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Fizemos um Data Detox de oito dias. E estivemos perto de controlar a nossa vida digital

Durante oito dias, seguimos a nossa pegada digital pelo computador e telemóvel para descobrir quanto da nossa informação pessoal está exposta a terceiros. E conseguimos recuperar alguma privacidade.

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Depois de terminar a minha sessão em todas as redes sociais e outras páginas que tinha abertas no computador portátil — algumas estavam abertas há meses — e de limpar o histórico do browser (aqui, senti aquele calafrio no momento de escolher a opção “desde sempre”) estava, segundo o Data Detox Kit, pronta para começar a seguir a minha pegada digital, o rasto de informação intencional e passiva que criei ao utilizar a Internet.

O Data Detox Kit é um projeto da Tactical Technology Collective, uma organização sem fins lucrativos com sede em Berlim que “dá formação, conduz pesquisa e cria formas de intervenção cultural que contribuem para o debate sócio-político em torno de segurança digital, privacidade e ética de dados”, como se apresenta no site. É uma de várias pequenas organizações e coletivos independentes que acreditam estar a combater o poder cada vez mais concentrado nas mãos de grandes organizações.

O princípio

Feitas as apresentações, mãos à obra. Começamos pelo Google, essa instituição tão intrinsecamente enredada no nosso dia-a-dia que se tornou verbo. Seguindo as instruções para o primeiro dia, googlei o meu nome. Ana ou ANA Brasil é simultaneamente a Agência Nacional de Águas do Brasil, uma organização não governamental criada para apoiar crianças pobres, uma cantora brasileira e uma designer de moda entre mil outras coisas e pessoas.

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Não é preciso sermos a Madonna para ter curiosidade sobre os resultados que aparecem quando pomos o nosso nome num motor de pesquisa — a maioria de nós já o terá feito em algum momento —, por isso foi muito mais interessante descobrir que existem sites onde podemos pesquisar por fotos.

"Procedi ao upload de uma fotografia minha que durante muito tempo serviu de perfil no meu Facebook e, ao contrário da maioria dos usuários do site, fiz figas para encontrar algo macabro. A minha foto num serviço de dating para transexuais no Japão ou num site de dadores de órgãos, por exemplo. Felizmente, a realidade ficou aquém da minha imaginação"

O TinEye, por exemplo, é um website usado por agências de fotografia como a Corbis ou a Associated Press para encontrar pessoas e sites que estejam a usar as suas fotos sem autorização. Da mesma forma, qualquer pessoa pode fazer upload de uma foto para o site que depois encontrará – ou não – a mesma fotografia a ser usada em outros sites e por outras pessoas.

Procedi ao upload de uma fotografia minha que durante muito tempo serviu de perfil no meu Facebook e, ao contrário da maioria dos usuários do site, fiz figas para encontrar algo macabro. A minha foto num serviço de dating para transexuais no Japão ou num site de dadores de órgãos, por exemplo. Felizmente, a realidade ficou aquém da minha imaginação. A única coisa que o TinEye encontrou ao lançar a sua rede na vastidão da Internet foi um resultado num motor de pesquisa de pessoas brasileiro que entretanto foi desativado. Obscuro, mas aparentemente nada de preocupante.

Segundo Alessandro Acquisti, professor de Tecnologia da Informação e Políticas Públicas na famosa universidade norte-americana Carnegie Mellon, a quantidade de fotografias que partilhamos na Internet está a crescer perigosamente. “No ano 2000, foram tiradas cerca de 100 mil milhões de fotos em todo o mundo, mas apenas uma fração foi colocada na Internet. Em 2010, 2,5 mil milhões de fotos foram partilhadas mensalmente só no Facebook, a maioria delas identificada”, explica o investigador italiano. Na TED Talk intitulada “What will a future without secrets look like?” (como seria um futuro sem segredos, em português), Acquisti explica que o crescimento exponencial de fotos disponíveis na Internet, aliado ao incrível desenvolvimento da capacidade de computadores reconhecerem pessoas em fotos, está a pôr em risco a nossa privacidade. A partir de uma foto, a do Currículo por exemplo, um potencial empregador pode encontrar na Internet outras fotos suas que não foram tiradas com o propósito de serem vistas fora do seu círculo íntimo.

O Google é o meu BFF

A pergunta que abre o segundo dia do Data Detox pode parecer um pouco exagerada ao início, mas rapidamente começa a fazer mais sentido. “Quase toda a gente usa pelo menos um produto da Google, mas será que usa tantos que permite à empresa conhecê-lo melhor do que ninguém? O Google é o seu BFF (Best Friend Forever, que em português significa “melhor amigo para sempre”)?”. Claro que não, pensei, mas depois segui as instruções do kit e fui até myactivity.google.com e vi todos os passos que dei naquele dia desde o momento em que acordei até ao momento em que estou a escrever.

Gosto de acordar e de fazer café enquanto oiço canais de drama no Youtube. Ninguém sabe disso – nem sequer o meu namorado que está na mesma casa. Mas o Google está bem a par da minha obsessão pelo Jeffree Star porque – fun fact – o Google é proprietário do Youtube. E fiquemos por aqui no que toca a informação pessoal embaraçosa.

Olhando para os dados que surgem no MyActivity, consigo recriar tudo o que fiz ontem. Os sítios a que fui aparecem como atividade no Google Maps, as coisas em que estava a pensar e que foram pesquisadas, os sites e vídeos que vi e a que horas, a partir de que dispositivo e de que localização. Todas estas pequenas peças parecem aparentemente não ter importância, mas juntas revelam o meu dia e uma parte de mim – não necessariamente aquela que tenho interesse em mostrar a outros. Afinal, “qualquer informação pessoal pode ser informação sensível” para outras pessoas, defende Acquisti.

De acordo com o Google, apenas eu posso ver esta informação, mas ainda assim é com desconforto que vejo registos tão detalhados da minha atividade. O que fazer? Posso simplesmente apagar a informação que me está a incomodar ou ir ao Privacy Checkup e mudar as minhas preferências, de forma a limitar o que o Google pode registar daqui em diante.

Quando alteramos as preferências, é claro que o Google não quer que limitemos o acesso à nossa informação. Os mapas vão funcionar menos bem, avisa a caixa de texto que entretanto apareceu, a pesquisa vai ser menos acertada e os resultados menos pertinentes. A ideia que transparece é que, para ter privacidade, temos de abdicar de algo em troca quando não tem de ser assim. Quem o defende é Tim Cook, CEO da Apple que numa entrevista com a Vice News no início de Outubro descreveu esta linha de pensamento como falaciosa. “Algumas empresas querem que as pessoas acreditem na narrativa que diz que eles têm que ter acesso a todos os seus dados para que os serviços deles funcionem melhor. Não acreditem nisso”, avisa Cook.

No momento em que estou a escrever, o Google detém 72,37% do mercado dos motores de busca. Há uma ligeira flutuação diária que pode ser acompanhada através do Net Market Share, mas nunca o suficiente para fazer o Google sequer pestanejar. O Baidu ocupa o segundo lugar no ranking dos motores de busca com uns míseros 13,94%.

Utilizar os muitos serviços e aplicações do Google implica estar constantemente a dar-lhe informação fresca e contribuir para o seu monopólio, daí que o Data Detox recomende usar “um motor de pesquisa que não guarde os seus dados para criar perfis ou gerar lucro”. Tipo o quê? “O DuckDuckGo, o Startpage e o Searx são boas opções”, pode ler-se.

Limpar os cantos ao Facebook

O Facebook é a maior rede social do mundo. Não só pelos seus mais de 2 mil milhões de utilizadores ativos, mas também porque detém outras redes sociais como o Instagram e o WatsApp. Não é por isso de admirar que o terceiro dia de Data Detox comece com uma limpeza ao nosso perfil.

Se não utiliza o Facebook, parabéns, a sua pegada digital é muito mais pequena do que a de qualquer usuário desta rede social. Se utiliza o Facebook, mas está confiante porque não partilha nada demasiado pessoal, desengane-se. Não se trata apenas de guardar para si as fotos do bebé ou a localização do restaurante onde comeu aquela deliciosa tosta com abacate. A simples atividade de gostar de um post, as páginas que segue ou mesmo quem aceita como amigo são dados que podem ser utilizados para inferir com alto grau de precisão informação tão sensível sobre si como a sua orientação sexual, a sua religião, etnicidade ou até que vícios tem. Assustador? Sem dúvida!

Nas definições de privacidade do Facebook, restringi o acesso às minhas publicações (por defeito estavam públicas) e, muito importante, quem é que me poderia encontrar através de uma pesquisa pelo meu e-mail ou número de telemóvel, e quem me poderia encontrar através de uma pesquisa num browser. Pelo caminho percebi porque é que houve umas quantas pessoas que eu nunca consegui encontrar o perfil – porque elas não queriam ser encontradas – e também que há mil definições de privacidade disponíveis mesmo debaixo dos nossos narizes. O facto de estas opções de privacidade existirem cria um argumento frequentemente utilizado pelas empresas que detêm muita da nossa informação pessoal, como o Facebook, de que as pessoas não se importam com a sua privacidade. Mas quem é que se pode preocupar com algo sem saber antes que a sua privacidade está a ser ameaçada?

Depois da polémica que envolveu a Cambridge Analytica, Mark Zuckerberg foi ouvido duas vezes no Congresso norte-americano

Getty Images

Apanha-me se puderes

Todos nós já tivemos um momento “Ahhh!” quando vemos um anúncio de pasta de dentes aparecer numa rede social depois de termos estado a pesquisar cáries. Ou mais evidente ainda, um anúncio de uma marca aparecer depois de termos estado no site a ver produtos que vendem. A sensação é a de estarmos a ser seguidos e, na realidade, estamos.

Tracking é o termo que designa o processo em que diferentes empresas, chamadas de trackers, recolhem dados sobre o utilizador, o que está a ler e aquilo que lhe interessa, sem que a pessoa saiba que está a acontecer. “O online tracking é uma parte integral do modelo de negócio da Internet e desempenha um papel vital numa indústria maior, que lucra com os nossos dados”, lê-se na página sobre o tema do Me and My Shadow, um projeto da Tactical Tech Collective que quer mais transparência sobre a indústria de dados digitais.

Ao quarto dia, chegou o momento de desintoxicar um dos principais culpados pela minha pegada digital: o meu browser, o programa que utilizo para navegar pela Internet – no meu caso, o Google Chrome, mas outras opções populares são o Internet Explorer ou o Safari. Sem querer começar uma discussão sobre qual é o melhor browser no mercado, vamos diretos à pergunta que interessa, o meu browser está por mim ou contra mim?

No Panopticlick, um site que analisa a resistência de um browser às diferentes formas de tracking, vejo que o Google Chrome vendeu-me por trinta moedas de prata. O meu browser não bloqueia trackers invisíveis nem anúncios que fazem tracking. Sim, é como um jogo de Pacman com demasiados fantasmas a fecharem o cerco sobre nós. Mais importante, o meu Google Chrome tem uma impressão digital única, ou seja, é facilmente reconhecido e seguido pelos diferentes sites e outros cantos da Internet. A impressão digital é uma combinação de diferentes fatores como o browser, mas também o computador, o fuso horário e até a língua em que operam. Pode ver quão única é a sua impressão digital aqui.

"Parece impossível, para já, navegar pela Internet totalmente incógnito. Resta-nos por isso a opção de baralhar seja quem for que esteja a tentar seguir-nos o rasto"

“Nenhum browser tem uma configuração de privacidade por default (por defeito) que seja realmente privada por default. A maior parte armazena cookies, assim como o histórico de navegação e outras informações que podem depois ser partilhadas [com terceiros]”, avisa a bula deste dia do Data Detox, antes de nos receitar algumas medidas de prevenção.

A primeira medida é uma bem conhecida de qualquer funcionário que usa um computador partilhado na empresa onde trabalha: a boa e velha navegação em modo privado que permite ver as páginas menos profissionais em horário laboral com alguma proteção. O Data Detox recomenda usar esta opção sempre que possível.

Numa vertente mais técnica, dou comigo a instalar plug-ins, mini-programas que vão trabalhar com o meu browser para tornar a minha pegada digital mais difícil de seguir. O Privacy Badger para bloquear trackers e o HTTPS Everywhere que promete fazer com que a minha ligação a sites esteja codificada sempre que possível. Repeti a análise inicial ao meu browser e voilá!, a proteção anti-tracking estava melhor.

Parece impossível, para já, navegar pela Internet totalmente incógnito. Resta-nos por isso a opção de baralhar seja quem for que esteja a tentar seguir-nos o rasto. AdNauseam é uma extensão que clica e gosta de todos os anúncios que surgem na Internet enquanto navegamos tranquilamente sem dar conta de que está a trabalhar nos bastidores. Sem uma preferência a guiar os cliques, não é possível criar um perfil e o tracking torna-se inútil.

Alô? Queria alguma privacidade, por favor

Em entrevista com a Vice News no início de Outubro, o CEO da Apple, Tim Cook, defendeu também que “a privacidade é um dos assuntos mais importantes do século XXI”. Cook, que no início de 2018 pediu mais e nova regulação para a indústria de dados e informação, salientou o papel do telefone neste braço-de-ferro. “Estamos numa fase em que há mais informação sobre si online e no seu telemóvel do que na sua casa. É muito provável que o seu telemóvel saiba o que esteve a pesquisar na Internet, conheça os seus amigos e relacionamentos, tenha todas as suas fotos… Pense só na magnitude desta informação!”.

Quer seja um iPhone ou um Android, o nosso telemóvel tornou-se num companheiro inseparável que, como tal, sabe todos os nossos segredos. Confiamos nele para indicar o melhor caminho até onde queremos ir, para recomendar restaurantes e bares, para guardar as nossas memórias e conversas íntimas. Por todas estas razões, o dia 5 do Data Detox é sobre telemóveis.

O percurso é muito semelhante ao que já fizemos no computador, o que só vem mostrar o quanto um telemóvel se tornou numa versão reduzida de um portátil. Há que limpar o histórico do motor de pesquisa e a navegação em modo privado é recomendada. Assim como a troca para um motor de pesquisa “que promova a privacidade”. Não há um motor de pesquisa apontado como sendo o mais amigável no que toca a privacidade, mas fica subjacente que é o Firefox Focus.

Para Tim Cook, CEO da Apple, "a privacidade é um dos assuntos mais importantes do século XXI”

Justin Sullivan/Getty Images)

Os viciados no telemóvel já sabem que um bom truque para poupar bateria quando se chega ao 1% é desligar o Bluetooth e o Wifi, mas ficarão felizes por descobrir que ao fazê-lo estão também a minimizar a informação que o telemóvel está a emitir. A localização é uma “toxina” que o telemóvel está constantemente a emitir, mesmo quando não estamos a usá-lo. Qualquer dúvida a este respeito desvanece se pensarmos na mensagem de boas-vindas que recebemos quando aterramos noutro país. O Data Detox desafia-nos a desligar os serviços de localização, a usar o modo vôo ou deixar o telefone em casa de vez em quando.

Talvez por já irmos adiantados no Data Detox, talvez por estarmos a sentir uma certa abstenção — acabaram-se os dias de despreocupação online —, começa a haver alguma irritação deste lado. Se não tenho nada a esconder, porque é que preciso de me preocupar tanto com a privacidade?

Aplicações e lamentações

Tenho 30 aplicações ao todo no meu telemóvel. O número inclui aplicações que já vieram com o telefone e, de acordo com o Data Detox, coloca-me no nível Baixa Exposição (entre 20 e 39 aplicações). Mais do que qualquer vontade de desintoxicar o meu ser digital, é a capacidade de armazenamento do meu telemóvel que me tem feito apagar diversas aplicações. Os 16GB de capacidade que me pareciam uma imensidão há dois anos entretanto encheram-se de música, e-mails e redes sociais.

Apesar do meu humilde número de aplicações — é considerada Alta Exposição alguém que tenha entre 60 e 80 aplicações no telemóvel — , estes ícones estão carregados de informação muito pessoal. Este ano, decidi fazer algumas mudanças importantes na minha vida que foram em muito auxiliadas por aplicações. Primeiro, deixei de fumar com um empurrãozinho da Smoke Free. Estou quase a completar o meu primeiro aniversário enquanto não fumadora e, apesar de já ter cumprido o programa, a aplicação continua a dar-me valiosa motivação, ao calcular quanto dinheiro poupei desde o meu último cigarro. Depois, para controlar a ansiedade e o peso que vieram com o meu novo estatuto de não fumadora, descarreguei a Couch to 5k que me ajudou a ser mais ativa e a gostar de correr pela primeira vez na vida.

No que toca a aplicações, menos é mais. Por causa da capacidade quase esgotada do meu telemóvel, no dia 6 do Data Detox, sinto-me como o miúdo que já sabia de antemão qual era o trabalho de casa e por isso fez um brilharete na aula. Não há nenhuma aplicação no meu telefone que não use frequentemente e que não tenha um contributo ou função importante para o meu dia-a-dia. A essas, limitei o acesso à minha localização apenas quando estão a ser usadas. Quanto menos souberem, melhor.

"Ainda que pareçam a Madre Teresa das aplicações, há que relembrar a velha regra da Internet que avisa que “quando um serviço é gratuito, não és o cliente, és o produto”. Os dados recolhidos por qualquer uma destas aplicações serão extremamente valiosos se vendidos"

Tanto a Smoke Free como a Couch to 5K são aplicações gratuitas, criadas pelo sistema de saúde britânico para alegadamente promover a saúde pública. Ainda que pareçam a Madre Teresa das aplicações, há que relembrar a velha regra da Internet que avisa que “quando um serviço é gratuito, não és o cliente, és o produto”. Os dados recolhidos por qualquer uma destas aplicações serão extremamente valiosos se vendidos, por exemplo, a empresas de produtos de cessação tabágica ou que queiram desenvolver acessórios de corrida.

Vamos pensar agora nas muito populares aplicações de dating. O Tinder e o Grindr, por exemplo, armazenam não só a informação pessoal do utilizador, mas também regista conversas, localização, o tipo de pessoas que lhe interessam, orientação sexual e por aí fora. Informação que é, de acordo com um artigo do Tactical Technology Collective, depois partilhada com o Match Group, a empresa por detrás de sites como o OkCupid, Meetic, BlackPeopleMeet.com, Match.com, Par Perfeito e Tinder, entre outros, assim como terceiros que podem vender essa informação.

O facto de as aplicações poderem ter uma vertente comercial, que não é abertamente divulgada, não invalida o impacto positivo ou a utilidade que podem ter. Pelo bem que te quero, perdoo o mal que me fazes? Talvez, mas a escolha tem de ser esclarecida.

Teoria e prática da conspiração

Se é uma daquelas pessoas que sempre se quis ver pelos olhos dos outros, o dia 7 do Data Detox vai ser divertido. No Ad Settings do Google, pode ver o perfil que o Google traçou de si, de acordo com a sua atividade e os temas que selecionou como relevantes para si ou, melhor dizendo, relevantes para a publicidade que lhe é mostrada enquanto navega pela Internet.

Aos olhos do Google, sou do sexo feminino, tenho entre 25 e 34 anos, com interesses tão díspares quanto Futebol Americano e Software de Vídeo. Claro que os diferentes países e cidades que visitei também lá estão porque nunca resisti a meter inveja aos meus amigos partilhando fotos de férias ou a procurar a geladaria mais próxima no Google Maps. Felizmente, o perfil que o Google criou de mim não corresponde inteiramente à realidade. Algumas características estão corretas, mas, por exemplo, nunca estive interessada em nenhum tipo de desporto, muito menos em Futebol Norte-Americano. Boa sorte para a próxima, Google!

Traçar o perfil de um utilizador é uma prática muito comum tanto dentro como fora da Internet. Quando vamos às compras, por exemplo, a maior parte dos supermercados e lojas vai criar um perfil pessoal para perceber os nossos padrões de consumo e interesses e posteriormente fazer alterações aos produtos que vende, à altura em que faz as promoções e à quantidade de stock disponível em coerência com os dados que recolheu. Numa loja física, a atividade é seguida sempre que usa um cartão de fidelidade, na Internet, os sites que visita seguem-no através de cookies e de tracking, além do perfil que a pessoa pode eventualmente ter criado sobre ela própria.

"O texto defende que perfis psicométricos estão agora a ser utilizados por entidades públicas e privadas para tomar decisões sobre o preço do seguro do seu carro, quem vai ser promovido na sua empresa ou até em campanhas políticas. Assustado? Eu estou"

Novo é inferir a partir de um determinado perfil de consumidor aquilo de que a pessoa vai precisar no futuro, com base no padrão que apresenta agora. É célebre a história do homem que perdeu a cabeça quando a filha adolescente recebeu pelo correio cupões de desconto para artigos de maternidade para usar na Target. O homem prontamente dirigiu-se a uma das lojas de departamento (visualize uma versão norte-americana do El Corte Inglés) para se queixar da situação, mas, quando dias mais tarde, recebeu um telefonema do gerente da Target a pedir desculpa pela situação, foi ele que teve de se desculpar. A sua filha adolescente estava mesmo grávida.

“As pessoas podem decidir não revelar certos detalhes das suas vidas, como a sua orientação sexual ou idade, contudo, esta informação pode ser prevista num sentido estatístico a partir de outros aspetos que elas optaram por revelar”, pode ler-se num estudo de investigadores norte-americanos intitulado “Traços privados e atributos são previsíveis a partir de registos digitais de comportamento humano“.

Aquilo que é passível de prever sobre nós também permite antecipar como vamos reagir numa determinada situação ou que qualidades valorizamos mais. Estamos a entrar num campo da Psicologia chamado Psicometria, dedicado a medir traços de personalidade, aptidões e capacidades. “Inferir perfis psicométricos significa receber informação sobre um indivíduo que, antes, apenas podia ser encontrada através do resultado de testes específicos e questionários. Quão neurótico é, até que ponto está aberto a novas experiências ou se tem tendência para ser conflituoso”, explica um artigo da Privacy International, uma organização que defende o direito à privacidade. O texto defende que perfis psicométricos estão agora a ser utilizados por entidades públicas e privadas para tomar decisões sobre o preço do seguro do seu carro, quem vai ser promovido na sua empresa ou até em campanhas políticas. Assustado? Eu estou. E parece certo que é esse o objetivo este dia de detox, que deixou para o fim a leitura de vários artigos que explicam o porquê de nos estarmos a dar ao trabalho de limpar o sistema.

Um novo começo

Quantas vezes é que já cliquei no botão para aceitar cookies porque queria ler um artigo sem nada a intrometer-se? Ou concordei com termos e condições sem os ler primeiro? As escolhas são feitas no curto prazo, sem preocupação com o que pode vir depois – afinal, muitas outras pessoas já viram este vídeo ou compraram esta marca e nunca ouvi falar de nenhum problema. Somos pessoas ocupadas, a viver num tempo de constante inovação e informação. Mas, em vez de me (nos) tentar desculpar, imaginemos como seria se realmente lêssemos os termos e condições de uma nova aplicação, por exemplo. Para denunciar esta impossibilidade, a Choice Australia, uma associação australiana para a defesa do consumidor, pagou a um ator para ler na totalidade as 73.198 palavras que compõem os Termos e Condições do Kindle. Foram precisas oito horas e cinquenta e nove minutos para ler todos os pontos.

“Quando alguém lhe disser que ‘as pessoas não querem saber de privacidade’, considere a opção de o jogo ter sido desenhado de forma a que elas não possam importar-se com a privacidade. Chegar à conclusão que esta manipulação existe é metade do caminho feito para ser capaz de se proteger”, defende Alessandro Acquisti, Professor de Tecnologia da Informação e Políticas Públicas.

Na sua Ted Talk sobre um futuro sem segredos, Acquisti vai ainda mais longe ao considerar esta consciencialização vital para o futuro da humanidade. “Acredito que a luta pelo controlo de informação pessoal é uma das batalhas que definem o nosso tempo. A batalha que vai decidir se esta enorme quantidade de dados será uma força em prol da liberdade ou algo que secretamente será utilizado para nos manipular. Neste momento, muitos de nós nem sequer sabe que esta luta está a acontecer, mas está, quer gostemos ou não”. Os últimos oito dias fizeram-me perceber exatamente isso.

No final do Data Detox, como no fim de uma dieta ou de um programa de X passos para deixar vício Y, o fim é suposto marcar um novo início. Portanto, o meu último dia foi dia de planear o meu reboot (recomeço). A partir de agora, sem a ajuda do plano, como é que vou criar uma rotina para regularmente limpar o meu histórico e cookies, usar a navegação anónima no Google, alternar entre diferentes browsers e incorporar os muitos outros passos que aprendi no meu dia-a-dia. A resposta é… Não vou. Da mesma maneira que não vou acordar às seis da manhã para ir ao ginásio, nem deixar de pôr açúcar no café. Mas estou alerta e vou tentar. Steve Jobs resumiu o problema na perfeição quando disse que “privacidade significa que as pessoas sabem no que é que se estão a meter”. E para isso acontecer, as mudanças têm de acontecer de ambos os lados. Pode fazer o seu Data Detox online aqui.

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