*Artigo originalmente publicado a 20 de novembro de 2015, no dia em que a adoção por casais homossexuais foi aprovada e Eduardo Beauté ainda estava casado com Luís Borges, e recuperado a 7 de setembro de 2019, aquando da morte de Eduardo Beauté. O casal viria a divorciar-se em 2016.
Às 7h30 da manhã, o mais novo já está ao colo do pai. Eduardo e Eduardo seguem para o quarto da princesa da família. Lurdes acorda, um pouco a custo, e salta logo também para o colo do pai. E lá vão eles, os dois agarrados ao pescoço do cabeleireiro, acordar o terceiro que ainda está a dormir com o papá. Já não há mais espaço no colo, por isso Lurdes salta para o chão e Bernardo, ainda ensonado, ocupa o lugar da irmã.
De repente, já estão os três sentados, cada um na sua cadeira, todos alinhados. Não falta muito até que Soraia Cardoso, a babá, chegue com três papas. Lurdes está mais interessada nas aventuras da Heidi que passam no canal Panda. O pai já tem a lição estudada: os favoritos da Lu são a Heidi, o Ruca e a Dora. É difícil definir a ordem de preferência.
Eduardo Beauté e Luis Borges juntam todas as características para serem alvo de discriminação. Vejamos: são dois homens, casados, têm 21 anos de diferença de idade, são pais e, como se não bastasse, os filhos são um menino e uma menina negros e um com Trissomia 21. Podia haver mais algum potencial para preconceito contra esta família?
Quando falamos do pai, falamos de Eduardo Beauté. Quando falamos do papá, falamos de Luis Borges. A distinção foi ideia de Eduardo para simplificar a vida às crianças. E funciona. “É giro porque eles conseguem distinguir-nos perfeitamente e o Bernardo, tendo trissomia 21, quando começou a aprender as palavras, apontava para as fotografias e dizia “pai, papá” e isso enche-me o coração”, destaca Luís Borges.
A seguir a Bernardo veio Lurdes e depois veio o bebé Eduardo, que fez um ano a 4 de novembro. O mais pequeno também já sabe quem são os pais. “Como é óbvio, o Edu diz primeiro papá do que pai, porque é mais fácil de dizer, e o Eduardo não está a achar muita graça”, conta Luís, entre risos.
Quando despedir alguém é contratar o amor
Em três dias não funcionou. Funciona agora há quase sete anos. O casal Luís e Eduardo são o produto de um despedimento. Luís tinha 21 anos e estava há um ano em meio em Lisboa. Na altura trabalhava num espaço comercial. Viu um anúncio que pedia rececionistas para o salão de cabeleireiro de Eduardo e decidiu candidatar-se. Foi a uma entrevista com o próprio. Eduardo admitiu-o mas, passado três dias, despediu o modelo. “Ele achou que eu não era a pessoa indicada para estar naquele cargo porque na verdade eu queria era ser manequim e aquele trabalho era mais para ganhar dinheiro”, lembra Luís, no conforto do sofá da sala.
Eduardo confessa que o atual marido não estava apto para aquela função. Mas continuaram a ver-se e ficaram amigos. De amigos passaram a namorados e de namorados passaram a casados. Namoraram dois anos e Luís decidiu pedir Eduardo em casamento. O pedido ocorreu quando o modelo estava em Nova Iorque, em trabalho. A acompanhar a pergunta “Queres casar comigo?” estava a canção “Empire State of Mind”, de Alicia Keys, que depois abriu a cerimónia.
Luis Borges é um dos modelos portugueses com mais sucesso lá fora. O percurso começou em 2007, quando a irmã o inscreveu no concurso Elite Model Look. Não ganhou, ficou nos semifinalistas e alguns meses depois foi para a agência Central Models.
Em 2009, Luis foi com Eduardo a Paris, numa viagem do cabeleireiro para descobrir as tendências para cabelo, e o namorado aproveitou para ir procurar agências. Fez logo um desfile para a Fashion Week da capital francesa e não mais parou. Entrou numa agência em Nova Iorque e já desfilou para marcas como Yves Saint Laurent ou Hermés e já fez campanhas para Tommy Hilfiger, Vera Wang, Tom Ford e Bennetton.
O sucesso de Eduardo nos cabelos começou a desenhar-se no início dos anos 80. Começou aos 15 anos a experimentar e hoje tem um salão em plena Avenida da Liberdade, uma das artérias mais luxuosas do país. Foi no início que surgiu o apelido “Beauté”. Eduardo Ferreira é da Marinha Grande e tinha decidido abrir um salão em Leiria, ali perto, a que deu o nome “Eduardo Haute-Beauté”. “As pessoas quando iam ao meu cabeleireiro diziam que iam ao Eduardo Beauté e assim ficou. Acabei por registar o nome”, conta.
Hoje é um dos cabeleireiros mais famosos em Portugal, responsável pela imagem de Fernanda Serrano, Mariza, Fátima Lopes, Rita Guerra, Maria Vieira e outras figuras públicas.
Com a minha Nana (Fernanda Serrano), durante um Show para cabeleireiros, ainda muito jovens, solteiros e sem filhos. Mas hoje mais velhos, casados e pais, muito felizes e com uma amizade mais forte que nunca :P
Publicado por Eduardo Beauté em Quarta-feira, 17 de Junho de 2015
A manhã continua em alvoroço. Bernardo já está pronto, mas quer mais animação e pede “música, música”. O pai acede à vontade do mais velho e põe a aparelhagem da sala a tocar. Ouve-se o início do hit “Bo Tem Mel”. Bernardo rejubila e Lurdes vem a correr. O mais novo dança com o apoio do pai. A seguir há “Não me Toca” e ainda uma outra canção do mesmo estilo. Kizomba é o género musical que agrada a todos. Mas como a vida não é só dançar, há que pôr mochilas às costas e ir para a escola.
De casa ao colégio são cerca de 10 minutos a pé. Um trajeto só feito de carro quando o tempo assim obriga. Por norma é a babá que leva os três meninos de manhã e vai buscá-los ao fim do dia. Quando os horários se alinham, o pai e o papá fazem o trajeto com os filhos.
Dia do Pai e Dia da Mãe já não se usa
O colégio das crianças foi escolhido a dedo. “Damos apoio a todas as famílias respeitando as suas características”, começa por definir o diretor. E essa lista de características é extensa: há crianças sem necessidades especiais, crianças com necessidades especiais (como Trissomia 21, caso do Bernardo, e perturbações do espetro de autismo), crianças brancas, crianças negras, crianças católicas, crianças muçulmanas, crianças de todos os tipos de família. A escola oferece todas as terapias que Bernardo precisa para potenciar o desenvolvimento, como terapia da fala, terapia ocupacional, equitação, natação e outras (a pedido dos pais o nome da escola não será revelado).
“A diversidade desta escola é a diversidade do mundo. Se pensarmos, nós aqui criamos o mundo atual. As crianças têm aqui a oportunidade de saber que há crianças que são especiais, convivem com o outro e com a ideia de que ele faz parte da sociedade.” E não há grandes atividades, jogos ou debates sobre as diferenças. A inclusão é praticada, simplesmente, “pela forma de estar. As salas de aula têm de tudo. Nós respeitamos a individualidade de cada um”, destaca.
Uma diversidade que se nota logo nos auxiliares e nos educadores. Há mulheres, homens, todos diferentes entre si e alguns com uma imagem que choca com a do educador tradicional. Há até um funcionário com paralisia cerebral, que cuida do cavalo das aulas de equitação. Todos os pormenores que podiam motivar a desconfiança ou o franzir de testa de muitos pais. Mas não ali: “Nós escolhemos os funcionários pela competência. O que importa é serem bons no que fazem. Estamos a falar de inclusão — toda a gente respeita toda a gente”, refere o responsável.
Ali é tudo pensado ao pormenor. O dia do pai e o dia da mãe são duas datas marcadas no calendário de 99% das escolas e dos infantários. Esta escola faz parte dos 1% revolucionários. Não há dia do pai nem dia da mãe, há três vezes no ano que se comemora o dia da família. Mas porquê? “Imagine uma criança que já não tenha pai. Vai comemorar o dia do pai se o pai já faleceu? Ou se o pai está a viajar e nesse dia não pode ir à escola, a criança fica triste com isso. Imagine uma criança que já não tem mãe? Ou uma criança com dois pais ou com duas mães?” Tudo situações modernas.
“O que nós fazemos é: ao longo do ano, as famílias têm três dias para vir à escola comemorar o dia da família: num dia pode vir o pai, no outro dia pode vir a mãe, no outro dia podem vir os avós ou a pessoa que é a referência para a criança. Há crianças que têm uma grande ligação com a babá e vem a babá, por exemplo. É o dia da família porque a família pode ser quem eles entenderem“, acrescenta o responsável.
E são as próprias crianças que fazem o convite a quem gostavam que viesse. A palavra de ordem é “inclusão” e, a partir daí, tudo na escola tem de funcionar respeitando todos e todas. As dúvidas mais básicas, como a questão do preenchimento da ficha que habitualmente tem “pai” e “mãe”, são imediatamente derrubadas pelo responsável. “O processo de inscrição foi perfeitamente normal. Não houve questão nenhuma. Em vez dos dois campos “mãe” e “pai”, têm dois campos “pai” e “pai”.
Terem figuras públicas como pais naquela escola não é novidade, já que há mais pais com cargos políticos e económicos relevantes. E todos os pais são tratados de forma igual, garante o diretor. Mas há mais crianças com duas pais ou duas mães? “Oficialmente não… Informalmente sim”.
E a mãe? Não há mãe?
O amor está escrito pela casa toda. Está marcado para que nunca se esqueçam do que mora ali. Na porta do quarto de casal está colada a palavra “Love”. No topo da parede da sala de estar, outras quatro letras constroem a palavra “Amor”. O vermelho é uma das cores fortes da casa, também não escolhido ao acaso.
Há fotografias espalhadas por toda a casa. Os noivos com as madrinhas de casamento, os pais com Eduardo na piscina, a família ao lado da árvore de Natal, a família a celebrar os aniversários. Nos quartos de Bernardo e Lurdes, identificados à entrada com o nome colado à porta, também não faltam fotografias do crescimento. Além disso, estão pendurados dois terços: um cor de rosa e um azul.
Lurdes rouba as atenções do clã. Ela dança o Panda Style (adaptação do canal Panda ao hit “Gangnam Style”) às 8 da manhã enquanto esperneia na cadeira, ela mostra os movimentos das aulas de Ballet, ela mostra os desenhos que fez na escola, ela abana incessantemente a mini-anca e deixa escapar algumas sílabas da canção “Não Me Toca”. Lurdes nasceu a 8 de janeiro, no mesmo dia que o pai, um “sinal” que o motivou a querer ficar com a menina.
E quando o cérebro das crianças começa a mexer, o que é que vem a seguir? As perguntas difíceis. Lu já percebeu que, na escola, todos os meninos e meninas têm um pai e uma mãe e ela tem um pai e um papá. A pergunta mágica calhou na rifa da babá, Soraia Cardoso, de 24 anos. O pai conta: “A Lu perguntou-lhe: ‘a minha mãe?’ E a babá ficou muito atrapalhada, não sabia o que responder, e eu disse-lhe: diga-lhe que a mãe está na Guiné e ela está com o pai e com o papá, porque a Guiné é muito longe, é em África, e a mãe não podia dar-lhe leitinho, papinha, a escolinha onde ela adora ir… Então a mãe deixou a Lu ir para Portugal para o pé de nós”. Aos pais, nunca perguntou nada.
Mas o casal identifica ainda uma outra figura materna: Nossa Senhora. Tanto Eduardo como Luís são devotos de Nossa Senhora de Fátima e vão regularmente ao santuário, no concelho de Ourém. Nossa Senhora de Fátima “é a mãe deles do coração”. E é esta a mensagem passada às crianças: “aquela senhora que está ali naquela redoma é a vossa mãe”, disse-lhes Eduardo, no local.
Que saudades que eu tenho destes 3 ! Saudades da teimosia da Lu, da traquinice do Bernardo e da alegria do Edu.
Publicado por Luis Borges em Quarta-feira, 7 de Outubro de 2015
Luís conta, aliás, que dá sempre uma percentagem do ordenado a Nossa Senhora de Fátima. É o cumprimento de uma promessa. “Acho que muitas das coisas que me aconteceram até hoje, devo-lhe a ela. Portanto faz sentido. Sou devoto, rezo e acredito.”
Para eles, está tudo ligado. O facto de Bernardo ter nascido a 13 de maio não é por acaso. Bernardo já é batizado pela Igreja e a madrinha é a cantora Mariza. Lu e Edu também já têm pretendentes destinados: Ana Sofia será a madrinha da menina e Rita Pereira será a madrinha do menino.
Filhos de estrelas, estrelas são
A relação de Luís e Eduardo tornou-se mediática de uma forma inesperada. Não foi por fotografias de paparazzi, não foi por “fontes próximas” nem por especulação das revistas cor-de-rosa. Foi através de um anúncio no Facebook, feito pelo modelo.
“Nós já estávamos completamente encantados um pelo outro. O Luís estava em Nova Iorque a trabalhar e eu fiz uma cena de ciúmes porque já estava cheio de saudades dele. E o Luís, para provar que eu não tinha de estar assim, fez um post no Facebook a dizer que eu era o homem da vida dele e que me amava, isto com uma fotografia nossa em Paris”, conta Eduardo.
Minutos depois, jornalistas de revistas sobre celebridades e figuras famosas ligaram incessantemente para o telemóvel do cabeleireiro a pedir um comentário ao sucedido. “Eu ainda nem tinha visto nada. Fiquei a saber porque tinha a imprensa a ligar-me”, recorda.
Luís confessa que foi uma atitude espontânea, daquelas de apaixonado fervoroso: “Eu nem pensei. Fiz porque queria fazer, foi assim”. E assim se estreavam as primeiras de centenas de páginas e as linhas de tinta sobre o par Eduardo Beauté/Luís Borges.
A seguir ao namoro veio o casamento e, poucos meses depois, veio o primeiro filho. Com Bernardo veio ainda mais curiosidade de fãs e seguidores. “Disse-se muita coisa que era mentira e eu senti que a nossa vida podia ser uma mensagem de amor”, refere Eduardo.
Luís Borges é o mais ativo nas redes sociais em geral e na partilha de fotografias da família em particular. Algo que considera natural, visto que os filhos e o marido são parte da vida dele, tal como o trabalho. “Acho que essa partilha é importante. Não faria sentido andar a esconder o Bernardo, a Lu e o Edu, porque as pessoas querem ver como é que eles crescem, como é que eles estão, e por isso nós levantamos um bocadinho o pano. E eu adoro publicar fotos deles. São meus filhos. Somos uma família normal, temos uma vida normal, os nossos filhos são realmente felizes. Acho que faz parte publicar as emoções, o dia-a-dia, os aniversários, o Natal… As pessoas gostam de ver e eu gosto de partilhar”, remata o modelo.
Os meus 4 amores. #happyfamily
Publicado por Luis Borges em Domingo, 15 de Novembro de 2015
“A proteção que eu tenho com os nossos filhos é muita mas a exposição com eles pode passar uma mensagem de que numa família com a minha também existe muito amor. Se pudermos servir de exemplo, porque não?”, questiona Eduardo. O cabeleireiro corrobora a opinião com um exemplo de eficácia: “Já houve mães que não aceitavam a orientação sexual dos filhos e que me agradeceram pelas redes sociais porque, com o nosso exemplo, passaram a aceitar. Dizem: ‘hoje aceito o meu filho graças a vocês”.
Esta partilha direta com o público origina muitos comentários e mensagens, a esmagadora maioria de apoio e de carinho, destaca Eduardo. Mas também já houve comentários críticos. “As situações que aconteceram, que não foram muitas, foram feitas por pessoas mais jovens. E isso é que me incomoda: como é que há pessoas de 50 e 60 anos que têm uma admiração incrível por nós e nos tratam de uma forma fantástica, e depois há rapazes de 15 ou 20 anos a fazer comentários menos agradáveis?”
Mas como é que Eduardo Beauté e Luis Borges têm três crianças?
Uma tia-avó do Bernardo entrou em contacto com o cabeleireiro e deu-lhe a conhecer a situação: um menino com Trissomia 21, nascido numa família muito pobre, já com duas crianças e sem condições para lhe dar o que uma criança com necessidades especiais precisa. Avançaram com um pedido de apadrinhamento civil para ficarem com os direitos legais sobre a criança. “Fomos a tribunal, tivemos todas as intervenções da Segurança Social, vieram ver as nossas condições de vida, como é que vivíamos, se vivíamos em conflito, num ambiente saudável e fizeram outras pesquisas que eu não saberei. Acho que tudo o que chegou ao juiz era favorável e o tribunal deu-nos a possibilidade de educarmos e criarmos o Bernardo“.
Na altura, Luis estava em Nova Iorque em trabalho. “Eu e o Eduardo falávamos por Skype e ele disse-me ‘Luis, tenho aqui um menino que tu tens de ver, nós temos de o adotar’. Nós estávamos a um mês de casar e eu disse: ‘Eduardo, agora a prioridade é o nosso casamento’, e o assunto ficou por ali. Passado uns meses, depois de termos casado, o Bernardo foi ao salão. Quando o vi, quando o tive nos braços, disse logo: ‘Ok Eduardo, este menino tem de ser nosso.’ Senti uma enorme ligação quando ele me abraçou”, recorda.
Depois veio Lurdes, diretamente da Guiné. Tudo começou através de uma amiga de Eduardo, diretora de uma ONG que atua em África. “Envia contentores com comida, bens essenciais, roupas, e um dia esses bens chegaram a uma aldeia na Guiné, tipo aldeia SOS, onde estão famílias muito carenciadas. A aldeia, como forma de agradecimento e de homenagem por aquela ajuda, prometeu à diretora da escola que iam dar o nome dela, Lurdes, à primeira menina que nascesse. E assim nasceu a Lu, que é Lurdes”.
Eduardo e Luis sempre quiseram ter uma menina. “Acho que é capricho de pais”, aponta Eduardo. Devido às poucas condições de vida dos pais biológicos de Lurdes, perguntaram a Lurdes, diretora da instituição, se conheciam alguma família que estivesse disposta a criar a criança. E Lurdes passou a mensagem ao amigo.
“Nós estávamos ainda com o processo judicial do Bernardo”, ainda era cedo mas, passado algum tempo, voltaram a perguntar se o casal estava interessado. “Aí eu quis saber um pouco mais sobre ela, então perguntei: então mas quando é que ela nasceu? Que idade tem? E aí dizem-me que a menina nasceu no dia 8 de janeiro, o mesmo dia que eu. E eu pensei: ‘não, isto é um sinal’. E assim foi”.
O futuro papá da Lu também não foi difícil de convencer. “Eu olhei para ela e disse: esta miúda é linda e precisa de amor porque realmente via-se o olhar triste dela pelas fotos. Aliás, na primeira sessão que nós fizemos, e uma das fotografias está ali (aponta para a sala de jantar), ela tinha um olhar triste. Não tinha aquele olhar de alegria que tem hoje”.
O mais novo nasceu há um ano e chegou ao casal com cinco meses e meio. Chama-se Eduardo por causa do pai. “Foi uma forma de agradecimento naquela aldeia da Guiné por termos acolhido a Lu. Para eles eu era um herói, um deus que tinha abençoado uma criança por lhe ter dado uma vida diferente“. Então, fez-se uma promessa: o próximo rapaz que nascesse naquela aldeia ia chamar-se Eduardo. E assim foi. O gesto comoveu o casal e não deixou dúvidas: vinha mais um bebé para a família.
E os pais biológicos?
A pergunta é respondida de uma forma muito tranquila pelos dois. A família biológica de Bernardo é a que está mais perto, “vive aqui a 10 km de nós”, esclarece Eduardo. Garante que têm uma boa relação com a avó e que não há qualquer questão por resolver. “Os da Lu e do Edu estão na Guiné e dificilmente os procurarão. Nunca mais recebi qualquer contacto dos pais da Lu. No caso do Edu, falei com o pai por situações burocráticas porque precisei que ele me enviasse documentos”.
Mais do que uma relação cordial, Eduardo tem com o pai biológico de Edu uma relação de afeto. “Ele chama-me irmão-amigo. Note-se que são pessoas muito agradecidas. Os meus três filhos foram entregues por amor, não foi por abandono. Egoísmo era querer conservar os filhos porque os outros vão dizer ‘tu deste, tu abandonaste…'”
Na verdade, tudo os liga e nada os separa. Os pais biológicos da criança e os pais do coração optaram pelo mesmo: não pensar nas eventuais críticas da sociedade e viver a vida com amor, da forma que entendem ser mais correta. Se os filhos, um dia mais tarde, quiserem conhecer as raízes e a família biológica, os pais garantem que eles próprios os acompanharão. “Eles têm uma história”, remata Luis. E é essa história que é igual à de tantas famílias: rotinas, birras, um pai mais autoritário do que o outro, festas de aniversário, desenhos animados pela manhã. “Acho que o essencial numa família é o amor. Se não houver amor, não há família. Se os nossos filhos estiverem felizes, o resto não importa muito”.