Esta quarta-feira, quando se reunir com os líderes parlamentares para discutir quais os castigos que se devem aplicar aos deputados que cometerem “abusos” — com o Chega na mira –, Augusto Santos Silva vai levar debaixo do braço um argumento extra. O presidente da Assembleia da República pediu aos serviços do Parlamento para elaborarem, em tempo recorde, um documento que reúne toda a informação sobre as sanções aplicáveis a deputados em onze países e no Parlamento Europeu, e que aponta para castigos mais duros do que aqueles a que tem recorrido.
O documento, a que o Observador teve acesso, foi produzido este mês e distribuído aos grupos parlamentares para se prepararem para a reunião que Santos Silva convocou depois dos incidentes durante a sessão com Lula da Silva e com Edite Estrela a presidir aos trabalhos, ambos protagonizados pelo Chega. Ao longo de 34 páginas, compiladas “num curto espaço de tempo”, como os serviços sublinham, são referidos castigos que incluem frequentemente multas, expulsões do plenário, suspensões durante meses ou até reduções salariais.
O documento não explica com que critério foram escolhidos os países em análise (Alemanha, Espanha, França, Reino Unido, Suíça, Roménia, Hungria, Polónia, Áustria, Geórgia e Itália, além do Parlamento Europeu), mas a leitura dos dados compilados pela divisão de informação legislativa parlamentar parece apontar para um conjunto de castigos que dá respaldo a Santos Silva para argumentar a favor de sanções mais duras.
Depois da sessão com Lula da Silva, em que o presidente da Assembleia da República se mostrou irritado e repreendeu os deputados do Chega por perturbarem o discurso do Presidente brasileiro enquanto mostravam cartazes com mensagens como “lugar de ladrão é na prisão” e “chega de corrupção”, Santos Silva anunciou que excluiria o Chega das delegações que o acompanham em viagens oficiais (como já aconteceu na semana passada, na visita a Kiev).
E, durante a última conferência de líderes, avisou que, como o Observador tinha avançado, poderia mesmo chamar a PSP a intervir para expulsar deputados, recordando que o regimento da Assembleia lhe confere a responsabilidade de “assegurar a ordem e a disciplina” recorrendo aos “meios que entender necessários”.
No limite, argumentou, como mostra a ata, poderia “determinar a expulsão do plenário, pelo curso restante da sessão em causa, do infrator, podendo recorrer aos agentes de autoridade para fazer executar essa ordem, se ela não for acatada”. Nessa reunião, Santos Silva acrescentava que quem entendesse que este é um “poder excessivo” ou que deveria haver “outro tipo de sanções” poderia pronunciar-se na reunião marcada para esta quarta-feira.
Ora, como o Observador apurou, o socialista chegará assim ao encontro com as mais de 30 páginas que parecem poder servir de argumento à aplicação de sanções mais duras, numa altura em que o regimento da Assembleia da República está a ser revisto.
O que acontece noutros Parlamentos
No documento, batizado como uma síntese sobre “disciplina no âmbito dos trabalhos parlamentares — enquadramento internacional” que “não representa necessariamente a opinião do autor ou da Assembleia da República” e serve como apoio ao trabalho dos deputados, explica-se que Santos Silva pediu informação sobre as “soluções previstas nos diplomas reguladores” de outros Parlamentos sobre vários pontos. São eles: a disciplina e ordem durante as sessões plenárias; o incumprimento dos deveres de urbanidade e respeito; as interrupções de quem dirige os trabalhos; o incumprimento de advertências da mesa.
A conclusão numa leitura pormenorizada do documento é que é os Parlamentos em causa têm sempre prevista a figura da advertência verbal e, se esta não for respeitada, quase sempre a retirada da sala, por vezes com recurso às autoridades ou à segurança do edifício. Depois há casos mais graves em que aparecem castigos como a suspensão das funções como deputado, acompanhada de perda de parte do salário; a aplicação de multas; ou até, muito raramente, a expulsão do deputado em causa.
No Parlamento Europeu, há castigos semelhantes ao que Santos Silva usou para excluir o Chega das viagens oficiais. E noutros Parlamentos proíbem-se certos tipos de vestuário, a ostentação de faixas e cartazes ou até o uso de armas. Aqui fica um resumo das regras que Santos Silva usará como exemplo diante dos líderes parlamentares:
Alemanha
As duas câmaras do Parlamento alemão têm funcionamentos parecidos no que toca à exigência — e ao castigo, se ela não for cumprida — de “comportamento adequado” e “respeito pela dignidade” da instituição. Estão previstos avisos, advertências, a retirada da palavra, a aplicação de uma multa (de mil a dois mil euros) e a exclusão de um deputado de uma sessão plenária.
O presidente também pode interromper ou suspender a sessão em caso de desordem e até abandonar a mesa. Também pode chamar a atenção de quem se afastar do assunto do debate. Se um orador insistir depois de três avisos, pode ficar sem direito ao uso da palavra.
Se a violação da ordem for considerada grave, o deputado pode ainda ficar excluído dos plenários e comissões até 30 dias, ficando também impedido de receber as senhas de presença. No caso específico da Alemanha, há registo de violações da ordem que têm a ver com “referências a conceito ou o nome do tempo do nacional-socialismo”.
Áustria
Aqui também há avisos, advertências e, no caso de se repetirem três vezes, o deputado em causa pode perder o direito à palavra. Também está prevista uma multa de 500 a 1000 euros em caso de violação de informações classificadas por um membro de uma comissão de inquérito — um exemplo que terá mais a ver com a divulgação de informações no âmbito da comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP.
Espanha
As regras do Parlamento espanhol preveem que haja castigos quando os deputados “proferirem palavras ou expressões ofensivas à dignidade da Câmara ou aos seus membros, às instituições do Estado ou a qualquer outra pessoa ou entidade, ou quando, retirada a palavra a um orador, este continue a fazer uso da mesma”.
Se o deputado em causa não retirar o que disse, pode receber três advertências e ver-se, mais uma vez, sem direito a usar da palavra, podendo também ser excluído desse plenário. Se não abandonar a sala, o Presidente pode “adotar as medidas que considere pertinentes para efetivar a expulsão” e até ser “suspenso temporariamente” de deputado, por até um mês (há vários exemplos concretos de expulsões do plenário, por insultos a ministros ou a deputados).
França
Perturbar a ordem ou provocar tumultos, fazer ataques pessoais, provocar e ameaçar, apelar à violência, insultar a Assembleia e o seu Presidente ou outros órgãos de soberania ou cometer uma agressão no recinto: estes são os motivos previstos em França para castigar deputados.
Existe nesse Parlamento um responsável por aplicar estas regras e propor sanções, apresentando todos uns anos um relatório sobre a aplicação do código de conduta. As sanções possíveis vão de uma chamada de atenção a uma “censura” com exclusão temporária das instalações da Assembleia Nacional, sem receber metade da subvenção parlamentar.
Geórgia
Exige-se o cumprimento de regras de conduta, não discriminação de colegas, discursos que não violem a dignidade dos outros nem incluam discurso de ódio. Os deputados também não podem falar sem autorização do Presidente ou transportar armas. Podem ficar sem o direito de usar da palavra, ser convidados a sair da sala de sessões ou ser alvo de uma “retenção” de 5% do seu salário. Se desrespeitarem o código de vestuário também podem ser proibidos de entrar na sala de sessões.
Hungria
Perante comportamentos como perturbação ostensiva das sessões, contestação das decisões do Presidente ou uso de termos contra a dignidade de alguém, é possível suspender deputados, repreendê-los, excluí-los das sessões ou reduzir os honorários (o montante depende da gravidade da ação). Se houver violência física, pode haver uma “suspensão do exercício dos direitos de deputado por um período determinado”. Um deputado suspenso só pode votar por procuração.
Itália
Na câmara dos deputados e no Senado há regras diferentes, mas no primeiro caso existe um Comité Consultivo sobre a conduta dos deputados e prevê-se que perante “observações inoportunas” ou perturbação do debate um deputado possa ser chamado à atenção ou excluído do hemiciclo (se houver insultos) e obrigado a sair, se necessário.
Pode ficar inibido de participar nas sessões até quinze dias se apelar à violência ou provocar um motim, ou se envolver em ameaças, atos de violência ou usar expressões insultuosas. No Senado, em caso de “ultraje” a outro membro ou de resistência a ordens do Presidente, este pode “ordenar a detenção imediata do infrator e a sua apresentação à autoridade competente”.
Parlamento Europeu
Os deputados não podem comprometer o regular funcionamento dos assuntos parlamentares, a manutenção da segurança e da ordem no interior das instalações do Parlamento; perturbar a ordem da assembleia, adotar comportamentos impróprios ou exibir bandeiras ou faixas; recorrer a linguagem ofensiva no decurso de debates parlamentares que tenham lugar em plenário; e são responsáveis pelo comportamento das pessoas que “trabalhem para si ou cujo acesso às instalações ou aos equipamentos do Parlamento este tenha facilitado”.
O presidente do Parlamento Europeu pode retirar a palavra ao infrator e ordenar a sua expulsão do hemiciclo caso repita a infração ou, “em casos de excecional gravidade”, fazê-lo logo à primeira. Se for preciso, podem intervir os contínuos e o serviço de segurança do Parlamento. Podem ainda ser aplicadas sanções mais graves, para as quais é avaliado o caráter mais ou menos recorrente dos comportamentos e os danos que causa à reputação do Parlamento, como a perda do direito ao subsídio de estadia por dois a 30 dias, a suspensão temporária no todo ou em parte das atividades parlamentares; e a proibição de representar o Parlamento em delegações e conferências interparlamentares. Se a houver violação de informações confidenciais, pode ficar limitado o direito de acesso a esse tipo de conteúdos durante o máximo de um ano.
Polónia
Se os deputados obstruírem os trabalhos, violarem a tranquilidade ou o decoro do Senado, podem ser repreendidos e ser alvo de um processo que os fará perder até metade do salário, num período de até três meses.
Reino Unido
O Presidente da Câmara dos Comuns pode ordenar a um deputado “desordeiro” que se retire da sala ou que seja suspenso, assim como que o seu salário também o seja. A sanções também incluem pedidos de desculpa orais e escritos que devem ser publicados, mas os castigos podem levar, no limite, à expulsão do deputado.
Roménia
Os deputados e senadores devem respeitar a “solenidade” e “bom funcionamento” das instituições, incluindo através do vestuário e da linguagem, e não podem levar faixas nem cartazes. Se o fizerem, depois de uma chamada à atenção podem ficar sem direito à palavra e ser retirados da sala.
Suíça
Não existe um código de conduta específico, mas há sanções previstas para “caso de violação grave de normas processuais administrativas ou quebra de segredo oficial” e incluem a repreensão do deputado e a sua suspensão de participação nos trabalhos das comissões pelo máximo de seis meses. Em 2017 foi elaborado um memorando específico sobre assédio sexual.