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“Nunca entendi porque é que as pessoas dizem ‘espera pela tua vez'” disse Marco Rubio numa entrevista ao Washington Post. “A presidência não é como uma padaria, onde cada um tira uma senha e espera pela sua vez para ser atendido.”
Voltou a dizê-lo numa entrevista à Fox News: “Ouvi isso quando concorri a um lugar no senado e oiço-o agora. ‘Espera pela tua vez, agora é a vez de outras pessoas.’ Eu não entendo porque é que há tão pouco sentido de urgência em relação ao futuro da América.”
E também foi por aí que começou a sua participação num dos primeiros debates das eleições primárias do Partido Republicano. O moderador perguntou-lhe “porque é que não abranda, porque é que não deixa mais coisas feitas, ou pelo menos acaba aquilo que começou?”. Rubio, que tem o hábito de dar respostas e fazer discursos de memória, respondeu como era esperado: “Isso é exatamente o que o establishment republicano diz. ‘Porque é que não esperas na fila?’ Esperar pelo quê? Este país está a ficar sem tempo”.
Já deu para entender que Marco Rubio — que, com 44 anos, é o candidato mais novo nas primárias do Partido Republicano — é um homem com pressa de chegar ao topo da política norte-americana.
O homem que partiu sempre de baixo para chegar ao topo
Rubio começou muito cedo — e, para quem agora quer subir até não haver mais para onde ir, a sua rota começou bem por baixo. Aos 26 anos, quando já tinha terminado o curso de direito na Universidade de Miami, e numa altura em que ainda vivia na casa dos pais, teve a sua primeira candidatura. O objetivo era um dos cinco lugares na City Commission de West Miami, a assembleia de poder local daquela freguesia de 6 mil habitantes.
Já nessa altura demonstrou estar ciente de que em política nada se faz sem trabalho de bastidores. Por isso, um dos primeiros gestos antes de oficializar a sua campanha foi dirigir-se à então líder da City Commission de West Miami, Rebeca Sosa, para conseguir o seu apoio. Sem aviso, apareceu-lhe em casa, enquanto ela tratava do jardim. Em pouco tempo convenceu a veterana, que no dia seguinte já estava a bater a portas com o jovem Rubio ao lado. Foi assim que, em abril de 1998, um ambicioso jovem de 26 anos se tornou num dos cinco responsáveis por legislar e executar assuntos como a recolha do lixo, a localização das paragens de autocarros ou os produtos alimentares vendidos nas máquinas automáticas de West Miami. Um trabalho necessário, que vinha com uma vantagem: o acesso a outros, e mais poderosos, políticos. Foi nessa altura que conheceu um homem que serviu como seu mentor e contra o qual agora concorre nas primárias do Partido Republicano: Jeb Bush, governador da Florida entre 1999 e 2007.
Não demorou até a City Commission ser demasiado pequena para os objetivos de Rubio. Em 1999, abriu uma vaga na Câmara dos Representantes da Florida. Rubio concorreu às primárias do Partido Republicano para chegar àquele posto e, contra as expectativas, conseguiu derrotar um conhecido jornalista da televisão local com uma vantagem de apenas 64 votos. E, mais tarde, nas derradeiras eleições venceu a candidata do Partido Democrata. Saiu de Miami e foi para Tallahassee, a capital da Florida e sede do governo daquele estado.
Na Câmara dos Representantes houve quem pensasse que aquele jovem de cara lisa e sorriso ténue era um estagiário — chegaram a mandar-lhe tirar umas fotocópias. Enquanto isso, com a pressa do costume, Rubio continuava a subir. Já em 2000, nove meses depois de ter chegado, tornou-se whip do Partido Republicano naquela assembleia — um cargo que tem como função coordenar, regular e impor a disciplina de voto, embora informalmente, num grupo parlamentar. Em 2002, passou a líder de bancada dos republicanos. E, em 2006, subiu ao último degrau do poder local da Florida e tornou-se speaker da Câmara dos Representantes.
Durante a sua ascensão em Tallahassee, entre os bastidores da política estatal e sua crescente pressa, Rubio conseguiu ainda assim arranjar tempo para ler duas vezes o mesmo livro, segundo conta a sua biografia, The Rise of Marco Rubio, do jornalista do Washington Post Manuel Roig-Franzia. “Era mais provável que Rubio lesse a secção de desporto dos jornais do que tomos filosóficos pesados. Mas pela altura em que tinha acabado o seu primeiro mandato, já tinha devorado o Atlas Shrugged de Ayn Rand duas vezes.” Rand, escritora russa que fugiu da União Soviética para os EUA em 1926, foi uma defensora acérrima do individualismo e também uma forte opositora à coletivização e ao alargamento da esfera de intervenção dos governos. Segundo a sua biografia, Rubio leu-a como se de um manual se tratasse: “Em 1957, a opus de Rand (…) tinha atingido o estatuto de culto e era praticamente leitura obrigatória para qualquer conservador aspirante”.
Quão aspirante? O suficiente para, como sempre, continuar a dar o próximo passo: ser senador pelo Partido Republicano pela Florida. Também aí, como já fazia parte da sua história, partiu de baixo. Ao início, a máquina do Partido Republicano escolheu o ex-governador da Florida, Charlie Crist. Mesmo assim, Rubio avançou, dando início a eleições primárias. Os números não começaram animadores para o benjamim, nessa altura já com 39 anos: nas primeiras sondagens, Crist aparecia com 57% dos votos e Rubio apenas com 4%. Era janeiro de 2009.
Mas, para sorte de Rubio, as coisas não correram bem a Crist, que não tardou a ser alvo de críticas dentro do partido por ter apoiado o pacote de estímulo à economia de 2009, do então recentemente eleito Presidente Barack Obama. Quando a dinâmica política da altura pedia uma oposição cerrada a Obama, Crist falhou — e Rubio subiu o tom. Com isso, as sondagens foram passando gradualmente para o lado de Rubio, que percorria o estado a bordo de uma carrinha Ford F-150, numa campanha de porta a porta. Em abril de 2010, Crist aparecia nas sondagens com 33% e e Rubio com 56%. Crist desistiu das primárias republicanas e concorreu como independente, deixando o espaço aberto para o seu concorrente de 39 anos.
O debate entre os dois passava a ser aquele que viria a transformar o Partido Republicano nos anos vindouros. De um lado, estava Crist, um homem com experiência política e habituado à realpolitik — o que, nalguns casos, levou a que estendesse a mão aos seus adversários e lhe valeu a fama de indeciso. Do outro, Rubio, o jovem político em ascensão clara que, ao misturar no seu discurso o conservadorismo nos costumes com a agenda libertária em assuntos fiscais, ganhou o apoio de um grupo que surgia naquele momento no seio do Partido Republicano: o movimento Tea Party. O objetivo, mais do que nunca, era atingir o recém-eleito Barack Obama e as suas políticas de expansão estatal. “Eu sou o único candidato nesta campanha que se opõe ao ObamaCare”, disse na altura, referindo-se ao plano de saúde pública idealizado por Obama, fazendo disso ponto de honra.
No fim, Rubio venceu com facilidade. Conseguiu arrecadar 49% dos votos, contra 29,7% de Crist e 20,2% de Kendrick Meek (democrata). “Estivemos muito perto de nos esquecermos de quem somos e de esquecermos o que somos enquanto país”, disse Rubio no seu discurso de vitória.
Eram eleições para um lugar de senador pela Florida, sim. Mas, por essa altura, o discurso já era para o país inteiro. Estava consagrado aquele que daí em diante ficaria conhecido como o “Príncipe do Tea Party” e, a partir de então, uma cara incontornável do Partido Republicano. Jovem, carismático, bem parecido e representante de uma minoria étnica — um Obama conservador. Foi requisitado para (quase) tudo.
Em 2011, Nancy Reagan, a viúva do Presidente Ronald Reagan, pediu que o discurso de inauguração de uma biblioteca em honra ao seu marido na California fosse feito por Rubio. Assim, a ex-primeira-dama fez-se acompanhar pelo jovem político ao entrar na cerimónia, apoiada no braço dele. A certa altura, Rubio inclinou-se para a mulher de então 90 anos para lhe dizer algo ao ouvido. Frágil e apanhada desprevenida por aquele gesto, a mulher de um dos maiores ícones da história do conservadorismo norte-americano desequilibrou-se e tombou para o lado. Rubio, cujos dotes no futebol americano lhe valeram uma bolsa de estudo na Universidade de Miami, deu uma prova dos seus bons reflexos ao agarrar Nancy Reagan pelo braço, mesmo antes de uma queda que poderia ter sido fatal.
Não demorou muito até que alguns tratassem de procurar simbolismo naquele momento. O site fundado pelo comentador conservador Glenn Beck, The Blaze, escreveu: “Herói! Marco Rubio salva Nancy Reagan em queda”. E o Los Angeles Times também não fugiu a esse tom: “Marco Rubio ao socorro! O senador novato salva Nancy Reagan em queda”.
Em 2012, foi um dos homens mais próximos do candidato presidencial republicano, Mitt Romney, tornando-o cada vez mais conhecido dentro e fora do partido. Rubio chegou a ser um dos nomes a serem equacionados para vice-Presidente na candidatura de Mitt Romney — o escolhido acabou por ser Paul Ryan, atual speaker na Câmara dos Representantes.
Em 2013 foi ele a fazer a habitual resposta do Partido Republicano ao discurso do Estado da Nação de Barack Obama, que então iniciava o seu segundo mandato. O discurso acabou por ficar conhecido por outras razões, que não o seu conteúdo. A meio do direto de 15 minutos, Rubio, que tem lidado com problemas de garganta desde que passou a ser um político de projeção nacional, parou de falar e pegou algo atabalhoadamente numa garrafa de água que tinha à mão. O momento foi alvo de paródia e tornou-o numa presa fácil das redes sociais.
Ainda assim, no seu discurso, deixou algumas das linhas que já marcavam, e continuaram a marcar, a política do Partido Republicano. Ainda com a tragédia de Sandy Hook fresca nas memórias dos norte-americanos, a escola primária do Connecticut onde 20 crianças e 6 adultos foram mortos a tiro, Rubio lamentou o sucedido mas lembrou o artigo da Constituição que preserva o direito às armas: “Temos de lidar com o aumento da violência no nosso país. Mas desconsiderar os direitos da 2ª emenda da Constituição dos americanos que respeitam a lei não é a melhor maneira de fazê-lo”. Sobre a economia e o papel do Estado, voltou a ecoar as ideias do Tea Party: “A escolha não é entre um governo grande ou o grande capital. Nós precisamos é de um governo pequeno, responsável, eficaz e eficiente, que permita às pequenas e novas empresas criarem postos de trabalho para a classe média (…). Temos de fazer a economia crescer para criarmos mais contribuintes e não mais impostos”. E também tocou de raspão na “crise de valores”: “Nem todos os problemas podem ser resolvidos pelo Governo. Muitos são causados pela crise de valores na nossa sociedade. E a resposta a esses desafios está em primeiro lugar nas nossas famílias e na nossa fé. Não está nos nossos políticos”.
Mas foi para o fim dos seus 14 minutos de fama que Marco Rubio guardou a parte sentimental do seu discurso. Pegando num discurso que repete amiúde, adaptando-o às circunstâncias, o jovem político filho de cubanos decidiu terminar com uma nota de esperança, como é apanágio da narrativa do “sonho americano”: “Esta noite, em todo o país, há pais que vão pegar nos seus filhos recém-nascidos pela primeira vez. Para muitos desses pais, a vida nem sempre foi o que eles planearam. Talvez eles tenham crescido em circunstâncias das quais tiveram dificuldades de escapar. Talvez tenham feito alguns erros pelo caminho. Talvez sejam mães jovens, sozinhas, com o pai da criança desaparecido. Mas, hoje à noite, quando olharem para os olhos do seu filho pela primeira vez, as suas vidas vão mudar para sempre. Porque naqueles olhos, eles vão ver o que os meus pais viram em mim e o que os vossos pais viram em vocês. Eles vão ver todas as esperanças e todos os sonhos que eles tiveram para eles próprios. Este sonho — de uma vida melhor para os seus filhos — é a esperança de todos os pais”.
O “filho de exilados” que (afinal não) fugiram de Fidel Castro
13 de abril de 2015. Um dia depois de Hillary Clinton ter anunciado que iria começar a sua campanha para ser a primeira mulher a liderar os EUA, Marco Rubio fazia outro anúncio: queria ser o primeiro filho de cubanos a chegar à Casa Branca.
“Eu vivo num país excecional, onde o filho de um homem que serviu num bar e de uma empregada de limpezas pode ter os mesmos sonhos e o mesmo futuro daqueles que vêm de famílias com poder e privilégios”, disse, numa cerimónia na Miami Freedom Tower. O sítio não poderia ser mais simbólico: durante tempos, foi ali que aqueles que fugiam do regime de Fidel Castro se registavam para dar entrada nos EUA.
Mario e Oriales. São estes os dois nomes centrais da narrativa pessoal de Marco Rubio. Desde cedo, ainda quando ganhava notoriedade na Florida, o jovem político fez questão de falar da história dos seus pais. No discurso que precedeu a sua tomada de posse enquanto speaker da Câmara dos Representantes na Florida, Rubio traçou a história da sua família e de várias que partilham a sua história: “Em janeiro de 1959, um bandido chamado Fidel Castro tomou o poder em Cuba e vários cubanos foram forçados a sair dos país. Muitos fugiram para a América. Foram recebidos pelo povo mais acolhedor do mundo, que lhes disse que se trabalhassem no duro e cumprissem as regras, era possível subir na vida. E foi isso que fizeram”. E, por fim, terminou com uma declaração simbólica, com referência ao passado dos seus ancestrais, mas também ao seu futuro: “Eu serei sempre o herdeiro de duas gerações que não cumpriram os seus sonhos. Independentemente dos cargos que eu vier a ocupar na minha vida, eu serei sempre o filho de exilados”.
“Filho de exilados.” A expressão é usada vezes sem conta na retórica de Rubio. A história dos seus pais é um leitmotif nos seus discursos para defender ou introduzir as suas ideias — um artifício que está longe de lhe ser exclusivo. Mas, ainda assim, um artifício que foi posto em causa quando o seu biógrafo descobriu, através da consulta do registo de entrada de Mario Rubio (pai de Marco, que morreu em 2010), onde se lia inequivocamente uma data: 27 de maio de 1956. Isto é, três anos antes da subida ao poder de Fidel Castro.
“Uma revisão dos documentos — incluindo os papéis referentes à naturalização e outros registos oficiais — revelam que o republicano da Florida embelezou os factos”, escreveu o biógrafo de Rubio no Washington Post. “Na Florida, estar ligado à comunidade de exilados do pós-revolução dá um cachet político que nunca seria reconhecido a alguém identificado com o êxodo pré-Castro, um grupo encarado com suspeitas.”
Em resposta, Marco Rubio publicou um artigo no Politico onde recusava as acusações do seu biógrafo. Nele, o jovem político reconheceu que os seus pais eram imigrantes económicos, algo que nunca tinha feito parte dos seus discursos anteriores: “Eles vieram [para os EUA] porque queriam atingir o que não conseguiam atingir na sua terra”.
Mas, fora isso, Rubio classificou as alegações do Washington Post “ultrajantes”, referindo que, embora os seus pais não tivessem fugido de Castro, foi também esse mesmo homem e o seu regime que impediram que a família regressasse ao país de origem. A mãe de Rubio chegou a tentá-lo, acompanhada pelos dois irmãos mais velhos de Marco, que ainda não era nascido. “Mas depois de algumas semanas, tornou-se claro que as mudanças em Cuba não eram para melhor. Era o comunismo. E no final de março de 1961, poucas semanas antes da invasão da Baía dos Porcos, a minha mãe e os meus irmãos saíram de Cuba e a minha família voltou permanentemente para os EUA”.
O artigo acabava a afinar pelo diapasão de sempre: “As pessoas não votaram em mim porque pensavam que os meus pais vieram em 1961, em 1956, ou qualquer outro ano. Entre outras coisas, eles votaram em mim porque, enquanto filho de imigrantes, eu sei quão especial a América é. Enquanto filho de exilados, eu sei o quão doloroso é perdermos o nosso país.”
Yeyberth: “Os pais de Rubio tiveram Castro, eu tenho Chávez”
Em 1956, os pais de Marco Rubio saíam de Cuba em direção aos EUA em busca de uma vida melhor. 40 anos depois, em 1996, a mãe de Yeyberth López procurava o mesmo, com uma filha debaixo do braço, enquanto saía de Caracas, na Venezuela.
Yeyberth nasceu em 1986 com Gaucher, uma doença genética rara que lhe foi diagnosticada quando ainda era bebé. Pior do que a certeza da doença, era a certeza de que não havia cura. Embora tivesse acompanhamento médico, a sua saúde piorava cada vez mais. Porém, em 1991, foi aprovado um tratamento nos EUA para a doença de Gaucher. A partir desse momento, a mãe de Yeyberth tratou de enviar pedidos sob a forma de carta a médicos de todo o mundo para que pudessem tratar a sua filha. Também o clínico responsável pela criança expunha o seu caso em congressos de medicina em todo o mundo, na esperança de ser encontrada uma solução.
Numa dessas ocasiões, o médico de Yeyberth trocavas ideias com um colega venezuelano radicado em Memphis, no estado norte-americano do Tennessee, que na altura trabalhava num hospital pediátrico daquela cidade. Falou da sua paciente e a resposta não podia ter sido melhor: “Vamos arranjar uma maneira de trazê-la para cá com a família”. Pouco tempo depois, Yeyberth chegava com a mãe e com a irmã a Memphis, onde passaram a viver de forma legal graças a um visto específico para tratamento clínico. “Tenho a certeza de que se tivesse ficado na Venezuela tinha morrido”, garante ao Observador numa entrevista por telefone.
A vida nova nos EUA não foi fácil. Sem a ajuda do pai, que preferiu esquecer a família e ficar para trás na Venezuela, a mãe das duas crianças tinha apenas 500 dólares para qualquer emergência. Sem dinheiro para pagar uma renda e com poucas perspetivas de emprego, a família de três aceitou ser acolhida na casa de uma outra família. Em troca de um teto, trabalhavam.
“Fazíamos limpezas, trabalhos de jardinagem, tomávamos conta dos filhos deles, preparávamos a comida… Fazíamos tudo. E eles deixavam-nos dormir num quarto lá de casa”, conta. Fizeram o mesmo em várias casas, saltando de família em família. Passado algum tempo, começaram a ser recomendados a outras famílias, onde começaram a receber dinheiro. Yeyberth tinha 9 anos.
Hoje, Yeyberth tem 29 anos e continua a viver em Memphis. Casou-se, teve um filho que hoje tem seis anos, divorciou-se e passou a ser mãe solteira. Além de trabalhar num call-center de apoio informático a empresas, estuda engenharia informática numa universidade comunitária de Memphis. Os cerca de 1600 dólares que recebe mensalmente têm de chegar e sobrar para a renda de 840 dólares e para a prestação mensal do serviço de saúde público (o tal Obamacare) de 320 euros. A isso, tem de somar os custos de criar um filho sozinha. As contas são apertadas, mas isso não é de agora. O que é mais recente é a falta de tempo. Muito em parte porque, além de todos os seus afazeres, tem um outro objetivo: garantir que Marco Rubio é o próximo Presidente dos EUA.
Para já, Yeyberth tem feito campanha nas redes sociais, onde é administradora do grupo de Facebook Marco Rubio for President. Além de distribuir panfletos, também já fez parte de um banco de chamadas de campanha para a Florida — e em breve começará a fazê-lo para o estado do Tennessee. Por cima disso, Yeyberth está constantemente em campanha por Rubio: na maior parte das vezes que sai de casa, seja para ir às compras ou para ir ao cinema com o filho, leva um boné com o nome do seu candidato preferido.
Yeyberth sabe de memória a data em que começou a apoiar Rubio: “Desde 13 de março de 2014”. Foi nesse dia que Marco Rubio foi um dos redatores do projeto-lei S.2142, onde eram aplicadas sanções a personalidades específicas do regime venezuelano, impedindo-as de irem aos EUA. O senador da Florida foi convencido a tomar essa posição depois de ter sido abordado pelo grupo IVAC (Independent Venezuelan-American Citizens), uma associação da qual Yeyberth faz parte e que dá apoio aos venezuelanos que, após saírem do seu país por razões políticas, queiram ir para os EUA.
“Isto era contra as pessoas que apoiavam o Maduro mas que vinham à Florida com regularidade. Iam lá gastar o dinheiro do povo venezuelano, instalavam-se em grandes mansões, deixavam lá os filhos a estudar e depois voltavam para a Venezuela a dizer que os EUA são o demónio”, lembra Yeyberth, ainda indignada. “Então nós falámos com o Marco e ele aceitou a nossa proposta. Demonstrou uma enorme dedicação ao assunto.”
Yeyberth nem sempre se considerou republicana. “Eu apoio quem fizer aquilo que está correto”, diz. Em tempos, chegou a estar mais próxima dos democratas, mas hoje garante que não estava familiarizada com as propostas daquele partido. Hoje, acredita que este está cada vez mais próximo do socialismo. “Quando percebi o que eles defendem disse ‘não, não, não, não vou apoiar isso’. O Partido Democrata está a aproximar-se cada vez mais da sua corrente socialista. Em vez de ensinar as pessoas sobre as vantagens de haver um Governo mais reduzido, com menos intervenção, com liberdade e coisas desse género, estão cada vez mais socialistas.”
A prova disso, defende Yeyberth, é o auto-denominado “socialista democrata” Bernie Sanders. “Se o ouvirmos falar ele diz que isto é grátis, aquilo é grátis, o não sei quê é grátis, tudo é grátis! Grátis? Isso não existe. É grátis para uns, mas depois os outros é que pagam!”, explica. “Quando o oiço falar só me lembro de Chávez.”
Yeyberth fala dos EUA, mas não consegue impedir que o seu discurso divague para a Venezuela. “As coisas lá estão péssimas e é tudo resultado do socialismo”, vai repetindo na conversa com o Observador. “Eu sei como as coisas são na Venezuela. Já chegou ao ponto de as pessoas não conseguirem comprar papel higiénico e de terem de fazer fila durante horas a fio para comprarem bens essenciais. Neste país, quando já se viveu noutro sítio, quando se conhece outra realidade, acabamos por conhecer melhor o que é bom e o que é mau.” Para a Yeyberth, os dois lados da barricada estão bem definidos.
Até porque, à semelhança daquilo que Rubio diz dos seus pais, também ela se sente uma exilada, embora tenha chegado aos EUA depois da eleição de Chávez em 1999 — 40 anos depois da subida ao poder de Castro. “Como a família do Marco, eu não posso dizer que vim para aqui porque estava a fugir do socialismo”, garante, para depois contrapor: “Mas também não posso voltar para a Venezuela agora com tudo o que temos lá. Os pais de Rubio tiveram Castro, eu tenho Chávez. A vida lá é péssima, não há liberdade de expressão, há manifestantes mortos. Eles são uns terroristas”.
A aversão ao socialismo e um passado de imigração e consequente exílio não são as únicas coisas que ligam Yeyberth a Rubio. Para a venezuelana, há algo no sangue que os liga: são ambos latinos. “Como latinos, somos conservadores, amamos as nossas crianças e não abortamos. Estamos muito ligados à religião. E somos trabalhadores”, garante, com ênfase para esta última frase. “Nós somos mesmo trabalhadores. Não vimos para aqui para ter tudo de borla. Não estamos aqui para tirar os empregos aos outros. Quem pensa assim, está mal informado.”
Dúvidas houvesse, na frase seguinte Yeyberth diz claramente de quem é que está a falar: “Tudo o que o Donald Trump diz é mentira”.
Será um latino o suficiente para convencer os latinos?
Mas é precisamente Donald Trump que continua à frente nas sondagens para as eleições primárias do Partido Republicano. Segundo o Huffington Post, que faz a média de todas as sondagens de opinião relevantes, o magnata nova-iorquino segue à frente com 34,8% dos votos. A seguir está Ted Cruz — também ele filho de cubanos e ultraconservador — com 18,7%, o número mais alto até hoje. Em terceiro, e também com a sua melhor pontuação desde que anunciou a sua candidatura, está Rubio com 15,3%.
Os números não são, pois, sorridentes para Rubio. À sua frente tem Trump e Cruz (que juntos somam 53,5% das intenções de voto), dois homens que, cada um à sua maneira, têm moldado o debate das primárias para o Partido Republicano. Tanto um como o outro apoiam intransigentemente a construção de um muro vigiado entre o México e os EUA (ou o fortalecimento, nos casos onde o muro já existe) com o objetivo de parar a onda de imigração para solo norte-americano. Porém, entre Cruz e Trump, é o último quem cavalga mais a onda de discurso anti-imigração. Um discurso feito em julho, menos de um mês depois de ter anunciado a sua candidatura, que continua a marcar o debate dos republicanos: “Quando o México envia pessoas para os EUA, não estão a mandar os melhores. Estão a mandar as pessoas com muitos problemas e eles estão a trazer esses problemas consigo. Estão a trazer drogas. Estão a trazer crime. São violadores. E, admito, alguns são boas pessoas”.
A maior parte das pessoas que ouviram ou leram estas declarações já não foram a tempo de prestarem atenção à parte em que Trump concedia que, entre os imigrantes mexicanos, “alguns são boas pessoas”. O tema da imigração passou a ser central no debate republicano e Trump soube monopolizá-lo em seu proveito, chegando a prometer que, quando construísse um muro entre os dois países, iria obrigar o México a pagar a obra.
No que toca à imigração, Marco Rubio já teve várias posições. Em 2013, chegou a fazer parte do Gang of Eight, um grupo de senadores republicanos e democratas que pretendia adotar um pacote de leis moderado, que previa um processo de regularização de 11 milhões de imigrantes sem documentos já a residir nos EUA, ao mesmo tempo que propunha um controlo mais apertado da fronteira. De repente, Rubio estava lado a lado com senadores democratas. Glenn Beck, comentador conservador, chegou a chamar-lhe “um pedaço de lixo”. A lei passou no senado (mas não chegou a ser aplicada), com o nome de Rubio por baixo.
Mas pouco demorou até o jovem senador se afastar da sua obra, que lhe custou o apoio entre o eleitorado mais conservador. Rubio retirou o nome da lei da imigração e, de repente, passou a defender políticas menos permissivas nesta matéria — e, acima de tudo, começou a evitar o assunto. Segundo o Boston Globe, Rubio falou em “imigração” ou “imigrantes” 135 vezes no senado em 2013. Em 2014 e 2015, fê-lo um par de vezes.
Mais do que qualquer outro candidato nestas primárias, Rubio tenta um equilíbrio necessário mas difícil de atingir. Por um lado, tenta agradar ao eleitorado republicano conservador sem o qual não consegue vencer umas primárias republicanas. Por outro, não pode esquecer o eleitorado latino — as estimativas indicam que, para o Partido Republicano conseguir vencer umas eleições presidenciais, precisa de pelo menos 43% do voto latino.
Contactada pelo Observador, a diretora da agência de estudos de opinião política Latino Decisions, Sylvia Manzano, responde de forma lacónica e peremptória à pergunta: “Ainda é possível Rubio dar a volta às sondagens e conseguir vencer as eleições primárias do Partido Republicano?”. “Duvido”, ouvimos do outro lado do telefone.
“Rubio colocou-se a ele próprio num beco sem saída, em que não consegue cativar o voto branco republicano nem atrair o voto latino”, explica Manzano. Por um lado, Rubio terá dificuldades em resgatar o debate da imigração do extremismo de Trump e Cruz, que têm neste momento a atenção de grande parte do eleitorado republicano. A juntar a isso, está a vez em que, embora sem chegar até ao fim, tentou levar para a frente uma lei de imigração lado a lado com os democratas. “Essa mudança de ideias não oferece segurança nenhuma aos eleitores republicanos que não são latinos”, explica. E essa mesma inconstância também não o beneficia com os latinos: “Não é assim que lhes vai ganhar quaisquer votos”.
Mas mesmo que Rubio ganhasse as eleições primárias do Partido Republicano — noutras alturas, e embora a outra escala, o “filho de exilados” provou que sabe ganhar, mesmo partindo como lanterna vermelha —, conquistar o voto latino para o Partido Republicano seria sempre uma missão (quase) impossível.
Neste momento, segundo vários estudos de opinião, republicanos e latinos estão mais distantes do que alguma vez estiveram. Mas não é de agora.
Em 2012, 71% de latinos votaram em Obama. “São sete votos em dez!”, sublinha Manzano. Enquanto isso, nesse mesmo ano, 61% de latinos disseram ser a favor do ObamaCare, enquanto apenas 25% se opuseram à ideia — uma lei que, em 2015, tinha reduzido em 12,3% a percentagem de latinos sem seguro de saúde. A prova dada de que a oposição cerrada do Partido Republicano ao sistema de saúde pública pode ser coerente com a sua ideologia, mas não com as suas necessidades eleitorais.
O resultado? Numa sondagem de agosto da Gallup, onde eram medidas as taxas de aprovação de latinos entre os vários candidatos, Cruz tinha -7% e Trump -51%. Rubio apareceu com 5% — fraco prémio de consolação, que o punha ao mesmo nível do então relativamente desconhecido Bernie Sanders. E bem atrás do número colossal de apoio a Hillary Clinton entre latinos: 40% de taxa de aprovação.
“Os republicanos estão feridos de morte junto do eleitorado latino”, explica Manzano. “E o mais irónico disto tudo é que foram eles que dispararam contra si próprios.”
Em tempos, Ronald Reagan disse que “os latinos são republicanos, só que ainda não o sabem”, referindo-se à posição conservadora em temas como a religião, aborto, casamento homossexual e outras questões de família. E, para Manzano, só décadas depois é que um republicano conseguiu efetivamente trazer o eleitorado latino para o seu lado: George W. Bush.
“Diga-se o que se disser de Bush, ele conseguiu construir uma ponte entre o Partido Republicano e os latinos como mais ninguém conseguiu”, diz a diretora do Latino Decisions. “Por vezes ele falava em espanhol, chegou a cantar o hino dos EUA em espanhol, até teve uma banda mariachi a tocar o hino na Casa Branca, por amor de Deus”, diz Manzano de repente, rindo-se da diferença desses tempos para os atuais. “As pontes que demoraram anos a serem construídas foram totalmente queimadas por este discurso anti-imigração.”
Quando Marco Rubio saltou para a primeira fila do Partido Republicano, a ideia era trazer uma cara jovem e vibrante para demonstrar que os conservadores estavam prontos a virar a página. Rubio poderia apelar ao voto jovem apresentando-se como alguém que fala de forma descontraída numas alturas, e aguerrida noutras. Poderia apelar ao voto branco, conservador e de colarinho azul, ao defender um mercado livre e o acesso às armas. Poderia apelar ao voto religioso, garantindo a sua oposição ao casamento homossexual e ao aborto. E poderia apelar ao voto latino, cada vez mais indispensável, falando a sua língua e pegando nos temas favoritos da maior minoria dos EUA.
Rubio poderia ser tudo ao mesmo tempo. Mas, perante o voto latino, há coisas que não mudam, conforme conclui Manzano: “A etnia de Rubio não altera o facto de ele ser republicano”.