condições para ficar com o processo e muito menos no Ticão.
Aliás, o juiz solicitou ao CSM na sua comunicação de junho a sua transferência para o Juízo de Instrução Criminal do Funchal — requerimento que lhe foi negado por uma questão formal: Ivo foi graduado em desembargador e não pode solicitar transferência para um tribunal de primeira instância.
Em vez de o colocar no Funchal, o CSM falou com Ivo Rosa e o magistrado aceitou ficar colocado no Ticão como juiz auxiliar e apenas com um processo em mãos: o processo Octapharma/Operação O Negativo, cujo debate instrutório já se iniciou por decisão do próprio Ivo.
Se o juiz entende que não tem condições para estar no Ticão, o Supremo pode obrigá-lo?
Não há uma visão unânime entre as fontes contactadas pelo Observador, mas a resposta maioritária entende que sim. Isto, claro, se a providência cautelar fosse aceite. A única forma que Ivo Rosa teria de evitar ficar com o caso Universo Espírito Santo seria apresentar um atestado médico e ficar de baixa.
A defesa também contesta a nomeação de um juiz mais novo para liderar a fase de instrução?
Sim. Quem ganhou o lugar de “Juiz 2” do Ticão foi o magistrado Artur Cordeiro que, contudo, está em comissão de serviço como presidente do Tribunal Judicia da Comarca de Lisboa, logo não pode despachar os processos que foram distribuídos aquele “Juiz 2”. Assim, o CSM nomeou o juiz Pedro dos Santos Correia, apenas com três anos de experiência, para liderar a fase de instrução do caso Universo Espírito Santo.
Não havia outros juízes mais experientes que podiam ter ficado com o caso BES?
Não. Além da questão dos impedimentos que se poderiam colocar, nenhum dos juízes de instrução colocados no Ticão manifestara disponibilidade formal para ficar com o processo do Universo Espírito Santo.
O Eco chegou a noticiar que teria havido mais dois magistrados a candidatarem-se ao lugar de “Juiz 2”. Na realidade, e segundo as respostas envidas pelo CSM ao Observador, o juiz Pedro Santos foi único que manifestou vontade de se candidatar a sucessor de Ivo Rosa.
Ou seja, a juíza Marta Menezes “preferiu o lugar de ‘Juiz 7’, a sra. juíza Ana Assunção preferiu o lugar de ‘Juiz 3’ e o sr. juiz Pedro Miguel dos Santos foi afeto ao lugar de ‘Juiz 2′”.
Mesmo antes de ser decidida a providência cautelar, a ação suspende automaticamente o normal andamento do processo do GES?
Não. Em primeiro lugar, porque as decisões que são visadas pela providência cautelar (o movimento ordinário dos juízes de primeira instância, a decisão de nomear o juiz Artur Cordeiro e, mais tarde, o juiz Pedro dos Santos Correia para o cargo de “Juiz 2” do Ticão) já foram concretizadas. Ou seja, o último magistrado já tomou posse e já está a despachar o processo.
Por outro lado, uma providência cautelar contra o CSM obriga a que o órgão de gestão e disciplinar dos juízes seja obrigatoriamente ouvido para apresentar a sua oposição.
O que pode fazer o Conselho Superior da Magistratura para impedir uma suspensão da tramitação do processo?
Quando o Conselho for notificado, o que ainda não tinha acontecido esta quinta-feira, não só contestará os argumentos da defesa, como apresentará o que se designa de resolução fundamentada, invocando o interesse público para que o processo continue a ser tramitado normalmente. É uma espécie de pró-forma para que o Supremo Tribunal de Justiça não suspenda o andamento do processo.
Ivo Rosa acusado no processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura
Assim, o juiz de instrução Pedro dos Santos Correia deverá realizar as diligências de 26 a 30 de setembro e de 24 e 28 de outubro para que sejam ouvidas 33 testemunhas apresentadas pelas defesas.
Como está o processo disciplinar aberto contra Ivo Rosa?
O processo disciplinar ao juiz Ivo Rosa não vai terminar tão cedo. Tal como o Observador já noticiou, o juiz de instrução criminal contestou a acusação de que foi notificado em junho e requereu produção de prova nos autos do processo disciplinar, como a audição de testemunhas e junção de documentação.
O próprio magistrado judicial ainda nem sequer foi ouvido pelo juiz desembargador Vítor Ribeiro, o inspetor judicial que lidera desde o início a investigação disciplinar a Ivo Rosa.
Ou seja, a tramitação dos autos disciplinares só deverá estar concluída entre o final do ano e o início de 2023.
É expectável que tenha uma sanção disciplinar?
Tal como Observador noticiou, o inspetor judicial Vítor Ribeiro propôs uma pena disciplinar a Ivo Rosa de suspensão de funções por um determinado período — o que equivale a uma sanção disciplinar grave. Contudo, e após a apresentação do relatório final por parte do inspetor judicial que analisará os argumentos apresentados pelo juiz Ivo Rosa, o CSM poderá mudar a decisão.
Quando terminar o processo disciplinar, Ivo Rosa poderá tomar posse como juiz desembargador da Relação de Lisboa?
Sim, desde que não seja condenado a uma pena disciplinar de suspensão.