Índice
Índice
Não sei se outro primeiro-ministro tory foi alguma vez vaiado por uma multidão de monárquicos dedicados, mas parece que ele está a perder o balneário”.
Fonte (claramente satisfeita) do Partido Trabalhista ao The Guardian
Boris Johnson chegou à catedral de St. Paul e foi de imediato atingido pelo som, claro e evidente: “Buuuuuu”. Os apupos da multidão foram perfeitamente audíveis. O dia era supostamente feliz — o primeiro-ministro britânico vinha para participar na missa de Ação de Graças do Jubileu da Rainha. Mas a multidão não perdoou e deixou claro que a queda acelerada de Boris nas sondagens, movida pelas notícias sobre o “Partygate”, se sente nas ruas.
Impopularidade que se reflete também dentro de portas. No próprio partido, a conspiração faz-se pelos corredores e põem-se em marcha os processos para avançar com uma moção de censura. O Jubileu de Isabel II veio pôr água na fervura: o deputado Tobias Ellwood sugeriu mesmo um cessar-fogo, dizendo que o assunto deveria ser retomado só nesta terça-feira. Uma data que não é escolhida ao acaso, já que este é o dia em que o Parlamento britânico retoma a atividade e, há quem diga, o dia em que Graham Brady (presidente do Comité 1922, órgão responsável pelos procedimentos internos do Partido Conservador) pode revelar que uma moção de censura ao primeiro-ministro vai ser votada.
Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre o futuro de Boris Johnson.
A situação parece um déjà vu: em dezembro passado, um Boris Johnson ferido pelas primeiras notícias sobre festas em Downing Street durante o confinamento enfrentava rumores de que uma moção de censura estava a caminho. Não se confirmou. O que mudou agora? “A situação agora é mais perigosa”, assegura ao Observador Tim Bale, especialista no Partido Conservador da Universidade Queen Mary. “Johnson e o partido neste momento estão muito mais em apuros nas sondagens do que estavam [em dezembro passado]. Isso significa que os deputados tory estão mais preocupados.”
“Operação Salvar Boris”. O plano de Johnson para continuar ao leme do Reino Unido
Se em dezembro e nos meses seguintes o Partygate se resumia a notícias soltas sobre “bring your own booze” e “vinho e queijo” na residência do primeiro-ministro, agora o relatório publicado por Sue Gray não deixa margem para dúvidas que em Downing Street não houve apenas uma, mas várias festas rijas durante o confinamento. Houve paredes da residência oficial pintalgadas de vinho, uma máquina de karaoke, duas pessoas a discutir de forma tão intensa que quase desembocaram em vias de facto, outra a vomitar, e até uma vaquinha criada para comprar um frigorífico onde guardar o prosecco.
Tudo numa altura em que os britânicos não podiam conviver com praticamente ninguém, estando até proibidos de ir a funerais de familiares próximos. E o relatório de Sue Gray deixa claro que em Downing Street havia noção de que as festas não deviam ser conhecidas do grande público — “Parece que nos safámos”, escreveu a certa altura por WhatsApp Martin Reynolds, ex-assessor de Boris Johnson, sobre as festas.
Para além de deixar claro que Boris Johnson é o primeiro chefe de um executivo britânico a quebrar a lei enquanto ocupa o cargo, o relatório de Sue Gray mostra também que o primeiro-ministro mentiu no Parlamento ao longo dos últimos meses. Se primeiro dizia não terem existido quaisquer festas e sim eventos de trabalho, agora diz que, perante a crise de Covid-19, era preciso “manter o moral em cima” dentro do governo.
“É verdade que no caso de Johnson a desonestidade é vista como algo que faz parte, mas isso é só assim para os seus maiores fãs”, avisa o professor Bale. “Os eleitores no geral nunca o adoraram assim tanto e sentem que foram enganados por um homem que agora é comprovadamente um mentiroso.” No Partido Conservador, roem-se as unhas: será que com Boris Johnson já não é possível vencer as eleições?
Ninguém escreve a Sir Brady? O número mágico de 54 cartas
As pessoas precisam de acordar e cheirar o café.”
Deputado conservador (e anónimo, claro) que defende a saída do primeiro-ministro, em conversa com o Daily Telegraph
É esse cálculo que muitos tories fazem agora. E já há quem diga — até veteranos como o ex-líder e ministro dos Negócios Estrangeiros William Hague — que a votação de uma moção de censura a Boris está mesmo quase a rebentar nos corredores de Westminster. Para isso, 54 deputados do partido têm de entregar uma carta a Sir Graham Brady, dizendo que perderam a confiança no primeiro-ministro. Cerca de 30 já confirmaram que o fizeram — e há quase outros 20 que criticaram Johnson em público, lançando especulação sobre se não terão também escrito a Brady.
O presidente do Comité mantém o papel de zelar pelo secretismo do processo, nunca revelando quantas cartas já recebeu: “É um processo confidencial e irei manter a discrição”, disse à iTV na passada semana. No partido, especula-se que as 54 cartas até possam já ter chegado, estando Brady apenas à espera do regresso ao Parlamento esta terça-feira, após o Jubileu. E se o número mágico ainda não foi atingido, o mais certo é estar-se perto disso. Não por acaso, a equipa do primeiro-ministro andou freneticamente a contactar os deputados mais rebeldes para tentar medir o pulso à rebelião interna no início da semana passada, de acordo com o Telegraph.
Boris Johnson cada vez mais na corda bamba. E Dominic Cummings vai fazer tudo para que caia
A votação de uma moção de censura a Boris Johnson começa a desenhar-se como uma inevitabilidade. Se não for já esta semana, pode ser no final do mês — depois das eleições intercalares para os lugares de deputados dos círculos eleitorais de Wakefield e Tiverton and Honiton. As sondagens mostram que os conservadores podem perder estes lugares para os trabalhistas e para os liberais-democratas, carregando na perceção de que com Boris já não se ganha eleições. O antigo aliado tornado inimigo, Dominic Cummings, já deixou a previsão: “As cartas [para a moção de censura] vão chegar antes das férias parlamentares do verão.”
Oposição interna a Boris ainda não se organizou
Deem-me um vilão do Bond, por amor de Deus.”
Um dos tories que quer afastar o primeiro-ministro, em conversa com o The Guardian, sobre a descoordenação dos conservadores para conseguir derrubar Boris
Os aliados uniram-se a toque de caixa, como é habitual. A ministra da Cultura, Nadine Dorries, saiu em defesa do primeiro-ministro esta semana, dizendo que os que o desejam afastar estão a fazer “o trabalho da oposição”. Priti Patel, ministra da Administração Interna, classificou o envio das missivas como “uma atração secundária”. E Jacob Rees-Mogg — que ocupa o cargo que agora se chama de ministro para as Oportunidades do Brexit — classificou como “extraordinariamente tonta” a possibilidade de afastar o primeiro-ministro.
Do lado do primeiro-ministro, portanto, preparam-se as defesas. Na mente de todos está o facto de que, mesmo que haja votação sobre uma moção de censura, Boris ainda pode evitar que seja aprovada — basta garantir que 181 dos deputados tory se opõem, o que não será assim tão difícil. Em teoria, o primeiro-ministro aí pode respirar de alívio, já que formalmente não pode ser sujeito a outra moção de censura durante um ano.
Mas a História do próprio Partido Conservador mostra que nem tudo é assim tão simples. “Tudo depende de quantas pessoas votarem contra ele”, resume Tim Bale. “Sim, segundo as regras, ele pode manter-se no cargo. Mas se o número de votos contra ele for superior a 100, na verdade isso não é assim tão óbvio.” Em 1990, os barões do partido pressionaram Margaret Thatcher a demitir-se antes ainda de saber o resultado do combate contra Michael Heseltine.
Mais recentemente, em 2019, Theresa May também abdicou do cargo de primeira-ministra por pressão interna dos conservadores. E tinha precisamente saído vitoriosa de uma moção de censura, chumbada apenas cinco meses antes. Os mais próximos de Boris Johnson, porém, ainda mantêm a fé: “Não sou um homem de apostas, mas, se tivesse de apostar, previa que ele vai sobreviver. Politicamente, é uma figura muito maior do que Theresa May”, diz ao Observador o biógrafo de Boris, Andrew Gimson.
“Uma das coisas a seu favor é que não há uma alternativa óbvia a Boris Johnson”, acrescenta o jornalista. Os nomes de possíveis sucessores repetem-se mês após mês: O ministro das Finanças (visto por muitos no partido como gastador), Rishi Sunak? A responsável pela diplomacia britânica, Liz Truss (que nem com a guerra na Ucrânia conseguiu eclipsar o primeiro-ministro)? Ou o sempre discreto (e “com ar de menino de coro”, diz Gimson) Jeremy Hunt?
Não há nenhum vilão digno de James Bond a tentar tramar Boris Johnson. O que o pode fazer manter-se no poder não tanto por mérito seu, mas por demérito dos adversários internos.
O líder “talismã” que sobrevive sempre. Até quando?
Este tipo faz o Houdini parecer o Mr. Bean.”
Aliado de Boris sobre as capacidades do primeiro-ministro como ilusionista
Perante um partido dividido, um país em tensão com uma inflação galopante e um mundo abalado por uma guerra na Ucrânia, Boris Johnson enfrenta o seu momento mais complicado desde que lidera o governo britânico. E, no entanto, há fortes hipóteses de que consiga, uma vez mais, atravessar esta tempestade e sobreviver como primeiro-ministro.
A imprensa britânica especula intensamente sobre como este pode ser um junho fatal para Boris — a altura em que gasta, finalmente, a sua sétima e última vida política. Mas o seu biógrafo, Andrew Gimson, sublinha que já viu este filme várias vezes: “Ele já foi subestimado tantas e tantas vezes no passado…”, afirma, com um suspiro. “Um dia destes vou estar errado em dizer que ele vai aguentar, mas, por enquanto, acho que estou certo. Ele é um tipo cheio de recursos.”
Uma atitude que para outros, como o professor Tim Bale, é demonstrativa da irracionalidade com que alguns dos aliados de Boris Johnson o acompanham: “Veem-no como um líder que funciona como uma espécie de talismã. Algo a que se podem agarrar durante uma crise e que os vai tirar dela.” Para o académico, porém, o “Partygate” não é uma crise como as outras: “Qualquer pessoa que se preocupe com a responsabilização democrática acha que Johnson se devia demitir.”
Gimson, é claro, não concorda, ou não fosse um velho amigo e admirador do primeiro-ministro. Mas até ele já tem menos fé em Johnson do que tinha no passado: “O mundo agora é imprevisível. Putin invadiu mesmo a Ucrânia, houve uma pandemia… Quem sabe o que pode acontecer com Boris Johnson nos próximos meses?”